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terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Entre Ramos e Lembranças — A Velhice, a Doença e a Morte nas Colônias Italianas do Sul do Brasil



Entre Ramos e Lembranças — A Velhice, a Doença e a Morte nas Colônias Italianas do Sul do Brasil


Desde o momento da chegada ao solo gaúcho, os imigrantes italianos — muitos oriundos do Vêneto, Lombardia, Trentino e outras regiões do norte da Itália — trouxeram consigo não só a esperança de uma nova vida, mas também tradições profundas, moldadas por fé, costume e comunidade. 

Nas colônias rurais, onde cada colônia ou lote era isolado de seus vizinhos, a vida transcorria entre o trabalho na terra, a construção da casa, o cultivo da videira ou da lavoura — e, por consequência, o enfrentamento das agruras da existência: doenças, velhice, sofrimento. A ausência de médicos ou hospitais próximos tornava cada enfermidade uma provação marcada pela incerteza. 

Nessas circunstâncias, a comunidade se tornava o sustentáculo de quem adoecia. Famílias, vizinhos e amigos organizavam rodízios de cuidado, muitas vezes clareados por lamparinas na noite do campo, garantindo auxílio, conforto e presença. A religiosidade — herança da terra natal — servia de alicerce: rezas em dialeto, terços, pequenos altares domésticos, lamparinas e a fé em santos aliados ao cotidiano.

Quando a enfermidade se tornava incurável, ou a velhice chegava, a expectativa era de uma passagem serena — marcada pela certeza de dever cumprido, de uma vida dedicada à labuta e à família. E a morte, longe de ser tratada apenas como um fim, era compreendida como um rito de passagem: cercada de devoção, temor e respeito quase reverente.

Ritos, crendices e práticas de despedida

No leito final, familiares pediam perdão de possíveis mágoas, afinavam a reconciliação — como se a alma precisasse partir em paz. A casa recebia velas acesas, água benta, orações. O corpo do falecido era lavado com cuidado, vestido com suas melhores roupas, mantendo os olhos fechados — pois deixá-los abertos era interpretado como mau presságio, prenunciando outra morte na família em breve.

O velório durava longas horas — por vezes um dia inteiro — geralmente na sala de estar ou quarto da casa, com o corpo sobre o leito original, ou depois sobre tábuas apoiadas em cadeiras, aguardando a confecção do caixão por um carpinteiro da comunidade. A carroça puxada por bois, coberta por panos negros, transportava o féretro até a igreja ou, quando não havia padre, o rosário era recitado em comunidade. Nos cortejos, mulheres cobriam a cabeça com véus, os homens tiravam o chapéu. Na chegada ao cemitério, os presentes lançavam terra sobre o caixão — simbolizando o retorno do corpo à terra que haviam cultivado.

Em muitas localidades, após o enterro eram celebradas missas e novenas em intenção da alma do falecido — um laço de fé que permitia aos vivos expressar dor, saudade e esperança de reconforto eterno para quem partira. 

Memória, retratos e legado de ancestralidade

Numa época em que o retrato fotográfico era privilégio raro — e os fotógrafos geralmente “itinerantes” —, a morte chegava com um pedido mórbido e terno: famílias chamavam o retratista para fotografar o falecido dentro do caixão, cercado por parentes, como forma de eternizar sua memória. Para muitos, era a única recordação visível do ente querido que partiu. Essa tradição — estranha aos olhos modernos — revela a força do afeto, da saudade e do desejo de fixar raízes mesmo na dor. 

Essa memória, hoje, encontra-se preservada em acervos, fotografias amareladas, narrativas orais, costumes transmitidos de geração a geração, e no patrimônio imaterial — o dialeto, a fé, os costumes, o respeito pelos mais velhos —, compondo a gama que identificam as comunidades ítalo-gaúchas. 

Novas camadas de crenças, medos e rituais — além do funeral tradicional

Com base em relatos históricos e etnográficos sobre os imigrantes italianos (e seus descendentes) no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, identificam-se as seguintes crenças, simpatias e tabus associados à doença, à velhice e à morte:

Crença na alma e no “vínculo espiritual” após a morte — Algumas tradições consideravam que a alma do falecido permanecia temporariamente “presa” ao corpo até o enterro. Se o corpo não fosse lavado corretamente, ou se não fosse vestido apropriadamente, isso poderia trazer mau-agouro, dificuldade da alma “partir” ou mesmo o retorno como espírito perturbador. 

Uso de água benta e rezas para purificação e proteção — Era comum lavar o corpo com água benta, como forma de “limpar” o falecido, afastar maus espíritos, e garantir uma passagem segura da alma. 

Preparação ritual cuidadosa do corpo: roupas limpas, lençóis brancos, itens religiosos — Vestir o corpo com roupas limpas e claras (às vezes branco), cobri-lo com lençol branco, incluir crucifixos, terços ou outros objetos sagrados junto ao corpo, como proteção espiritual.

Medo de “mão errada” ou “olhares errados”: preservação dos olhos fechados — A crença de que deixar os olhos abertos poderia atrair má sorte ou permitir que o falecido “chamasse” outros familiares, provocando uma nova morte. Isso aparece nas práticas funerárias descritas nas comunidades. 

Ritos de purificação da casa após a saída do corpo — Depois do velório e enterro, era costume varrer a casa por alguém de fora da família e abrir portas ou janelas, simbolizando que a morte havia saído e para evitar que o “espírito” permanecesse preso. 

Medo do “não enterro digno”: o temor de que funerais mal feitos causassem desgraça à família — Nas comunidades de colonos, a ausência de médicos, a pobreza, o isolamento, às vezes tornava difícil cuidar do corpo corretamente, o que gerava ansiedade sobre o destino da alma. 

Valorização da comunidade e do cuidado mútuo — curandeiros, benzedeiras, rezas, fé popular — Com a falta de acesso a médicos ou hospitais, os colonos recorriam a remédios populares, “curas de fé”, benzedeiras, rezas, invocações religiosas ou até práticas espirituais herdadas da Itália — um sincretismo entre catolicismo e fé popular. 

Temor dos “mortos que não descansam”: fantasmas, aparições, locais amaldiçoados — Algumas comunidades mantinham o medo de espíritos, especialmente de pessoas mortas de forma violenta ou abandonadas — a migração muitas vezes deixava pessoas pelo caminho. Os cemitérios, velórios ou até casas onde alguém havia morrido eram vistos com suspeita ou respeito reverente. 

Penitências, promessas, devoções às almas dos falecidos e santos de proteção — A religiosidade manifestava-se não apenas em missas ou novenas, mas na devoção a santos e às almas do purgatório, acreditando-se que estas podiam interceder em momentos de calamidade, doença ou morte. 

Esses elementos mostram que, para muitos imigrantes, a experiência da morte — e o receio da doença — iam muito além do fim da vida física; envolviam a sobrevivência espiritual, o medo do desconhecido, a proteção da comunidade e uma religiosidade intensa que se adaptava às novas realidades do Brasil, mas mantendo vivas crenças trazidas da Itália.

Conclusão — Vida, Morte e Comunidade: herança que permanece

A experiência dos imigrantes italianos, especialmente dos vênetos, nas colônias do Rio Grande do Sul, mostra como a doença, a velhice e a morte foram atravessadas não apenas como tragédias individuais, mas como fenômenos coletivos, marcados pela solidariedade, pela fé e pela memória. O cuidado mútuo, os ritos de despedida, o respeito aos mais velhos, as tradições de luto e as práticas simbólicas revelam uma cultura de proximidade — essencial para enfrentar a dureza da terra, o isolamento, o sofrimento e a mortalidade. Hoje, ao revisitar essas narrativas, resgatamos não só costumes e crenças, mas também valores de comunidade, pertencimento e humanidade — um legado que permanece vivo em famílias, histórias, fotografias e na paisagem social do Sul do Brasil.

Nota do Autor

Este texto pretende dar voz às memórias silenciosas dos pioneiros italianos no Rio Grande do Sul — suas dores, suas esperanças, seus rituais de fé e despedida. Ao resgatar esses fragmentos de vida e morte, busca-se fortalecer a compreensão da identidade ítalo-gaúcha e preservar para as novas gerações o valor da comunidade, da memória e da tradição.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

A “Pequena Itália” no México — História, Imigração Vêneta e Tradições Preservadas


 

A “Pequena Itália” no México — História, Imigração Vêneta e Tradições Preservadas

No século XIX, em meio à fome e à instabilidade provocadas por enchentes e crises econômicas na região do Vêneto, muitas famílias decidiram deixar a Itália em busca de um novo começo. Em 1882, cerca de 50 famílias — totalizando aproximadamente 550 pessoas — originárias principalmente de comunidades como Segusino, Quero, Valdobbiadene, Feltre e Maser partiram rumo ao México. Essas famílias fundaram a colônia que viria a se chamar Chipilo, no estado de Puebla.

Inicialmente a localidade ficou conhecida como Colonia Fernández Leal, e depois como Chipiloc — nome de origem náhuatl. Em 1899, foi oficialmente reconhecida como povoado com o nome Chipilo. 

Chipilo Hoje: Demografia, Idioma e Identidade Cultural

 . População e herança vêneta

Atualmente, Chipilo permanece uma comunidade pequena — com pouco mais de 4 000 a 4 500 habitantes. A grande parte da população é descendente direta dos colonos originais. A comunidade preservou sobrenomes típicos de origem italiana/vêneta e manteve tradições culturais herdadas dos antepassados. 

. O dialeto vêneto e o “veneto-chipileño”

Uma das características mais notáveis de Chipilo é a manutenção do dialeto vêneto, adaptado localmente como “veneto-chipileño”. Apesar de estar no México, muitos habitantes continuam falando essa língua dentro de casa e entre si. Segundo relatos de moradores locais, as crianças aprendem o vêneto como primeira língua em casa — antes do espanhol — o que faz do Chipilo um caso raro no continente americano de preservação linguística de uma comunidade de imigrantes. 

Economia, Cultura e Tradições de Chipilo

. Agricultura, laticínios e carpintaria

Embora os colonos tivessem chegado com expectativas de cultivar uvas ou olivais, as terras se mostraram inadequadas para essas culturas. Em resposta, os imigrantes vênetos se adaptaram: voltaram-se para a criação de gado, produção de laticínios e, com o tempo, desenvolvendo a carpintaria e a fabricação de móveis rústicos. Essa adaptação permitiu não só a sobrevivência da comunidade como também seu crescimento econômico. Atualmente, os móveis artesanais de Chipilo têm alcance nacional e, em muitos casos, internacional.

Identidade, costumes e resistência cultural

Chipilo preserva diversas tradições trazidas da terra natal. A arquitetura, os costumes, a gastronomia — incluindo pratos, queijos e alimentos típicos — e o dialeto fazem com que a cidade seja conhecida como uma “pequena Itália” no México. 

Os habitantes mantêm forte senso de comunidade, e muitos valorizam a herança cultural de seus antepassados. Em festas, na comida, nos negócios e até no modo de cumprimentar — com o dialeto vêneto —, a italianidade permanece viva em pleno território mexicano. 

Chipilo: Um Caso Único de Imigração e Preservação Cultural

Chipilo representa um exemplo raro — talvez único em âmbito latino-americano — de como uma comunidade de imigrantes europeus conseguiu manter, por gerações, sua língua original, seus costumes e sua identidade cultural, mesmo vivendo fora da Itália. A comunidade resistiu à assimilação total e preservou sua essência, algo reforçado por gerações que aprenderam o dialeto em casa e transmitem às novas gerações. 

Estima-se que entre 3.800 e 4.000 chipileños descendem diretamente dos colonos italianos de 1882. Entre os sobrenomes vênetos que ainda se preservam em Chipilo, destacam-se aqueles trazidos pelos primeiros colonos vindos do Vêneto, como Bortolussi, Dalla Costa, Dall’Omo, Dal Pozzo, De Nardi, De Rocco, Durigon, Furlan, Marcon, Menegazzi, Ongaro, Pasin, Piovesan, Roncato, Rossetto, Sandrin, Sasso, Schiavon, Tonin, Toffoli e outros que, ao longo das gerações, mantiveram viva a identidade vêneta na comunidade. Esse grau de preservação cultural — idioma, sobrenomes, tradições — faz de Chipilo um patrimônio vivo da imigração italiana nas Américas.

Conclusão do Autor

Chipilo é muito mais do que uma curiosidade histórica: é a prova viva de que a migração, mesmo tão distante e difícil, pode preservar raízes culturais profundas. A comunidade formada por vênetos que partiram da Itália há mais de 140 anos construiu uma nova vida no México, mas não deixou para trás sua língua, seus costumes ou sua identidade. Hoje, Chipilo representa uma conexão vibrante entre o Vêneto e a América Latina.

Este texto busca homenagear essa trajetória — contar a história desses imigrantes, expor como, por meio da adaptação e da persistência, transformaram terras inóspitas em um refúgio de esperança. E mostrar que, mesmo longe da pátria, é possível manter viva a memória e a cultura. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



domingo, 7 de dezembro de 2025

La “Pìcoła Itàlia” ’ntel Mèssico — Stòria, Imigrassion Vèneta e Tradission Conservà

 

La “Pìcoła Itàlia” ’ntel Mèssico — Stòria, Imigrassion Vèneta e Tradission Conservà


Stòria de ’l ’800: Fama, Crisi e ’l Viagio fin a Chipilo

Ntel sècolo XIX, in meso a la fame e a l’instabilità sossial causà da slavine, piene e crisi economiche ’nte la region del Vèneto, tante famèie i ga pensà de lassar l’Itàlia par catar un nuovo scomìnsio. ´Ntel 1882, da comunità come Segusino, Quero, Valdobiadene, Feltre e Maser, i ga partì intorno a 50 famèie — aprossimativamente 550 persone — drio ’ndar fin al Mèssico. Ste famèie i ga fondà la colònia che dopo la sarà ciamà Chipilo, ´ntel stato de Puebla.

´Ntel scomìnsio ’l posto el zera cognossù come Colònia Fernandez Leal, e dopo Chipiloc, nome de origen náhuatl. ´Ntel 1899 el vien ricognossù ufissialmente come paese con el nome de Chipilo.

Chipilo Ancó: Demografia, Lenga e Identità Culturale

.Popolassión e eredidà vèneta

Ancó Chipilo el ga restà ’na comunità pìcoła — da 4.000 a 4.500 abitanti. La parte granda de la zente la ze dessendente direta dai primi coloni. La comunità la conserva tanti cognomi típici de origen talian/vèneta e tradission che vien da i veci.

.El dialeto vèneto e el “vèneto-chipileño”

Una dele caraterìstiche pì interessante de Chipilo la ze la conservassion del dialeto vèneto, che ’el se ga trasformà in loco come “vèneto-chipileño”. Anca stando ’ntel Mèssico, tanti de lori i parla ancora questa lèngua in casa e tra de lori. Da testimonianse dei abitanti, i putei i impara prima el vèneto che el spagnolo — un caso raro de preservassion lingüìstega de ’na comunità imigrà ’nte tuto el continente americano.

Economia, Cultura e Tradission de Chipilo

.Agricoltura, lateria e falegnameria

I primi coloni i contava de piantar viti e olivi, ma la tera no zera bona. Cussì, i imigranti vèneti i se ga adatà: i ga svoltà verso lo slevamento, la produssion de derivà dal late e, con el tempo, anca la falagnameria e la costrussion de mòbili rùstegui. Sta capacità de ’ndar drìo ai fadighi ga portà vita a la comunità e un svilupo económico continuo. Ancó, i mobili artigianài de Chipilo i riva in tuto el Mèsico e anca fora.

.Identità, costumi e resistensa cultural

Chipilo la tien vive tante tradission portà dal Vèneto: l’architetura, i costumi, le maniere de magnar — con piati de la tradission vèneta, formài e altri magnar tìpichi — e sopratuto el dialeto. Par questo la zé cognossù come ’na “pìcoła Itàlia” ’ntel Mèssico.

La zente la ga ’n senso forte de comunità e la valora l’eredità dei noni. ´Nte le sagre, ´nte la cusina,´nte i negossi e anca ´ntel modo con che i se saluda — sempre con el dialeto vèneto — la venetissità la resta viva e forte.

Chipilo: Un Caso Ùnico de Imigrassion e Preservassion Cultural

Chipilo el ze un caso raro — forse ùnico ’nte tuto el Latinoamèrica — de come ’na comunità imigrada la ga riussì a tegner viva par generassion la loro lèngua, i loro costumi e la loro identità, anca vivendo fora de l’Itàlia. Lori no i se ga lassà assimilar, ma i ga continuà a transmetar tuto ai fiòi e ai nepoti.

Se stima che tra 3.800 e 4.000 chipileñi i ze dessendenti direti dei imigranti taliani del 1882. Tra i cognomi vèneti ancora vivi a Chipilo ghe ne ze tanti: Bortolussi, Dalla Costa, Dall’Omo, Dal Pozzo, De Nardi, De Rocco, Durigon, Furlan, Marcon, Menegazzi, Ongaro, Pasin, Piovesan, Roncato, Rossetto, Sandrin, Sasso, Schiavon, Tonin, Toffoli, e altri che, par generassion, i ga tegnù viva l’identità vèneta. Sta preservassion — de lèngua, cognomi e tradission — la fa de Chipilo un património vivo de l’imigrassion veneta ’nte le Amèriche.

Conclusión de l’Autor

Chipilo no la ze mia ’na sèmplisse curiosità de stòria: lal ze la prova viva che l’imigrassion, anca lontan e dura, la pol conservar radise profunde. La comunità de vèneti che i ga lassà l’Itàlia pì de 140 ani fa la ga costruì ’na vita nova ´nte’l Mèssico sensa mai perdar la so lèngua, i so costumi e la so identità.

Sto testo el vol far onor a sta caminada — contar la stòria dei imigranti, far védar come con l’adatassion e la volontà i ga trasformà un posto difìssile in un rifùgio de speransa. E ricordar che, anca lontan da la pàtria, se pol tegner viva la memòria e la cultura.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta


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sábado, 29 de novembro de 2025

A Emigração Italiana para o Brasil: História, Dor e Esperança

 


A Emigração Italiana para o Brasil: 

Uma História de Esperança, Dor e Silêncio dos Imigrantes Italianos


Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o Brasil se transformou no destino de centenas de milhares de italianos que, movidos por necessidade e esperança, cruzaram o oceano Atlântico em busca de uma vida melhor. Dentre eles, os vênetos — naturais da região do Vêneto, ao norte da Itália — formaram uma das maiores correntes migratórias rumo às lavouras brasileiras.

O Vêneto e a raiz da partida

Após a unificação da Itália, em 1870, o país enfrentou uma severa crise econômica. No Vêneto, então composto por províncias como Padova, Rovigo, Treviso, Verona, Veneza, Vicenza e Belluno (com Udine até 1900), a pobreza se alastrou entre os pequenos proprietários rurais. A estrutura agrária era arcaica, os impostos aumentaram, e os preços dos produtos agrícolas caíram drasticamente. Famílias numerosas dividiam pequenas parcelas de terra, insuficientes para garantir sustento. A polenta, à base de milho, era o alimento diário das camadas mais pobres, enquanto a carne era consumida apenas em ocasiões festivas. O vinho bom e o pão branco, por sua vez, estavam reservados às épocas de colheita e às casas mais abastadas.

As condições de moradia também eram precárias. Casebres de pedras soltas, chão batido e pouca mobília contrastavam com os altares improvisados com imagens do Sagrado Coração de Jesus e da Virgem Maria, testemunhas silenciosas da fé e da resignação de um povo. Quando os filhos cresciam, os mais velhos assumiam o trabalho do pai, geralmente por volta dos 46 ou 47 anos, e o ciclo recomeçava. O casamento, feito por acordo entre famílias, acontecia cedo: os homens, entre 23 e 25 anos; as mulheres, entre 18 e 23. Viúvos com filhos pequenos costumavam se casar novamente com moças jovens e de braços fortes, valorizadas por sua capacidade de trabalho e fertilidade.

Diante desse cenário, a emigração tornou-se uma válvula de escape para a miséria. Muitos vendiam suas posses logo após a colheita do trigo, entre setembro e novembro, reuniam o que podiam carregar e partiam, muitas vezes em família, sem planos de retorno.

A travessia e a chegada ao Brasil

A chegada ao Brasil se intensificou entre 1870 e 1920, quando mais de 960 mil italianos desembarcaram no país. São Paulo foi o principal destino, recebendo cerca de 70% desse contingente. Outros estados também atraíram italianos: Rio Grande do Sul (10%), Minas Gerais (8%), Espírito Santo (6%), Santa Catarina (4%) e Paraná (2%). Essas estatísticas, colhidas nos registros da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, mostram uma forte concentração inicial no Sudeste, mas também indicam a dispersão gradual dos imigrantes.

Contudo, os registros italianos apresentam números ainda maiores. Considerando o princípio do jus sanguinis(nacionalidade por descendência), a Itália contabilizou como italianos os filhos nascidos fora do país, o que eleva a estimativa para cerca de 1,5 milhão de emigrantes para o Brasil — 850 mil só para São Paulo. No Brasil, por outro lado, adota-se o critério jus soli, o que reduz os números oficiais.

Ao desembarcar, os recém-chegados aguardavam nos centros de acolhimento a distribuição para as fazendas. Alguns vinham contratados por intermédio de agentes oficiais ou particulares; outros, por conta própria, lançavam-se à busca de trabalho, de fazenda em fazenda, até encontrar colocação. Muitos insistiam para que familiares e conterrâneos fossem mantidos juntos, numa tentativa de preservar os laços de solidariedade.

Do sonho à frustração: a vida nas fazendas brasileiras

A realidade no Brasil, no entanto, mostrou-se dura. Nas lavouras de café paulista, os italianos substituíram os escravizados recém-libertos. O sistema de parceria, em que os colonos plantavam e colhiam o café em troca de uma fração da produção, rapidamente revelou sua face cruel: dívidas crescentes, preços controlados pelos fazendeiros e abusos frequentes. O colono italiano tornou-se refém do patrão. Relatos de maus-tratos se multiplicaram, incluindo agressões físicas e psicológicas.

Em 1895, escandalizado pelas denúncias, o governo da Itália suspendeu temporariamente a imigração subsidiada para o Brasil. Somente pessoas com recursos próprios puderam continuar partindo. Ainda assim, o fluxo não cessou. Em 1902, com o Decreto Prinetti, a Itália proibiu em definitivo o envio de trabalhadores para o Brasil com passagem custeada pelo governo, selando o fim da grande imigração incentivada.

Dos quase um milhão de italianos que vieram entre 1870 e 1920, cerca de 357 mil deixaram o Estado de São Paulo, migrando para países como Argentina e Estados Unidos, que ofereciam melhores condições de trabalho e salários. O movimento não era apenas por ambição, mas por desilusão com a vida nas plantações brasileiras.

Desmemória, dispersão e silêncio

Ao longo das décadas, muitos descendentes deixaram de saber com exatidão a cidade ou a província de origem de suas famílias. O rompimento com o passado, muitas vezes intencional, era uma forma de sobrevivência emocional. Os que chegaram aqui raramente contavam aos filhos sobre as dificuldades vividas na Itália. Sabiam que a volta era impossível — e, por isso, preferiam o silêncio. Os traumas da travessia, da pobreza e da opressão eram engolidos pelo trabalho árduo e pelas novas responsabilidades.

Casos de famílias separadas durante fugas de fazendas não são raros. Um imigrante relatou, por exemplo, que fugiu sozinho após sofrer humilhações, deixando para trás irmãos e tios com os quais viera da Itália. Nunca mais soube deles. Situações como essa explicam por que hoje tantos brasileiros com o mesmo sobrenome não sabem se são parentes. No início do século XX, no entanto, todos conheciam suas raízes — sabiam os nomes dos avós, a aldeia de onde vieram, e a história familiar era parte viva do cotidiano.

Em 1904, um relatório diplomático italiano informou que 424 imigrantes embarcaram de Santos para a Argentina, insatisfeitos com o Brasil. E muitos outros fizeram o mesmo, silenciosamente.

Legado e identidade

Ainda que a memória dos sofrimentos tenha sido abafada, a marca da imigração italiana no Brasil é profunda. Da língua às tradições culinárias, das festas religiosas às comunidades rurais formadas no interior, o legado persiste. Os descendentes podem não saber a origem precisa de seus bisavós, mas herdaram deles a resiliência, o senso de comunidade e o valor do trabalho.

A grande ironia é que muitos dos que partiram em busca de uma nova vida foram recebidos com dureza em seu novo lar. E mesmo assim, plantaram raízes. A dor foi o adubo — e a memória, mesmo fragmentada, ainda brota nas histórias de família contadas em voz baixa, nos sobrenomes repetidos com orgulho, nos documentos antigos guardados como relíquias.

A história da imigração italiana no Brasil não é apenas uma narrativa de deslocamento, mas de reconstrução. E, acima de tudo, de um povo que, mesmo longe da pátria, construiu outra. 

Nota Explicativa

Este texto apresenta, de forma resumida e acessível, o contexto histórico da emigração italiana para o Brasil entre o fim do século XIX e o início do século XX. Explica as causas da partida no Vêneto, as dificuldades da travessia, a dura realidade nas fazendas brasileiras e o impacto dessa migração na memória e na identidade dos descendentes.



sábado, 8 de novembro de 2025

Lista de Sobrenomes Imigrantes Italianos no Interior de Sao Paulo

 


Lista de Sobrenomes Imigrantes Italianos no Interior de Sao Paulo


VOTUPORANGA


A

Adami

Adame

Adriana

Agostineli (Agostinelli)

Agune

Alba

Albacete

Albaneze

Albelli

Albino

Albarello

Alberico

Albertini

Albertone

Alberti

Alduino

Alécio

Amaro

Amati (Amato)

Ambreu

Ambrásio

Amedi

Andreott

Andreatta

Andretto

Andreo

Andreu

Andriotti

Aniceto (Aniseto)

Anoni

Antonell

Antoneli

Antonietto

Antoniassi

Antonio

Araldi

Arduini

Armiato

Arrostti

Arroio (Arroyo)

Assone (Assoni)

Assunção

Avinhi

Avighi

B

Bacani

Bacco

Bacanelli

Bafoni (Bafone)

Bagnola

Baio

Balaroni

Balbi

Balbina

Baldan

Baldicera

Baldini (Baldin)

Balduini

Balioti

Balioni

Banzato

Baracioli

Baraldo

Baratta

Barbarelli

Barbazani

Barbieri (Barbiere)

Barlioni

Baroni

Barrachini

Barufi (Baruffi, Barufe)

Barussi

Bapttista

Baptista

Baptistussi

Batarelli

Bataiello

Batagin

Batíchio

Bazaghia

Bazzi

Bazilio

Beazolli

Becari

Bem

Beleramini

Belatti (Belati)

Belentani

Belini

Belucci, Beluci (Belucio)

Bello

Belloni (Belone)

Bellotti

Belluci

Bellutti

Beneduzzi

Benato

Benati

Benetti

Benini

Benzati

Bertacini

Bertelini

Bertelli

Berttellini

Bertholaia (Bertolaia)

Bertoli (Bertole)

Bertolino

Bertolchi

Bertolazi

Bertolchi

Bertolazi

Bertollo

Bertolozzi

Bertone

Bertuolo

Bertucio

Bertulo

Bertullini

Bertuzi

Bertuzzi

Bessi

Bessa

Biasi

Biazzoli

Biazzoto

Biante

Bifaroni

Bicco

Bicarelli (Bicharelli)

Biliato

Biliazi

Billalba

Bini

Binbato

Bisbiliari

Bocatto, Bocato (Bocapto)

Bochi (Bocchi)

Boccin

Boleri

Bolta

Bolotari

Bolotario

Bombardi

Bombonato

Bombini

Bono

Bonesso

Bonini

Bonvicine

Boracini

Borghi

Borelli

Bortole

Bortoleto

Bortolucci

Botaro

Botta

Botte (Botti)

Bottura (Botura)

Bressan

Breseghello

Breviato

Breviglieri

Bracolatti

Bragnara

Brambila

Brancaglion

Brandini

Brassolotto

Brianezi

Brianti

Brigati

Brighenti

Brocco

Brunassi

Brunelli

Bruno

Bruschi

Buizan

Budin

Bufulin

Buso (Buzo)

Busuti

Bossan

Bossin

Bossolani

C

Cagliari

Cacionatti

Canato

Canelli

Camassa

Camassutti

Camilla

Camillati

Cambiaghi

Campoli

Capella

Capelleti

Capellato

Caporalin

Capri

Caproni

Carbonaro

Cardi

Cardili

Careti

Carrara

Casonatto

Castriani

Castelani

Castelleti

Castellone

Casteluci

Castrequini

Cavallero

Cavalari

Cavaleri

Cavalini

Cavalin

Cavenaghi

Cavassani

Cecato

Cecchini

Cecolin

Celine

Cella

Celi

Cenedeze

Cerantolla

Cesério

Cestari

Cicarelli

Ciabotti

Ciocca

Cioccari

Chialfoni

Chiaparini

Chiafroni

Chincheti

Chinelato

Chiotti

Chiozini

Chiparini

Chapiche

Chamati

Chareli

Cheregati

Chuppetta

Citrone

Codinhoto

Colatruglio

Colcci

Colleta

Colombro

Comim

Comini

Commar

Condini

Constanzo

Conti

Couvre

Coradelo

Cornachione

Costa

Cucarolle

Cucarolli

Cuin

Curti

D

Dainese

Dainezi

Dam

Dameglio

Dal Ben

Dal Bom

Daloca

Dal Molin

Dalossa

Dalto

Davanzo

Davanzó (Davanço)

D’Avoghio

Dela Rovere

Dellarmelino

Della Fiori

Del Alamo

Del Armelino

Del Gobo

De Lucca

De Roco

De Tomini

Denari

Domenicis

Dotti

Dumbra

Duran

Duo

E

Escorsi

Escremin

F

Fabiano

Fabri

Facchi (Facchini, Faccini)

Facin

Faggion

Faneco

Faneli

Fantin

Farina

Farinazzo

Farinelli

Farma

Fascina

Favaretto

Favaro

Fava

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Ferri

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Ferro

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Finotti

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I

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