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sexta-feira, 3 de maio de 2024

A Saga dos Irmãos Spulmino na América: Das Colinas de Salerno à New York




Vittorio Spulmino viu a luz do mundo em 1883, na pequena aldeia de Montecorvino Rovella, pertencente ao comune de Salerno, na Itália. Originário de uma família de camponeses, aos dezesseis anos, ele tomou a decisão de seguir os passos de um tio, tornando-se um emigrante sazonal na França.
Devido à extrema simplicidade de sua família, Vittorio enviava regularmente uma parte de seus ganhos na França para auxiliar seus pais. Essa rotina anual envolvia os verões e outonos dedicados ao cultivo de tomates, limões e à administração de um vinhedo nas encostas ensolaradas banhadas pelo Mar Tirreno, proveniente do Golfo. Ele participava ativamente da colheita e prensagem da uva para a produção de vinho para o uso familiar. Nos invernos e primaveras, residia na França, esforçando-se arduamente para enviar recursos financeiros de volta para sua casa.
Aos 22 anos, Vittorio deu um passo corajoso motivado pelas cartas de dois amigos da aldeia, Luigi e Marco, já nos Estados Unidos, encorajando-o a buscar melhores oportunidades de emprego lá.
Vittorio não partiu sozinho; ele foi acompanhado pelo irmão Francesco e duas jovens amigas destemidas. Uma delas, Isabella, ansiava reunir-se com seu amado já estabelecido na América, enquanto a outra, Sofia, buscava na emigração uma vida melhor.
Os quatro viajaram a pé até Marselha, de onde embarcaram rumo ao porto de Nova York, nos Estados Unidos. A jornada consumiu todas as economias de Vittorio e Francesco, mas a determinação de começar uma nova vida os impulsionou.
Chegaram finalmente a grande cidade de New York em janeiro de 1907, após uma viagem tumultuada. Vittorio possuía apenas 50 dólares no bolso, mas conseguiu passar por Ellis Island sem contratempos.
Após alguns dias na metrópole americana, Vittorio e Francesco prosseguiram rumo ao oeste do país, em direção a São Francisco, na Califórnia. Lá, Vittorio encontrou trabalho na construção de uma represa, escapando por pouco de um acidente grave que vitimou um de seus colegas italianos.
Posteriormente, Vittorio mudou-se para trabalhar em uma mina de carvão, onde o trabalho era extenuante. Ele costumava dizer que "trabalhava como um mouro e xingava como um marinheiro". Sua próxima oportunidade foi na construção de ferrovias, onde apreciou a mudança para o trabalho ao ar livre.
À medida que a Grande Guerra se aproximava, Vittorio começou a sentir saudades de sua terra natal e de sua namorada, Carmela, que, por problemas familiares, não pode se juntar a ele na América, como tinham combinado. Decidiu retornar à Itália com suas economias, planejando casar-se e, posteriormente, regressar aos Estados Unidos. Por sua vez seu irmão Francesco, que naquele período estava bem empregado e com uma namorada, não quiz retornar à Itália. 
Vittorio Spulmino voltou à sua aldeia natal, em  Montecorvino Rovella, onde passou alguns anos trabalhando novamente como agricultor, durante todo período da guerra. Casou-se com Carmela, e no ano seguinte já era pai de um belo menino, Domenico. A ideia de retornar para a América persistia em seus pensamentos. De tanto ouvir Vittorio falar em casa, até sua esposa Carmela estava ansiosa para conhecer e tentar a vida no grande país.
No entanto, a propriedade rural da família era pequena demais para suprir as necessidades crescentes, e o período pós-guerra na Itália estava tumultuado, tornando difícil encontrar outro tipo de trabalho na região. A oportunidade de mudança surgiu quando Francesco, irmão de Vittorio, que permanecera nos Estados Unidos, casou-se com Rosália, filha de um próspero comerciante ítalo-americano de origem siciliana. A guerra transformou-o em um magnata, fornecendo mantimentos para o exército americano. A abastada família siciliana tinha apenas filhas e a primogênita, Rosália era agora esposa de Francesco. Com a expansão dos negócios, havia a necessidade de funcionários confiáveis, levando-o a integrar o genro na empresa. A sagacidade e habilidades comerciais d Francesco logo cativaram o sogro, resultando na nomeação dele como gerente da agora próspera corporação. Com a estabilidade financeira assegurada, Francesco pôde enviar recursos para que seu irmão adquirisse as passagens para a família.
Portanto, em 1923, Vittorio, sua esposa Carmela e o pequeno Domenico embarcaram na jornada que os conduziria à América, alcançando Long Island, Nova York, após quase duas semanas de viagem. Francesco estava à espera, prontamente recebendo-os e auxiliando na busca por moradia. Com o decorrer do tempo, eles se aclimataram ao novo país, e Vittorio assegurou emprego na empresa ainda liderada pelo sogro de Francesco.




sábado, 27 de janeiro de 2024

Destino: Brasil - A Odisseia Inesquecível de uma Família de Imigrantes




No mês de janeiro de 1836, nas acidentadas terras de Cesiomaggiore, cercada por altas montanhas, repletas de neve naquela época do ano, Giacomo veio ao mundo, um homem destinado a traçar uma jornada que moldaria o destino de gerações da sua família. Maddalena, nascida em 1835 em Arsiè, seria sua companheira nessa odisséia, uma mulher alta e forte, com determinação e amor tão profundos quanto as raízes das árvores que testemunhariam sua saga.
O casal de pequenos agricultores trouxe à vida uma família vibrante, começando com Giuseppe, o primogênito, nascido em 1858 em Cesiomaggiore, sendo a escolha do seu nome uma homenagem ao avô paterno, Giuseppe, cujo nome ressoava nas colinas como um tributo à tradição familiar. Logo, Maria Augusta veio ao mundo em 1860, seguida por Beatrice em 1861 e Giovanni Battista em 1863, todos nascidos na mesma cidade de Cesiomaggiore, na província de Belluno. Uma família unida, mas inquieta, cujo destino se entrelaçaria com a imensa vastidão do Brasil.
A história da família ganhou uma nova dimensão em 1875, quando todos, de Giacomo e Maddalena aos filhos e netos, decidiram embarcar em uma jornada épica para terras desconhecidas localizadas do outro lado do grande e temeroso oceano. O irmão mais novo de Giacomo, nascido em 1842, casado com Fiordalise, e seus filhos Angelo e Augusto, completavam a caravana que se aventuraria muito além dos horizontes familiares. O governo imperial brasileiro, necessitando urgentemente de mão de obra estava concedendo a passagem grátis até o novo local de trabalho, para as as famílias que aceitassem o convite para se transferirem para o grande país. Foi a oportunidade que tiveram para abandonar de forma definitiva aquele novo país no qual sempre viveram, mas que agora depois da unificação, não reconheciam mais. Lá, o desemprego grassava em todas as regiões, a má alimentação e a fome assolavam suas vítimas, forçando milhares de pessoas a buscarem um novo lugar para garantir seu sustento diário, bem distante daquelas circunstâncias adversas. 
A viagem, da pacata Belluno até o movimentado porto de Genova, foi uma experiência marcante. O desconhecido trem conduziu-os pela paisagem italiana, antes que embarcassem no navio Adria, enfrentando as intempéries do oceano. Duas tempestades memoráveis desafiaram sua resiliência, mas a determinação de deixar uma Itália desconhecida superou as adversidades. Apesar de tudo estavam felizes porque sabiam que um mundo melhor os aguardava.
O desembarque no porto do Rio de Janeiro, em janeiro de 1869, marcou o início de uma nova fase. Ficaram dois dias hospedados na Hospedaria dos Imigrantes, aguardando ansiosos o navio Rio Negro, que os conduziria à Colônia Dona Isabel no longíquo Rio Grande do Sul.
A bordo do Rio Negro, entre centenas de outros sonhadores, a família enfrentou seis dias de travessia até desembarcarem no porto de Rio Grande. Grandes barracões comunitários de madeira, onde quase não havia privacidade, os abrigaram por quase quinze dias, enquanto esperavam pela chegada dos barcos fluviais que os levariam até a cidade de Montenegro, o local mais próximo à tão aguardada Colônia Dona Isabel.
A travessia pela grande Lagoa dos Patos até Porto Alegre, e a subsequente subida do rio Caí por mais de sete horas, culminaram na chegada ao porto da pequena cidade de Montenegro, o local mais próximo que poderiam chegar de barco ao seu destino final. Um breve descanso de um dia precedeu a preparação para a jornada final até a colônia, que se fazia com carroças e mulas transportando os poucos pertences do grupo. Os homens, as mulheres aptas e as crianças maiores, caminhavam ao lado das carroças, enquanto as pequenas e as mulheres grávidas seguiam nas grandes carroças. O trecho era pedregoso e difícil, a maior parte dele percorrido em subida. Ao chegarem na colônia sempre acompanhados por funcionários do governo brasileiro, que serviam de guias, foram acomodados em outros barracões de madeira esperando a liberação dos seus lotes de terra.
No dia seguinte, os homens, determinados, partiram para conhecer e ajudar demarcar as terras adquiridas do governo. As mulheres e as crianças permaneceram nos barracões enquanto os alicerces do sonho eram estabelecidos. Como eram três famílias, cada uma adquiriu um grande lote 500.000 metros quadrados cada, uma área de terra vasta, coberta por uma vegetação exuberante e rios que seriam testemunhas da prosperidade por vir. Haviam realizado o sonho da propriedade acalentado por todos. Agora deixariam de calar sempre e dividir a safra com o patrão dono da terra. Eles agora eram os patrões. Com orgulho diziam "Desso, qua, in coesto paradiso, naltri ghe semo i paroni"!
Os primeiros anos foram bastante árduos, com derrubada de florestas, construção de casas precárias e o desbravamento do solo para plantio de milho e trigo. A colheita da primeira safra inaugurou uma era de melhoria nas condições de vida, e a família floresceu. Ao longo dos anos, cresceram não apenas em número, mas em riqueza e sucesso, tornando-se um exemplo do espírito pioneiro que impulsionou tantos imigrantes italianos na construção do Rio Grande do Sul.
Assim, a história dessa família italiana se entrelaçou com as paisagens verdejantes do Brasil, uma narrativa de coragem, determinação e sucesso que ecoa através das gerações.


Texto 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Nascimento a Bordo

 

Navio Principe de Asturias


Após uma longa e angustiante viagem de trem, durante a qual poucos passageiros conseguiram dormir, em um trajeto repleto de paradas nas inúmeras estações ao longo de todo o percurso, ocasião em que outras famílias de emigrantes, assim como eles, foram se juntando nos vários vagões da composição. Finalmente, chegaram à estação da cidade de Gênova, a última etapa em terras italianas, antes de se aventurarem, não sem grandes preocupações, nas águas do desconhecido oceano. Ainda estava muito escuro, numa madrugada fria de final de inverno. Enquanto se esforçava para vislumbrar a cidade que ainda se escondia na forte neblina matinal, que encobria quase totalmente a cidade e parte do porto, Cesco, como era carinhosamente chamado pelos pais e seus doze irmãos e irmãs que havia deixado na antiga casa paterna, percebeu com o coração apertado que a decisão tomada alguns meses antes, juntamente com sua jovem esposa Maria, não tinha mais volta. Estava realmente apreensivo, com muito medo da longa travessia, principalmente com o que o destino reservara para eles, mas, ao mesmo tempo, feliz com a decisão tomada e com as perspectivas de uma nova vida no tão sonhado Brasil, o distante "el Dorado" da América.
Maria, apesar de seu avançado estado de gravidez, também não conseguira dormir quase nada durante a viagem, pois Betina, a primogênita de pouco mais de um ano, deitava-se entre suas pernas. Sua família desaprovava a mudança para o exterior naquela situação, justamente por causa da gravidez, pois ela poderia passar mal e ter o bebê no navio.
Maria era a terceira filha de um casal de camponeses, naturais de um pequeno município localizado quase na divisa das províncias de Treviso com Belluno, que em outros tempos já havia conhecido uma importância maior. Maria e todos os seus irmãos nasceram em uma pequena vila do município de Quero. Além das duas irmãs mais velhas, já casadas, Maria tinha outros quatro irmãos homens, todos mais jovens. Na antiga casa, além dos pais e irmãos, moravam também os avós, já com idade avançada, mas ainda gozando de boa saúde e úteis nos trabalhos do campo.
Ao casar, Maria passou a morar na casa dos pais de Cesco no município de Alano di Piave, distante cerca de 15 km da sua casa paterna. Francesco e sua esposa Maria tinham a mesma idade, 22 anos, e já estavam casados há dois anos. Ele era o primogênito de um casal de pequenos trabalhadores rurais sem terra, que tiveram oito filhos, sendo cinco homens e três mulheres. O pai de Cesco era um empregado rural diarista, trabalhava na propriedade de uma família com passado nobre, que morava na cidade de Treviso. Ambas as famílias eram muito pobres, mas, apesar das dificuldades, sempre conseguiram alimentar bem todos os filhos.
As oportunidades de trabalho no meio rural existiam há séculos. A economia italiana, especialmente no caso deles, no Veneto, sempre foi baseada na agricultura, a qual, infelizmente, não conseguiu se modernizar na velocidade necessária para suprir a população sempre crescente do novo país. O novo reino também demorou muito tempo para se industrializar e acompanhar o progresso de outras nações europeias. Essa situação de atraso crônico da Itália, agravada após a unificação e a criação do reino da Itália, foi o impulso que levou milhões de italianos a buscarem fora do país o sustento diário. O desemprego nas zonas rurais aumentou consideravelmente, e a fome começou a aparecer em muitas regiões do país, especialmente nas zonas montanhosas, as primeiras a cogitarem deixar definitivamente a Itália.
A partir de 1875, não suportando mais a situação, ocorreu uma grande debandada de italianos para o exterior, a qual só arrefeceu com o início da I Grande Guerra, retomando logo após o término do conflito, porém, não mais com o mesmo ímpeto anterior. Em 1890, quando Francesco e Maria embarcaram, milhões de outros italianos, do norte ao sul da península, já tinham deixado definitivamente o país em busca de melhores oportunidades em países distantes do outro lado do oceano, especialmente nos Estados Unidos, Brasil e Argentina. Foi nesse ano que o casal Francesco e Maria, com a pequena Betina, finalmente realizou o sonho de tentar a sorte em um novo país, o Brasil, que tanto tinham ouvido falar através das cartas do tio Masueto, que tinha partido com a família nas primeiras levas de emigrantes.
Deslumbrados com a grande cidade de Gênova, o jovem casal dirigiu-se a uma pequena e barata estalagem, localizada em uma rua vizinha do cais. O embarque estava programado para daqui a dois dias, e na situação em que se encontrava Maria, não poderiam ficar ao relento todo esse tempo. Ainda fazia frio, e as madrugadas eram bastante geladas, especialmente pelo vento que vinha do mar. Apesar do pouco dinheiro que traziam, não havia outra opção para eles.
No dia do embarque, logo cedo, dirigiram-se ao cais onde o navio já estava ancorado. Um grande número de pessoas se amontoava no guichê de embarque, homens carregando grandes sacos e baús com seus pertences, e as mulheres levando os seus filhos. Do convés, ouviam-se ordens gritadas e os marujos correndo pelo tombadilho, ultimando os últimos preparativos para o embarque. No cais, um frenesi desordenado de carroças e carregadores de bagagens ao lado do grande navio a vapor. Subitamente, um longo apito agudo, seguido por dois outros mais graves, anunciava o início da admissão dos passageiros no barco.
Pela longa escada inclinada, encostada ao lado da embarcação, os passageiros subiam ordenadamente em fila, com os bilhetes de viagem e o passaporte nas mãos, as famílias agrupadas entre si, com as crianças pequenas agarradas nas saias das mães. O primeiro contratempo inesperado surgiu ao entrarem no interior do barco, que para eles parecia um verdadeiro monstro que os tinha engolido. Um dos membros da tripulação, com pouca paciência, separava os homens e os meninos maiores de oito anos das mulheres, meninas e crianças pequenas. As acomodações eram separadas por sexo.
Os grandes salões dormitórios, com o teto baixo e sem janelas, localizados nos porões do grande navio, consistiam de várias longas filas de beliches, de duas camas, fixados entre si e no piso. Nas extremidades de cada uma dessas filas, tinham colocado um grande balde de madeira com tampa, que deveria servir como sanitário para os passageiros fazerem as suas necessidades. Não havia muito conforto e nem privacidade. As instalações sanitárias e até mesmo a água eram insuficientes para o grande número de passageiros embarcados. O ambiente nesses dormitórios era quente, úmido e dele exalava um odor insuportável, depois de alguns dias de viagem.
O Matteo Bruzzo zarpou de Gênova em direção ao Porto de Nápoles, levando mais de seiscentos passageiros, a maioria imigrantes venetos e lombardos com destino ao Brasil e Argentina. Em Nápoles, subiram a bordo mais outros quinhentos passageiros, todos emigrantes provenientes de várias províncias do sul da Itália. A lotação, como quase sempre acontecia, já havia ultrapassado o número legal de passageiros permitido pela lei; entretanto, as autoridades portuárias faziam vista grossa e o ilícito se repetia a cada viagem.
Com exceção de algum enjoo e vômitos no início da viagem, Maria estava bem e suportando o duro trabalho de cuidar da Betina, que, amedrontada, exigia mais atenção do que o costume. As refeições servidas a bordo eram até relativamente boas, e tanto Maria como Cesco não tiveram problemas em se adaptar. Tudo ocorria tranquilamente, com a grande embarcação sulcando águas calmas, até quando chegaram próximo à linha do Equador, onde a temperatura era muito mais quente, e o mar começou a ficar mais agitado devido aos fortes ventos.
No final de uma tarde muito quente e abafada, o céu ficou carregado por ameaçadoras nuvens escuras e, de repente, iniciou-se uma grande tempestade, com ventos bastante fortes que faziam a água do mar saltar acima do convés, molhando cadeiras e outros equipamentos ali amarrados. Os passageiros foram proibidos de ficar ali e receberam ordens expressas para se dirigirem aos seus dormitórios. O navio balançava furiosamente, e as grandes ondas produziam um barulho ensurdecedor batendo como martelos no costado do barco. Objetos soltos nos dormitórios eram arremessados, e os passageiros precisavam se segurar para não caírem. A tripulação corria de um lado para o outro verificando todos os cantos do navio para ver se havia alguma infiltração da água do mar. O pânico começou a tomar conta dos passageiros, que tiveram a sensação de que iriam morrer afogados.
Maria, que estava sozinha em um dos dormitórios femininos, junto à filha Betina, ficou muito agitada e com medo, começou a se sentir mal, com enjoo e fortes cólicas na barriga. Ficou na sua cama, agarrada com a filha na esperança de que as dores aliviassem. Entretanto, elas não cessavam; pelo contrário, estavam cada vez mais frequentes. Maria, desesperada, pediu para chamar o marido que, avisado, prontamente correu para encontrá-la. O que os familiares de Maria temiam estava acontecendo; era evidente que as dores do parto haviam começado. O médico de bordo foi chamado, e depois de examiná-la, encaminhou-a diretamente para a enfermaria, tudo isso no meio da gritaria e correria causada pela tempestade, a qual não dava um minuto de trégua, balançando freneticamente o grande navio. Não demorou muito tempo e um forte choro anunciou o nascimento de Tranquilo, o segundo filho do casal Maria e Francisco. Como já estavam em águas brasileiras, o bebê seria registrado com essa nacionalidade.
Maria tinha leite em abundância, e o pequeno recém-nascido tinha um grande apetite. Com exceção do primeiro choro, o bebê era calmo e sossegado, o que corroborou a prévia escolha do nome que os pais fizeram, em homenagem ao pai de Francisco, que tinha este nome, cumprindo-se assim uma antiga tradição vêneta.
Depois de mais três dias, chegaram ao Porto do Rio de Janeiro, desembarcando na Ilha das Flores e sendo levados para a Hospedaria dos Imigrantes, onde foram abrigados por mais alguns dias. Até chegar ao porto, o navio costeiro Rio Negro, que os levaria até o Rio Grande do Sul, a jornada da família de Cesco ainda estava longe de terminar. Centenas de passageiros que viajavam no Matteo Bruzzo não desembarcaram no Rio de Janeiro, seguindo com o mesmo navio para a Argentina, que era seu destino final.
Com a chegada do vapor Rio Negro, Cesco e a família, acompanhados por várias dezenas de outros passageiros, embarcaram novamente, para mais oito dias de viagem até o Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Desembarcaram e foram alojados em grandes barracões de madeira, sem conforto ou privacidade. Deveriam ficar esperando pela chegada dos barcos fluviais, que os levariam rio Caí acima até a colônia Caxias.
Há vários anos, um tio de Cesco havia emigrado com toda a sua família logo no início da fundação da colônia Caxias, alguns anos antes. Pela correspondência que recebiam do tio, ficaram sabendo das grandes oportunidades que ali existiam para aqueles que queriam trabalhar. O tio Mansueto e um sócio tinham uma grande fábrica de carroças naquela colônia, e não foram poucas as vezes que convidava os parentes na Itália para se juntarem a ele. Como Cesco, apesar de jovem, era um bom carpinteiro, esta foi uma das razões do casal ter escolhido a colônia Caxias para viverem. Esperava trabalhar na empresa do tio e, se possível, mais tarde, quando tivesse juntado algum dinheiro, abrir a própria carpintaria.
Depois de quase dez dias de espera naqueles incômodos barracões, finalmente chegou o dia de embarcarem novamente em direção à nova vida. Embarcaram no vapor Garibaldi, um pequeno vapor fluvial, e, seguindo pelo rio Guaíba, atravessaram a Lagoa dos Patos até a cidade de Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul. Nesse ponto, desembocavam vários importantes rios que vinham do interior do estado. Tomaram a direção do Rio Caí e começaram a lenta subida de quase dez horas, seguindo contra a forte correnteza, até o Porto Guimarães, na cidade de São Sebastião do Caí, onde então desembarcaram.
Desse porto até a Colônia Caxias, ainda deveriam percorrer um longo trecho pela irregular e acidentada estrada Rio Branco, a pé ou em carroças, levando no colo os dois filhos e os poucos pertences que tinham trazido. Fizeram uma parada para descanso e abastecimento e, no dia seguinte, partiram em direção à grande colônia, seu destino final. Foram recebidos pela família do tio Mansueto, com inúmeros primos que Cesco ainda não conhecia.
Francisco trabalhou duramente por alguns anos na fábrica de carroças do tio, demonstrando grande talento como carpinteiro, sendo elogiado por todos os clientes. Alguns anos mais tarde, já respeitável chefe de família com uma prole de oito filhos, abriu a sua própria oficina, aventurando-se em grandes obras como construções de igrejas e moinhos movidos por água, suas duas especialidades com as quais se tornou famoso e solicitado em toda a região de colonização italiana da Serra Gaúcha.
Tranquilo, o filho mais velho, nascido durante a viagem de navio para o Brasil, desde muito pequeno tinha um especial interesse no trabalho do pai, sempre o acompanhando alegremente como ajudante na oficina e durante suas frequentes viagens. Cresceu ajudando o pai e, logo, do qual aprendeu o ofício e, apesar da pouca idade, se tornou conhecido como um excelente mestre de obras, construtor de grandes obras como igrejas, pavilhões e moinhos coloniais movidos a água e, posteriormente, a eletricidade.



Texto
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

domingo, 10 de dezembro de 2023

Tra Due Mondi: Un Viaggio Epico di Sopravvivenza in Brasile


 


Antonio Calzolar, un emiliano di 33 anni originario di Marzabotto (BO), intraprese un viaggio epico nel 1897 quando si imbarcò a Genova verso il Brasile con sua moglie Sofia Ferraro e i loro cinque figli. Accanto a Antonio, c'era suo fratello Lorenzo e la sua famiglia. Dopo un lungo viaggio di quasi due mesi, finalmente sbarcarono a Vitória, nel cuore dello stato brasiliano dell'Espírito Santo.

Da Vitória, presero il treno diretto a Cachoeiro de Itapemirim, una pittoresca cittadina a sud di Vitória. Dopo alcuni giorni trascorsi presso una Hospedaria de Imigrantes, furono assunti per lavorare nella Fazenda Arcobaleno, situata nel comune di Cachoeiro de Itapemirim. La vita lì non era facile; adulti e bambini si trovavano a lavorare duramente in cambio di modesti salari o piccole razioni di cibo, spesso costituite principalmente da farina di mais.

Insoddisfatti di questa dura realtà, i Calzolar presero una decisione coraggiosa: interruppero il loro contratto di lavoro e si trasferirono nel distretto di Castelo, sempre nell'Espírito Santo. Qui vissero per due anni, affrontando nuove sfide e costruendo il loro destino lontano dalle difficoltà della Fazenda Arcobaleno.

A partire dal 1901, la fortuna sorrise loro quando trovarono lavoro nella fazenda Guatambu. Questa fazenda, successivamente acquisita dal governo dell'Espírito Santo, si trasformò in una colonia di immigranti. Le due famiglie Calzolar, finalmente, videro realizzarsi il loro sogno di diventare proprietari di pezzi di terra, una conquista che avevano cercato per generazioni.

Con il passare degli anni, i figli di Antonio si sposarono con altri immigrati italiani o con i loro discendenti, creando legami duraturi che ancoravano la famiglia nelle terre brasiliane. I Calzolar si stabilirono in diverse città dello stato, tra cui Cachoeiro de Itapemirim, Castelo, Venda Nova do Imigrante, Alegre, Marechal Floriano, e persino nella capitale dell'Espírito Santo, Vitória.

La storia dei Calzolar è un racconto di perseveranza, coraggio e successo. Antonio e Sofia Calzolar, ormai ottantenni, si spensero a breve distanza l'uno dall'altro nel 1949, lasciando dietro di loro una discendenza radicata nelle terre che avevano contribuito a plasmare. La loro storia continua a risuonare attraverso le generazioni, un tributo vivente alla forza e alla resilienza di coloro che hanno forgiato un nuovo destino in terre lontane.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Saga Italiana nos Pampas: Emigração, Trabalho e Sucesso na Argentina




Nas onduladas e pitorescas colinas da província de Bergamo, no norte da Itália, Luca cresceu imerso em uma vida simples e laboriosa. Sua família, composta pelos pais Antonio e Giovanna, e pelos irmãos e irmãs Giovanni, Marco, Martina, Antonio, Zeno e Sofia, enfrentava as agruras da vida agrícola em uma pequena vila. A pequena propriedade que arrendavam mal produzia o suficiente para sustentar a família, e a maior parte do que colhiam ia para o dono da terra.
Luca, o primogênito, sentia o peso das responsabilidades sobre seus ombros. A vida na vila era marcada pela simplicidade e pela dureza do trabalho no campo. Consciente da necessidade de proporcionar um futuro melhor para seus irmãos e aliviar as lutas financeiras de seus pais, Luca tomou a decisão difícil, mas inevitável, de emigrar em busca de oportunidades além das fronteiras da Itália.
No ano de 1878, movido por um misto de determinação e necessidade, Luca desembarcou nas promissoras terras da Argentina. Os amplos horizontes de Buenos Aires, onde permaneceu por apenas três dias, se desdobravam diante dele, trazendo consigo a promessa de um recomeço. Logo encontrou trabalho em uma grande fazenda nos pampas argentinos, onde se viu envolvido na colheita de trigo ao lado de seu novo amigo, Giovanni.
Os dias se desenrolavam sob o sol escaldante dos pampas, entre os campos dourados de trigo. Luca encontrou satisfação no trabalho árduo e na conexão com a terra. À noite, exausto após uma jornada extenuante de trabalho nos campos dourados de trigo, Luca partilhava refeições com seus colegas. Em um cansaço profundo, os laços entre eles eram forjados na fadiga compartilhada, mais do que nas delícias culinárias. Esses momentos, marcados pelo silêncio que sucede um dia de árduo labor, tornaram-se a essência da conexão entre aqueles que, à luz das estrelas, buscavam forças para enfrentar o nascer precoce do próximo amanhecer.
Mesmo distante, Luca não esqueceu suas raízes e a responsabilidade para com sua família na Itália. Regularmente, enviava alguma ajuda financeira para seus pais e irmãos. Com o passar do tempo e já estabilizado financeiramente, Luca tomou uma decisão que mudaria o destino de sua família: mandou as passagens para os irmãos Giovanni, Marco e Antonio poderem se unir a ele na Argentina.
Na Itália, ficaram Martina, que havia se casado com um rapaz da própria vila onde moravam, e Zeno, com 18 anos, e Sofia, ainda menor, que ficaram responsáveis por cuidar dos velhos pais.
Após dois anos na fazenda de trigo, Luca e Giovanni decidiram dar um novo rumo às suas vidas. Deixaram o emprego e mudaram-se para a Província de Córdoba, onde adquiriram dois grandes lotes de terras do governo argentino a preços subsidiados. Essa mudança representou um novo capítulo na vida de Luca e Giovanni, de trabalhadores assalariados a proprietários de terras, vislumbrando um futuro mais estável e independente.
A história de Luca e Giovanni se expandiu para além das plantações. Fundaram uma cooperativa local, unindo esforços com outros agricultores da região para fortalecer a comunidade. Seus esforços culminaram na construção de uma escola para as crianças da região, proporcionando educação e oportunidades que eles mesmos não tiveram.
Com o passar dos anos, a família de Luca e Giovanni cresceu, multiplicando-se em gerações. Os netos, inspirados pelos feitos de seus avós, seguiram diversos caminhos. Alguns continuaram na agricultura, modernizando as práticas herdadas, enquanto outros buscaram carreiras nas cidades, levando consigo os valores fundamentais transmitidos por Luca e Giovanni.
À medida que a Província de Córdoba se transformava e crescia, a história de Luca e Giovanni se tornou parte integrante do legado da região. Suas conquistas ecoaram nas pradarias argentinas, simbolizando a tenacidade e a visão que moldaram não apenas suas vidas, mas também o destino das futuras gerações. A história desses dois amigos imigrantes, que transformaram a adversidade em triunfo, permaneceu viva nas tradições e na memória de uma comunidade que eles ajudaram a construir.
A chegada dos irmãos Giovanni, Marco e Antonio à Argentina trouxe uma alegria renovada para Luca. Reunidos novamente, a família começou a construir um novo capítulo de suas vidas juntos. Giovanni, seguindo os passos de Luca, encontrou uma parceira chamada Rosalia, e juntos, estabeleceram-se em uma fazenda próxima. A terra generosa dos pampas argentinos parecia sorrir para eles, recompensando os anos de trabalho árduo.
Marco, o irmão mais jovem, apaixonou-se por uma jovem argentina chamada Elena. Eles decidiram explorar novos horizontes, optando por um pedaço de terra próximo à cidade, onde fundaram um pequeno comércio que prosperou com o tempo. Antonio, o mais jovem, encontrou em Luisa uma companheira para a vida. Juntos, decidiram investir na produção de laticínios, aproveitando a vastidão de terras para criar um negócio próspero.
A vida na Província de Córdoba era desafiadora, mas a união da família tornou cada obstáculo mais fácil de superar. As festividades italianas misturavam-se com as tradições argentinas, criando um lar onde o amor, o trabalho duro e a celebração se entrelaçavam.
Enquanto Luca e Giovanni colhiam os frutos de sua visão pioneira na cooperativa local, seus irmãos construíam legados próprios. O eco das risadas das crianças, dos negócios bem-sucedidos.



Dr. Luiz Carlos B.Piazzetta

Erechim RS




quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Da Sicília ao Brasil: Uma Saga de Coragem em Campinas



Era o ano de 1868, em uma pequena vila no interior da Sicília, onde o sol dançava sobre as colinas de Agrigento, banhando tudo em uma luz dourada e perfumada pelo aroma do Mediterrâneo. Foi nesse cenário que Aniello viu pela primeira vez a luz do dia, em uma casa modesta na zona rural.
A família, composta por pequenos agricultores, enfrentava desafios para obter o sustento a partir de uma parcela de terra com menos de um hectare, que eles arrendavam. O ambiente que antes era idílico e próspero agora estava imerso em dificuldades devido a vários anos de conflitos pelo poder. A unificação da Itália resultou em um aumento significativo de impostos e taxas, levando a economia local à ruína. Aniello, o filho mais velho, sentia a responsabilidade de alimentar não apenas a si mesmo, mas também seus pais, esposa Maria Giovanna, três irmãs e quatro irmãos mais jovens.
Os ventos da mudança sopraram na forma de oportunidades além do horizonte. O Brasil, um vasto país sul-americano, oferecia uma promessa de esperança. O governo brasileiro buscava mãos trabalhadoras e, generosamente, concedia passagens gratuitas para aqueles dispostos a emigrar. Aniello, encantado com a perspectiva, assinou um contrato de quatro anos com uma empresa que representava uma imensa fazenda de café em São Paulo.
Em dezembro de 1888, ele e Maria Giovanna, abençoados pelos pais e emocionados com as despedidas dos irmãos, embarcaram no navio Príncipe de Astúrias, partindo de Nápoles rumo ao Brasil. A viagem, no entanto, não foi uma jornada fácil. O navio estava superlotado, com a falta de água potável e alimentos causando tumulto entre os passageiros. Nos porões úmidos e escuros, a falta de higiene tornava o ar insuportável.
Ao cruzarem o equador, enfrentaram tempestades que deixaram todos a bordo aterrorizados. Contudo, a esperança os guiou, e finalmente, em dezembro de 1888, Aniello e Maria Giovanna pisaram em solo brasileiro, prontos para enfrentar os desafios que a nova vida lhes reservava.
Chegando ao Brasil pelo porto de Santos, Aniello e Maria Giovanna foram recebidos pelos empregados das fazendas que os aguardavam. Após serem examinados, seguiram para o interior do estado de São Paulo, onde a maioria dos 1260 passageiros permaneceu; quase 500 deles foram para diferentes destinos, como o Rio Grande do Sul. Subiram a Serra do Mar até a capital, São Paulo, onde ficaram dois dias hospedados na Hospedaria dos Imigrantes, antes de embarcar em um trem rumo às fazendas que os contrataram.
A fazenda de Aniello e Maria Giovanna era uma propriedade vasta, administrada por um capataz; uma terra que já havia testemunhado os dias da escravidão, com mais de 300 escravos. Era coberta por milhares de pés de café, uma visão que se tornaria familiar ao casal nos anos seguintes. No segundo ano na fazenda Arari, receberam a bênção do nascimento de Pasquale, o mesmo nome do pai de Anielle, homenageando assim a tradição familiar.
Após os quatro anos iniciais, Aniello e Maria Giovanna decidiram permanecer por mais algum tempo na fazenda. Dois anos depois, com o nascimento de Salvatore, vislumbraram uma nova oportunidade que chegou através da informação de um amigo. Deixaram a fazenda e mudaram-se para Campinas, uma cidade já significativa, onde Aniello começou a trabalhar em um pastifício local. Inicialmente, alugaram uma casa na periferia, mas à medida que o tempo passava, adquiriram um lote de terra e construíram sua própria casa.
Em Campinas, a família Aniello floresceu, recebendo a chegada de mais cinco filhos: Maria Augusta, Nicola, Alessandro, Luigia e Caterina. O passado na Sicília e a jornada através do Atlântico deram origem a uma nova história, cheia de desafios superados e sucessos conquistados. Assim, na terra prometida do Brasil, a família cultivou não apenas café, mas também raízes profundas que se estenderam por gerações. O legado de Aniello e Maria Giovanna se entrelaçou com o tecido de Campinas, uma tapeçaria rica em histórias de coragem, esperança e resiliência.


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Caminhos Transatlânticos: Uma Jornada Épica da Itália à Colônia Silveira Martins




No início do inverno de 1890, Antonio B. e Giovanna R., dois jovens emigrantes italianos de 25 anos, como tantos outros compatriotas, embarcaram em uma emocionante e totalmente desconhecida jornada rumo ao mítico Brasil, na ocasião reputado como um verdadeiro el Dorado. A situação econômica da Itália continuava cada dia pior, a quebra de safras e a concorrência dos produtos importados atingia especialmente a agricultura, com diminuição dos postos de trabalho no campo e nas cidades. O fenômeno da emigração já há quinze anos contagiava todos na Itália, cada qual tentando encontrar meios para comprar os bilhetes para o navio e embarcarem para aquele novo país do outro lado do oceano. O casal era proveniente de um pequeno município, de não mais de dois mil habitantes, no interior de Vicenza, e vinha com o sonho e o firme propósito de construir uma nova vida na Colônia Silveira Martins. Levavam consigo seu precioso tesouro, um filho de 18 meses chamado Carlo.
A angustiante e temida travessia do oceano Atlântico foi uma experiência desafiadora a qual ficou indelevelmente marcada na memória de todos os emigrantes italianos. O navio em que viajavam, o Utopia, estava lotado de outros imigrantes, todos ansiosos por uma chance melhor. As condições a bordo eram simples, com beliches apertados, comida e água limitadas, higiene precária e falta de instalações sanitárias suficiente para aquele grande número de passageiros. Antônio e Giovanna enfrentaram duas tempestades ferozes, as quais pareciam que fossem o fim do mundo, mas nunca perderam a esperança, agarrados aos corrimões do barco e orando fervorosamente à Madonna di Monte Berico, a Santa de devoção dos dois jovens. 

Finalmente, após semanas de sofrimento e muitas incertezas, avistaram a costa brasileira. O Porto do Rio de Janeiro os recebeu com a promessa de um novo começo. Tinham enfim conseguido chegar ao Brasil, mas ainda faltava muito até o local onde seriam assentados. A jornada até a Colônia Silveira Martins foi outro trecho longo e árduo, que durou quase quatro semanas, com viagem em um novo navio, barco fluvial e carroções puxados por diversas mulas, mas a família chegou com a determinação de transformar aquele lugar em seu lar.

As primeiras impressões da nova terra eram um misto de surpresa, encantamento e medo com tantas coisas novas. A paisagem era desafiadora, com vastas áreas ainda cobertas de mata virgem a serem desbravadas, povoadas por bandos de aves e animais desconhecidos, alguns perigosos. No entanto, a comunidade de imigrantes italianos que já haviam se instalado estava unida, e todos ajudaram na construção de suas casas simples, erguidas com troncos de árvores, abundantes nos seus lotes e cobertas com folhas e capim entrelaçados.

Os primeiros anos foram bastante difíceis. Após abrirem uma clareira na mata, plantaram suas primeiras sementes e lutaram contra os desafios da agricultura em um clima tão diferente do que estavam acostumados. Mas com trabalho duro e a ajuda de seus vizinhos, logo viram os frutos de seu esforço crescerem. A terra era muito fértil e havia abundância de água.

Carlo, o filho que havia cruzado o oceano com eles, cresceu forte e saudável. Antônio e Giovanna tiveram mais seis filhos, todos nascidos na Colônia. A família prosperou, expandindo sua plantação e construindo uma vida melhor.

Os anos se passaram, e os filhos de Antônio e Giovanna cresceram, casaram-se com outros imigrantes italianos, e a família cresceu ainda mais. A Colônia Silveira Martins também floresceu, tornando-se um ponto de referência na região. Ela ficou conhecida como a quarta colônia da imigração italiana no Rio Grande do Sul, localizada na parte central do estado, próxima à cidade de Santa Maria.

Antônio e Giovanna viram a chegada de netos, e seu lar se encheu de risos e histórias. A jornada desde aquela pequena e atrasada vila na Itália até a Colônia Silveira Martins havia valido a pena. Eles haviam construído um legado, uma família unida e uma história de sucesso naquela nova terra.

A saga da família italiana continuou, com cada geração contribuindo para o crescimento da colônia e mantendo viva a memória de Antônio e Giovanna, os corajosos imigrantes que ousaram sonhar e construir uma vida melhor em uma terra distante. E assim, a história da família italiana na Colônia Silveira Martins se tornou uma parte essencial da rica tapeçaria cultural e histórica do Brasil.



domingo, 24 de setembro de 2023

Caminhos Transatlânticos: Uma Jornada Épica da Itália à Colônia Silveira Martins




No início do inverno de 1890, Antônio e Giovanna, jovens imigrantes italianos, ambos com 25 anos, da mesma maneira que tantos outros italianos, embarcaram em uma emocionante e totalmente desconhecida jornada rumo ao mítico Brasil. A situação econômica da Itália continuava cada dia pior, com diminuição dos postos de trabalho no campo e nas cidades, onde grandes grupos de desempregados passavam as manhãs reunidos na praça da matriz, na esperança de conseguir algum trabalho como diarista. O fenômeno da emigração contagiava todos, cada qual tentando encontrar meios para comprar as passagem e embarcarem para aquele novo país do outro lado do oceano. Eles vinham de um pequeno comune no interior de Vicenza, com o sonho de construir uma nova vida na Colônia Silveira Martins. Levavam consigo seu precioso tesouro, um filho de 18 meses chamado Carlo.

A tão temida travessia do oceano Atlântico foi uma experiência desafiadora a qual ficou indelevelmente marcada na memória daqueles emigrantes. O navio em que viajavam, o Andrea Doria, estava lotado de outros imigrantes, todos ansiosos por uma chance melhor. As condições a bordo eram simples, com beliches apertados, comida limitada, higiene precária e falta de instalações sanitárias suficiente para o número de passageiros. Antônio e Giovanna enfrentaram duas tempestades ferozes, as quais pareciam que fosse o fim do mundo, mas nunca perderam a esperança, agarrados nos corrimões do barco e orando fervorosamente à Madonna di Monte Berico, a Santa de devoção dos dois jovens. 

Finalmente, após semanas de sofri e incertezas, avistaram a costa brasileira. O Porto do Rio de Janeiro os recebeu com a promessa de um novo começo. Tinham chegado ao Brasil, mas ainda faltava muito até o local onde seriam assentados. A jornada até a Colônia Silveira Martins foi longa e árdua, durou mais quatro semanas, com viagem de navio, barco e carroças puxadas pó diversas mulas, mas a família chegou com a determinação de transformar aquele lugar em seu lar.

As primeiras impressões da nova terra eram mistas. A paisagem era desafiadora, com vastas áreas ainda cobertas de mata virgem a serem desbravadas. No entanto, a comunidade de imigrantes italianos ja instalados estava unida, e todos ajudaram na construção de suas casas simples, erguidas com troncos de árvores, abundantes nos seus lotes..

Os primeiros anos foram bastante difíceis. Depois de abrir uma clareira na mata, plantaram suas primeiras sementes e lutaram contra os desafios da agricultura em um clima tão diferente do que estavam acostumados. Mas com trabalho duro e a ajuda de seus vizinhos, logo viram os frutos de seu esforço crescerem.

Carlo, o filho que havia cruzado o oceano com eles, cresceu forte e saudável. Antônio e Giovanna tiveram mais seis filhos, todos nascidos na Colônia. A família prosperou, expandindo sua plantação e construindo uma vida melhor.

Os anos se passaram, e os filhos de Antônio e Giovanna cresceram, Casaram-se com outros imigrantes italianos, e a família cresceu ainda mais. A Colônia Silveira Martins também floresceu, tornando-se um ponto de referência na região. Ela ficou conhecida como a quarta colônia da imigração italiana no Rio Grande do Sul, localizada na parte central do estado, próxima à cidade de Santa Maria.

Antônio e Giovanna viram a chegada de netos, e seu lar se encheu de risos e histórias. A jornada desde aquela pequena vila na Itália até a Colônia Silveira Martins havia valido a pena. Eles haviam construído um legado, uma família unida e uma história de sucesso naquela nova terra.

A saga da família italiana continuou, com cada geração contribuindo para o crescimento da colônia e mantendo viva a memória de Antônio e Giovanna, os corajosos imigrantes que ousaram sonhar e construir uma vida melhor em uma terra distante. E assim, a história da família italiana na Colônia Silveira Martins se tornou uma parte essencial da rica tapeçaria cultural e histórica do Brasil.



quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Carpinteiros da Esperança: O Legado dos Fernetti na Formação do Sul do Brasil

 



Em meio às colinas verdejantes da região sul do Brasil, onde os pinheiros se erguiam como sentinelas silenciosas, viveu uma família cuja história era tecida com habilidade e devoção. Giulio Fernetti, o último filho de uma prole de seis homens e quatro mulheres, era o protagonista dessa saga.
A história dos Fernetti teve início no final do século XIX, quando Giacomo e Augusta, acompanhados por seus três filhos, deixaram a Itália e cruzaram o oceano em busca de novas oportunidades. Aportaram em terras brasileiras em 1896 e, após vários anos na Colônia Dona Isabel, fixaram residência em Veranópolis, onde as raízes dessa família de origem italiana se entrelaçaram com a história do sul do Brasil. Duas das suas filhas eram freiras, um dos filhos, o mais velho era frei capuchinho e um outro padre Carlista.
Giacomo, o patriarca, era um hábil carpinteiro, mestre na arte de construir igrejas majestosas, vastos barracões e moinhos que giravam movidos pela força das águas e, mais tarde, da eletricidade. Com o passar dos anos, Giulio, o filho mais jovem, absorveu essas habilidades com afinco e determinação, tornando-se um carpinteiro exímio, especializado na construção de moinhos coloniais que seriam a força motriz da região.
Aos 25 anos, Giulio casou-se com Anna, o amor de sua vida, e juntos decidiram aventurar-se na rica região ainda em formação de Boa Vista de Erechim. Uma jornada de duas semanas, percorrendo estradas estreitas e sinuosas em lombo  de mulas e uma carroça de duas rodas com a pequena mudança, os conduziu a esse novo horizonte. O pequeno distrito de Floresta, hoje o município de Barão de Cotegipe, foi o local escolhido para estabelecerem raízes e onde Giulio abriu a sua própria carpintaria.
Naquele recanto, Giulio ergueu diversas casas com suas próprias mãos e contribuiu para a conclusão da imponente igreja local. Seus dias eram uma sinfonia de serras, martelos e madeira trabalhada com maestria. Boa Vista de Erechim, ávida por construção, abraçou o carpinteiro com entusiasmo, mantendo-o constantemente ocupado, construindo igrejas e  complexos moinhos em toda a região norte e central do estado.
Os anos se passaram, e Giulio e Anna foram abençoados com seis filhos, quatro meninas e dois meninos, que cresciam em meio ao som das máquinas e à reverência pela tradição familiar. À noite, reuniam-se em torno da mesa, onde as histórias das construções grandiosas e da vida na cidade ganhavam vida através das palavras de Giulio.
A família Fernetti personificava a força do trabalho árduo e a devoção à comunidade. Eles eram os construtores de sonhos, os artesãos que moldaram a paisagem da região e os guardiões da fé. Cada estrutura erguida por Giulio era mais do que um edifício de tijolos e madeira; era um testemunho de sua dedicação, um tributo à sua família e um presente para as gerações futuras.
Hoje, as construções podem ter se tornado monumentos históricos, e os moinhos podem ter sido substituídos por tecnologias mais modernas, mas a memória da família F. perdura, lembrando a todos que, em algum momento do passado, um carpinteiro e sua família moldaram o destino de uma região com suas mãos habilidosas e corações generosos. A história dos F. é a história de um Brasil que cresceu e evoluiu, guiado pelo espírito incansável de seus filhos e filhas.


sábado, 16 de setembro de 2023

A Jornada dos Três Irmãos Crivelli: Da Itália ao Brasil


 



No início da grande emigração italiana, nas montanhas do interior de Cesiomaggiore, na província de Belluno, três irmãos nascidos em uma família numerosa, muito humilde, sonhavam com uma vida melhor. Giovanni, o mais velho, tinha 23 anos, Pietro tinha 21 e Settimo apenas 19. Eles viviam em uma região montanhosa onde a economia de subsistência era a norma, e a pobreza era uma companhia constante. As safras frequentemente eram perdidas para secas implacáveis ou aluviões que devastavam tudo em seu caminho. Após a queda de Veneza tudo somente piorou para os habitantes da região, os impostos e as taxas criadas pelos diversos governos que se seguiram, tornavam a vida de todos ainda mais difícil, especialmente no campo  A esperança de uma vida melhor e a real oportunidade de adquirir terras próprias no Brasil atraíram os três irmãos para a aventura da emigração.
Em 1878, eles embarcaram em uma jornada que mudaria suas vidas para sempre. A travessia do oceano era uma experiência desconhecida e assustadora. A bordo do navio, enfrentaram tempestades ferozes que fizeram o mar parecer um monstro enfurecido. Muitos passageiros adoeceram durante a viagem, e a incerteza sobre o que os esperava do outro lado do Atlântico pairava no ar.
Finalmente, após semanas de travessia, o navio finalmente atracou no porto do Rio de Janeiro, mas, para eles ainda não era o fim da viagem. Dois dias depois embarcaram em outro navio, de menor calado, que os levou até o Porto de Rio Grande na província do Rio Grande do Sul, Brasil. Nesse local ficaram hospedados por algumas semanas, em grandes barracões comunitários, esperando pelas lanchas a vapor que atravessando a Lagoa dos Patos os levaria rio acima até um porto perto da colônia Dona Isabel. Os irmãos desembarcaram da lancha com esperanças renovadas, ansiosos para começar uma nova vida. Do porto ainda precisavam caminhar por algumas horas até finalmente chegarem na seda da colônia. Com as economias que trouxeram da Itália, cada um deles comprou um pedaço de terra do governo brasileiro na recém-inaugurada colônia Dona Isabel. Ao todo, eles adquiriram uma área imensa de 150 hectares.
A terra que agora chamavam de lar era um paraíso selvagem e exuberante. Grandes árvores e pinheiros se erguiam majestosamente, criando uma paisagem deslumbrante. Um rio serpenteava pela propriedade, fornecendo água fresca e oportunidades de pesca. Os irmãos começaram a construir suas casas rústicas e a preparar o solo para o cultivo.
A adaptação ao novo país e às suas peculiaridades não foi fácil. A língua não era um grande desafio, pois estavam em local onde todos eram imigrantes italianos. A língua ofial do país, o português eles foram aprendendo aos poucos com o passar do tempo. Aos poucos, estabeleceram relações com outros imigrantes italianos na região e com os brasileiros locais, criando uma comunidade unida. O talian era a língua recém criada que estava se firmando naquela e em outras colônias italianos do Rio Grande do Sul.
Giovanni, o mais velho, se destacou como agricultor. Ele plantou campos vastos de trigo, milho e feijão, aproveitando o solo fértil da região. Pietro, habilidoso artesão, começou a trabalhar como carpinteiro e construiu casas não apenas para sua família, mas também para outros colonos, mais tarde abrindo uma grande carpintaria na sede da colônia que empregava vários outros imigrantes. Settimo, o mais jovem, dedicou-se à pecuária e a criação de suínos que logo se tornou uma parte importante da economia local.
À medida que os anos passavam, a colônia Dona Isabel florescia. A terra generosa e o trabalho árduo dos três irmãos transformaram sua propriedade em uma das mais prósperas da região. Eles não apenas conseguiram sobreviver, mas também prosperar. Os três se casaram com moças de famílias italianas da própria colônia e tiveram numerosos filhos.
Com o tempo, as lembranças da Itália ficaram mais distantes, substituídas pelas conquistas e desafios do Brasil. Ainda assim, em suas conversas à noite, junto à lareira acesa, eles compartilhavam histórias de sua terra natal, mantendo viva a memória da jornada que os trouxera para o outro lado do mundo.
À medida que envelheciam, Giovanni, Pietro e Settimo continuaram a ser pilares de sua comunidade. Eles viram seus filhos e netos crescerem na terra que escolheram chamar de lar, mantendo viva a tradição e a cultura italiana.
A história dos três irmãos italianos que deixaram as montanhas de Cesiomaggiore para buscar uma vida melhor no Brasil é uma história de coragem, determinação e perseverança. Eles enfrentaram desafios inimagináveis, mas através de seu trabalho árduo e espírito inabalável, transformaram um pedaço de terra selvagem em um lar próspero e acolhedor. Suas vidas são um testemunho da capacidade humana de superar adversidades e forjar um futuro melhor, mesmo diante das incertezas de uma jornada rumo ao desconhecido.



domingo, 10 de setembro de 2023

Raízes na Terra: A Jornada dos Belliner em Colônia Dona Isabel







No final do século XIX, quase no alvorecer de 1900, quando o vapor que trouxe os Belliner se aproximou do porto de Rio Grande, o coração de Antonio Belliner estava repleto de esperança e expectativa. Ao seu lado, sua esposa Maria e seus quatro filhos – Giuseppe, Carlo, Isabella e Rosa – pensavam no litoral distante do Porto de Gênova desaparecendo no horizonte, deixando para trás uma vida de dificuldades em uma Itália empobrecida, em busca de um futuro melhor nas terras férteis do sul do Brasil. Tinham deixado pequena vila onde nasceram, no interior da província de Treviso, abandonando uma vida de contínuo trabalho de gerações da família, sempre na terra de outros. Tinham em mente satisfazer o tão desejado sonho de um dia serem proprietários da terra em que trabalhavam. 

Após muitos dias de viagem pelo grande mar e pelos rios do grande estado brasileiro, onde dias viraram semanas que pareciam infindáveis, agora já no pequeno porto fluvial, com os poucos pertences e as crianças em um grande carroção puxado por mulas, a família Belliner chegou à Colônia Dona Isabel, um lugar onde as colinas verdejantes e os vales exuberantes os acolheram. Aqui, eles enfrentaram inúmeras adversidades enquanto construíam suas vidas. A avó, nonna Augusta, tornou-se o pilar da família com suas histórias e sua sabedoria ancestral, mantendo a tradição italiana viva. 

Os dois meninos, Giuseppe e Carlo, logo se tornaram inseparáveis dos campos e vinhedos. Eles aprenderam com o pai a arte da vinicultura e passaram longas horas sob o sol escaldante, cuidando das videiras que se estendiam até onde os olhos podiam ver. As meninas, Isabella e Rosa, ajudavam a mãe Maria na cozinha, preparando pratos italianos tradicionais com ingredientes locais.

A vida na colônia não foi fácil. Os Belliner enfrentaram invernos rigorosos, safras difíceis e a distância da família na Itália. No entanto, através da perseverança e do apoio mútuo, eles prosperaram. Giuseppe e Carlo eventualmente casaram com duas irmãs da vizinhança, construindo suas próprias famílias e vinícolas.

Com o tempo, a Colônia Dona Isabel prosperou, graças ao trabalho árduo e à devoção dos imigrantes italianos. A família Belliner e seus descendentes se tornaram uma parte fundamental dessa história, com suas tradições e vinícolas florescendo nas terras férteis do sul do Brasil.

Hoje, quando alguém visita à antiga Colônia Dona Isabel, ainda pode saborear o vinho premiado da Vinícola Belliner e ouvir as histórias de nonna Isabella, que atravessaram o tempo, mantendo viva a memória da jornada corajosa e do legado dos imigrantes italianos no sul do Brasil.


segunda-feira, 10 de abril de 2023

Um Novo Começo: A História de Uma Família de Imigrantes Vênetos no Brasil

Colheita do Café


Giovanni Scarsea, a esposa Maria Augusta e seus três filhos menores de idade, Francesco, Sofia e Luca, habitavam em uma vila no pequeno município de Alano di Piave, localizado na província de Belluno, região do Vêneto, na Itália. Giovanni, como todos os seus antepassados homens, trabalhava como carpinteiro e marceneiro, profissão que tradicionalmente era passada de pai para filho há gerações. Nos períodos do ano em que a procura pelos seus trabalhos diminuía na sua oficina, se aventurava como trabalhador rural diarista, nas pequenas e também pobres propriedades agrícolas da vizinhança. Maria por sua vez estava sempre atarefada, além do trabalho doméstico, criava os três filhos do casal que ainda eram menores de idade. Eles habitavam uma casa bastante antiga, com pouco terreno à volta, viviam uma vida bastante simples, sempre lutando para sobreviver, especialmente após a morte do pai de Giovanni, há pouco mais de um ano, vítima da pelagra, o que deixou a família com muitas dívidas e quase sem recursos. 
Em um domingo, logo após a missa matinal, que o casal não costumava faltar, na pequena praça defronte a igreja, apareceu um homem desconhecido das pessoas do lugar. Portava alguns cartazes e falava em voz alta. Era um tipo  bem vestido, e de longe já se via que era de cidade grande, aparentando ter entorno de 50 anos de idade. Muito comunicativo, bem falante, logo uma pequena multidão curiosa se acercou do estranho para ouvir o que ele dizia. Explicou que trabalhava para uma agência de viagens de Gênova, filiada a uma grande companhia de navegação italiana com sede naquele porto. Viajava pelo interior do país em busca de candidatos dispostos a emigrar  para o Brasil junto com as suas famílias. Descrevia o grande país sul americano como um paraíso, um verdadeiro El Dorado, onde qualquer um podia ficar rico sem muito esforço e, o principal para aquela pobre gente acostumada a ser mandada a vida inteira, que em pouco tempo podia ser dono da sua própria terra. O sonho da propriedade, ser o senhor da sua vida era a isca final. Explicou à todos que o governo do império brasileiro estava fornecendo passagens de graça até o local onde seriam assentados no país, para todos aqueles que quisessem emigrar para lá. As únicas exigências que faziam era que os candidatos partissem acompanhados pelas suas famílias, fossem jovens e sadios. Explicou que iriam trabalhar como agricultores, em fazendas de café, no interior do estado de São Paulo e  assinariam os respectivos contratos ainda na Itália, para terem o direito da passagem gratuita. Aproveitou para ler algumas cartas, talvez a maioria delas, o se não todas, inventadas por ele mesmo, para assim aumentar a curiosidade e o interesse daquela pobre gente. Eram supostas cartas de pessoas de vários locais da Itália, que já tinham emigrado algum tempo antes, contando para seus parentes e amigos das suas antigas paróquias, as maravilhas sobre o grande país. Disse também que a  próxima partida do navio com um grande grupo de emigrantes estava marcada para dali dois meses. O assunto emigração para o Brasil, ou para a América como diziam na época, não era uma novidade para ninguém, estava sempre presente, obrigatoriamente, nas rodas de conversa nas praças, bares e até mesmo nas igrejas onde, no sermão os padres aconselhavam seus paroquianos à emigrare para fugir da pobreza e conseguir melhorar de vida. De toda a Itália alguns milhares de pobres camponeses, pequenos proprietários rurais e pobres artesãos já tinham deixado definitivamente o país e essas notícias corriam de boca a boca por todo o país como um rastilho de pólvora aumentando o interesse de todos.
Giovanni e Maria ficaram empolgados, até mesmo  entusiasmados com a possibilidade de emigrar, de deixar tudo para trás, sem ter que pagar pelas passagens, que eram muito caras. Estavam cronicamente sem dinheiro e aquela oferta vinha cair perfeitamente nos planos do casal que, de tempo já vinha pensando em deixar o país. A situação econômica da Itália estava se agravando cada vez mais e não viam boas perspectivas para o futuro. O desemprego no campo era muito grande e nas pequenas praças frente as igrejas grupos de homens ficavam o dia inteiro esperando, quase sempre sem sucesso, que alguém viesse contratar os seus serviços. Quando tinham sorte de arrumar algum trabalho o pagamento recebido era pouco para sustentar a família. A fome já rondava muitas casas na vila onde moravam e eles mesmos estavam em precária situação, com as refeições racionadas. Muitas vezes os adultos não faziam uma refeição completa para deixar alguma coisa para os filhos pequenos.
Depois desse encontro com aquele tipo estranho, foi que Giovanni e Maria decidiram definitivamente em emigrar para o Brasil, em busca de uma vida melhor para eles e para os filhos. Eles já tinham ouvido falar de oportunidades de trabalho em grandes plantações de café no interior de São Paulo, e agora decidiram arriscar tudo e tentar a sorte no novo país. Giovanni foi até a prefeitura local obter os passaportes para todos o membros da família. Depois procurou pelo agente de viagem para assinar o contrato de trabalho e dar os seus nomes para o embarque. Eles rapidamente fizeram uma única grande mala com os poucos pertences que possuíam, se despediram de seus amigos e familiares, e um dia antes da data de partida do navio deixaram a sua pequena vila para nunca mais voltarem, embarcando em uma longa jornada rumo ao desconhecido. 
A partida da família foi emocionante e difícil, com muitas despedidas e lágrimas. Alguns outros amigos e vizinhos também estavam naquele pequeno grupo que partia. Tinham tomado coragem e resolvido abandonar o país. Enquanto deixavam a pequena vila, ouviram pela última vez o sino principal do campanário da igreja local, que em tom grave e triste, aquele mesmo timbre que habitualmente anunciava os falecimentos de pessoas do lugar. Era a última saudação do velho padre para aqueles seus queridos paroquianos que partiam para tão longe e com certeza não os veria mais. Foram levados de carroça até a estação de trem mais próxima, onde embarcaram em um trem que os levou até o porto de Gênova, onde o navio a vapor Giulio Mazzini já estava aguardando ancorado junto ao cais. O comboio era lento, fazia inúmeras paradas durante todo o trajeto, se firmando por alguns minutos em cada  pequena estação do caminho, onde novos emigrantes como eles entravam e seguiam o mesmo destino.  A viagem de trem tinha sido longa e bastante cansativa, durou perto de doze horas, com todo o grupo sem poder dormir durante toda a noite, ficaram felizes quando finalmente chegaram ao porto. 
Eles encontraram uma pequena multidão perto do cais, com centenas de outros emigrantes italianos como eles, que também estavam prestes a embarcar no mesmo navio. Por toda a parte se podia ver dezenas de carregadores do porto e da companhia de navegação, transportando malas e grande caixas que eram rapidamente levadas para dentro do navio. Os marinheiros por sua vez, agitados e gritando ordens, corriam pelo convés do grande barco ultimando os preparativos para o embarque dos passageiros. Três curtos apitos de tom grave foram ouvidos partindo da embarcação anunciando o início do recebimento dos passageiros a bordo, que em fila iam subindo, os homens carregando sacos e caixas com seus pertences nas costas, alguns deles com os bilhetes ou passaporte presos entre os lábios por falta de braços desocupados. As mulheres com os filhos pequenos nos braços, muitos deles chorando assustados com todo aquele movimento desconhecido. Subiam resignadamente pela alta escada inclinada colocada ao lado do navio. Uma vez a bordo receberam a ordem de separação das famílias nas acomodações coletivas: os homens e os meninos maiores de oito anos deveriam ficar juntos, em um grande alojamento e as mulheres, com as meninas e as crianças menores em outro também bastante grande. Essas acomodações de terceira classe eram grandes salões comunitários, localizados nos porões da grande embarcação, na estiva do navio, com pouca ventilação e iluminação precária, situados bem abaixo da linha da água. O ar naqueles salões era fétido, e cheirava a fumaça expelida pelos chaminés da embarcação. Era um ar pesado para respirar e quente por falta de ventilação. Os passageiros deviam se acomodar em precários catres tipo beliche, dispostos em filas e fixados firmemente ao piso. Não havia instalações sanitárias e nem água potável suficiente para banhos para todos aqueles mais de mil passageiros que o navio iria transportar, um número sempre muito acima daquele permitido pelas autoridades do porto, mas, que por algumas liras eram liberados e ninguém mais falava sobre isso. No fim de cada fila de beliches estavam colocados grandes baldes de madeira com tampa, para servirem de latrina para todos esses passageiros usarem sem qualquer privacidade. O cheiro fétido que exalava desses porões, após alguns dias de viagem, era insuportável, uma mistura de fumaça, de corpos suados mal lavados com o odor dos dejectos desse grande número de passageiros. A higiene a bordo era por vezes muito precária e a troca desses baldes nem sempre frequentes como seria necessário.
A bordo, a família de Giovanni teve que se adaptar às condições precárias e apertadas do navio, que estava lotado de pessoas de todas as idades, provenientes da região norte da Itália. A comida era escassa e a higiene era precária, mas os imigrantes se uniram para conseguir superar essas dificuldades. Como ainda não havia frigoríficos a bordo, as aves e o gado eram levados vivos, em um curral fechado, e abatidos durante a viagem para fornecer carne para os passageiros.
Com um longo apito o navio começou a se afastar do cais e a grande aventura tinha então começado. Do convés os emigrantes viam a Itália ficando cada vez mais para trás. Muitos choravam de tristeza pelos familiares que lá tinham deixado. Outros mantinham-se calmos e até mesmo alegres por deixarem aquele país que não tinha tido condições de oferecer-lhes o mínimo necessário: um trabalho digno para manterem suas famílias. Deixavam a Itália agradecendo a Deus por reservar-lhes um futuro melhor com liberdade. Outros amargurados, mas contentes, imprecavam frases e cantavam pequenos versos maldizendo os seus antigos patrões,  antevendo com alegria o fato de que agora, com as suas saídas, os senhores das terras teriam que trabalhar. No primeiro momento até acharam o navio espaçoso, porém não sabiam que passados mais dois dias atracariam no porto de Nápoles, no sul da Itália, em uma parada anteriormente programada, mas não muito divulgada, onde embarcariam mais de 500 passageiros, pobres emigrantes como eles, provenientes das províncias mais meridionais do país. Quando esse novo grande grupo embarcou era uma profusão de gritos, choros, imprecações e palavras em vários dialetos, todos desconhecidos e não compreendidos pelos passageiros que embarcaram no porto de Gênova. Parecia até que estavam em um outro país e não na própria Itália. Aos poucos todos foram se acomodando, se bem que não havia muito dialogo entre eles, pois, com algumas poucas excessões, não falavam italiano e sim os seus próprios dialetos regionais. A convivência deles nem sempre era pacífica e algumas rusgas logo surgiram nos primeiros dias por disputa de lugares ou pela distribuição das refeições. Algumas delas até precisaram de intervenção da tripulação para apaziguar os ânimos. 
A viagem que durou trinta dias foi longa e cansativa, mas a família de Giovanni encontrou conforto em conhecer outros imigrantes e na medida do possível compartilhar histórias e culturas diferentes. A viagem foi marcada pelo aparecimento de alguns casos de doenças a bordo, principalmente entre as crianças, causadas pelas precárias condições de higiene do navio, o confinamento forçado e também o excesso de lotação, mas eles superaram tudo e chegaram ao porto do Rio de Janeiro com sucesso sem ter que lamentar por mortes a bordo. 
A chegada no porto do Rio de Janeiro foi uma experiência totalmente nova para todos aqueles pobres imigrantes que pouco ou nada conheciam além das suas pequenas vilas. A maioria não tinha nunca viajado de trem. Eles foram recebidos por um clima tropical quente e úmido, e uma cultura muito diferente da que estavam acostumados. Eles ficaram maravilhados com as praias de areia branca e as montanhas cobertas de vegetação exuberante. Os antigos escravos, pela cor da sua pele, se constituíram em uma grande novidade para eles pois, nunca tinham visto um. Depois de desembarcarem foram levados para a Hospedaria dos Imigrantes onde foram examinados por médicos, alimentados e acomodados em alojamentos limpos e organizados. Uma parte dos passageiros tinha como destino São Paulo, tal como a família de Giovanni e os seus amigos, assim tiveram que  ficar hospedados por mais três dias na hospedaria, esperando chegar  um outro navio de menor calado, que os levaria até o porto de Santos, já no estado de São Paulo.
Eles embarcaram em um navio menor para seguir viagem até Santos, onde finalmente chegaram após dois dias de viagem. A chegada em Santos foi emocionante e estressante ao mesmo tempo. Eles foram recebidos por um agente de imigração que os ajudou na transferência de Santos para São Paulo até a Hospedaria de Imigrantes dessa cidade onde foram hospedados por um dia e ficaram esperando pelo encontro com os empregados e representantes dos fazendeiros. De lá, eles foram transferidos para as fazendas onde trabalhariam com o cultivo de café. Para algumas cidades não havia trem e seguiram em carroças, outros foram de trem até próximos da fazenda. Giovanni e os demais do seu grupo estavam entre esses mais privilegiados. A fazenda que tinha contratado Giovani e seus amigos era grande e bonita, cercada por colinas e campos verdes que se estendiam a perder de vista. A família Giovanni ficou impressionada com a beleza do lugar e também com a quantidade de trabalho que teriam pela frente. Eles foram recebidos pelo administrador da fazenda, um homem chamado Antônio, que os levou para conhecer as instalações e as áreas onde eles trabalhariam. 
A primeira tarefa da família era manter limpo de ervas daninhas e cuidar de mil pés de café. Também na safra deveriam ajudar na colheita de café. Eles trabalhavam das primeiras horas da manhã até o pôr do sol, e o trabalho era muito cansativo e difícil. No entanto, eles eram gratos por terem encontrado um emprego e uma casa para morar mas ainda preocupados com o futuro, pois este trabalho no cafezal jamais os levaria a serem proprietários de sua própria terra. 
A fazenda era um lugar bastante isolado e tranquilo, longe da da cidade mais próxima. A família de Giovanni foi se adaptando lentamente à nova vida, aprendendo a língua, as tradições e a cultura local. Eles conheceram outros imigrantes italianos que também trabalhavam na fazenda, e formaram laços fortes de amizade com eles. Quando os administradores da fazenda tomaram conhecimento das habilidades de Giovanni como carpinteiro e ótimo marceneiro, ele não fez outra coisa do que trabalhar na construção e reparos de casas dentro da área da fazenda e fabricar móveis até para a casa do proprietário rural para o qual trabalhavam. Maria também era muito hábil com a horta e animais que podiam criar entorno da sua casa, herança dos seus antepassados agricultores. Colhia ovos e vendia galinhas, assim como fazia sabão, que negociava com outros colonos e até com a casa do patrão. Maria era muito econômica e prendada, com a filha Sofia faziam bolos e outros doces que vendiam no âmbito da fazenda e até mesmo na cidade mais próxima quando podiam ir até lá. Esse dinheiro que o casal e filhos ganhavam eram guardados com os salários do trabalho  de cuidados do pés de café e colheita, com a finalidade de um dia poderem adquirir um terreno na cidade e montar uma oficina de marcenaria e carpintaria.
A família também passou por momentos difíceis, como quando Francesco, o filho mais velho, ficou doente e precisou ser levado à cidade para receber tratamento médico. Eles não tinham dinheiro suficiente para pagar pelo tratamento, mas o dono da fazenda ajudou-os, cobrindo todas as despesas em forma de empréstimo, que deveria ser pago nos próximos acertos de conta. 
Passados alguns anos de trabalho árduo na fazenda, a família de Giovanni decidiu que já era hora de seguir em frente e comprar a sua própria propriedade. Já se tinham passados oito anos desde que a tinham chegado ao Brasil. Depois de acertar as contas com o proprietário da fazenda, condição contratual indispensável para poder deixar a fazenda, pagaram todas as dívidas que tinham contraído durante todo esse tempo e abandonaram definitivamente o emprego na plantação de café. Com o dinheiro que tinham economizado, há pouco mais de um ano, já haviam comprado um terreno com casa localizado em um bairro próximo do centro da pequena cidade, que ficava não muito longe da sede da fazenda. Era um lugar simples, mas suficiente para eles morar e trabalhar. Na cidade, Maria e Sofia, já tinham alguns clientes fiéis para os doces que faziam e continuaram trabalhando com esse ramo de atividade.
No quintal, ao lado da casa, Giovanni construiu uma oficina de marcenaria e carpintaria. Seus trabalhos eram elogiados e muito solicitados pelos habitantes do lugar. Os filhos Francesco e Luca, já grandes, trabalhavam ajudando o pai no seu trabalho e aprendendo a profissão de família, mantendo assim a antiga  tradição dos Scarsella. A família estava feliz por estar trabalhando em seu próprio negócio e criando algo para suas futuras gerações. Eles se dedicaram ao trabalho com amor e paciência, sabendo que o sucesso viria com o tempo e a perseverança. Com o passar dos anos a pequena oficina de Giovanni se transformou em uma grande fábrica de móveis em sociedade com os filhos a qual deram o nome de Fábrica de Móveis Piave, de Giovanni Scarsella e Filhos. Ainda continuaram com a carpintaria, mas em outro terreno, mais amplo, que tinham adquirido, que com o tempo se transformou em uma concorrida construtora, tendo sido necessário contratar diversos empregados, que se encarregavam do trabalho de construção e reparação de casas. Maria e a filha Sofia abriram um negócio de venda de pães e doces que com o tempo se transformou em uma grande confeitaria, com várias empregadas. Os filhos foram se casando, chegaram os netos mas, continuaram unidos entorno aos pais, fazendo parte dos negócios da família que eles haviam ajudado criar.
A família nunca se esqueceu de suas raízes italianas, mas também se sentiam em casa no Brasil. Eles amavam a terra, as pessoas e as tradições locais, e estavam gratos por terem encontrado uma nova vida em um lugar tão bonito e acolhedor. 
A família se tornou uma das mais respeitadas e abastadas da cidade, participando ativamente das festividades paroquiais e dos movimentos sociais da localidade. Mesmo com o sucesso, a família nunca esqueceu suas raízes e sempre se lembrava de sua jornada desde a pequena vila no Vêneto até a grande propriedade onde estavam agora. Eles se sentiam gratos por terem encontrado um lugar para chamar de lar no Brasil e por terem tido a oportunidade de construir sua própria vida.



Conto de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS