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domingo, 26 de maio de 2024

Raízes de Esperança: A Odisseia dos Bottarello





Desespero e Esperança


No final do século XIX, a Itália enfrentava uma crise profunda. A unificação recente do país não havia sido capaz de resolver as desigualdades sociais e econômicas que afligiam o povo. No Vêneto, em particular, a situação era desesperadora. As terras férteis, uma vez prósperas, estavam agora exauridas e incapazes de sustentar as famílias que delas dependiam. A importação de grãos de outros países como Rússia e Estados Unidos, contribuíam para o desestímulo da ainda atrasada agricultura do país. Proprietários rurais desistiam de plantar, vendendo as terras, e desemprego era crescente, a fome constante e esses abandono do campo levavam muitos a considerar alternativas extremas para garantir a sobrevivência.
Na frazione Bosco, no comune de Vidor, vivia a família Bottarello. Carlo Bottarello, um homem de 28 anos, trabalhava arduamente como mezzadro, dividindo os escassos rendimentos de suas colheitas com o proprietário das terras. Ao seu lado estava Marietta, sua esposa de 27 anos, e seus quatro filhos: Carmela, de 8 anos; Domenico, de 6; Rinaldo, de 4; e Giuditta, de apenas 2 anos. Também faziam parte da família os pais de Carlo, o nono Matteo, um experiente agricultor e artesão de pouco mais de 50 anos, e nona Maria, uma mulher de 48 anos que trazia a sabedoria e a força dos anos.

A Decisão Dolorosa


Os Bottarello enfrentavam uma situação insustentável. As colheitas eram insuficientes e a maior parte do que conseguia colher tinha que dar para o proprietário da terra onde trabalhava e a fome começava a rondar a casa. As crianças, com rostos pálidos e olhares famintos, eram um lembrete constante das dificuldades. A família fazia somente uma refeição ao dia, que quase sempre consistia de polenta com alguma erva para dar sabor e para as crianças com um pouco de leite. Carne somente comiam se por sorte tivessem caçado alguns pássaros. Em muitas famílias vizinhas e também na de Carlo, inúmeras vezes a polenta era servida sem acompanhamento e sobre a mesa Marietta amarrava uma sardinha, ou muito raramente um pequeno pedaço de salame, com um longo  barbante, e cada um ao seu turno tocava na iguaria com o seu pedaço de polenta para dar um pouco de sabor. Situação difícil, dramática e insustentável. Carlo, desesperado por uma solução, sem dinheiro para comprar passagens de navio, ouviu rumores sobre a possibilidade de emigrar para o Brasil. O governo brasileiro sofrido de falta de mão de obra e em uma tentativa de povoar suas terras, oferecia passagens gratuitas para famílias dispostas a cruzar o Atlântico em busca de uma vida melhor.
Após semanas de deliberação e noites insones, Carlo decidiu que não havia outra opção. A família inteira reuniu-se ao redor da mesa de madeira maciça, marcada pelo tempo e pelo uso. As lágrimas escorriam pelo rosto de Marietta enquanto segurava firmemente a mão de Carlo. Nono Matteo, com olhos cansados, mas resolutos, concordou com a decisão, sabendo que era a única esperança de um futuro para seus netos.

A Despedida e a Jornada


A manhã da partida foi marcada por uma despedida comovente. Amigos e vizinhos reuniram-se para dizer adeus, compartilhando abraços e lágrimas. Até o pároco Don Luigi, amigo de infância de Matteo com o qual compartilhou os bancos escolares, apareceu para abençoar o grupo. A pequena vila de Bosco testemunhou a partida dos Bottarello com um misto de tristeza e esperança.
A viagem começou com um trajeto de trem de Cornuda até Gênova. Para a maioria deles, era a primeira vez em um trem, e a experiência foi tanto excitante quanto aterrorizante. Ao chegarem a Gênova, insones e cansados pelas inúmeras paradas, depararam-se com o grande porto, um lugar movimentado e agitado, repleto de sons e odores desconhecidos. Esperaram ansiosos no cais pelo navio que os levaria ao Brasil, o Duca di Galliera.

O Oceano Traiçoeiro


O embarque foi rápido, e as condições encontradas a bordo eram precárias. A superlotação era evidente, e os Bottarello mal encontraram um espaço para se acomodar. Nos porões úmidos e mal ventilados o cheiro de corpos suados e do mar misturava-se, criando uma atmosfera opressiva. Durante a travessia, enfrentaram tempestades violentas que balançavam o navio de maneira assustadora, fazendo com que muitos passageiros, incluindo os filhos mais novos de Carlo, ficassem doentes. O terror causado pelo medo de um naufrágio e morrerem no meio daquelas tormentas, fazia com que muitas mães perdessem o leite, o que levava ao óbito de muitos lactentes. 

Novo Mundo, Novos Desafios


Após semanas de tormento no mar, finalmente avistaram o porto do Rio de Janeiro. A chegada foi um alívio, mas os desafios estavam longe de terminar com o desembarque. Passaram quatro dias abrigados na Hospedaria dos Imigrantes, onde foram alimentados, registrados e receberam algumas orientações básicas.
Passado os quatro dias, a próxima etapa da jornada de todo o grande grupo de imigrantes foi outra viagem de navio até o Rio Grande do Sul. No porto de Rio Grande, foram acomodados provisoriamente em grandes barracões de madeira, aguardando os barcos menores que os levariam rio acima até a Colônia Caxias. Após dez dias de angustiante espera, embarcaram em pequenos barcos fluviais, cruzando a Lagoa dos Patos contra a correnteza e passando por Porto Alegre sem desembarcar.

A Caminho da Colônia


Com os pequenos barcos subiram pelo rio Caí até a pequena cidade de São Sebastião do Caí, onde finalmente desembarcaram. Após um dia de descanso, iniciaram a difícil subida da Serra a pé, em grandes carroças e no lombo de mulas. A subida era árdua, e os funcionários do governo brasileiro abriam caminho estreitos com foices e facões para o grupo avançar. A selva entorno era densa e implacável, com árvores gigantescas e dela saíam sons de animais que traziam muito medo às crianças. A jornada parecia interminável.

Nova Vida na Colônia Caxias


Ao chegarem na Colônia Caxias, foram acomodados provisoriamente até que tomassem conhecimento do lote que lhes fora destinado. A construção de um abrigo de pau a pique foi a primeira tarefa na nova terra, um trabalho exaustivo, mas necessário. Os contínuos sons desconhecidos da floresta, urros e gritos dos animais, como bandos de macacos e periquitos causavam medo e inquietação. Muitas vezes, durante a noite, se ouviam os urros de animais ferozes que rodavam os frágeis  casebres, deixando todos amedrontados.
Os primeiros meses foram de desânimo e sofrimento. O frio intenso das noites serranas e a solidão no meio da mata virgem eram opressivos. Sem conforto religioso de padres ou de médicos, se sentiam abandonados no meio do nada, estavam realmente isolados do mundo. Mas a fé no futuro e a resiliência os mantiveram firmes. Limparam uma parte do terreno para o primeiro plantio, semearam milho e trigo, enfrentando as adversidades com determinação.

Progresso e Sucesso


Os anos passaram, e a família Bottarello, com trabalho árduo e perseverança, começou a ver os frutos de seus esforços. Aos poucos construíram uma nova casa sólida de madeira, um símbolo de sua melhoria progressiva. Após alguns anos, finalmente alcançaram o sucesso.
A família agora prosperava em suas terras, um contraste marcante com os dias de fome e desespero na Itália. Carlo e Marietta, com seus filhos crescidos, olhavam para trás com orgulho e gratidão, sabendo que a difícil decisão de emigrar havia sido a chave para um futuro melhor.
A jornada dos Bottarello era uma história de sacrifício, resiliência e triunfo, um testemunho do espírito indomável daqueles que buscaram um novo começo em terras distantes.

As Raízes no Novo Mundo

A vida na Colônia Caxias, agora bem estabelecida, florescia em meio ao trabalho árduo e ao espírito comunitário dos imigrantes. Carlo e Marietta não apenas cultivavam suas próprias terras, mas também ajudavam novos colonos que chegavam. Nono Matteo tornou-se uma figura respeitada na comunidade, compartilhando suas habilidades artesanais e ensinando técnicas de cultivo aos jovens.
Carmela, Domenico, Rinaldo e Giuditta cresceram em um ambiente de desafios e aprendizagens constantes. A infância difícil deu lugar a uma juventude marcada pelo trabalho, mas também por um sentido profundo de comunidade e pertencimento. Carmela, com seu espírito resiliente, começou a ensinar as crianças mais novas da colônia, contribuindo para a educação e a formação das novas gerações. Domenico, seguindo os passos do pai, tornou-se um agricultor habilidoso, enquanto Rinaldo demonstrava um talento nato para a carpintaria, ajudando o nono Matteo na oficina. Giuditta, a mais nova, florescia como uma jovem inteligente e curiosa, sempre pronta a ajudar nos afazeres diários.

A Comunidade e a Fé

A fé sempre foi um pilar para a família Bottarello, e com o tempo, a comunidade conseguiu construir uma pequena capela de madeira. A igreja tornou-se um ponto central na vida dos colonos, um lugar para as celebrações religiosas, casamentos, batismos e encontros comunitários. Nona Maria, com sua devoção inabalável, era frequentemente vista cuidando da capela, arrumando as flores do altar e organizando os encontros religiosos.

Desafios Renovados

Embora a vida estivesse se estabilizando, novos desafios surgiam constantemente. O clima imprevisível do sul do Brasil, com suas chuvas torrenciais e secas intensas, testava a resiliência dos colonos. Carlo, sempre preocupado com o bem-estar da família, investiu na diversificação das culturas e na criação de pequenos animais, garantindo uma fonte de sustento mais segura.
As dificuldades de comunicação e transporte também eram obstáculos constantes. As estradas de terra e as longas distâncias até os centros urbanos dificultavam o acesso a mercados e recursos médicos. A comunidade, porém, mostrou-se inventiva e colaborativa, organizando-se em grupos para enfrentar esses desafios. Carlo liderava muitas dessas iniciativas, sua experiência e liderança eram amplamente reconhecidas e valorizadas.

O Legado dos Bottarello

Com o passar dos anos, a família Bottarello tornou-se um exemplo de sucesso e perseverança. Os campos cultivados com milho e trigo expandiram-se, e a terra antes selvagem agora florescia com vinhedos e árvores frutíferas. A grande casa de madeira de três pisos e um grande porão de pedras, construída com tanto esforço, era um símbolo de estabilidade e prosperidade.
Carlo e Marietta, agora já idosos, olhavam com orgulho para seus filhos, que começavam a formar suas próprias famílias. A comunidade crescia, e a integração entre os imigrantes e os habitantes locais se fortalecia, criando uma sociedade rica em diversidade cultural e cooperação.

Um Novo Ciclo

Enquanto a colônia continuava a se desenvolver, a chegada constante de novos imigrantes renovava o espírito pioneiro da região. Carlo e Marietta, agora avós, recebiam com alegria e hospitalidade aqueles que, como eles, buscavam uma nova vida. Matteo, apesar da idade avançada, continuava a ser uma presença sábia e encorajadora, enquanto nona Maria permanecia uma figura central de fé e suporte na comunidade.
A história dos Bottarello tornou-se uma inspiração para todos ao seu redor. A pequena capela de madeira, construída com tanto esforço, agora abrigava celebrações vibrantes, refletindo a alegria e a gratidão de uma comunidade que superou inúmeras adversidades.

Epílogo: A Promessa Cumprida

Quinze anos após a chegada ao Brasil, a família Bottarello olhava para o horizonte com a certeza de que seu sacrifício havia valido a pena. A terra brasileira, com suas promessas e desafios, havia se tornado um lar. Os descendentes dos Bottarello continuam a cultivar a terra com a mesma paixão e dedicação que seus antepassados trouxeram do Vêneto.
Carlo e Marietta, sentados na varanda de sua grande casa, assistiam ao pôr do sol, refletindo sobre a jornada que os trouxe até ali. A lembrança da Itália ainda vivia em seus corações, mas agora se misturava com o orgulho e a realização de terem construído um futuro melhor para sua família no novo mundo. A promessa de uma vida melhor havia sido cumprida, e a saga dos Bottarello se entrelaçava para sempre com a rica história da colônia Caxias, um testemunho eterno de coragem, fé e perseverança.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Jornada dos Irmãos Nanni e Pepe: Uma Saga de Coragem e Determinação da Calábria ao Brasil




Em 1890, dois jovens, Giovanni e Giuseppe R., conhecidos na família como Nanni e Pepe, nascidos em uma pequena vila no interior do município litorâneo de Tropea, na Calábria, uma região montanhosa e ensolarada, acariciada pelos fortes e constantes ventos do Mar Tirreno. Por gerações, a família residia nessa modesta propriedade rural, abrangendo pouco mais de um hectare, situada aos pés das colinas. Ali, cultivavam com esmero oliveiras, limoeiros e vinhas destinadas à produção de vinho, exclusivamente apreciado no seio familiar.
A vida na Calábria era dura, mas eles tinham um profundo amor pela terra e pelas fortes tradições locais. Plantavam com carinho as oliveiras cujas azeitonas seriam transformadas em azeite de qualidade. Os limoeiros forneciam frutas frescas e perfumadas que eram vendidos em sua comunidade. Os parreirais produziam uvas que eram colhidas com cuidado para fazer vinho, um ítem essencial da vida na vila.
Entretanto, as adversidades econômicas e as condições difíceis da época, marcada pela escassez de empregos e uma inflação elevada que corroía os magros rendimentos, os forçaram a tomar uma decisão árdua, porém imprescindível. Emigraram, assim como milhares de outros italianos o faziam, deixando para trás a modesta propriedade rural, seus pais idosos, irmãos e irmãs, sem a perspectiva de reencontro ou notícias após a partida.. A decisão de deixar sua amada Calábria foi muito dolorosa, mas eles estavam determinados a encontrar oportunidades que não estavam disponíveis em sua terra natal naquela época.
A jornada foi extensa e cheia de desafios. Ao lado de centenas de outros emigrantes, embarcaram na Itália pelo porto de Nápoles, tendo o Rio de Janeiro como destino final do desembarque. Após passarem dois dias na Hospedaria dos Imigrantes, embarcaram em outro navio com destino ao Porto de Santos, marcando o verdadeiro início de sua jornada no Brasil. Naquele período, Nanni estava solteiro, enquanto Giuseppe viajava acompanhado de sua esposa Maddalena e dos oito filhos do casal.
Ao chegarem finalmente ao interior do estado de São Paulo, acompanhados por centenas de outros italianos, dirigiram-se de trem até o local de trabalho em uma fazenda de café. Essa fazenda, vale ressaltar, os havia contratado ainda na Itália. Embora Nanni e Giuseppe fossem analfabetos, eles se esforçaram para aprender e trabalhar com afinco para proporcionar uma vida melhor para suas famílias.
Após dois anos vivendo no novo país, Nanni uniu-se em matrimônio a Rosina, uma jovem imigrante oriunda da região de Vêneto. Rosina e sua família haviam embarcado no mesmo navio que Nanni, compartilhando assim a jornada que os conduziu à fazenda. Ao longo de suas vidas, tiveram 6 filhos. 
Giuseppe e Maddalena continuaram a criar sua família no Brasil, mas nunca deixaram de sentir falta da terra e dos entes queridos que deixaram para trás. A história de Nanni e Giuseppe é um testemunho de coragem e determinação, mostrando como os imigrantes italianos enfrentaram sacrifícios significativos em busca de uma vida melhor em terras estrangeiras, mantendo suas famílias unidas e suas tradições vivas, apesar da distância que os separava de sua terra natal e de seus entes queridos.





sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Legado Vivo: Os Nomes e Histórias por Trás da Lista de Imigrantes Italianos em Ascurra, SC

 



Os imigrantes pioneiros Ascurra chegaram em novembro de 1876 pelo Ribeirão São Pedro, em Rodeio, sendo assentados na linha colonial Ribeirão São Paulo. Esta foi a primeira comunidade de imigrantes provenientes do Vêneto, Lombardia e do Tirol. Os tiroleses eram súditos do império austríaco e falavam alemão.

Em dezembro de 1876 chegou mais uma leva de imigrantes italianos que foram instalados em Guaricanas.

No Brasil continuaram trabalhando como agricultores, cultivando principalmente tabaco que era exportado para a Europa. Com o tempo foram formando cooperativas agrícolas e moinhos, chamados atafonas, para o beneficiamento da farinha, e batedeiras de arroz. A produção da uva, a fabricação de vinho e cachaça foram outras das atividades desses italianos.  



Lista dos pioneiros italianos em Ascurra 


Linha Ribeirão São Paulo:

 

Vittorio Anselmi, Giuseppe Avancini, 

Giuseppe Bazzanella, Arcangelo Bazzanella, 

Elia Barbetta, Arturo Bassani, 

Guerino Bertelli, Giuseppe Bertelli, 

Albino Bona, Albino Bona (Filho), 

Daniele Bona, Giuseppe Bonetti, 

Giovanni Bonetti, Giovanni Buzzi, 

Luigi Catafesta, Vittorio Catafesta, 

Andrea Chiarelli,Giovanni Chiarelli, 

Antonio Chiminello, Giovanni Dagnoni, 

Carlo Dalfovo, Giacomo Dalfovo, 

Giovanni Dalpiaz, Luigi Fachini, 

Marco Fachini, Nicolò Faes, 

Pietro Felisari, Giovanni Ferretti, 

Beniamino Filigrana, Giovanni Filagrana,

 Eugenio Felippi, Giuseppe Felippi, 

Salvatore Felippi, Mosé Frare, Antonio Ferrari,

 Bortolo Gandin, Giovanni Ghezzi, 

Bortolo Girardi, Cesare Girardi, 

Gioachino Girardi, Francesco Lasta, 

Luigi Leonello, Rocco Longo, 

Luigi Losi, Agostino Macoppi, 

Giuseppe Maiola, Giuseppe Maccon, 

Miguel Magariano, Angelo Maiochi, 

Antonio Marcarini, Angelo Marcarini, 

Giuseppe Merini, Giovanni Battista Merlini,

 Angelo Mesadri, Ottorino Morastoni, 

Antonio Odorizzi, Giuseppe Odorizzi, 

Giovanni Passero, Giovanni Pedrini,

 Ermenegildo Poffo, Domenico Poltronieri, 

Gottardo Possamai, Davide Rafaelli, Emilio

 Rafaelli, Giuseppe Rafaelli, Giuseppe Rossi, 

Secondo Saccani, Natale Sala, Enrico Sandri,

 Pio Sandri, Giovanni Simeoni, Cesare Stedile,

 Giuseppe Stedile, Carlo Stedile, Emanuele

 Tambosi, Giovanni Tessarolli, 

Bernardo Testoni, Francesco Tomasi, 

Angelo Tomio, Giuseppe Tonolli, 

Guilhermo Tonolli, Giacomo Tonon, 

Giuseppe Vicentini, Paolo Zendron, 

Alessandro Zonta, Andrea Zonta, 

Luigi Zonta.


Linha Guaricanas: 

Angelo Andreani, Alessandro Avancini,

 Giuseppina Bertoli, Antonio Bianchet,

Pietro Bragagnolo, Giovanni Biz,
 
Fioravante Cargniel, Pietro Castellani,
 
Gregorio Cechelero, Giacomo Cecchet,
 
Luigi Ceccato, Bortolo Conti,
 
Bernardo Dal Cere, Francesco Dalmolin,

 Giovanni Angelo Dalmolin, Giovanni Dalmolin,

 Domenico Dalmolin, Giovanni Feltrin,
 
Andrea Darolt, Giuseppe Finardi, 

Pietro Fistarol, Angelo Fusinato, 

Giovanni Grava, Santo Isolani, 

Domenico Largura, Aurelio Ledra, 

Lorenzo Mondini, Aristide Marchi, 

Antonio Marconcini, Filippo Maschio,
 
Angelo Moretto, Beniamino Moser,
 
Fortunato Moser, Francesco Moser,
 
Santo Nolli, Pietro Possamai,
 
Giovanni Possamai, Andrea Possamai,

 Alessandro Prade, Francesco Prade,
 
Angelo Prade, Giovanni Prade,
 
Paolo Prade, Luigi Rinco,
 
Marco Salton, Francesco Schiochet,
 
Santo Schenalli, Pietro Sevegnani,
 
Luigi Tenestri, Luigi Tontini, 

Gaetano Vendrami, Giuseppe Viviani.


Outros pioneiros

Ermembergo Pellizzetti, Nicola Badalotti,

 Ricardo Voigt, Giacinto Scottini,
 
Alessandro Vignola, Carlos Rothenburg, 

Vicente Luiz da Silva, Inácio Simianowski,

 Hermann Schultz, Felice Bassani,
 
Francesco Adami, Wilhelm Krüger, 

Augusto Braatz, Giuseppe Demarch,
 
José Antônio de Amorim, 

Miguel Francisco de Souza, Gabriel Firmino

 Polidoro, Firmino Antonio de Pinho, 

Zilindro Antonio de Pinho,
 
João Tobias da Costa,
 
Joaquina Rosa Jesus, Francisco Amaro Belini,

 Francisco Polidoro dos Santos, 

Giovanni Bordin.







quarta-feira, 28 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 4








Domenico, a mãe e os irmãos trabalharam duro para limpar parte do terreno e preparar um novo pedaço de terra para as semeaduras de inverno, principalmente, de trigo. Ainda tinham parte dos mantimentos recebidos do governo e muita coisa que por vezes faltava, os vizinhos, que já moravam a mais tempo no local, davam ou vendiam para eles. A primeira safra de milho foi ótima, além das suas expectativas. A semeadura do milho apesar de ter sido feita com um pouco de atraso, foi compensada com o atraso do inverno. Mostrou que a terra era muito fértil e a safra de fim de primavera seria abundante. Aprenderam que quando o milho já estivesse com grãos, precisavam ficar mais atentos, pelo grande número de pássaros e animais selvagens, que em bandos dizimavam as plantações. O tempo corria rápido e os irmãos já haviam começado a fazer as tábuas para a construção da casa. Estavam contentes com o lugar, com a terra que compraram. Agradeciam sempre ao pai Daniele pela indicação do lugar e incentivo para emigrarem. O correio chegava mensalmente na sede da colônia, não muito distante onde moravam. Maria tinha esperanças de receber notícias das duas outras filhas. Não sabia onde miravam e nem como estavam. Antes de deixar Segusino, durante a visita ao pároco Michele, havia deixado com ele o seu novo endereço no Brasil para caso as filhas quisessem ou pudessem entrar em contato com ela. Também tinha iniciado contato por cartas com o velho padre, amigo de muitos anos da família. Estava aguardando a sua resposta. Naquele tempo, conforme o local, uma carta demorava vários meses para ser entregue ao destinatário, especialmente naquelas colônias do Rio Grande do Sul, tão distantes de tudo. A casa de madeira estava quase pronta, os rapazes tinham se saído muito bem, revelando-se bons carpinteiros. Era grande com três grandes quartos e uma sala. A cozinha, com seu fogão de chão, ficava em outra pequena dependência, separada da parte principal da casa, pelo perigo de incêndio. A safra do trigo foi ótima e a do milho excelente, ocasião em que puderam encher os depósitos no grande paiol recém-construído. Parte das safras eram vendidas e seguiam de barcos para a capital do estado e a outra parte era reservada para consumo da família. Já estavam criando galinhas e alguns porcos soltos em um cercado. Um dos filhos andava semanalmente até o correio, na sede da colônia, para ver se tinha chegado alguma carta para eles. Durante muitos meses voltavam tristes, pois, não encontraram nada. Um dia o filho mais novo, voltou gritando e correndo. De longe balançava o braço mostrando dois envelopes brancos. Saíram todos correndo ao encontro do rapaz. De todos eles somente Domenico sabia ler um pouco, pois, tinha somente estudado até a terceira série. Uma das cartas era da filha mais velha que morava nos Estados Unidos e a outra era de Don Michele. Com dificuldade a família foi se inteirando nas notícias tão aguardadas. Ficou sabendo que a filha estava bem e já tinha três filhos, dois meninos e uma menina. O marido estava bem empregado na construção civil e que tinha muito trabalho. Todos estavam bem de saúde e muito contentes na nova pátria. Ela, infelizmente, ainda não tinha recebido notícias da irmã mais nova que havia emigrado para Chipilo, no México. Encontrou o endereço da família através do padre Michele. Pela carta do antigo pároco, ficaram sabendo dos acontecimentos em Segusino e, principalmente, notícias da segunda filha. Ela, como havia previsto Maria, a filha também tinha escrito para o pároco para saber notícias do resto da família. Algum tempo depois de se estabelecerem em Chipilo, entrou em contato com Don Michele e conseguiu o endereço atual da mãe e dos irmãos no Brasil. Já era mãe de dois meninos e estava grávida do terceiro. Estavam bem de saúde e ela e o marido trabalhavam em uma terra própria, comprada a prestações do governo mexicano, onde plantavam principalmente milho e criavam vacas, cujo leite era transformado em queijos, vendidos em Chipilo e nas cidades próximas. Estavam muito felizes no novo país e até já estavam começando a ganhar dinheiro. Maria e os filhos ficaram radiantes de alegria com as boas notícias recebidas das duas.

Este conto continua
Texto de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS




segunda-feira, 26 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 3

 




A Caminhada

Apesar de usarem o mesmo rio para chegar aos seus destinos, o caminho a ser tomado era um pouco diferente para aqueles que se dirigiam para a Colônia Caxias, daqueles outros que seguiam para as colônias Dona Isabel e Conde D'Eu. Domenico e sua família, subindo pelo rio Caí, passaram pelo porto da cidade de São Sebastião do Caí onde alguns imigrantes desembarcaram com destino a Colônia Caxias. Continuaram a viagem rio acima até o porto da cidade de Montenegro onde aqueles que seguiam para a Colônia Dona Isabel desembarcaram, com vários outros imigrantes, como vimos no capítulo anterior. Aproveitaram para descansar, comprar algum alimento, em uma espécie de armazém, para as crianças e organizar a pouca bagagem que levavam. A distância a ser percorrida era de aproximadamente oitenta quilômetros, mas no caminho teriam que atravessar um trecho bem difícil de serra. Não era uma verdadeira estrada e sim um precário caminho com muitas pedras, bastante tortuoso, pelo meio de grandes árvores. Nos dias de chuva era um lodaçal difícil de ser atravessado. Ficaram espantados com a altura que muitas delas alcançavam, porém, uma em especial, pela sua beleza e grandiosidade, chamou mais a atenção de todos. Eram colossais pinheiros, que naqueles tempos existiam em grande quantidade. Do meio da mata vinham gritos de aves e de outros animais desconhecidos para eles, como dos bandos de macacos bugios, que, assustados com o ruído da caravana, faziam uma grande algazarra. Os adultos e crianças maiores caminhavam ao lado dos carroções puxados por várias mulas, no qual as mulheres grávidas, os mais idosos e as crianças pequenas iam embarcadas. A marcha era lenta, especialmente no trecho montanhoso, onde precisavam parar ocasionalmente para descansar e dar água para os animais. Quatro funcionários do governo brasileiro, dois deles filhos de ex-escravos, acompanhavam o grupo desde Montenegro, eram os guias e cocheiros da expedição. Um dos funcionários, o mais velho do grupo, falava perfeitamente o dialeto vêneto o que facilitou para todos. Depois de várias horas de dura caminhada, ao sol, em pleno verão brasileiro, finalmente chegaram a Colônia Dona Isabel, que então já tinha cerca de quatorze anos desde a sua fundação onde se podia ver grande progresso com algumas ruas de barro e inúmeras casas de madeira, algumas de tijolos. Já era um núcleo urbano. Foram alojados em outro grande barracão, fora da sede, ficando à espera da localização do seu lote de terra que tinha sido escolhido pelo governo. Genaro e a família, mais uma vez, tiveram muita sorte. Em apenas dois dias com todos os papéis assinados, já estavam sobre o que agora seria a sua propriedade. É bem verdade que este grande lote de terra não era fornecido de graça pelo governo, ele deveria ser pago em prestações anuais durante dez anos e o título de propriedade recebiam quando já tivessem quitado 20% da dívida. O governo concedia dois anos de carência para iniciarem o pagamento. Os valores não assustavam muito, as condições eram boas e se tudo corresse bem com as futuras safras, poderia ser pago com facilidade. Ao chegarem no local do lote souberam que cerca de dois anos antes ele já tinha sido concedido para um jovem casal de colonos provenientes de Padova, que, infelizmente, com a morte prematura do marido, devido a um acidente enquanto derrubava uma grande árvore, para fazer tábuas para construção de uma pequena casa para abrigar a família. O pobre homem teve a cabeça e parte do tórax esmagados por um grande galho que se desprendeu do alto, matando-o instantaneamente. A infeliz mulher, desesperada e sozinha, sem amigos ou parentes no Brasil, resolveu desistir e abandonar tudo, retornando rapidamente para Itália, com os dois bebês gêmeos do casal, nascidos justamente naquele lugar, com a ajuda de uma vizinha. Ela tinha restituído a propriedade ao governo, poucas semanas antes de Genaro e a família chegarem. Eles não conheceram a infeliz viúva que partiu poucas semanas antes deles chegarem, logo após o pobre funeral do marido, realizado por alguns vizinhos, sem o conforto religioso de um sacerdote. No lote ainda não havia uma casa, apenas uma pequena choupana construída com galhos de árvores e coberta por grimpas de pinheiro a guisa de telhado, onde a família do falecido se abrigava. Ali tinham nascidos os pobres órfãos, dois brasileirinhos, como tantos outros, que emigraram para a Itália. Todos esses funestos acontecimentos deixaram Domenico e os irmãos muito abalados, supersticiosos como eram, em geral, os vênetos, ficaram com muito medo e até pensaram ser um sinal de mal agouro. Quem trouxe serenidade foi Maria Augusta, sempre hábil em acalmar os filhos. Pela manhã reuniu todos os filhos e disse-lhes que tinha sonhado com o marido, Daniele e ele no sonho "pediu para eles terem coragem e não deixarem se influenciar com a morte daquele jovem. A vida era assim mesmo, cheia de ciladas e este era o seu destino, a sua hora tinha chegado e ninguém poderia ter feito nada para o salvar. Eles deveriam rezar um rosário todas as noites durante uma semana pela intenção da sua alma e também levar algumas flores que encontrassem no local onde ele estava sepultado. A vida da família devia continuar. Não podiam se amedrontar após tudo o que já tinham passado para chegar até ali". Ouvindo o relato do sonho da mãe todos se sentiram mais confortados e se acalmaram bastante, começando a esquecer o ocorrido. Tudo no lote estava por fazer, não queriam morar naquela cabana feita pelo falecido e assim resolveram atear fogo, como forma de exorcizar os maus espíritos. A família, com dificuldade, passou a primeira noite na nova terra, abrigada no oco de uma grande árvore chamada de embú. Era verão e um pequeno fogo, logo à entrada, servia para aquecer um pouco, iluminar e espantar algum animal selvagem. Receberam do governo sacos de mantimentos para alguns meses, vários utensílios domésticos e ferramentas para o trabalho rural, além de vários tipos de sementes para iniciarem uma roça, que naquele mês já deveria estar plantada. Genaro com os três irmãos iniciaram o desmatamento de uma área, perto de onde tinham pensado construir a futura casa, não longe de um curso de excelente água. Com os troncos mais finos retirados do local, fizeram uma grande barraca, serviço que todos tiveram que participar, inclusive a mãe e duas das irmãs menores, pois, a outra ficou encarregada de cuidar da comida que estava sendo preparada em uma fogueira improvisada, cercada por grandes pedras. Após três dias de trabalho a cabana, com três aposentos, ficou pronta. Estavam muito felizes com a nova "casa" e agora, depois semanas poderiam sair do abrigo no oco da árvore. Derrubadas as árvores e queimado o mato, colocaram na terra parte das sementes que haviam recebido, principalmente hortaliças, pois a temporada para semear o milho já havia passado e o trigo só deveria ser semeado no início do inverno, conforme instruções recebidas dos funcionários do governo. Com o passar das semanas foram se ambientando e conhecendo melhor o terreno que haviam adquirido. Era muita terra, mais do que podiam imaginar quando estavam na Itália. A propriedade era coberta por uma vegetação abundante e árvores imensas estavam por todo lado. Um pequeno córrego, com águas cristalinas, cortava toda a propriedade antes de desaguar em um rio maior, situado poucos quilômetros abaixo. Os terrenos foram traçados pelo governo em forma retangular, com duas frentes onde passavam pequenas picadas chamadas de linhas, que por contrato os proprietários deviam manter sempre limpas, para permitir o tráfego. Alguns desses lotes chegavam a ter áreas de 50 hectares, como este da família de Domenico, isso porque tinha sido demarcada alguns anos antes para o outro proprietário. Media 250 metros de largura por 200 metros de comprimento, assim, os vizinhos mais próximos ficavam bastante longe.

Continua
Trecho do conto 
"Em Busca de um Futuro Melhor"
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



sábado, 24 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 2

 




O Embarque


Deixaram Segusino com o coração partido, ansiosos com tudo que ainda estava para suceder. Nenhum deles ainda tinha viajado de trem e essa novidade os estava deixando muito apreensivos. Também a longa viagem de navio, para a travessia do oceano, deixava-os com muito medo. Muito tinham ouvido falar, e até algumas canções populares relatavam temporais e naufrágios em alto mar, o que aumentava o medo de todos. O clima reinante entre eles era uma mistura de tristeza, ansiedade, medo, mesclado com muita esperança em dias melhores. Genaro escondia de todos os seus medos e preocupações, tentava, na presença dos irmãos, se fazer de mais forte do que realmente era a fim de transmitir coragem a eles. Naqueles tempos uma viagem de trem como aquela, entre Segusino e Gênova, demorava muitas horas e no trajeto passavam por muitas dezenas de pequenas e até grandes cidades. Precisaram fazer baldeação, para a troca de trens, que paravam em praticamente todas as estações, onde, invariavelmente, dezenas de outros camponeses como eles embarcavam com destino ao mesmo porto. Nessa época a grande emigração italiana estava em pleno vapor e milhares de italianos do norte ao sul da península deixavam o país todos os meses, sendo o Brasil um dos destinos mais procurados, além dos Estados Unidos e da Argentina. Depois de uma noite sem praticamente poderem dormir, muito cansados, chegaram a Gênova. Estava muito frio, porém não chovia e de longe já puderam ver o porto com alguns grandes navios atracados. Ficaram pensando qual daqueles os levaria para o Brasil. Eles tinham as passagens gratuitas na terceira classe do vapor Giulio Mazzino, um grande navio que embarcaria mais de mil e duzentos passageiros até o Brasil. Eram meados de dezembro de 1883 e o porto estava repleto de pessoas, a maioria deles emigrantes esperando chegar a hora de embarcar. Maria Augusta, em pensamento, agradeceu ao agente de viagens pela honestidade em agendar a partida de Segusino justamente no dia anterior do embarque. Isso, ela sabia, não era comum, pois, muitos agentes desonestos agendavam passagens para o porto muitos dias antes do embarque, fazendo com que os pobres emigrantes, que já não tinham quase nada, ficassem a mercê de comerciantes exploradores, precisando gastar suas poucas economias com alojamentos e alimentação, ou fazer como a maioria, ficar ao relento em torno do cais e comendo alguma coisa que tinham levado de casa. Provavelmente, esses agentes desumanos deviam receber propinas dos donos de albergues e pensões localizadas nas ruas próximas ao porto. Genaro e um dos irmãos aproveitaram para dar umas voltas rápidas pelo cais, passando por de dezenas de grupos de emigrantes com suas grandes malas e sacos, chegando a conversar com alguns deles, se inteirando de alguns aspectos da viagem no grande barco. Genaro era um rapaz muito esperto e ativo, em pouco tempo conseguiu reunir informações que seriam muito úteis para eles. O porto era uma confusão de pessoas, dezenas de funcionários do porto e da companhia de navegação circulavam rapidamente em todos os sentidos, carregando grandes caixas para o interior do navio ancorado a beira do cais. Do seu interior se ouviam ordens gritadas em altos berros pelos marinheiros, que estavam se preparando para a chegada a bordo daquela multidão de passageiros. A tarde, um longo apito pode ser ouvido em todo o porto, era o aviso para o início do embarque. Em fila todos os passageiros, com suas passagens e passaportes à mão, carregando malas e sacos com suas bagagens de mão começaram a subir a longa escada inclinado apoiada na lateral do navio. Dezenas de mulheres com lenço amarrado na cabeça, carregando os filhos pequenos no colo e puxando outros pelos braços, algumas delas ainda aleitando o bebê, muitas crianças pequenas chorando em simultâneo, amedrontadas pela grande movimentação ou pela perda de vista momentânea de suas mães. Homens de aspecto sofrido, chapéu na cabeça, mal vestidos, carregando filhos maiores, cadeiras, sacos com pertences e outras bagagens. Genaro ajudava a mãe organizando a entrada de todos os irmãos, que andando sozinhos subiram a escada. Como os papéis de emigração estavam todos em ordem foram rapidamente admitidos na embarcação, onde imediatamente receberam as primeiras informações de como deveriam se comportar a bordo. Os alojamentos disponíveis eram enormes pavilhões adaptados com filas de beliches. Os homens e os meninos maiores de oito anos ficavam em um pavilhão e as mulheres e as crianças menores em outro. Assim as famílias eram separadas desde o embarque, criando muitas dificuldades. Genaro ficou em um pavilhão com os três irmãos e a mãe com as outras três filhas menores em outro. Com dois novos apitos o navio lentamente se afastou do cais e gradualmente Gênova foi ficando para trás. Estavam descendo pela costa italiana pelo Mar Tirreno, a caminho do porto de Nápoles onde seriam embarcados mais de 400 emigrantes provenientes de várias províncias meridionais da Itália. O destino desse grupo era a Província de São Paulo, contratados para trabalharem nas grandes fazendas de café. Depois do embarque desse novo grupo e acomodar os novos passageiros, o navio se afastou rapidamente da costa italiana e tomou o rumo para o Brasil, após atravessar o estreito de Gibraltar. A vida a bordo era bastante monótona e os passageiros gradualmente foram se acostumando com o balançar da embarcação, diminuindo os casos de tonturas e vômitos dos primeiros dias. Foi cerca de trinta dias confinados em porões malcheirosos, ainda cheirando carvão misturado com odores dos vômitos e outros dejetos humanos. Não havia instalações sanitárias suficientes para todos e a água potável também era racionada ao mínimo. Grandes baldes de madeira, com tampa, colocados no final de cada fileira de beliches eram usados, sem qualquer proteção ou privacidade, para satisfazer as necessidades fisiológicas dos passageiros. A falta de ventilação naqueles porões, o calor, a limpeza precária, a falta de banho dos passageiros, tornavam o ar irrespirável. Animais de corte confinados para fornecerem carne e o abate a bordo sem muita higiene, ajudavam a tornar o ar difícil de respirar. Para agravar, naquela época ainda não havia frigoríficos a bordo, tornando perigoso consumir alimentos que não fossem bem cozidos. Quando passaram da linha do Equador, o calor era grande em contraste com o frio que haviam deixado alguns dias antes. Nem todos os passageiros tinham roupas adequadas. Foi em um desses dias que uma forte tempestade de fim de tarde atingiu a embarcação. Ventos furiosos faziam com as grandes ondas batessem com força no casco da embarcação fazendo muito ruído. O convés era constantemente varrido pelas altas ondas e os passageiros foram proibidos de subir ao tombadilho. O medo tomou conta de todos os passageiros que em voz alta apelavam por clemência, rezando aos seus santos protetores. Depois de duas horas, já escuro, o vento cessou e o mar lentamente foi se acalmando. Essa foi uma experiência terrível e muito traumática que Genaro e os irmãos lembrariam para os seus netos. Por sorte não tinham ocorrido doenças graves a bordo durante todo o trajeto e assim o navio não teria proibições para desembarcar seus mil e duzentos passageiros. Chegaram ainda à noite no porto do Rio de Janeiro e na manhã seguinte já puderam contemplar a bela paisagem verde e montanhosa que os cercava. Para Domenico e família a impressão era de um sonho, parecia até que estavam vendo ao vivo alguns dos relatos sobre o Brasil descritos pelo pai Daniele. Era o mês de janeiro de 1884. Desembarcaram e depois do exame médico de praxe foram encaminhados para a Hospedaria dos Imigrantes, na Ilha das Flores, onde ficaram abrigados por dois dias esperando outro navio de menor calado que os levaria para o Rio Grande do Sul. Os passageiros que embarcaram em Nápoles, que tinham como destino as fazendas de café de São Paulo, embarcaram no dia seguinte da chegada, em outro navio até o porto de Santos. A jornada de Genaro e família ainda seria longa, embarcados agora no navio costeiro Maranhão, seguiam para o porto de Rio Grande, passando pelo porto de Paranaguá, no Paraná para deixar algumas famílias venetas. Em quatro dias estavam em Rio Grande, na província do Rio Grande do Sul, onde desembarcaram com centenas de outros emigrantes italianos entre vênetos e lombardos sendo recebidos em grandes barracões comunitários a espera dos pequenos navios fluviais a vapor e pelas condições de navegabilidade dos rios para seguirem até a Colônia Dona Isabel, o destino de muitos dos emigrantes que viajaram com a família de Genaro. Tiveram que ficar mais de uma semana, praticamente acampados naqueles desconfortáveis barracões, até que finalmente chegou a ordem de embarque. Em pequenos barcos fluviais a vapor Genaro e a família passaram por Pelotas e começaram a atravessar a extensa Lagoa dos Patos, passando também por Porto Alegre, até a foz do rio Caí, pelo qual começaram a subir lentamente por aproximadamente sete horas, até o porto na cidade de Montenegro, o mais próximo da colônia Dona Isabel. Nesse local faziam uma breve parada técnica para poder enfrentar as várias horas de caminhada até os barrações da colônia Dona Isabel. Genaro e sua família estavam realmente extenuados por tantos dias de viagens e ainda tinham que percorrer vários quilômetros e subir uma difícil serra até alcançarem a colônia Dona Isabel. Realmente não tinham sonhado que a viagem seria assim tão penosa e longa. A mãe de Genaro sempre de bom humor tentava de todas as maneiras incutir coragem nos seus filhos, encontrando em tudo que viam, motivos para muitas brincadeiras, comparações e assim passar o tempo, afastando pensamentos negativos.

Continua
Trecho do conto 
Em Busca de um Futuro Melhor
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



segunda-feira, 19 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 1

 



A Vida na Vila

Genaro era um jovem de quatorze anos. Tinha recebido esse nome dos seus pais pelo fato de ter nascido no mês de janeiro, do ano de 1866. Era o quinto filho de uma família de nove irmãos vivos, quatro meninas e cinco meninos. Sua mãe havia perdido três outros filhos, mortos ainda bebês, antes do primeiro ano de vida, por falta de uma melhor alimentação durante as seguidas gravidezes. Viviam na pobreza, como a maioria daqueles que moravam naquela pequena vila quase perdida à margem esquerda do rio Piave, no interior da província de Treviso. A vila, uma pequena fração do município de Segusino, que outrora já tinha vivido mais progresso, não passava agora de um amontoado de algumas poucas casas rurais, mal conservadas, com terrenos pequenos pouco produtivos, resultado dos seguidos desmembramentos quando das transmissões de posse deixadas como herança dos antepassados. A população da vila não ultrapassava, quando muito, duzentas pessoas, distribuídas entre a minúscula zona urbana e a rural. Uma pequena capela, uma pracinha e algumas antigas casas de comércio, entre elas, uma que vendia tabaco, sal, vinho e licores, administrada a muitos anos por uma viúva já idosa, a avó de Genaro. Era tudo que havia na vila. O prédio da prefeitura e a igreja matriz, com sua alta torre dos sinos e a praça, ficavam na sede do município, cerca de quatro quilômetros distantes. Aqui se podia sentir um pouco mais de movimento, principalmente aos domingos e dias santos, por ocasião das missas, quando também as diversas casas de comércio que vendiam vinho e licores também recebiam mais fregueses. Completava o cenário um pequeno hotel, com poucos quartos, agora quase sempre vazios, que em tempos passados dava abrigo às dezenas de balseiros que tinham descido pelo Piave com grandes balsas formadas com toras de madeira, provenientes sobretudo de Cadore e Cansiglio. Os "zattieri" como eram chamados esses trabalhadores, desciam com as balsas pelo rio  Piave até Veneza e retornavam a pé para começar uma nova viagem, muitos deles passando também por Segusino, onde faziam alguma refeição e pernoitavam. 
A família de Genaro tentava sobreviver como podia, plantando algumas hortaliças no pequeno lote de terra e criando alguns poucos animais domésticos, para ovos e abate. O pai Daniele tinha nascido no interior do município de Alano di Piave, localizado não muito distante, mas, já pertencente a província de Belluno e migrado muitos anos antes devido ao seu trabalho. Daniele conheceu a sua esposa Maria Augusta, a mãe de Genaro, no município de Vaz, também não longe de Segusino, quando, acompanhava o seu pai Antonio, que era um hábil carpinteiro, muito procurado em toda aquela região, e faziam um trabalho de reparo do telhado na casa dos pais de Maria. Depois de um namoro e noivado curtos, algum tempo depois, se casaram na Igreja Paroquial San Leonardo, de Vaz e depois de um ano, quando Maria já estava grávida do primeiro filho, Daniele resolveu se estabelecer por conta própria, descendo e costeando o rio Piave, rumando para Segusino, levando também a mãe viúva com eles. A situação de todo o Vêneto, e também da Itália, naquele período era muito difícil. O trabalho de carpinteiro estava cada dia mais difícil. Por falta de dinheiro as  pessoas não mais construíam e nem reformavam suas casas. As oportunidades de trabalho para Daniele foram ficando cada vez mais raras, chegando ao ponto que ele não mais aguentou e também passou a trabalhar como empregado rural diarista para alguns donos de grandes propriedades que ainda estavam sobrevivendo àquela economia que se seguiu a criação do novo país, a chamada Itália, que eles pouco conheciam. Genaro e suas irmãs mais velhas também trabalhavam o dia todo como diaristas em outras propriedades rurais da região. As dificuldades foram crescendo em casa e até as refeições, uma vez mais fartas, começaram a rarear e a polenta se tornou o único alimento ainda disponível. O pão branco e o vinho eram duas coisas que não conseguiam mais comprar. Genaro viu seu pai e irmãs mais velhas definhando a cada dia, por deixarem de fazer uma das refeições do dia, para sobrar comida para os irmãos menores. À mesa a polenta ficava cada vez menor, servida pela mãe e cortada com um fio de linha umedecido em água colocada em um prato fundo. Algumas poucas verduras amargas, tais como o "pissacan", completavam a pobre guarnição. Por cima da mesa ficava dependurada por um barbante, uma sardinha, ou outro peixe frito, em algumas raras vezes, um pequeno salame defumado, onde, cada um por sua vez o tocava com o seu pedaço de polenta, para obter algum sabor. Essa dieta quase única e muito fraca em nutrientes, fez o pai de Genaro e uma das suas irmãs ficarem muito doentes, com a pelagra, precisando internação em um hospital distante, na cidade de Mogliano Veneto. Depois de alguns meses de tratamento a irmã conseguiu se recuperar bem, mas, infelizmente, o seu pai voltou para casa para morrer pouco tempo depois. A morte de Daniele desestruturou completamente a família, deixando-os na miséria completa e as poucas economias, incluindo a vaca e o pequeno burro usado para o trabalho, foram vendidos para tentar salvá-lo. 
Um ano após o falecimento de Daniele, as duas irmãs mais velhas de Genaro se casaram. A primogênita, com um bravo rapaz de Vidor e no mesmo ano emigraram para os Estados Unidos. A outra irmã também se casou logo, em 1882, com um rapaz de família conhecida, moradores à localidade de Col Lonc e emigraram para Chipilo no México, com grande número de outros camponeses trevisanos e beluneses. 
Genaro já estava com dezessete anos, era agora o homem da família, responsável pela mãe viúva e mais seis irmãos e irmãs menores. Era o arrimo da família. Deveria se apresentar para o serviço militar no próximo ano, quando completaria 18 anos e isso o deixava muito preocupado. Pensava como a sua família poderia sobreviver sem ele. Em algumas ocasiões, nos tempos de paz, os rapazes arrimo de família eram dispensados do serviço militar, porém, não dava para ter certeza que isso aconteceria com ele. Não podia esperar pelo ano seguinte, quando então teria dezoito anos e se não conseguisse dispensa do serviço militar seria impedido de sair legalmente do país. Pensou até em migrar sozinho para a França e de lá embarcar em algum navio a caminho do Brasil, o destino que o pai sempre vinha sonhando para todos eles. Nos portos franceses de Le Havre e Marselha o controle do serviço militar era relaxado para os estrangeiros e passaria facilmente. Porém, lembrou que para  isso precisava ter dinheiro para comprar o bilhete de viagem, que não era pouco, e a família de muito tempo já não possuía mais recursos. Lembrou também de como ficariam a sua mãe e irmãos, pois, o outro irmão menor tinha somente 16 anos e não tinha ainda condições de assumir o seu lugar. Assim, em uma reunião da família, a mãe se impôs e resolveu seguir os conselhos do marido, que sempre falava que o Brasil era um grande e rico país no qual, certamente, encontrariam um local para eles. Daniele sempre alimentou a ideia de levar toda a família para o Brasil para fugir da carestia, do desemprego e da fome na Itália. Alguns dos seus conhecidos, anos antes, já tinham emigrado para a província do Rio Grande do Sul e contavam, nas suas cartas para as famílias, que estavam indo muito bem e aconselhavam os amigos a também irem para lá e jamais para a província de São Paulo. Sem discussão todos os irmãos concordaram com a mãe e começaram os preparativos para emigrarem juntos para o Brasil ainda naquele ano de 1883, quando Genaro estava com 17 anos. Na prefeitura fizeram um passaporte coletivo para todos da família, com destino ao Brasil. Ficaram sabendo que o governo do Império do Brasil continuava recrutando mão de obra na Itália e fornecia gratuitamente as passagens de navio e os deslocamentos até o novo local de trabalho. Genaro e quatro dos seus irmãos eram bem altos e muito corpulentos, acostumados desde cedo aos trabalhos pesados do campo, o que talvez compensaria a falta do pai, uma das exigências para obter a gratuidade da viagem, pois, aceitavam somente casais com filhos. Procuraram por um agente de viagens, também representante do governo imperial brasileiro, e sem maiores discussões foram aceitos para emigrar para o Brasil. Precisavam se desfazer das poucas coisas que possuíam e de tudo que não pudessem levar. Venderam até com facilidade a casa em que moravam, para um dos vizinhos. Venderam também a casa de comércio que era da avó, a qual tinha sido alugada e deixada pelo pai Daniele como a última reserva de capital, caso conseguissem emigrar. Conseguiram um bom valor por ela, até mais do que pensavam, por estar bem localizada, às margens da estrada que levava à sede do município.
Um dia antes de partirem, Maria Augusta e os filhos, após organizarem todas as caixas e sacos com a mudança, foram até o cemitério dar a última despedida para Daniele e a avó que ali estavam sepultados. Foram também até a igreja matriz se despedir do velho padre Michele, um antigo amigo da família, e pedir a sua benção para que a viagem transcorresse bem e que tivessem sucesso no Novo Mundo. Aproveitaram também para encomendar missas anuais, nas datas dos falecimentos de Daniele e da avó Giacinta, em intenção às suas almas. Se despediram de todos os amigos e vizinhos e em uma manhã bastante fria do início de dezembro, se dirigiram à estação ferroviária para pegar o trem até Gênova, e assim deixaram definitivamente a querida vila, para nunca mais voltarem.

Continua
Trecho do conto 
Em Busca de um Futuro Melhor
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS