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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

A Itália e a Investigação Agrária

Inchiesta agraria del Veneto (Investigação Agrária do Vêneto) 1882



Em 1887 a Itália ainda era um pequeno país, atrasado, pobre e com muitos problemas sociais de difícil solução. Somente em 1860 foi criado o Reino da Itália e Roma tinha passado a ser a sua capital em 1870. Até então a Itália era formada de pequenos reinos e ducados de convivência entre eles bastante complexa, nem sempre pacífica. A unificação desse ainda jovem reino se fez as custas de muitas lutas, de encontros e desencontros e do sacrifício do seu heterogêneo povo, especialmente aqueles mais pobres. As autoridades do governo estavam tendo muitas dificuldades para equilibrar a ainda débil economia italiana. Para tentar sanar esse imenso problema, passaram a vender inúmeras propriedades do estado, bens da Igreja, e concessões de estradas de ferro. Foram criados vários novos impostos, como aquele odiado pelo povo, que incidia sobre a moagem de grãos, o qual devia ser recolhido diretamente nos moinhos e o imposto sobre o sal. Esses impostos,  que a princípio sujeitavam toda a população, gravavam de maneira mais pesada os mais pobres, entre eles os pequenos agricultores e os artesãos, que pagaram com seu sangue e suor o peso da criação do novo reino. 




Na jovem Itália tudo estava por ser feito pelo Estado, com funcionários ainda sem prática e com pouca experiência administrativa. Faltavam escolas, estradas, pontes, hospitais, enfim toda a infraestrutura necessária para o funcionamento do país, além de precisar tentar  a harmonização e unificação das inúmeras línguas faladas no reino, as várias formas de aplicar a justiça, as várias moedas que circulavam, os vários procedimentos aduaneiros usados em todo o reino e unificar as diversas forças militares ainda existentes. 




Na Itália de 1887 várias doenças epidêmicas matavam a população como a malária que assolava em grandes áreas do reino e a pelagra, uma doença carencial causada pela subalimentação, pela falta crônica de algumas vitaminas e elementos necessários à vida. Pelas cifras oficiais dadas a conhecer pelas autoridades pode-se ver que os números são de um verdadeiro massacre da população, sendo que as mais atingidas eram as crianças de até 5 anos de idade. Nesse período a Itália tinha uma alta mortalidade infantil, vítimas da   grande escassez de alimentação, da higiene precária e da falta de recursos financeiros para serem examinados por médicos. 

Quando a Itália foi unificada existiam pouquíssimas fábricas, o trabalho era feito em casa, segundo um velho hábito de manufatura artesanal, ainda hoje presente em várias regiões da Itália e também nos países que receberam a emigração italiana, como o Brasil meridional. 

Em 1887 a Itália era um país cuja economia se baseava quase exclusivamente na agricultura. Segundo alguns dados, de uma população de 30 milhões  de habitantes, 21 milhões era formado por pequenos agricultores. Praticavam ainda uma forma de cultivo ainda muito atrasada em relação a outros países da própria Europa. Usavam superados equipamentos agrícolas, herdados dos avós, não tratavam a agricultura como uma prática capaz de gerar economia e progresso. A grande maioria dos pequenos agricultores nascia, vivia e morria na mesma propriedade rural, à sombra da mesma torre de igreja, como os seus antepassados, imersos em hábitos e tabus ancestrais. Na maioria das propriedades rurais, ainda se praticava uma agricultura de subsistência, cultivada essencialmente para saciar as suas necessidades básicas imediatas e não para a comercialização do excedente. Em alguns pontos planície vêneta   se iniciava alguns exemplos de um capitalismo agrário mais desenvolvido, com o aparecimento de algumas propriedades rurais em que se praticava o múltiplo cultivo agrícola associado a formação de pastos para a criação de animais para o abate e produção de queijos.  Somente na região do Piemonte a agricultura conheceu níveis de qualidade aproximados ao de outros países europeus. 



Nessa época a economia da Itália se arrastava, perdendo a concorrência para os produtos importados como o trigo, o milho, o vinho que chegavam de outros países, principalmente Estados Unidos e França, a preço muito mais baixo do que aquele produzido no país. A consequência mais visível disso era o desemprego em massa no campo, a diminuição do salário pago aos diaristas e pequenos artesãos, que agora começavam a se amontoar  frente as igrejas, nas praças das pequenas vilas, esperando por um trabalho. O desestímulo desses homens magros e de rostos encavados era muito grande especialmente para aqueles que não estavam conseguindo levar alimentos suficientes para casa. A fome já rondava um grande número de lares.  

A Itália se apresentava ao mundo como um país pobre e analfabeto, sem recursos naturais, como ferro e carvão, para suprir a incipiente industrialização. Um país onde a renda média do trabalhador era apenas um quarto daquela inglesa e um terço da francesa. 

Uma aprofundada investigação agrária, ordenada pelo parlamento italiano, dirigida pelo conde Stefano Jacini, expoente deputado da democracia cristã, que durou entre os anos de 1861 e 1886, apresentou suas conclusões em 15 volumes. Nas suas páginas podemos ter uma verdadeira radiografia das reais condições da agricultura italiana nas diversas regiões aqueles primeiros anos do novo Reino. Nele podemos ver que a vida na Itália era bem difícil, com pouco trabalho, e quando esse havia era mal pago, o povo sem dinheiro para as suas necessidades básicas, como para levar um doente ao médico ou comprar os remédios receitados. Lá se pode ver que em muitos lugares, tanto do sul como do norte da península, as crianças eram colocadas a venda em praça pública, comercializadas come se fossem uma mercadoria qualquer. A descrição das condições de vida do povo italiano, onde milhares de pobres ainda viviam em cavernas escavadas na rocha e em e pequenos e úmidos casebres. 

Resumo 

O Inquérito sobre as condições da classe agrícola na Itália, decretado pela lei de 15 de março de 1877, representa a documentação mais completa sobre o estado da economia agrícola da Itália pós-unificação. Os atos da investigação, publicados de 1881 a 1890, foram resumidos no relatório final do presidente da junta, senador Stefano Jacini, que denunciou o desinteresse dos diversos governos que haviam conduzido o país para a agricultura, que também fornecia ao Estado a maior parte da renda nacional, sem receber em troca nem capital, nem estímulos ou incentivos para seu desenvolvimento. A investigação, que teve por objeto as características da propriedade fundiária, as colheitas e métodos de cultivo, as condições de vida dos camponeses, revelou que vinte anos após a unificação, permaneceram diferentes realidades ambientais e produtivas, vinculadas aos costumes, usos e culturas diferentes: áreas limitadas de cultivo intensivo, caracterizadas pelo uso de fertilizantes e maquinário agrícola e pela disponibilidade de capital e espírito empreendedor, contrastadas grandes áreas não cultivadas ou pouco produtivas, devido aos métodos arcaicos de cultivo adotados, e infinitas gradações entre os dois extremos. Além disso, o país tinha apenas uma área cultivável limitada, que também estava sujeita à seca e à malária. Era necessário, portanto, aumentar a área de produção por meio de reflorestamento e recuperação de terras, usar meios de cultivo mais modernos, maiores fertilizantes químicos e irrigação, implementar uma rotação de culturas mais eficaz, aumentar árvores e vegetais. Jacini era um conservador, de fé liberal, mas diante da crise agrária dos anos 1980, causada pela competição do trigo americano, argumentou a necessidade de defender a produção nacional com um leve protecionismo aduaneiro e pediu ao governo que reduzisse a carga tributária e uma compromisso financeiro substancial para o setor agrícola. 














terça-feira, 3 de abril de 2018

Final do Século XIX - Período de Extrema Pobreza na Itália



Na Itália do final do século XIX a miséria e fome estavam presentes em milhares de famílias de norte a sul da península. Segundo a chamada Investigação Agrária Jacini sobre o mundo agrícola italiano e publicada à partir de 1880 já nos relatava:

Nos vales alpinos e naqueles dos apeninos, nas planícies da Itália meridional e também em algumas províncias melhor cultivadas do norte, existem casebres onde em um único aposento enfumaçado, sem circulação de ar e sem iluminação, vivem juntos homens, cabras, porcos e galinhas.
E  esses casebres se contam talvez em centenas de milhares por todo o país”.

Ainda na mesma investigação agrária Jacini podemos encontrar:

A estrebaria é a parte principal da casa do pequeno agricultor, é ao mesmo tempo o local para o gado, o salão e o santuário da família. É na estrebaria que passam os longos invernos; é lá que a dona de casa recebe os parentes e amigos; é lá que a família trabalha, se diverte, come e dorme. Enquanto as mulheres costuram, remendam e giram o fuso, os homens jogam cartas ou passam o tempo contando casos”.

Continuando nos relatos da mesma pesquisa:

O consumo excessivo e quase exclusivo de polenta, onde na média cada pessoa consumia 33 K ao ano, as vezes mais nas províncias do norte, a pelagra era uma doença muito prevalente. Era conhecida por doença dos 3 D: dermatite, diarreia e demência. O principal pelagrosário italiano estava em Mogliano Veneto, na província de Treviso”.




Ainda de acordo com a mesma investigação sobre o mundo agrícola entorno do ano de 1880 podemos ler:

Era muito dura a vida na planície padana e na região da “pedemontana” vêneta e lombarda que nos lugares onde existiam parreiras os pequenos agricultores acrescentavam o vinho a dieta muito pobre, sempre à base de polenta sem gosto, que para melhorar o sabor a passavam cada membro da família a sua vez, sobre um pedaço de arenque defumado. O vinho faz sangue diziam! Segundo a Revista Vêneta de Ciências  Médicas citada por Eduardo Pittalis, no seu livro Dalle Tre Venezie al Nordest, entre os séculos XIX e XX, em uma pesquisa entre doze mil estudantes primários da província somente três mil não bebem, cinco mil bebem bebidas com alta graduação alcoólica  e nove mil bebem regularmente vinho, sendo que a metade abusa”.


A pobreza nos últimos decênios do século XIX era tal, explica Marco Porcella no livro La fatica e la Merica, que uma fonte de ganho das famílias que trabalhavam na agricultura, era devido totalmente ao sacrifício das mulheres (amas de leite) em criar os órfãos no lugar do estado. Explica:

eram os órfãos, filhos quase sempre ilegítimos, que nas grandes cidades nunca faltavam, abandonados nas Rodas (dos orfanatos). Nas pequenas cidades onde não havia a Roda dos orfanatos, as crianças eram abandonadas nos degraus das igrejas, nas portas dos párocos ou ainda mesmo nas mãos das parteiras. Uma boa parte deles estavam desnutridos, enregelados, alguns prematuros, morriam nos primeiros dias. Em períodos de ausência de epidemias ou outras circunstâncias excepcionais se calculava uma mortalidade infantil na ordem de 33%. Nas cidades a maioria deles eram abandonados devido a crenças das amas de leite que eles poderiam transmitir doenças para os seus filhos verdadeiros. Se acreditava que o “filho da culpa” transmitisse à ama de leite e portanto ao irmão de leite, filho legítimo, doenças como a sífilis, que na verdade vinha diagnosticada como causa da morte. Transcorrido um ano a criança “de leite” se transformava em “criança de pão” e podia ser criado até os doze anos de idade, depois do que o hospital cessava qualquer responsabilidade.

Nos relatos do médico Luigi Alpago Novello, que trabalhava entre os pequenos agricultores na província de Treviso na segunda metade do século XIX, fruto da necessidade mais absoluta, podemos aquilatar a importância que, nas famílias carentes, se dava então aos membros doentes em relação aos animais que forneciam o sustento para todos. Diz o médico em seu relato:

Os membros de uma família são avaliados em razão do que podem produzir para o grupo, daquilo de útil que podem trazer para todos. A morte daqueles que são incapazes ou pouco adaptados para o trabalho, ou aqueles que portadores de doenças incapacitantes ficam limitados ao leito por muito tempo, são de menor importância e a dor da sua morte é muito menor, não direi de grande animal, uma vaca ou um boi, mas de uma simples ovelha ou cabra. Se adoece um bovino a família fica em desesperação e correm para o veterinário – se gratuito – ou a um curador e executam todas as ordens por ele dadas. Frequentemente percorrem muitos quilômetros para chamar o veterinário para que venha consultar o vitelo “que tem pouca vontade de comer”. Por outro lado deixam adoecer e morrer as crianças sem qualquer chamado do médico e muitas vezes sem ao menos executar as suas prescrições’.


Os avanços da medicina e as campanhas de higiene em toda Itália, e particularmente no Vêneto durante a dominação austríaca, fizeram com que em 1911 a idade média dos óbitos subisse, de apenas seis anos e meio para trinta anos. Entretanto a mortalidade infantil continuava altíssima. No mesmo ano de 1911 as crianças abaixo de cinco anos representavam 38% do total de mortos.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS