terça-feira, 11 de novembro de 2025

A Saga Real de uma Família Italiana do Vêneto que Emigrou para o Brasil


A Saga Real de uma Família Italiana do Vêneto que Emigrou para o Brasil

1. As Raízes no Vêneto: Terra, Trabalho e Tradição Italiana

No sopé dos Pré-Alpes Vênetos, onde colinas se estendem sobre vales férteis, ergue-se Pederobba, pequeno município da província de Treviso, no Vêneto, norte da Itália. Suas ruas estreitas e casas de pedra, com telhados de terracota, guardam séculos de histórias.
Às margens do rio Piave, os vinhedos de Raboso del Piave e Glera — esta uva que mais tarde dariam origem ao célebre espumante Prosecco — compõem uma paisagem que reflete o espírito do povo vêneto: trabalhador, apegado à terra e à fé.

Entre bosques de castanheiros e faias, a vida seguia o compasso das estações e dos sinos da igreja matriz. Ali nasceu a trajetória de uma família cuja herança artesanal atravessaria o oceano: os Piazzetta, artífices da madeira e da esperança.


2. O Ofício Herdado: A Tradição da Marcenaria Vêneta e a Família Piazzetta

É nesse mundo moldado por terra, trabalho e fé que conhecemos Giuseppe Piazzetta, filho de Domenico, nascido em 1808 na localidade de Fener, município de Alano di Piave, pequena cidade vizinha de Treviso.
Desde cedo, aprendeu com o pai o ofício da marcenaria vêneta, feito de paciência, precisão e respeito pela madeira. Ao mudar-se para Pederobba, fixou-se no antigo bairro chamado Ghetto, onde abriu uma oficina no térreo da casa de dois andares.

O cheiro de madeira recém-cortada e o brilho das ferramentas herdadas de gerações enchiam o espaço de vida. Ali cresceu Francesco Piazzetta, filho de Giuseppe, jovem de olhar atento e mãos habilidosas, que herdaria não apenas o ofício, mas o amor pelo trabalho bem feito.

Com o passar dos anos, Francesco tornou-se conhecido em toda a região: carpinteiro respeitado, atendia desde agricultores simples até ricas famílias proprietárias de vilas.
As tradições locais — festas das colheitas, celebrações religiosas e encontros nas praças — davam ritmo aos dias. Porém, sob a serenidade das colinas, sopravam ventos de mudança: a Itália unificada enfrentava crises e impostos pesados. Francesco sentia crescer em si uma inquietude, um chamado silencioso por novos horizontes.


3. Amor, Luto e a Decisão de Emigrar para o Brasil

Foi em uma das festas do Vêneto que Francesco conheceu Maria Augusta Verri, moça de Segusino, filha do dono de uma antiga estalagem frequentada por balseiros do Piave. O encontro foi imediato: ela trazia nos olhos o brilho sereno da confiança e nas palavras a doçura que acalmava o ambiente.
Casaram-se no verão seguinte, sob o perfume das flores de laranjeira, e fizeram da casa simples, reformada por Francesco, o lar onde nasceriam cinco filhos: Giovana Antonia (Giovanella) a primogenita nome dado em homenagem ao avôGiovanni Battista (GioBatta)Maria Augusta (nome em homenagem a mãe)Colomba e Noè.

O lar pulsava com o som das ferramentas e o cheiro de madeira. A oficina tornou-se o centro da vida familiar e da comunidade. Porém, com o tempo, as dificuldades se avolumaram. A Itália rural tornava-se árida para quem buscava sustento e futuro. As cartas que chegavam de parentes e amigos que haviam partido falavam de terras férteis no Brasil, onde o trabalho era recompensado e a esperança renascia.

A tragédia, contudo, precipitou a decisão: em 1886, Maria Augusta morreu aos 42 anos, vítima de câncer. A casa mergulhou em silêncio e luto. Francesco, agora viúvo e cansado, apoiou-se nos filhos, mas sentia-se impotente diante do futuro. Quando Pina casou-se e partiu, restou-lhe a certeza de que seria preciso recomeçar longe dali.

Assim amadureceu a decisão: emigrar para o Brasil, país que oferecia oportunidades a famílias do Vêneto e de Treviso. Vendeu a casa, o terreno e a oficina. Com o pouco que reuniu, decidiu embarcar com os filhos rumo ao desconhecido.


4. A Travessia dos Emigrantes Italianos: Do Piave ao Atlântico

No final de novembro de 1890, quatro anos após a morte da esposa, Francesco Piazzetta e seus filhos deixaram Pederobba sob neve fina. A despedida de Giovanna, que ficaria na Itália, foi silenciosa e dolorosa. Seguiram a pé até Cornuda, de onde embarcaram de trem para Gênova, o grande porto dos sonhos e das partidas.

Ali, o navio Adria, imponente e escuro, aguardava centenas de emigrantes italianos. A bordo, viveram a dureza da travessia: camarotes apertados, ar pesado, calor e frio alternados, e o balanço incessante do mar. Crianças choravam, mães rezavam, homens fitavam o horizonte em silêncio.

Durante semanas, o mar foi tudo o que existia — uma linha infinita entre o passado e o futuro. Francesco, muitas vezes, observava o pôr do sol no convés, imaginando a terra prometida.
Quando o navio Adria finalmente adentrou a Baía de Guanabara, o brilho das montanhas e o calor tropical anunciaram o Brasil, o novo destino.


5. O Novo Mundo: Da Ilha das Flores à Colônia Dantas no Paraná

Os imigrantes italianos foram recebidos na Hospedaria da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, onde passaram pelos trâmites de registro e inspeção médica.
Durante dois dias, conviveram com famílias de diversas regiões da Itália, ouvindo dialetos distintos e sentindo o impacto do clima tropical. No terceiro dia, receberam ordens para embarcar no navio Maranhão, que os levaria ao sul do país.

Ao avistar Paranaguá, o primeiro porto do Paraná, Francesco sentiu renascer o ânimo. Daquele ponto, seguiriam por trem pela Serra do Mar até Curitiba, capital da província.
Pela janela do comboio, os filhos contemplavam montanhas cobertas por névoa e cachoeiras que despencavam entre florestas densas.
Para olhos habituados às vinhas do Vêneto, o verde intenso parecia um outro mundo.

Ao entardecer, quando o trem parou na estação de Curitiba, a família sentiu que havia chegado ao destino do recomeço.


6. O Recomeço na Terra Vermelha do Paraná: A Vida dos Imigrantes Italianos

Da estação, seguiram em carroça até a Colônia Dantas, um dos núcleos formados por colonos italianos no Paraná. O caminho era de barro e neblina, cercado por pinheirais e clareiras abertas no campo.
No lote que haviam adquirido, encontraram uma casa simples de madeira, com telhado gasto e chão de terra batida. Mesmo assim, aquele abrigo representava o primeiro lar em terras brasileiras.

Com ferramentas trazidas de Pederobba, Francesco e seus filhos reconstruíram o espaço e iniciaram uma pequena oficina. Giovanni, o mais velho, assumiu o papel de braço direito do pai; Noè, ainda criança, ajudava como podia.
Nos primeiros meses, o trabalho era pesado e as encomendas escassas, mas logo começaram a ser procurados pelos vizinhos e pela cidade de Curitiba.

Francesco e Giovanni trabalharam na Estrada de Ferro do Paraná, consertando e montando interiores de vagões, além de fabricar móveis sob encomenda.
Aos domingos, sob a luz da lamparina, o pai ensinava aos filhos a arte do encaixe e do polimento. A marcenaria vêneta, agora enraizada no solo vermelho do Brasil, voltava a florescer.


7. A Herança da Madeira e da Fé: O Legado da Família Piazzetta

Aos poucos, a oficina Piazzetta tornou-se referência entre os colonos italianos da região. Cada mesa, cama ou janela produzida era mais do que um objeto: era símbolo de perseverança e continuidade cultural.
As tradições do Vêneto permaneciam vivas — o idioma misto, as festas religiosas, o vinho caseiro, o respeito ao trabalho.

Francesco envelheceu com dignidade, encontrando na nova terra a mesma essência que o movera desde o início: o trabalho como forma de fé. Faleceu em 1922 com 83 anos de idade.
Sua história se uniu à de milhares de famílias italianas que emigraram para o Brasil em busca de futuro.
A saga dos Piazzetta, nascida nas colinas do Piave e renascida no Paraná, tornou-se exemplo da coragem e da força que moldaram a identidade dos descendentes de italianos no Brasil.


8. Nota do Autor: Uma História Verdadeira da Imigração Italiana

Esta obra — A Saga Real de uma Família Italiana do Vêneto que Emigrou para o Brasil — baseia-se em história real, reconstruída a partir de lembranças familiares e registros preservados ao longo de gerações. 

Os Piazzetta, originários de Pederobba, Treviso, representam tantas famílias italianas que deixaram o Vêneto no final do século XIX em busca de uma nova vida nas colônias do sul do Brasil.
Mais que uma travessia geográfica, é um percurso humano: o relato da coragem, da fé e da esperança de imigrantes que transformaram saudade em trabalho e sonho em legado.

Esta saga é também um ato de gratidão: uma homenagem aos que cruzaram o mar e plantaram, na terra vermelha do Paraná, as raízes de uma herança que ainda floresce entre seus descendentes italianos.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta


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