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segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Pelagra no Vêneto: história, causas (niacina) e impacto social (séculos XVIII–XX)

 

 
A Pelagra no Vêneto

Pelagra no Vêneto: história, causas (niacina) e impacto social (séculos XVIII–XX)


Introdução
A pelagra foi uma doença endêmica no Vêneto desde o final do século XVIII, associada a pobres condições alimentares nas zonas rurais. Este artigo explica sua evolução histórica, as hipóteses etiológicas, a confirmação da causa nutricional (deficiência de niacina) e o impacto social local.

O aparecimento da pelagra no Vêneto (séculos XVIII–XIX)

Registos administrativos da Sereníssima indicam que, já em 1776, autoridades de saúde alertavam para problemas sanitários em áreas como Polesine, Padovano e Veronese atribuídos à má qualidade do milho e sorgo consumidos pelas populações rurais. Medidas como proibições ao comércio de milho deteriorado mostram que o problema alimentar era reconhecido localmente. Estudos posteriores confirmaram surtos frequentes na região até o início do século XX. 

Pelagrosários e respostas sociais

A partir de finais do século XIX surgiram instituições dedicadas ao tratamento e isolamento dos doentes — o chamado “pellagrosário”. Em 1883 foi fundado, em Mogliano Veneto, o primeiro pellagrosário italiano, um marco na resposta institucional à doença no Vêneto. 

Debate científico: carencialismo vs. teoria tóxica

No século XIX persistiu um debate entre duas correntes:

  • Carencialistas: atribuíram a pelagra à alimentação pobre em proteínas e nutrientes essenciais (especialmente dietas baseadas só em milho).

  • Toxicológicos: defendiam uma causa tóxica ou infecciosa ligada ao milho ou a mofos.
    Pesquisas de campo e estudos epidemiológicos dos inícios do século XX começaram a favorecer a hipótese nutricional.

Descoberta da causa: niacina (vitamina B3 / “vitamina PP”)

A etiologia nutricional foi finalmente esclarecida no século XX: investigações experimentais e humanas demonstraram que a deficiência de niacina (vitamina B3, também chamada vitamina PP — pellagra preventing factor) e a falta de triptofano explicam a doença. Em 1937 Elvehjem e colegas isolaram o fator curativo (niacina) em modelos animais e, pouco depois, a substituição de dietas reprodução humana confirmou a cura/ prevenção. Essas descobertas consolidaram o caráter carencial da pelagra. 

Clínica: os “3 D” — dermatite, diarreia e demência

O quadro clínico clássico da pelagra é conhecido como síndrome dos 3 D:

  • Dermatite: lesões cutâneas foto-sensíveis (manchas, eritema, descamação).

  • Diarréia: sufocamento digestivo, cólicas, anorexia.

    Demência: alterações neurológicas e psiquiátricas progressivas que podem levar à morte se não tratada.

  • Hoje sabe-se que a forma moderna da pelagra é rara, ocorrendo sobretudo em contextos de desnutrição grave, alcoolismo

Declínio da pelagra no Vêneto e no mundo

Ao longo do século XX, melhorias na dieta (diversificação alimentar), educação sanitária, implementação de políticas públicas e a identificação da niacina como fator curativo reduziram drasticamente os casos. Em países desenvolvidos a fortificação de alimentos e o aumento do consumo de proteínas animais acabaram com as epidemias que marcaram o passado. No Vêneto a doença deixou de ser endêmica após a Primeira Guerra Mundial e com maior intensidade no período entre guerras e pós-guerra.

Conclusão

A pelagra no Vêneto é um exemplo clássico de doença social e nutricional: emergiu onde a monocultura do milho e a pobreza limitaram a ingestão de niacina e proteínas. O reconhecimento histórico do problema, a criação de estruturas como o pellagrosário de Mogliano Veneto e, sobretudo, a descoberta da niacina como fator preventivo, transformaram a pelagra de uma ameaça endêmica em uma doença hoje rara nos países com segurança alimentar. Ainda assim, a história da pelagra é um lembrete da estreita ligação entre dieta, política e saúde pública. 

Nota do autor

Esta síntese reúne evidências históricas e médicas sobre a pelagra no Vêneto, cruzando arquivos regionais (relatos administrativos e estudos locais) com literatura científica moderna sobre a etiologia por deficiência de niacina. As afirmações sobre a cronologia (surgimento no século XVIII, pellagrosário de Mogliano em 1883 e o papel da niacina no século XX) baseiam-se em documentos históricos e em pesquisas revisadas por pares. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta


sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

La Polenta: Stòria, Tradission e Sopravivensa ´nte la Vita Contadina Vèneta

 


La Polenta: Stòria, Tradission e Sopravivensa ´nte la Vita Contadina Vèneta


Nata da farina de mìlio, ingrediente base de la alimentassion contadin vèneta, portà sècoli prima da le Amèriche, la polenta la ze diventà el cibo fondamental de un pópolo che dovea afrontar guere, fame e misèria. Ntei campi rural e sule tole poarete de le famèie, la polenta regnava come magnar dei meno fortunà, preparà con aqua e sal, cusinà pian pianin ´nte le caliere de rame o fero che conservava la tradission vèneta. Zala o bianca, secondo la provìnsia, ocupava el sentro de i pasti quotidiani: servida ferma, taiada con un filo su el panaro; brustolà con crosta crocante; o compagnà de formài, carni o sughi sèmplissi, secondo le possibilità de ogni famèia.

Ma sta polenta quotidiana, magnada sensa variassion, portava anca un peso tràgico. Par i pì poareti, spesso la polenta zera l’ùnico cibo, e el mìlio, vècio o mufà, no gavea le sustanse necessàrie. La mancansa de vitamine la gavea portà la pelagra, ´na malatia devastante ligà propriamente a la dieta de polenta. Le provìncie de Vicensa, Treviso e Verona le ga sofrì tantissimo: miaia de persone finia ´ntei pelagrosari, ospedai destinà a curar chi che vivea de sola polenta. No obstante, la polenta restava quel che empieniva el stòmego e dava forsa a chi laorava duramente ´ntei campi.

Atorno al fogolar vèneto, ndove la caliera de polenta cusinava pian pianin, le mare girava la mèstola, ´na grande cuciara de legno, con man calose, contando stòrie de tempi miori. La polenta zera pì che un piato: zera sìmbolo de identità, resiliensa e cultura vèneta, un legame profondo con la tera e con el passà contadin. Ogni cuciarada confermava la lota de un pòpolo che tirava avanti sensa molar.

Con el passar dei ani e con la vita che pian pianin la ze miorà, la polenta la ze passà da necessità a orgoio gastronómico vèneto. Incòi la risplende anca sule tole festive, compagnà de carni de cassa, galina, funghi e pesse, mantenendo però la dignità del so passato.

Pì che un magnar, la polenta la ze la stòria viva del pòpolo vèneto: la stòria de come la misèria, la cultura e la speransa se mescola in ogni piato. ´Na prova che anca la più sèmplisse farina de mìlio la pol formar identità, tradission e memòria.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta


quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Os Vênetos e a Liga de Cambrai: A Guerra que Tentou Destruir a Sereníssima República de Veneza


Os Vênetos e a Liga de Cambrai: A Guerra que Tentou Destruir a Sereníssima República de Veneza


No início do século XVI, os vênetos viviam sob o esplendor da Sereníssima República de Veneza, potência marítima, comercial e diplomática que dominava rotas mediterrâneas, territórios da terra-firme e colônias estratégicas. Sua riqueza, independência e influência política despertavam crescente inveja entre os grandes reinos europeus. Para muitos, destruir Veneza significava reequilibrar o poder na península italiana e controlar as tão cobiçadas rotas de comércio oriental.

Esse cenário de tensões culminou em 10 de dezembro de 1508, quando se formou a Liga de Cambrai, uma das mais amplas coalizões militares da Europa. Estimulada pelo papa Júlio II, a aliança reunia o Reino da França, o Império Habsburgo, a Coroa da Espanha com Fernando de Aragão, o Ducado de Ferrara, o Marquesado de Mantova, o Reino da Hungria, o Reino Pontifício e o Ducado de Savoia. Seu objetivo era claro: desmembrar Veneza e repartir suas riquezas.

A força reunida contra os vênetos era imensa, e a República, diante da ameaça, formou às pressas o maior exército que já mobilizara na península. Apesar do esforço colossal, o golpe inicial foi devastador. Em 14 de maio de 1509, na Batalha de Agnadello, próximo de Cremona, as tropas venezianas sofreram pesada derrota diante dos franceses. Pouco depois, a frota da Sereníssima foi vencida na Batalha de Polesella, abrindo caminho para invasões rápidas na terra-firme.

Cidades inteiras do Vêneto continental se entregaram quase sem resistência. Porém, dois centros estratégicos se destacaram como símbolos da identidade vêneta: Treviso, que recusou firmemente a rendição, e Udine, que declarou fidelidade absoluta a Veneza. Em várias localidades surgiram rebeliões populares, conduzidas por camponeses e pequenos nobres que, mesmo sem treinamento militar, defendiam sua independência histórica.

Para reverter a crise, Veneza nomeou o experiente condottiere Andrea Gritti como comandante-geral. Com energia e autoridade, Gritti reorganizou o exército, mobilizou recursos e incentivou doações de tesouros particulares — uma demonstração clara do vínculo entre o povo vêneto e sua república milenar. Em uma virada impressionante, liderou a reconquista de Padova, restaurando a confiança da terra-firme.

Enquanto isso, a diplomacia veneziana — uma das mais habilidosas da Europa — atuava nos bastidores. Em poucos meses, conseguiu quebrar a unidade da Liga de Cambrai, explorando rivalidades internas e mudando alianças. O próprio papa Júlio II, antes inimigo de Veneza, voltou-se contra a França e formou a Liga Santa, ao lado da Espanha e do Sacro Império Romano. O equilíbrio político mudou novamente.

Entre 1509 e 1511, após intensas campanhas militares e negociações complexas, Veneza recuperou praticamente todos os seus domínios, frustrando o grande plano europeu de destruição da república. A Liga de Cambrai acabou ruindo sob o peso de seus interesses contraditórios, enquanto os vênetos preservavam sua autonomia e seu sistema político único — um feito notável numa Europa repleta de conflitos e traições.

A guerra revelou a força da identidade vêneta, sua habilidade diplomática e sua capacidade de resistir a ameaças externas. Mostrou também como a Sereníssima República de Veneza, apesar de cercada por inimigos poderosos, se manteve firme graças ao espírito de seu povo, à coesão social e à visão estratégica que por séculos fizeram dela uma das mais brilhantes civilizações do mundo mediterrâneo.

Conclusão 

A resistência dos vênetos na Guerra da Liga de Cambrai demonstra por que a Sereníssima República de Veneza permaneceu forte por séculos. Mesmo cercada por grandes potências europeias, Veneza usou estratégia, diplomacia e união popular para preservar sua independência. A vitória não apenas salvou seus territórios, mas consolidou o legado político e cultural que molda o Vêneto até hoje.

Nota de Autor 

Este artigo reúne pesquisa histórica detalhada sobre a Liga de Cambrai e o papel dos vênetos na defesa da Sereníssima República de Veneza. Seu objetivo é apresentar, em linguagem clara e acessível, a complexidade política, militar e cultural desse episódio decisivo da história europeia. Ao destacar a resistência do povo vêneto e a habilidade diplomática veneziana, o texto busca valorizar a herança histórica que influenciou gerações e chegou até os descendentes de imigrantes vênetos espalhados pelo mundo.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



segunda-feira, 24 de novembro de 2025

A História de São Marcos e da Basílica de Veneza: Origem, Relíquias e Tradição do Vêneto

 


A História de São Marcos e da Basílica de Veneza: Origem, Relíquias e Tradição do Vêneto

Introdução

A figura de São Marcos Evangelista e a história de suas relíquias em Veneza formam um dos pilares da identidade cultural e religiosa do Vêneto. Este texto apresenta os acontecimentos que levaram o santo a tornar-se o patrono da Sereníssima República de Veneza, destacando a trajetória das relíquias, a construção da Basílica de São Marcos e a consolidação do Leão Alado como símbolo veneziano.

A Origem de São Marcos Evangelista

Nascimento e missão

São Marcos, judeu de família rica, nasceu no século I, provavelmente na Palestina. Tornou-se missionário no Oriente e em Roma, onde teria escrito o evangelho que leva seu nome.

Últimos registros históricos

As últimas referências sobre Marcos aparecem na carta de São Pedro a Timóteo, no ano 66. A tradição indica que ele morreu em 68, em Alexandria, no Egito, onde também foi sepultado.

As Relíquias de São Marcos e a Chegada a Veneza

Destruição e reconstrução em Alexandria

A igreja que abrigava os restos mortais do santo foi incendiada em 644 e reconstruída até 689 pelos Patriarcas de Alexandria.

A lenda veneziana e os mercadores

Segundo a tradição, em 828 dois mercadores venezianos — Buono da Malamocco e Rustico da Torcello — resgataram as relíquias do Evangelista e as levaram para a Lagoa de Veneza.
A chegada ocorreu em 31 de janeiro de 828, recebida com solenidade pelo doge Giustiniano Partecipazio.

A Primeira Basílica de São Marcos

Construção inicial

Em 832, o doge Giovanni Partecipazio concluiu a primeira basílica projetada para guardar as relíquias do santo. Era uma construção grandiosa, ornamentada com mármore, ouro e pedras preciosas vindas do Oriente.

O incêndio de 976

Uma revolta popular contra o doge Candiano IV destruiu grande parte da basílica e o vizinho Palazzo Ducale, sede política da República de Veneza.

Reconstrução pelo doge Pietro Orseolo I

Entre 976 e 978, o doge Orseolo financiou com recursos próprios a reconstrução da basílica e do palácio.

Reformas da Basílica ao Longo dos Séculos

Reforma do século XI

Uma nova reforma ampla iniciou-se em 1063 sob o doge Domenico Contarini e foi concluída por Domenico Selvo(1071–1084).

São Marcos: patrono oficial de Veneza

Em 1071, o santo foi proclamado patrono da Sereníssima República de Veneza, substituindo São Teodoro, protetor até o século XI.

Consagração de 1094

A basílica foi consagrada em 25 de abril de 1094, durante o governo do doge Vitale Falier.
Na cerimônia, uma caixa com relíquias foi encontrada dentro de uma coluna de mármore, confirmando o vínculo espiritual entre Veneza e seu patrono.

O Leão Alado: Símbolo Maior da República de Veneza

Origem do símbolo

Com a consolidação do culto ao Evangelista, o Leão Alado de São Marcos tornou-se o emblema oficial da república.
No livro aberto sob sua pata, aparece a inscrição tradicional:

“Pax tibi Marce, evangelista meus.”

Significado cultural e político

O símbolo representava:

  • autoridade espiritual;

  • poder marítimo;

  • identidade veneziana;

  • proteção divina ao Estado.

Conclusão

A história de São Marcos Evangelista e sua ligação com Veneza ultrapassa a religião: ela moldou a política, a arte, a arquitetura e o imaginário de um dos estados mais influentes da história europeia. A Basílica de São Marcos, com suas relíquias e sua arquitetura majestosa, permanece até hoje como o coração espiritual e simbólico do Vêneto.

Nota Explicativa 

Este texto oferece uma visão geral sobre como Veneza adotou São Marcos como seu patrono e transformou sua figura em um dos pilares da identidade cultural do Vêneto. A narrativa explica a trajetória das relíquias do santo, desde Alexandria até sua chegada a Veneza, e mostra como sua presença moldou a história política, religiosa e simbólica da cidade. A Basílica de São Marcos, reconstruída e ampliada ao longo dos séculos, tornou-se não apenas o guardião dessas relíquias, mas também o principal monumento da República de Veneza, reforçando a ligação entre fé, poder e tradição veneziana.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

domingo, 23 de novembro de 2025

A Emigração dos Vênetos: Origens, Transformações e o Legado de um Povo em Movimento


A Emigração dos Vênetos: Origens, Transformações e o Legado de um Povo em Movimento

1. O Vêneto e o nascimento de uma terra de partida

Quando o Vêneto foi anexado ao recém-unificado Estado italiano, na década de 1860, sua porção setentrional já acumulava uma longa tradição migratória. Os habitantes das montanhas, pressionados pela pobreza e pela falta de terras, deixavam suas aldeias para trabalhar temporariamente em diversas regiões da Europa central e dos Bálcãs.

Essas partidas curtas conhecidas migração golondrina, abasteciam obras públicas, estradas, ferrovias, derrubadas de mata e inúmeros ofícios ambulantes que aos poucos viraram especialidade local: afiadores, funileiros, gravuristas, entalhadores e fabricantes de cadeiras percorriam fronteiras em busca de sustento.

2. A virada transoceânica: o salto rumo ao Brasil e à Argentina

A partir de meados da década de 1870, o movimento migratório adquiriu um novo caráter. Famílias inteiras começaram a atravessar o Atlântico, dando início às grandes correntes migratórias em direção ao Brasil e à Argentina. A década de 1890 marcou o auge desse fenômeno, quando milhares de camponeses vênetos – muitos que jamais haviam migrado antes – embarcaram para a América.

A miséria rural, a pelagra, a ausência de perspectivas e a desconfiança em relação às elites locais empurraram inúmeros lares à decisão drástica de partir definitivamente.

3. A expansão contínua de um fluxo aparentemente incontrolável

Embora o Estado italiano acreditasse que esse êxodo seria breve, o deslocamento só cresceu. Com o avanço das ferrovias e do transporte marítimo, novas rotas se abriram, tornando a mobilidade uma alternativa real para praticamente todo jovem camponês vêneto no início do século XX. A partir desse período, a migração temporária e definitiva espalhou-se para destinos europeus e outros continentes.

4. As migrações temporárias: um fenômeno pouco estudado, mas decisivo

Menos celebrada que a grande emigração para as Américas, a migração sazonal teve impacto social e cultural profundo. Em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, cerca de 170 mil vênetos foram obrigados a retornar às pressas. Muitos voltaram no ano seguinte para atender à convocação militar.

Após o conflito, as partidas recomeçaram com vigor: rumo às Américas, às áreas rurais despovoadas do sul da França e até à distante Austrália.

5. Entre o trabalho, o exílio e o fascismo

O fluxo migratório não envolvia apenas trabalhadores. A partir dos anos 1920, opositores políticos fugiram da violência fascista, ao mesmo tempo em que o regime moldava e restringia a mobilidade dos demais. Mesmo assim, a migração interna se intensificou, especialmente com o povoamento do Agro Pontino e de outras regiões em processo de colonização.

6. A busca por trabalho na Europa e no mundo após 1938

Com acordos bilaterais entre Itália e Alemanha a partir de 1938, muitos vênetos foram enviados como mão de obra para o Terceiro Reich. Essa política se manteve após a Segunda Guerra Mundial. A reconstrução europeia exigia trabalhadores, e o Vêneto respondeu: Bélgica (1946), França (1946), Suíça (1948), Argentina (1948), Venezuela (1949), Brasil (1950), Austrália (1950), Canadá (1951).

Grande parte desses migrantes enfrentou condições precárias, empregos pesados e vigilância severa nos países de destino.

7. A virada dos anos 1960 e a transformação do Vêneto em terra de chegada

O saldo migratório do Vêneto só mudou ao final dos anos 1960, quando retornos aumentaram e novas partidas rarearam. Nos anos 1980, um fenômeno novo emergiu: o Vêneto passou a receber trabalhadores estrangeiros de países pobres ou instáveis, transformando-se lentamente em região de imigração.

8. A emigração definitiva: identidade, memória e reconexão

As grandes ondas migratórias – especialmente as de 1890, 1920 e 1950 – tornaram-se objeto de estudo, além de inspirarem iniciativas culturais voltadas a reencontrar descendentes espalhados pelo mundo. Brasileiros, argentinos e australianos de origem vêneta têm buscado suas raízes, reconstruindo vínculos afetivos que muitas vezes foram rompidos por saídas marcadas pela dor e pelo ressentimento.

Essas diásporas criaram comunidades vibrantes e, em diversos casos, indivíduos de grande projeção social.

9. O silêncio da migração temporária e o apagamento da memória

Enquanto a emigração definitiva ganhou espaço nas narrativas oficiais, a migração temporária permaneceu esquecida. Muitos trabalhadores retornados eram recebidos com frieza ou desinteresse, e suas experiências foram apagadas, como também aconteceu com veteranos da Segunda Guerra ou prisioneiros que voltaram da Alemanha.

Só recentemente suas histórias começaram a ser registradas.

10. O “verdadeiro Vêneto”: entre o enraizamento e o impulso para partir

Pesquisas indicam que o Vêneto do século XIX não era homogêneo como se costuma imaginar. Havia uma convivência constante entre dois tipos de grupos:
• os que permaneciam — agricultores, guardiões das tradições locais;
• os que partiam — trabalhadores habituados à mobilidade, à improvisação e à mudança.

Com o passar das décadas, essas identidades se misturaram, formando uma sociedade capaz de equilibrar tradição e inovação, estabilidade e ousadia. Esse híbrido cultural foi fundamental para o desenvolvimento econômico do século XX.

11. A mobilidade como essência vêneta

Estudos mostram que a maioria dos homens rurais nascidos entre 1880 e 1930 viveu ao menos uma experiência migratória. Essa mobilidade contrasta com a imagem clássica do camponês imobilizado à terra. A migração transformou comunidades, abriu horizontes e alimentou um ciclo contínuo entre partir e retornar.

12. Um futuro moldado por novos encontros

Hoje, a dinâmica se renova: o diálogo entre os antigos vênetos e os novos imigrantes que chegam ao território. É um processo complexo, que exige compreensão e gestão, mas que também pode gerar novas sínteses sociais, assim como aconteceu no passado.

Nota do Autor

Este texto apresenta uma visão ampla e reinterpretada da história migratória dos vênetos, abordando desde as primeiras partidas sazonais até as grandes ondas transoceânicas. A narrativa reorganiza os fatos, contextualiza mudanças sociais e destaca como a mobilidade moldou a identidade cultural da região. Ao reestruturar a história em seções temáticas, busca-se oferecer uma leitura mais clara, atualizada sem comprometer o rigor histórico.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



domingo, 16 de novembro de 2025

A Emigração Vêneta: Origem, Transformações e Impacto Global

 

Família de emigrantes italianos do Vêneto partindo para a América no final do século XIX.

A Emigração Vêneta: Origem, Transformações e Impacto Global

A história completa da mobilidade vêneta do século XIX ao século XX

A trajetória da emigração vêneta é uma das mais marcantes da história italiana. Entre o século XIX e meados do século XX, centenas de milhares de habitantes do Vêneto deixaram seus vilarejos, movidos pela pobreza, pelas crises agrárias e pelas transformações políticas que sacudiam a recém-unificada Itália. Essa mobilidade — temporária ou definitiva — moldou profundamente a cultura, a economia e a identidade regional.

1. Raízes da Mobilidade: O Vêneto Pré-Unificação

Muito antes da unificação italiana, o norte do Vêneto já vivia intensos fluxos migratórios. As populações das áreas alpinas praticavam a emigração sazonal, deslocando-se para a França, Suíça, Balcãs e Europa Central para trabalhar em obras públicas, serrarias, estradas, ferrovias e atividades artesanais.

Alguns vilarejos tornaram-se especialistas em ocupações específicas: funileiros, afiadores, entalhadores, fabricantes de cadeiras, vendedores ambulantes e gravuristas. Essa tradição formou uma cultura de mobilidade que mais tarde ampliaria o grande êxodo.

2. O Início do Êxodo Transoceânico (1870–1890)

A partir da década de 1870, começou uma mudança radical: famílias inteiras do Vêneto passaram a embarcar para o Brasil e a Argentina.
A grande emigração atingiu seu pico por volta de 1890, levando camponeses de todas as províncias, inclusive aqueles que jamais haviam migrado.

Fatores determinantes:

  • miséria rural persistente,

  • pelagra,

  • pressão demográfica,

  • falta de oportunidades,

  • descrença na classe dirigente,

  • crise política e fiscal do novo Estado italiano.

Cerca de um quinto da população rural vêneta deixou sua terra nesses anos.

3. O Século XX e o Aprofundamento da Emigração

Apesar das expectativas governamentais de que o fenômeno diminuiria, o movimento continuou crescendo. O avanço ferroviário e marítimo abriu caminho para destinos ainda mais distantes: Austrália, Estados Unidos e o sudoeste francês.

A emigração temporária — menos estudada, porém essencial — sustentou famílias inteiras e contribuiu para dinamizar economias locais, criando uma ponte constante entre os vilarejos e a experiência internacional.

4. A Ruptura da Primeira Guerra Mundial

Em 1914, a eclosão da Grande Guerra provocou a volta forçada de cerca de 170 mil venetos. No ano seguinte, muitos retornaram ao front para cumprir o chamado às armas.
Terminada a guerra, o ciclo migratório recomeçou com ainda mais intensidade, abrangendo tanto partidas definitivas quanto sazonais.

Exilados políticos, perseguidos pelo fascismo, também engrossaram esse fluxo.

5. A Era Fascista e a Redefinição dos Destinos Migratórios

A crise de 1929 e as políticas restritivas do regime modificaram rotas, mas não reduziram substancialmente o número de partidas.
Nesse período:

  • milhares migraram internamente para o Agro Pontino,

  • outros foram enviados às colônias africanas,

  • mulheres tiveram participação crescente no trabalho sazonal,

  • e o acordo ítalo-alemão de 1938 direcionou mão de obra para a Alemanha nazista.

6. O Pós-Guerra e a Diáspora Global (1946–1960)

Terminada a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma nova onda massiva de emigração, desta vez amparada por acordos bilaterais:

  • Bélgica (1946) – minas de carvão

  • França (1946) – operariado industrial e agrícola

  • Suíça (1948) – trabalhadores sazonais

  • Argentina (1948)

  • Venezuela (1949)

  • Brasil (1950)

  • Austrália (1950)

  • Canadá (1951)

Vênetos ocuparam os trabalhos mais duros, muitas vezes sob vigilância policial e vivendo em alojamentos precários.

7. Retornos, Mudanças e a Inversão do Fluxo (1960–1980)

Nos anos 1960, o saldo migratório do Vêneto tornou-se positivo: mais pessoas voltavam do que partiam.
A prosperidade italiana, aliada ao desenvolvimento industrial do nordeste, reduziu drasticamente as saídas.
Na década de 1980, ocorreu um fenômeno inédito: o Vêneto passou a receber imigrantes de países como Marrocos, Albânia, Gana, Senegal e China.

A antiga terra de emigrantes tornava-se terra de acolhida.

8. O Impacto Cultural, Econômico e Identitário da Emigração Vêneta

A emigração definitiva foi amplamente estudada e valorizada — especialmente por comunidades italianas no Brasil, Argentina e Austrália, onde descendentes preservaram tradições, dialetos e memórias familiares.

Entretanto, a emigração temporária permaneceu marginalizada. Muitos trabalhadores que retornaram ao Vêneto foram recebidos com indiferença e precisaram apagar suas experiências para se reintegrar.
A cultura oficial levou décadas para reconhecer seu papel fundamental na formação da sociedade moderna vêneta.

Essa mobilidade criou um “Vêneto dual”:

  • dos que ficavam,

  • e dos que partiam.

A fusão dessas duas mentalidades — estabilidade e espírito aventureiro — ajudou a formar o dinamismo econômico das décadas seguintes.

9. O Legado Contemporâneo

Hoje, a região encara um novo desafio: integrar sua identidade histórica a novos fluxos migratórios.
Assim como no passado, a convivência entre diferentes povos pode gerar tensões, mas também inovação e renovação cultural.

A história ensina que a força do Vêneto sempre esteve na capacidade de transformar movimento em oportunidade.


NOTA EXPLICATIVA

A emigração vêneta representou um dos movimentos humanos mais enriquecedores para os países que tiveram a fortuna de receber esses imigrantes. Com sua cultura do trabalho, disciplina, espírito comunitário e forte capacidade de adaptação, os vênetos contribuíram decisivamente para o desenvolvimento agrícola, urbano, econômico e cultural de diversas regiões do mundo. No Brasil, na Argentina, na Austrália e em tantos outros destinos, deixaram marcas profundas na arquitetura rural, na organização social, nas tradições, na gastronomia e no empreendedorismo. A presença desses imigrantes não apenas impulsionou economias locais, mas também ajudou a moldar identidades regionais, somando valores, técnicas e modos de vida que continuam vivos até hoje. Trata-se de um legado que ultrapassa fronteiras e permanece essencial para compreender a formação moderna desses países.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Resumo da História dos Vênetos

Bandeira do Vêneto

 

O povoamento do que hoje é o Vêneto começou a partir do 5º milênio a.C. e intensificou-se durante a Idade do Bronze, primeiro na área montanhosa de Verona, ao longo da costa oriental do Lago de Garda e perto dos rios. Por volta do ano 1000 a.C. notou-se na zona de Este a civilização paleo-veneziana, que desenvolveu uma verdadeira cultura e manteve relações com grupos étnicos muito distantes, como os gregos, os etruscos, os povos transalpinos e os celtas.

Os Veneti, como então já eram conhecidos,  rapidamente alcançaram uma forte identidade étnica, cultural e política e para sua defesa no século III a.C. eles se aliaram com Roma para enfrentar as ameaçadoras pressões dos bárbaros. A aliança com os romanos resultou em importantes obras de construção das infra-estruturas e de arranjo e construção dos núcleos urbanos. O Vêneto foi então completamente absorvido pelo Império Romano no século I a.C., mas manteve intactas suas características distintivas, pelas quais Roma sempre demonstrou grande respeito.

Nos primeiros séculos DC. as invasões germânicas desferiram um duro golpe aos vênetos e aos romanos e na sequência do impacto ruinoso dos longobardos, nos séculos VI e VII, houve um êxodo dos habitantes para a zona da laguna o embrião da futura cidade. O primeiro núcleo de Veneza pode ser datado por volta dos séculos IX e X.

Entretanto, no continente, os assaltos dos húngaros obrigaram a população a erguer novas fortificações defensivas, fenômeno que em pouco tempo deu origem a uma multiplicidade de jurisdições autônomas e ao feudalismo, que se desvaneceria progressivamente após a recuperação comercial do século XII século e o nascimento de instituições municipais, que se uniram na "Liga Lombarda" opuseram-se às várias tentativas de restauração imperial de Frederico I conhecido como Barbarossa e depois de Frederico II. Os nobres senhores feudais como os da Romano, os da Camino, os da Carrara e os d'Este souberam trazer a seu favor a situação conflituosa, apresentando-se como guardiões da segurança das cidades, sendo eleitos com os títulos de podestà ou capitão do povo.

Enquanto isso, Veneza retirou-se da égide de Bizâncio, que a havia tornado sua província, estabelecendo um governo oligárquico governado por um Doge e expandiu seu poder por todo o Mediterrâneo com o controle das rotas e portos da bacia oriental. As importantes conquistas comerciais venezianas acenderam a hostilidade com Gênova, e no século XIII começou a luta com esta cidade pela hegemonia sobre os mares, que Veneza mais tarde conquistou. Mas a autoridade de Veneza também se expandiu para o interior e já no início do século XV se apresentava como a maior potência da península e conseguiu unificar o Vêneto sob si. Essa hegemonia deixou um estilo comum impresso na cultura, na linguagem e na arquitetura das edificações das cidades e do campo. Em 1797 a República de Veneza foi conquistada por Napoleão e em seguida passou para a Áustria, com o Tratado de Campoformio, até 1866, ano em que Veneza foi anexada ao Reino da Itália.

O Vêneto desempenhou um papel muito importante durante a grande guerra de 1915-18, quando a frente ítalo-austríaca, que inicialmente passava pelo planalto de Asiago e pelas montanhas Dolomitas venezianas até as colinas de Gorizia, recuou após a derrota em Caporetto (24 de outubro de 1917) até o Monte Grappa e o Piave, ou seja, até o limiar da planície: a linha de frente decisiva para o desfecho do conflito (em memória disso, o Memorial Cima Grappa e os numerosos memoriais de guerra presentes em cada município). O armistício foi assinado em 3 de novembro de 1918 em Villa Giusti em Pádua.

A Segunda Guerra Mundial não trouxe tanta devastação, embora Treviso e Verona tenham sofrido pesados ​​bombardeamentos, mas a ocupação nazi-fascista foi terrível, sobretudo a partir de 8 de setembro de 1943: data do anúncio do armistício com os Aliados e do fim do aliança militar com a Alemanha.






sexta-feira, 2 de março de 2018

Um pouco de História do Vêneto - S. Marcos Evangelista e Veneza

São Marcos Evangelista e Veneza




Judeu de família rica, nascido no século I, provavelmente na Palestina. Foi missionário no Oriente e Roma, onde teria escrito o Evangelho. No ano de 66, da prisão, S. Pedro escrevendo a Timoteo nos fornece as últimas informações a respeito de Marcos, que morreu possivelmente no ano 68, em Alexandria, Egito. Seus restos mortais estavam em uma igreja dessa cidade que foi incendiada pelos árabes no ano de 644 e posteriormente reconstruída pelos Patriarcas da Alexandria até 689. A lenda diz que no ano de 828, neste local, chegaram dois mercadores venezianos, Buono da Malamocco e Rustico da Torcello, que se apoderaram dos restos mortais do Evangelista e os levaram para Veneza, aonde chegaram em 31 de Janeiro de 828. Os despojos de Marcos foram recebidos com grande honra pelo Doge Giustiniano Partecipazio, que era filho de Agnello e sucessor do primeiro doge das ilhas de Rialto. No ano de 832 foi concluída, pelo Doge Giovanni, irmão e sucessor de Giustiniano, a construção de uma basílica para receber definitivamente os restos mortais do santo a qual passou a ser chamada de Basílica de Marcos. No início a esplendida construção em mármore, repleta de ouro e pedras preciosas de todo o Oriente, teve alguns contratempos, tendo sofrido um incêndio no ano de 976, provocado por uma revolta popular contra o Doge Candiano IV, que tinha se refugiado com seu filho dentro da basílica. Na ocasião os revoltosos também, destruíram e incendiaram o vizinho Palazzo Ducale, moradia e sede do governo da Sereníssima República de Veneza. No ano de 976-978, com o seu próprio dinheiro, o Doge Pietro Orseolo I reformou tanto a Basílica como o Palácio Ducal. Mais tarde, no ano de 1063, por ordem do Doge Domenico Contarini I foi dado início a mais uma reforma da Basílica, a qual foi completada pelo seu sucessor Doge Domenico Selvo (1071-1084). No ano de 1071, São Marcos foi escolhido para ser o titular da basílica e patrono da Sereníssima República de Veneza, em substituição a São Teodoro, que até o século XI tinha sido o santo protetor de Veneza. A Basílica foi solenemente consagrada no dia 25 de Abril de 1094 durante o governo do Doge Vitale Falier. Na ocasião, depois da missa celebrada pelo bispo, foram rompidas algumas placas de mármore de uma coluna e encontrada uma caixa com as relíquias. A partir daí a República de Veneza permaneceu indissoluvelmente ligada ao seu patrono, sendo que o seu conhecido símbolo, o Leão Alado, passou a fazer parte do estandarte da Sereníssima República de Veneza, junto os dizeres inscritos no livro: “ Pax tibi Marce, evangelista meus”.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS