Mostrando postagens com marcador tradição vêneta. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador tradição vêneta. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

A História de São Marcos e da Basílica de Veneza: Origem, Relíquias e Tradição do Vêneto

 


A História de São Marcos e da Basílica de Veneza: Origem, Relíquias e Tradição do Vêneto

Introdução

A figura de São Marcos Evangelista e a história de suas relíquias em Veneza formam um dos pilares da identidade cultural e religiosa do Vêneto. Este texto apresenta os acontecimentos que levaram o santo a tornar-se o patrono da Sereníssima República de Veneza, destacando a trajetória das relíquias, a construção da Basílica de São Marcos e a consolidação do Leão Alado como símbolo veneziano.

A Origem de São Marcos Evangelista

Nascimento e missão

São Marcos, judeu de família rica, nasceu no século I, provavelmente na Palestina. Tornou-se missionário no Oriente e em Roma, onde teria escrito o evangelho que leva seu nome.

Últimos registros históricos

As últimas referências sobre Marcos aparecem na carta de São Pedro a Timóteo, no ano 66. A tradição indica que ele morreu em 68, em Alexandria, no Egito, onde também foi sepultado.

As Relíquias de São Marcos e a Chegada a Veneza

Destruição e reconstrução em Alexandria

A igreja que abrigava os restos mortais do santo foi incendiada em 644 e reconstruída até 689 pelos Patriarcas de Alexandria.

A lenda veneziana e os mercadores

Segundo a tradição, em 828 dois mercadores venezianos — Buono da Malamocco e Rustico da Torcello — resgataram as relíquias do Evangelista e as levaram para a Lagoa de Veneza.
A chegada ocorreu em 31 de janeiro de 828, recebida com solenidade pelo doge Giustiniano Partecipazio.

A Primeira Basílica de São Marcos

Construção inicial

Em 832, o doge Giovanni Partecipazio concluiu a primeira basílica projetada para guardar as relíquias do santo. Era uma construção grandiosa, ornamentada com mármore, ouro e pedras preciosas vindas do Oriente.

O incêndio de 976

Uma revolta popular contra o doge Candiano IV destruiu grande parte da basílica e o vizinho Palazzo Ducale, sede política da República de Veneza.

Reconstrução pelo doge Pietro Orseolo I

Entre 976 e 978, o doge Orseolo financiou com recursos próprios a reconstrução da basílica e do palácio.

Reformas da Basílica ao Longo dos Séculos

Reforma do século XI

Uma nova reforma ampla iniciou-se em 1063 sob o doge Domenico Contarini e foi concluída por Domenico Selvo(1071–1084).

São Marcos: patrono oficial de Veneza

Em 1071, o santo foi proclamado patrono da Sereníssima República de Veneza, substituindo São Teodoro, protetor até o século XI.

Consagração de 1094

A basílica foi consagrada em 25 de abril de 1094, durante o governo do doge Vitale Falier.
Na cerimônia, uma caixa com relíquias foi encontrada dentro de uma coluna de mármore, confirmando o vínculo espiritual entre Veneza e seu patrono.

O Leão Alado: Símbolo Maior da República de Veneza

Origem do símbolo

Com a consolidação do culto ao Evangelista, o Leão Alado de São Marcos tornou-se o emblema oficial da república.
No livro aberto sob sua pata, aparece a inscrição tradicional:

“Pax tibi Marce, evangelista meus.”

Significado cultural e político

O símbolo representava:

  • autoridade espiritual;

  • poder marítimo;

  • identidade veneziana;

  • proteção divina ao Estado.

Conclusão

A história de São Marcos Evangelista e sua ligação com Veneza ultrapassa a religião: ela moldou a política, a arte, a arquitetura e o imaginário de um dos estados mais influentes da história europeia. A Basílica de São Marcos, com suas relíquias e sua arquitetura majestosa, permanece até hoje como o coração espiritual e simbólico do Vêneto.

Nota Explicativa 

Este texto oferece uma visão geral sobre como Veneza adotou São Marcos como seu patrono e transformou sua figura em um dos pilares da identidade cultural do Vêneto. A narrativa explica a trajetória das relíquias do santo, desde Alexandria até sua chegada a Veneza, e mostra como sua presença moldou a história política, religiosa e simbólica da cidade. A Basílica de São Marcos, reconstruída e ampliada ao longo dos séculos, tornou-se não apenas o guardião dessas relíquias, mas também o principal monumento da República de Veneza, reforçando a ligação entre fé, poder e tradição veneziana.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

sábado, 10 de outubro de 2020

O Filó nas Comunidades Italianas do Rio Grande do Sul



O século XIX, principalmente, a partir da sua segunda metade, foi um período muito duro para todas as nações européias, em especial para os vários estados que então coexistiam na península italiana. A queda da Sereníssima República de Veneza, ocorrida no século anterior, e consequente passagem do Vêneto para os domínios da França de Napoleão e logo depois a sua incorporação no Reino Austro Húngaro, as várias guerras para a sua liberação, os conflitos pela unificação da Itália, causaram grande estragos nas regiões do norte da Itália. A pobreza em que já vivia grande parte da população, decorrente sobretudo do desemprego em massa nos campos, agravados pelos vários impostos criados para sustentar a reunificação do Reino da Itália, somados com importantes calamidades climáticas, que aumentaram a frustração das safras, tornaram inviável a vida dos pequenos agricultores e artesãos do norte e nordeste italiano. A solução foi emigrar para outros países para fugir de uma vida sem perspectivas. Por diversos motivos, o Brasil foi um dos países escolhidos para receber esses milhares de italianos. Com eles também vieram os usos e costumes das diversas regiões de origem. 



Um desses costumes, que muito se adaptou nas colônias italianas do Rio Grande do Sul, foi o do filó. Ele consistia num encontro social, uma confraternização, entre parentes, amigos e vizinhos, realizado muitas vezes no paiol, na cozinha, no porão ou mesmo ao ar livre. Depois do jantar, homens, mulheres e crianças iam à casa do vizinho para conversar ou muitas vezes para fazer alguns pequenos trabalhos manuais, como fiar a lã e debulhar o milho. 



O filó era basicamente uma reunião de 2 ou 3 famílias vizinhas, à noite, geralmente aos sábados, para conversar, rezar, dançar, comer e beber. Nas capelas, aos domingos, os homens e as mulheres ficavam separados, mesmo dentro da igreja, homens e meninos maiores de um lado e as mulheres e crianças pequenas do outro. Mas, quando iam no filó, juntavam-se em agradável convivência. 



O filó tratava-se de uma antiga da tradição italiana, comumente encontrada naquelas regiões mais altas, que tinham um inverno mais rigoroso, como as do norte da Itália. Para os imigrantes provenientes do norte da Itália, o filó significava um momento de estar junto, seja para pequenos trabalhos, lazer ou simplesmente a necessidade de se abrigar dentro de casa na temporada de muita neve e intenso frio. 



A palavra filó significa trabalho com linha, na língua vêneta laoro col filo, pois o fiar, nas regiões de montanha, era a atividade principal da família nos dias de inverno usando a roca, um antiquíssimo instrumento. Fazer um filó significava preparar a lã para fazer os fios a serem depois trabalhados e tecer os tecidos. Quando lá na Itália, o filó era realizado juntando-se algumas famílias numa só residência, antes de tudo, com a finalidade de economizar lenha, que era escassa. Todos se ocupavam de alguma maneira, alguns esfiapavam a lã de ovelha fiavam e outros contavam histórias. Normalmente os filós aconteciam com mais frequência nos meses mais frios, onde também o trabalho na lavoura não era tão puxado, e também nesses períodos de inverno, os dias são mais curtos, anoitecendo mais cedo, eles então reuniam a família e iam fazer visitas na casa de vizinhos. 



Na Itália, as aldeias e vilas de proveniência da maioria dos imigrantes que vieram para o nosso estado, ficavam localizadas mais próximas umas das outras. Quando chegaram aqui nos grandes lotes para os quais foram destinados nas colônias, geralmente, os vizinhos não estavam muito próximos, mas, distantes centenas de metros, muitas vezes existindo entre eles trechos de floresta fechada e caminhos de difícil acesso. Esses encontros noturnos também eram tidos como um momento em que os imigrantes se reuniam, para juntos, amenizarem o sofrimento e as saudades causadas pela emigração, o afastamento drástico dos seus familiares, dos seus amigos e de seus costumes. Para diminuir a solidão, nos momentos de depressão, os primeiros imigrantes passaram a se visitar mais freqüentemente e a se auxiliarem mutuamente, até mesmo na construção da casa, na organização da lavoura, da colheita, entre outras. A razão para acontecerem os filós, era antes de tudo a necessidade de conviverem, de confraternizarem, de levarem e saberem notícias da Itália, dos parentes e amigos que lá tinha deixado. Não existia outro meio de comunicação para fora da colônia senão a carta, para se ter notícias. Nos filós havia aquele momento especial em que as cartas recebidas da Itália eram lidas para todos os presentes. 



O filó tinha a sua importância não só pelo seu aspecto social ou cultural, mas também pelo aspecto econômico, uma vez que era uma atividade exercida em horas de lazer, oferecia solução de mão-de-obra gratuita, estimulando o regime de troca, não só dos produtos da terra, como também do próprio trabalho braçal. O filó oportunizou a manutenção e, por vezes, o surgimento do artesanato doméstico, onde as mulheres teciam as rendas de crochê, fiavam e teciam o linho, remendavam a roupa, faziam as tranças, chamadas de dressa, de palha de trigo usadas para confeccionar chapéus, bolsas e pequenos cestos. Os homens e rapazes também jogavam baralho. As famílias iam de uma casa a outra para fazer o filó. Dessa maneira era mais rápido fazerem amizades com os vizinhos e poderiam assim se conhecer melhor. Embora às vezes provenientes de lugares muito diferentes da Itália, todos eles tinham a mesma história, o mesmo destino, a mesma fé e a enorme esperança de encontrar a cucagna. 



Os filós além de fortalecerem os laços de parentesco, ou de amizade, também propiciavam uma saudável forma de lazer para os mais jovens, uma oportunidade de se conhecerem, facilitando o início de um namoro e um provável futuro casamento. Muitos filós eram até mesmo programados para que houvesse o namoro. As famílias eram convidadas, para que acontecesse a aproximação desses jovens e dali surgisse um possível namoro e quem sabe, um futuro casamento. 
Nos dias atuais ainda podemos constatar o costume dos filós, se bem que remodelados, muito diferentes daqueles de tempos atrás, especialmente nas pequenas localidades, nas zonas coloniais mais afastadas, de alguns municípios do Rio Grande do Sul, quando os vizinhos ainda mantêm o costume de se visitarem à noite, para colocar o assunto em dia. Um encontro de pessoas, sejam elas conhecidas ou não, o chamado filó comunitário, realizados geralmente em locais mais espaçosos, como um salão da comunidade  em que toda população local pode participar. O filó surgiu como uma forma de resgate do passados dos nossos imigrantes pioneiros e nele cada família leva um prato de comida típica italiana feita em casa ou uma bebida e todos comem reunidos, relembrando as histórias dos antepassados. Em alguns municípios do Rio Grande do Sul, e também em outros estados do Brasil que viveram o fenômeno da imigração italiana, a administração municipal instituiu uma "Noite do filó", que em alguns casos se tornaram atrações turísticas do local atraindo sempre grande público. 
Nesses filós comunitários se canta, reza-se o terço em "talian" que é a língua veneta-brasileira, em outros se organizam peças de teatro, também nessa língua, e em outros se apresentam também grupos locais de danças típicas italianas. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS