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segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Pelagra no Vêneto: história, causas (niacina) e impacto social (séculos XVIII–XX)

 

 
A Pelagra no Vêneto

Pelagra no Vêneto: história, causas (niacina) e impacto social (séculos XVIII–XX)


Introdução
A pelagra foi uma doença endêmica no Vêneto desde o final do século XVIII, associada a pobres condições alimentares nas zonas rurais. Este artigo explica sua evolução histórica, as hipóteses etiológicas, a confirmação da causa nutricional (deficiência de niacina) e o impacto social local.

O aparecimento da pelagra no Vêneto (séculos XVIII–XIX)

Registos administrativos da Sereníssima indicam que, já em 1776, autoridades de saúde alertavam para problemas sanitários em áreas como Polesine, Padovano e Veronese atribuídos à má qualidade do milho e sorgo consumidos pelas populações rurais. Medidas como proibições ao comércio de milho deteriorado mostram que o problema alimentar era reconhecido localmente. Estudos posteriores confirmaram surtos frequentes na região até o início do século XX. 

Pelagrosários e respostas sociais

A partir de finais do século XIX surgiram instituições dedicadas ao tratamento e isolamento dos doentes — o chamado “pellagrosário”. Em 1883 foi fundado, em Mogliano Veneto, o primeiro pellagrosário italiano, um marco na resposta institucional à doença no Vêneto. 

Debate científico: carencialismo vs. teoria tóxica

No século XIX persistiu um debate entre duas correntes:

  • Carencialistas: atribuíram a pelagra à alimentação pobre em proteínas e nutrientes essenciais (especialmente dietas baseadas só em milho).

  • Toxicológicos: defendiam uma causa tóxica ou infecciosa ligada ao milho ou a mofos.
    Pesquisas de campo e estudos epidemiológicos dos inícios do século XX começaram a favorecer a hipótese nutricional.

Descoberta da causa: niacina (vitamina B3 / “vitamina PP”)

A etiologia nutricional foi finalmente esclarecida no século XX: investigações experimentais e humanas demonstraram que a deficiência de niacina (vitamina B3, também chamada vitamina PP — pellagra preventing factor) e a falta de triptofano explicam a doença. Em 1937 Elvehjem e colegas isolaram o fator curativo (niacina) em modelos animais e, pouco depois, a substituição de dietas reprodução humana confirmou a cura/ prevenção. Essas descobertas consolidaram o caráter carencial da pelagra. 

Clínica: os “3 D” — dermatite, diarreia e demência

O quadro clínico clássico da pelagra é conhecido como síndrome dos 3 D:

  • Dermatite: lesões cutâneas foto-sensíveis (manchas, eritema, descamação).

  • Diarréia: sufocamento digestivo, cólicas, anorexia.

    Demência: alterações neurológicas e psiquiátricas progressivas que podem levar à morte se não tratada.

  • Hoje sabe-se que a forma moderna da pelagra é rara, ocorrendo sobretudo em contextos de desnutrição grave, alcoolismo

Declínio da pelagra no Vêneto e no mundo

Ao longo do século XX, melhorias na dieta (diversificação alimentar), educação sanitária, implementação de políticas públicas e a identificação da niacina como fator curativo reduziram drasticamente os casos. Em países desenvolvidos a fortificação de alimentos e o aumento do consumo de proteínas animais acabaram com as epidemias que marcaram o passado. No Vêneto a doença deixou de ser endêmica após a Primeira Guerra Mundial e com maior intensidade no período entre guerras e pós-guerra.

Conclusão

A pelagra no Vêneto é um exemplo clássico de doença social e nutricional: emergiu onde a monocultura do milho e a pobreza limitaram a ingestão de niacina e proteínas. O reconhecimento histórico do problema, a criação de estruturas como o pellagrosário de Mogliano Veneto e, sobretudo, a descoberta da niacina como fator preventivo, transformaram a pelagra de uma ameaça endêmica em uma doença hoje rara nos países com segurança alimentar. Ainda assim, a história da pelagra é um lembrete da estreita ligação entre dieta, política e saúde pública. 

Nota do autor

Esta síntese reúne evidências históricas e médicas sobre a pelagra no Vêneto, cruzando arquivos regionais (relatos administrativos e estudos locais) com literatura científica moderna sobre a etiologia por deficiência de niacina. As afirmações sobre a cronologia (surgimento no século XVIII, pellagrosário de Mogliano em 1883 e o papel da niacina no século XX) baseiam-se em documentos históricos e em pesquisas revisadas por pares. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta