sábado, 24 de maio de 2025

O Destino de Alessandro Meratti

 


O Destino de Alessandro Meratti


O vento salgado do Adriático cortava a pele de Alessandro Moratti enquanto ele se despedia de sua pequena vila em Vicenza. O sol poente tingia o céu de tons dourados e alaranjados, lançando longas sombras sobre as ruelas de pedra que ele conhecia desde a infância. Seus olhos percorreram a praça da igreja pela última vez, memorizando cada detalhe da fachada barroca que tantas vezes lhe servira de refúgio. Ao seu lado, Maria, sua esposa, segurava firmemente a mão do pequeno Giovanni, que, com apenas seis anos, ainda não compreendia totalmente o que significava aquela despedida.

A decisão de partir para o Brasil não fora fácil, mas a pobreza crescente e os impostos sufocantes tornavam impossível continuar. Seu irmão mais velho, Ernesto, já havia partido um ano antes e lhes escrevera cartas cheias de promessas: terra fértil, um novo começo, oportunidades que jamais encontrariam na Itália. As palavras de Ernesto eram a única esperança a que Alessandro se agarrava.

Venderam o pouco que tinham — a casa de pedra com telhado de terracota, a vaca leiteira e até os móveis que Maria herdara da mãe. O dinheiro arrecadado foi cuidadosamente guardado em um pequeno saco de couro costurado à cinta de Alessandro. A travessia do Atlântico seria longa e dura, mas ele estava determinado.

Na manhã seguinte, embarcaram em um trem que os levaria até Gênova. Chegaram ao  raiar do dia, com uma neblina típica daquela época do ano. Cansados pelo fato de nao terem podido dormir a noite devido as inúmeras paradas que o trem fazia para receber mais passageiros, emigrantes como eles em direção ao tão sonhado Brasil, um mundo novo repleto de expectativas. O porto fervilhava de emigrantes. Homens, mulheres e crianças, todos amontoados com baús e trouxas de pano. O cheiro de maresia misturava-se ao suor e ao medo. Alessandro segurou Maria e Giovanni com força quando subiram a prancha de embarque. O navio, imenso e escuro, parecia um monstro de ferro prestes a devorá-los.

A vida a bordo do Conte Verde revelou-se um pesadelo. O espaço reservado aos passageiros de terceira classe era úmido, mal ventilado e fétido. O ar era pesado de excrementos humanos e comida estragada. Ratos corriam entre os colchões de palha. Maria tentava manter Giovanni limpo e alimentado, mas a água potável era racionada e os alimentos de péssima qualidade faziam com que o menino enfraquecesse a cada dia. A febre começou na segunda semana de viagem, e Alessandro temia que Giovanni não sobrevivesse à travessia.

Todas as noites, ele subia ao convés para respirar o ar fresco e observar as estrelas, tentando imaginar como seria a nova vida no Brasil. Ele repetia mentalmente as palavras de Ernesto: terra fértil, novas oportunidades, um futuro melhor. Mas, ao ouvir os gritos de dor dos passageiros enfermos e os corpos envoltos em lençóis sendo lançados ao mar, ele se perguntava se havia cometido um erro.

Após quarenta e dois dias de tormenta, avistaram terra. O porto de Rio Grande era um caos de gente, baús, carroças e animais. Homens de trajes escuros gritavam ordens em um idioma desconhecido. Alessandro, exausto, mas esperançoso, segurou a mão de Maria com firmeza. A verdadeira jornada apenas começava.

Foram alojados temporariamente por 12 dias em um grande barracão de madeira não beneficiada, com pouca privacidade, junto a dezenas de outras famílias de emigrantes como eles e que tinham destino comum. Aguardavam a ordem de embarque nos pequenos navios fluviais que os deixariam próximo ao seu destino. Uma vez iniciada a longa viagem entraram na Lagoa dos Patos, depois se dirigiram a foz do rio Caí, pelo qual percorreram muitos quilômetros rio acima até chegarem a São Sebastião do Caí onde havia um porto onde desembarcavam. Depois de um dia de descanso, o grande grupo de imigrantes italianos, acompanhados pelos funcionários e guias do governo brasileiro, rumavam a pé ou em grandes carroças puxadas por bois, até o local onde se encontravam os lotes de terra a eles destinadas. Chuvas tropicais deixavam a estreita estrada intransitável. Cada passo era um teste de resistência. O caminho estava intransitável e assim os guias optaram por um trajeto alternativo passando pela Colonia Dona Isabel. 

Quando finalmente chegaram a esta colônia, foram recebidos por Ernesto, que chorou ao ver o irmão. O reencontro foi breve, pois ainda restava uma jornada de mais dois dias até a Colonia Conde D´Eu. Em uma grande carroça, cruzaram matas densas e trilhas enlameadas até o pequeno lote que lhes fora concedido. O terreno era enorme, mas muito íngreme, coberto de vegetação cerrada e pedras. Alessandro viu Maria olhar ao redor, seu rosto carregado de cansaço e desilusão. Ele mesmo sentiu o peso da realidade esmagando suas expectativas.

Os primeiros meses foram brutais. Construíram um barraco de madeira, coberto com folhas de palmeira, e dormiram sobre palha. O frio das noites serranas os fazia tremer. O trabalho na terra exigia um esforço descomunal: primeiro, era preciso derrubar árvores, queimar troncos, remover pedras. O ar cheirava a fumaça e suor. Giovanni, agora mais forte, ajudava no que podia, mas ainda era um menino.

Alessandro plantou milho e feijão, mais tarde criou porcos e galinhas. Com o tempo, aprendeu a lidar com a terra, a negociar com os poucos comerciantes que passavam pela região e a aceitar a dura realidade da vida de colono. Em noites de saudade, olhava para o céu estrelado, lembrando-se da sua terra natal. Muitas vezes, sonhava em voltar, mas sabia que a Itália que deixara para trás não existia mais para ele.

Os anos passaram. A Colonia Conde D´Eu Alfredo Chaves cresceu, os colonos prosperaram e a antiga colonia passou a ser Garibaldi. Alessandro e Maria tiveram mais filhos. Suas mãos ficaram calejadas, suas costas curvadas, mas seus corações estavam cheios de orgulho. Haviam construído um lar em meio à selva.

No entardecer de um dia qualquer, sentado à porta de sua grande casa de madeira, Alessandro observou Giovanni, agora um jovem forte, ajudando a construir a casa de um vizinho. Sorriu. O sonho de um futuro melhor não fora em vão.



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