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sábado, 17 de agosto de 2024

Nos Silêncios da Alma: A Longa Espera de Beatrice




Em um modesto quarto ao fim de um longo corredor, suavemente banhado pela luz que se infiltrava pelas cortinas desgastadas, Dona Beatrice, uma senhora de 86 anos, passava seus dias imersa em um silêncio profundo. Seus cabelos, que um dia foram volumosos e negros, agora eram finos fios brancos que caíam em ondas suaves sobre seus ombros. Seus olhos, antes cheios de brilho e juventude, agora refletiam o peso de muitos anos e a solidão de um coração que já experimentou tanto.
Beatrice tinha cinco filhos, onze netos e dois bisnetos. Ela era mãe, avó e bisavó, mas, naquele momento, sua vida parecia confinada àquele pequeno espaço. As risadas e conversas animadas que um dia preenchiam sua casa haviam se tornado apenas memórias distantes. O tempo havia passado, levando consigo a energia e o calor da convivência familiar que um dia definiram sua existência.
Agora, ela residia em um lar de idosos, onde outras pessoas organizavam seu quarto, preparavam suas refeições e cuidavam de sua saúde. Não era mais a mulher que cozinhava pratos preferidos dos netos, nem a artesã que passava horas dedicando-se aos bordados que tanto gostava. Sua independência havia se esvaído, e em seu lugar, surgiu uma rotina que ela nunca escolheu.
Os dias passavam lentamente. De tempos em tempos, Beatrice recebia a visita de um neto, o que trazia um breve lampejo de alegria aos seus olhos cansados. No entanto, essas visitas eram raras e espaçadas. Alguns vinham a cada quinze dias, outros a cada três ou quatro meses, e havia aqueles que nunca apareciam. Era como se o tempo tivesse erguido barreiras invisíveis entre ela e a família que um dia esteve tão próxima.
Na solidão do quarto, Beatrice encontrava algum consolo nas poucas lembranças que trouxera consigo. Fotografias amareladas pelo tempo estavam espalhadas sobre uma mesinha ao lado da cama. Elas eram seu único elo com o passado, um passado onde ela era cercada por pessoas que a amavam e dependiam dela. Agora, essas mesmas pessoas seguiam com suas vidas, enquanto ela permanecia ali, quieta, à espera de algo que não conseguia definir.
Ela não sabia quanto tempo ainda lhe restava, mas compreendia que precisava aprender a lidar com a solidão. Participava das atividades do lar, ajudava outros residentes em condições mais frágeis que as dela, mas evitava criar laços muito fortes. O ciclo era doloroso: amizades que se formavam rapidamente se desfaziam, à medida que a morte levava aqueles a quem Beatrice começava a se apegar.
Olhando pela janela, Beatrice refletia sobre a longevidade da vida. A questão martelava sua mente com frequência. O que antes parecia uma bênção, agora revelava-se uma prova de resistência. Ela observava o mundo lá fora, mas ele parecia tão distante quanto uma lembrança vaga. As pessoas passavam apressadas, imersas em suas próprias vidas, enquanto ela, dentro daquele pequeno quarto, vivia um tempo diferente, um tempo de espera.
Apesar da dor da solidão, Beatrice mantinha uma esperança silenciosa. Havia uma compreensão profunda dentro dela sobre o valor da família, sobre o ciclo de cuidados que começa com os pais e que deveria ser retribuído pelos filhos. Ela acreditava que as próximas gerações entenderiam isso, que perceberiam a importância de cuidar daqueles que um dia cuidaram deles.
Em seu quarto, Beatrice rezava para que seus filhos, netos e até bisnetos aprendessem essa lição. Não buscava vingança ou ressentimento; apenas desejava que eles reconhecessem o que é verdadeiramente importante na vida – o amor e o tempo compartilhados.
E assim, os dias de Beatrice seguiam, um após o outro, numa rotina que parecia nunca mudar. Ela se tornara uma sombra do que um dia fora, mas em seu coração, ainda guardava o amor por sua família. Embora raramente fosse dito, e ainda menos visto, esse amor era a força que a mantinha firme, dia após dia.
As enfermeiras que entravam em seu quarto notavam a expressão serena de Beatrice, mas não podiam imaginar os pensamentos que passavam por sua mente. Elas desempenhavam seu trabalho com dedicação, mas para Beatrice, elas eram apenas presenças passageiras. Não eram sua família, não eram aqueles que ela criara e amara. Eram, contudo, a única companhia constante que ela tinha agora.
Beatrice sabia que o tempo era implacável. Sabia que, um dia, aquela porta se fecharia para ela pela última vez. Mas até lá, ela esperava, com a paciência que só os anos podem ensinar, que algum de seus filhos ou netos se lembrasse de quem ela era, de tudo o que fizera por eles, e viesse vê-la, nem que fosse por um breve instante.
No final, Dona Beatrice era apenas uma mulher idosa, que, em meio à solidão de um quarto de dez metros quadrados, ainda encontrava força em suas lembranças e no amor que jamais deixou de sentir. Ela não pedia muito da vida, apenas um pouco de tempo, um pouco de atenção, e, acima de tudo, um pouco de amor.


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Dias de Espera, Noites de Angústia

 



No final do século XIX, a promessa de uma vida melhor nas Américas atraía milhares de italianos, que deixavam suas terras na esperança de um futuro mais próspero. Entre esses, estava o casal Pietro e Maria, agricultores da pequena aldeia de Casale Monferrato, no Piemonte. Como muitos outros, decidiram vender tudo o que tinham para pagar a passagem no vapor que os levaria ao Brasil, onde sonhavam em recomeçar suas vidas.
Em sua aldeia, foram abordados por um agente de viagens que trabalhava para uma companhia de navegação. Ele pintou um quadro idílico do novo mundo, prometendo terras férteis, trabalho abundante e um futuro próspero para eles e seu filho pequeno, Giovanni. Convencidos pelas palavras do agente, Pietro e Maria compraram as passagens, mesmo sabendo que isso significava abrir mão de quase todas as suas economias.
O agente, no entanto, tinha intenções que iam além de vender passagens. Ele marcou a data para que o casal chegasse a Gênova muito antes do necessário, garantindo que eles passassem semanas na cidade antes da partida do navio. Ao chegar ao porto, Pietro e Maria encontraram-se em um cenário caótico: ruas lotadas de famílias como a deles, que aguardavam o embarque para uma nova vida. Com a pouca experiência que tinham do mundo fora de sua aldeia, não estavam preparados para o que os esperava.
Nas proximidades do porto, comerciantes desonestos, em conluio com agentes de viagem, aproveitavam-se da vulnerabilidade dos emigrantes. Os hotéis, pensões e restaurantes locais estavam prontos para explorar até o último centavo daqueles que buscavam abrigo e comida enquanto esperavam pelo embarque. As ruas adjacentes ao cais eram um amontoado de lugares baratos e mal conservados, onde as famílias, já fragilizadas pela longa viagem até o porto, se viam forçadas a gastar suas últimas economias.
Pietro e Maria encontraram refúgio em uma pequena pensão, uma escolha quase que inevitável, dada a situação. Os dias se transformaram em semanas, e a espera tornou-se um tormento. Cada noite passada naquele lugar significava menos dinheiro para recomeçar suas vidas no Brasil. O quarto que alugavam era úmido e frio, as camas duras e desconfortáveis. A comida, vendida a preços exorbitantes, era escassa e de má qualidade. A saúde de Giovanni começou a se deteriorar, agravando ainda mais a angústia do casal.
Nas ruas ao redor do porto, o cenário era ainda mais desolador. Famílias que não tinham dinheiro para pagar por um abrigo se amontoavam nas calçadas, expostas ao frio e à chuva. Crianças famintas vagavam pelas ruas, enquanto seus pais, desesperados, tentavam encontrar alguma forma de garantir a sobrevivência até o dia do embarque. A espera prolongada não era apenas física, mas também emocional; cada dia parecia arrastar-se interminavelmente, e o sonho de uma nova vida começava a desvanecer-se.
Maria, com Giovanni nos braços, passava os dias em preces silenciosas, tentando manter viva a esperança. Pietro, por sua vez, sentia o peso da responsabilidade, sabendo que cada dia que passava os afastava mais do sonho que os levara a deixar sua terra natal. O dinheiro que haviam economizado com tanto esforço agora desaparecia rapidamente, e o medo de não ter nada ao chegar ao Brasil começava a assombrá-los.
Finalmente, o dia do embarque chegou. O porto estava cheio de famílias exaustas, debilitadas pela longa espera. Quando o imponente vapor atracou, houve um misto de alívio e tristeza entre os que estavam prestes a partir. Pietro, segurando Giovanni com uma mão e Maria com a outra, olhou para o navio com o coração apertado. Eles estavam deixando para trás uma terra que os havia visto nascer, mas também uma experiência de sofrimento que marcaria suas vidas para sempre.
Para muitos, o embarque representava a esperança de uma nova vida, mas para outros, como aqueles que não conseguiram pagar pela passagem ou que ficaram sem dinheiro para embarcar, o porto de Gênova se tornaria um símbolo de sonhos destruídos. As ruas ao redor do cais continuaram a testemunhar o sofrimento daqueles que, como Pietro e Maria, foram forçados a enfrentar uma espera cruel, onde a esperança se misturava com a desilusão e a miséria.
Assim, enquanto o vapor partia em direção ao horizonte, levando consigo os sonhos e as últimas economias de tantos emigrantes, o porto de Gênova ficava para trás, um lugar onde muitos deixaram não apenas sua terra natal, mas também uma parte de suas almas, consumidas pela longa e dolorosa espera.


domingo, 7 de julho de 2024

O Ocaso da Vida: Uma História de Coragem e Amor




Ana sempre fora uma mulher cheia de vida, energia e amor. Aos 29 anos, casada com João, seu companheiro desde a adolescência, e mãe dedicada de dois filhos pequenos, Lucas de 6 anos e Mariana de 4, ela parecia ter o mundo a seus pés. Uma carreira promissora como professora de literatura, uma família unida e uma vida repleta de sonhos a realizar. Contudo, a fragilidade da vida humana se mostrou implacável em um dia qualquer, transformando sua existência de maneira abrupta e devastadora. 
As dores abdominais começaram de forma sutil, quase insignificante. No início, Ana ignorou, atribuindo-as ao estresse do cotidiano. Mas com o passar das semanas, as dores tornaram-se constantes e intensas, obrigando-a a buscar ajuda médica. João, sempre ao seu lado, segurava sua mão enquanto aguardavam os resultados dos exames. O ambiente frio e impessoal do hospital contrastava com o calor humano que emanava do casal.
O diagnóstico veio como um golpe cruel do destino: câncer de ovário em estágio avançado. As palavras do médico ecoaram na mente de Ana como uma sentença de morte. A medicina, apesar de seus avanços, oferecia pouco além de paliativos. Quimioterapia e radioterapia poderiam retardar o inevitável, mas a verdade nua e crua era que Ana tinha poucos meses de vida.
Nos dias que se seguiram ao diagnóstico, Ana viveu uma montanha-russa de emoções. O medo da morte era avassalador, mas o que mais doía era a ideia de deixar seus filhos tão pequenos. Quem cuidaria de Lucas e Mariana? Quem os consolaria nas noites de tempestade? Quem os veria crescer, aprender a ler, a escrever, a amar?
Ana chorava em silêncio para não preocupar os pequenos. João, igualmente devastado, tentava ser forte por ela e pelas crianças, mas a dor era visível em seus olhos cansados. As noites tornaram-se longas e insones, preenchidas por conversas sussurradas e promessas de amor eterno.
A vida continuava seu curso inexorável, mas para Ana, cada momento adquiria um novo significado. As brincadeiras com Lucas e Mariana tornaram-se preciosas, os abraços mais apertados, os beijos mais demorados. Ela tentava gravar na memória cada sorriso, cada gargalhada, cada traço do rosto de seus filhos.
Ana decidiu enfrentar a doença com a mesma coragem que sempre guiara sua vida. Iniciou os tratamentos, sabendo que eram apenas uma forma de ganhar tempo. No entanto, cada sessão de quimioterapia era uma batalha dura e exaustiva. O corpo enfraquecido, os cabelos que começavam a cair, tudo parecia um lembrete cruel do que estava por vir.
Durante esse período, Ana encontrou forças em lugares inesperados. A solidariedade dos amigos e colegas, a presença constante de sua família, e até mesmo a comunidade escolar, que organizou uma série de atividades para apoiar a família. Mas a maior fonte de força de Ana vinha de dentro. Ela decidiu escrever cartas para seus filhos, cartas que eles leriam em diferentes momentos de suas vidas. Cartas de amor, conselhos e memórias que ela desejava compartilhar, mesmo que não pudesse estar presente fisicamente.
Cada palavra escrita era uma lágrima silenciosa, mas também um gesto de esperança. Ana queria que Lucas e Mariana soubessem o quanto eram amados, o quanto eram especiais. Queria deixar um pedaço de si mesma para guiá-los, protegê-los e amá-los, mesmo depois de sua partida.
Os meses passaram rapidamente, cada dia uma luta contra a dor e o medo. Mas Ana também encontrou momentos de paz. Aceitou sua mortalidade e concentrou-se em criar memórias que seus filhos guardariam para sempre. O último Natal em família foi particularmente especial. Ana, mesmo debilitada, conseguiu organizar uma festa repleta de amor e alegria. Cada sorriso de Lucas e Mariana era um bálsamo para sua alma.
Naquela noite, enquanto observava seus filhos brincando perto da árvore de Natal, Ana sentiu uma paz profunda. Sabia que sua missão estava completa. João prometera cuidar das crianças, e ela confiava nele plenamente. Sabia que a vida continuaria, e que, de alguma forma, ela sempre estaria presente nos corações daqueles que amava.
Quando Ana finalmente partiu, cercada pelo amor de sua família, deixou para trás um legado de coragem, amor e resiliência. Lucas e Mariana cresceram com as cartas da mãe, cada uma delas uma fonte de conforto e inspiração. João, apesar da dor da perda, encontrou forças para ser o pai que Ana sabia que ele poderia ser.
Lucas e Mariana, mesmo pequenos, sentiam a ausência da mãe como um vazio imenso. João se dedicava a preencher essa lacuna com amor e paciência, mas sabia que jamais substituiria o carinho materno. As cartas de Ana tornaram-se um ritual na família. Em momentos especiais, João lia para os filhos as palavras deixadas pela mãe. Aquelas letras escritas com tanto amor traziam consolo e um senso de proximidade com Ana.
A primeira carta, lida no aniversário de 7 anos de Lucas, falava sobre coragem e a importância de seguir seus sonhos. Mariana, ao completar 5 anos, ouviu uma carta que descrevia a beleza da vida e a força do amor. Cada carta era uma janela para a alma de Ana, um lembrete constante de que, apesar da distância física, ela estava sempre presente.
À medida que Lucas e Mariana cresciam, as lições de Ana guiavam suas vidas. João, observando seus filhos se desenvolverem, via em cada um deles traços da mulher que tanto amara. A força de Lucas, a sensibilidade de Mariana, ambos eram reflexos de Ana. Eles aprendiam a enfrentar os desafios com a mesma bravura que a mãe, mantendo viva a chama de seu legado.
Mariana, em particular, encontrou na escrita uma forma de conexão com Ana. Inspirada pelas cartas da mãe, começou a escrever suas próprias histórias, preenchendo páginas e mais páginas com suas emoções e pensamentos. João incentivava esse talento, vendo na escrita de Mariana uma continuidade do espírito de Ana.
Anos se passaram, e a família aprendeu a viver com a ausência de Ana. Lucas, agora adolescente, tornou-se um jovem determinado, sempre buscando fazer a mãe orgulhosa. Mariana, igualmente determinada, continuava a escrever, encontrando nas palavras um refúgio e uma forma de honrar a memória de Ana.
João, apesar da dor constante da perda, encontrou um novo propósito em criar seus filhos com amor e dedicação. Sabia que Ana estaria sempre com eles, nas lembranças, nas cartas, e nos pequenos gestos do dia a dia. A vida seguia em frente, com seus altos e baixos, mas o amor de Ana permanecia como um pilar inabalável, guiando e fortalecendo a família.
Anos mais tarde, Lucas e Mariana, agora adultos, revisitam as cartas da mãe com gratidão e amor. Cada palavra é um lembrete do espírito indomável de Ana, uma mulher que, mesmo diante da morte, escolheu viver com plenitude e deixar um legado de amor eterno.
A história de Ana não é apenas sobre a morte, mas sobre a vida que ela viveu e o amor que deixou para trás. É um testemunho da fragilidade e da força humana, e da capacidade do amor de transcender o tempo e o espaço. É uma lembrança de que, mesmo no ocaso da vida, há beleza, propósito e eternidade.




quarta-feira, 3 de julho de 2024

A Última Jornada de Helena



A Última Jornada de Helena

Helena tinha 70 anos e a sua vida estava chegando ao fim. A recidiva do câncer de mama tinha se espalhado para outros órgãos, e ela sabia que o tempo restante era curto. Em sua pequena cidade, onde a vida corria devagar, Helena era cuidada por seus três filhos, uma filha e dois filhos, e por uma enfermeira contratada. Seu marido, Jorge, permanecia ao seu lado, segurando sua mão sempre que podia, tentando confortá-la com palavras suaves e amorosas.
Helena estava em casa agora, pois o hospital não tinha mais nada a oferecer. As injeções de opiáceos a mantinham em um estado de calma, mas sua mente ainda estava afiada em momentos de lucidez. Nesses períodos, ela refletia sobre sua vida, suas escolhas, seus arrependimentos e suas alegrias.
A sala de estar, onde Helena passava a maior parte do tempo, estava cheia de memórias. Fotos dos filhos em várias fases da vida, dos netos brincando no jardim, e de viagens feitas com Jorge estavam espalhadas pelas paredes. O aroma do café fresco que sua filha Ana preparava todas as manhãs trazia um conforto familiar, mesmo que Helena não pudesse mais saboreá-lo. 
A dor era constante, mas Helena tentava não demonstrá-la. Os filhos faziam o possível para mantê-la confortável. Pedro, o mais velho, lia para ela todas as tardes, escolhendo seus livros favoritos de poesia. Marcos, o do meio, era prático e cuidava dos aspectos logísticos dos cuidados, garantindo que nunca faltassem medicamentos e suprimentos. Ana, a caçula, passava horas conversando com a mãe, relembrando momentos felizes e chorando juntas em silêncio. Jorge era um homem forte, mas a situação de Helena o devastava. Ele a amava profundamente, e vê-la sofrer era insuportável. À noite, quando todos dormiam, ele sentava ao lado dela, segurava sua mão e sussurrava palavras de amor, prometendo que ficaria tudo bem, mesmo que soubesse que o fim estava próximo.
Helena, em seus momentos de lucidez, refletia sobre sua vida. Lembrava-se do casamento com Jorge, da construção da família, dos desafios superados e das alegrias compartilhadas. Pensava nos filhos, agora adultos, e nos netos, que traziam esperança e alegria a uma casa marcada pela tristeza da doença. Ela se perguntava como seria para eles depois que ela partisse.
Uma tarde, sentindo-se particularmente lúcida, Helena pediu para falar com cada um dos filhos a sós. Com Pedro, ela falou sobre a importância de continuar a ler poesia e de encontrar beleza nas pequenas coisas. Com Marcos, discutiu a necessidade de cuidar da família e de ser o pilar de apoio que sempre foi. Com Ana, falou sobre o amor e a importância de manter viva a memória dos momentos felizes.
Finalmente, chamou Jorge. Ele se aproximou, sentou-se ao lado dela e segurou sua mão. "Jorge, meu amor, não fique triste. Vivemos uma vida cheia de amor e aventuras. Cuide dos nossos filhos e netos. Lembre-se sempre do nosso amor e saiba que estarei sempre com você, em espírito", disse Helena com a voz trêmula, mas cheia de amor.
Jorge não conseguiu conter as lágrimas. "Helena, você é o meu tudo. Prometo cuidar de nossa família e manter vivo o seu legado. Amo você para sempre", respondeu, beijando sua mão.
Nos dias seguintes, Helena continuou a lutar contra a dor e o sofrimento, mas o amor e o cuidado de sua família lhe davam forças. Sabia que o fim estava próximo, mas sentia-se em paz, cercada pelas pessoas que amava.
Uma manhã tranquila, enquanto o sol nascia e os pássaros cantavam, Helena deu seu último suspiro. Estava em paz, com a certeza de ter vivido uma vida plena e amada. Sua família, embora devastada pela perda, encontrou conforto nas suas últimas palavras e na certeza de que ela estava agora livre do sofrimento.



segunda-feira, 27 de maio de 2024

Esperança Além-Mar

 



Esperança Além-Mar

No fim do século XIX, a pequena vila de San Lorenzo, encravada nas colinas da Toscana, era um lugar de beleza singela e melancólica. Os campos outrora férteis agora mal sustinham as famílias que dependiam deles. A pobreza era um espectro que rondava cada esquina, cada lar, e não poupava ninguém, nem mesmo a família Mancini.
Giuseppe Mancini, um agricultor de meia-idade, olhava para seus campos ressecados com um suspiro profundo. O sol poente lançava um brilho dourado sobre a paisagem, mas o coração de Giuseppe estava pesado. A Itália, sua amada terra natal, já não oferecia mais sustento ou esperança. A notícia de um novo mundo, repleto de oportunidades do outro lado do Atlântico, chegara aos ouvidos dos habitantes da vila, e com ela, a difícil decisão de deixar para trás tudo o que conheciam.
Na pequena casa de pedra dos Mancini, a esposa de Giuseppe, Maria, embalava em lágrimas o enxoval da família. Suas mãos calejadas dobravam com cuidado cada peça de roupa, enquanto seus pensamentos se perdiam na incerteza do futuro. Ao seu lado, os filhos, Luigi e Antonella, observavam em silêncio, compreendendo a gravidade do momento.
“Temos que ser fortes”, disse Giuseppe, tentando encorajar a si mesmo tanto quanto aos seus. “Lá, no Brasil, haverá trabalho e terra para cultivar. É nossa chance de uma vida melhor.”
A despedida foi amarga. Amigos e parentes se reuniram na praça central da vila para dar adeus aos Mancini. Havia lágrimas, abraços apertados e palavras de conforto. O sino da igreja tocava, marcando não apenas o fim de um ciclo, mas também o início de uma jornada incerta.
A viagem até o porto de Gênova foi longa e cansativa. Ao chegarem, os Mancini se depararam com uma multidão de rostos marcados pela mesma mistura de ansiedade e esperança. Os imigrantes se amontoavam em filas intermináveis, carregando seus poucos pertences e seus muitos sonhos.
O navio, uma embarcação imponente, mas claramente desgastada pelo tempo e pelo uso constante, estava abarrotado de pessoas. As condições eram precárias: pequenas cabines compartilhadas, falta de ventilação e higiene, e um cheiro persistente de maresia e suor. Giuseppe sentiu um aperto no peito ao ver o olhar assustado de seus filhos, mas tentou manter a serenidade.
A viagem pelo Atlântico foi uma prova de resistência. Os dias se arrastavam entre o balanço incessante do navio e a monotonia do horizonte sem fim. Muitos passageiros adoeceram devido à falta de alimentos frescos e à água potável limitada. Doenças como o escorbuto se espalharam rapidamente, ceifando vidas e deixando um rastro de desespero.
Maria fazia o possível para manter a família unida e saudável. Suas mãos não paravam, cuidando dos filhos e ajudando outros imigrantes, compartilhando o pouco que tinham. Giuseppe passava horas conversando com outros homens, trocando histórias e mantendo a esperança viva.
Depois de semanas que pareceram meses, o navio finalmente avistou a costa brasileira. O porto do Rio de Janeiro surgiu no horizonte como um oásis de promessas. Os Mancini, exaustos mas aliviados, desceram do navio junto com centenas de outros imigrantes. Foram recebidos por uma mistura de caos e expectativa, com oficiais de imigração apressados e trabalhadores ansiosos por nova mão de obra.
A família foi direcionada para um alojamento temporário, onde dividiram espaço com muitos outros recém-chegados. As condições ainda eram difíceis, mas havia um novo brilho nos olhos de Giuseppe e Maria. Eles sabiam que os desafios estavam longe de terminar, mas a esperança, aquela chama teimosa que nunca se apaga, queimava mais forte do que nunca.
A próxima etapa da jornada os levaria ao interior, onde encontrariam trabalho nas plantações de café e talvez, um dia, um pedaço de terra para chamar de seu. A despedida da Itália, a travessia árdua e a chegada no Brasil eram apenas os primeiros passos de uma nova vida que se desenhava diante deles.
A jornada do Rio de Janeiro até o interior paulista foi longa, mas desta vez, havia um senso renovado de propósito e esperança. A paisagem verdejante e as plantações de café estendiam-se até onde os olhos podiam ver. Ao chegar na fazenda onde trabalhariam, os Mancini foram recebidos pelo administrador, que lhes mostrou a casa simples que seria seu novo lar.
A vida na fazenda era dura, mas Giuseppe, Maria, Luigi e Antonella estavam determinados a fazer dela um sucesso. Os dias começavam cedo, com o sol mal despontando no horizonte, e terminavam tarde, com o corpo exausto, mas o coração cheio de gratidão pela oportunidade de recomeçar.
Giuseppe encontrou no trabalho com a terra uma sensação de familiaridade, mesmo que as plantas fossem diferentes das que cultivava na Itália. A mão firme e o conhecimento de agricultura adquiridos em San Lorenzo logo se mostraram valiosos. Maria, por sua vez, dedicava-se à criação de uma pequena horta ao lado da casa, plantando legumes e ervas que trouxessem um pouco do sabor de sua terra natal para a nova vida.
A comunidade de imigrantes italianos era unida pela experiência comum de abandono e renascimento. As famílias se ajudavam mutuamente, partilhando conhecimentos, alimentos e conselhos. Aos domingos, reuniam-se para celebrar missas e festas, mantendo vivas as tradições e o espírito da Itália. As crianças brincavam juntas, aprendendo novas palavras em português, mas sem esquecer o italiano.
Luigi e Antonella adaptaram-se rapidamente à nova realidade. Luigi, com sua curiosidade inata, aprendeu com os trabalhadores locais técnicas de cultivo e manejo das plantações de café. Antonella, com sua alegria contagiante, fez amigos entre as crianças brasileiras e italianas, tornando-se um elo entre as culturas.
Os anos passaram, e o trabalho árduo começou a dar frutos. Giuseppe conseguiu poupar dinheiro suficiente para comprar um pequeno pedaço de terra. Foi um dia de grande celebração quando a família Mancini finalmente se mudou para o seu próprio pedaço de terra. A propriedade não era grande, mas era suficiente para plantar café e outros cultivos, e mais importante, era deles.
Maria transformou a nova casa em um lar acolhedor. O jardim florescia, e a cozinha exalava os aromas de receitas tradicionais italianas misturadas com ingredientes locais. As noites eram preenchidas com risos, histórias e um sentimento profundo de realização.
Apesar do progresso, os desafios não cessaram. O mercado de café era volátil, e as crises econômicas afetavam todos os agricultores. Houve períodos de seca e colheitas ruins, mas os Mancini nunca perderam a esperança. A comunidade italiana se manteve solidária, e juntos, superaram as adversidades.
Luigi, já adulto, trouxe novas ideias e técnicas de cultivo, estudando e implementando métodos mais eficientes. Antonella se casou com um jovem agricultor brasileiro de origem italiana, unindo ainda mais as culturas e tradições das duas pátrias. O casamento foi uma grande festa, celebrada com danças e canções que misturavam o melhor da Itália e do Brasil.
Décadas se passaram desde aquele dia em que os Mancini deixaram San Lorenzo. A pequena fazenda havia crescido, tornando-se uma propriedade próspera e respeitada na região. Giuseppe e Maria, agora idosos, olhavam para sua família e sua terra com orgulho e gratidão.
A história dos Mancini era apenas uma entre muitas, mas simbolizava a coragem e a resiliência de milhares de italianos que cruzaram o oceano em busca de uma vida melhor. Eles trouxeram consigo não apenas suas habilidades e tradições, mas também um espírito indomável que ajudou a construir o Brasil.
Giuseppe, em suas noites de reflexão, ainda se lembrava da despedida em San Lorenzo e da difícil travessia. Mas agora, ao olhar para sua família e sua terra, sabia que todos os sacrifícios haviam valido a pena. A esperança que os guiara através de tantas provações havia finalmente encontrado seu porto seguro.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Sobre o Oceano


 


Quando cheguei, ao entardecer, o embarque dos emigrantes já havia começado há uma hora, e o Galileo, ligado ao cais por uma pequena ponte móvel, continuava a receber miséria: uma procissão interminável de pessoas que saíam em grupos do prédio em frente, onde um delegado da polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, encolhida como cães pelas ruas de Gênova, estava cansada e sonolenta. Operários, camponeses, mulheres com bebês no colo, garotos com a placa de leite do jardim de infância ainda presa ao peito, passavam, carregando quase todos uma cadeira dobrável debaixo do braço, sacos e bolsas de todas as formas nas mãos ou na cabeça, carregados de colchões e cobertores, e o bilhete com o número do beliche apertado entre os lábios.

As pobres mulheres que tinham uma criança em cada mão seguravam seus volumosos fardos com os dentes; as velhas camponesas de tamancos, levantando as saias para não tropeçar nos trilhos da ponte, mostravam as pernas nuas e magras; muitos estavam descalços, e carregavam os sapatos pendurados no pescoço. De vez em quando, passavam entre essa miséria senhores vestidos com elegantes sobretudos, padres, senhoras com grandes chapéus emplumados, segurando na mão um cachorrinho, um porta-chapéus ou um feixe de romances franceses ilustrados, da antiga edição Lévy. Em seguida, subitamente, a procissão humana era interrompida, e avançava sob uma tempestade de golpes e palavrões um bando de bois e carneiros, que, ao chegarem a bordo, desviavam para cá e para lá, assustando-se, misturando os mugidos e balidos com os relinchos dos cavalos na proa, com os gritos dos marinheiros e estivadores, com o estrondo ensurdecedor da grua a vapor, que levantava no ar pilhas de malas e caixas. Depois disso, a procissão dos emigrantes recomeçava: rostos e roupas de todas as partes da Itália, trabalhadores robustos com olhos tristes, velhos desgastados e sujos, mulheres grávidas, moças alegres, jovens brilhantes, camponeses de mangas arregaçadas, e rapazes atrás de rapazes, que, mal pisavam no convés, no meio daquela confusão de passageiros, garçons, oficiais, funcionários da Companhia e guardas alfandegários, ficavam atônitos ou se moviam como em uma praça lotada. Duas horas depois de começar o embarque, o grande navio a vapor, sempre imóvel como um enorme cetáceo mordendo a costa, sugava ainda mais sangue italiano.

À medida que subiam, os emigrantes passavam por uma mesa onde estava sentado o oficial Comissário; ele os agrupava em conjuntos de meia dúzia, chamados "ranci", registrando os nomes em uma folha impressa, que entregava ao passageiro mais velho para que fosse com ele buscar a comida na cozinha, na hora das refeições. As famílias com menos de seis pessoas se inscreviam com um conhecido ou com o primeiro que aparecesse; e durante esse trabalho de inscrição, um forte medo de serem enganados na contagem das cotas e dos beliches para os rapazes e crianças, uma desconfiança invencível que qualquer homem com uma caneta na mão e um registro à sua frente inspira ao camponês, transparecia em todos. Surgiam disputas, ouviam-se lamentos e protestos. Depois, as famílias se separavam: os homens de um lado, as mulheres e crianças do outro, eram conduzidos aos seus dormitórios. E era piedoso ver aquelas mulheres descerem penosamente as escadas íngremes e avançarem tateando para esses dormitórios amplos e baixos, entre as inúmeras camas dispostas em andares como os camarotes de um teatro. 


Continua


quarta-feira, 26 de julho de 2023

Laços Eternos: A Dor do Adeus entre Mãe e Filho Emigrantes


 

Laços Eternos: 
A Dor do Adeus entre Mãe e Filho Emigrantes


Nos versos entrelaçados da saudade, 
A dor da despedida se faz presente, 
Uma mãe, um filho, um destino incerto, 
Emigrantes que partem, vidas diferentes.

O coração aperta, a voz se quebra, 
A mãe abraça seu filho com ternura, 
O tempo, implacável, escorre pelas mãos, 
E o peso da despedida lhe tortura.

No olhar profundo da mãe aflita, 
A certeza triste de um adeus eterno, 
Pois sabe que jamais se reencontrarão, 
O filho parte, destino ao Brasil, seu inverno.

As lágrimas rolam silenciosamente, 
Misturando-se ao sorriso desfeito, 
Um abraço apertado, um beijo sentido, 
É o amor que se expressa em cada gesto feito.

A mãe segura o filho em seu peito, 
Guardando na memória o seu sorriso, 
Sabendo que a distância os separará, 
E que esse encontro será um sonho impreciso.

As mãos que se afastam num adeus, 
São laços que se soltam pelo ar, 
A mãe, a mulher, com coragem enfrentam, 
O desconhecido, o futuro a desbravar.

Emigrantes, almas corajosas, 
Enfrentam o mar em busca de uma vida nova, 
A mãe, com seu coração apertado, 
Vê seu filho partir, num adeus que a comove.

Nas palavras não ditas, a esperança persiste, 
De que o filho encontre a felicidade, 
E que mesmo distantes, os laços se fortaleçam, 
Em memórias, em cartas, em saudades.

A despedida é um capítulo amargo, 
Na história que a vida insiste em escrever, 
Mas o amor de mãe e filho é eterno, 
E mesmo distantes, nunca irá perecer.

Que a jornada do filho seja repleta de luz, 
Que a vida lhe reserve sorrisos e paz, 
E que no coração da mãe a lembrança perdure, 
Do filho que partiu, mas nunca desvanecerá.

Em versos, nesta poesia entrelaçada, 
Celebro a coragem da mãe e do filho, 
Que mesmo separados, estarão ligados, 
Por laços de amor, que nem o tempo abala.


de Gigi Scarsela
erechim rs