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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Entre Raízes e Horizontes


Entre Raízes e Horizontes

A Vida de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni nasceu em 1868 na pequena localidade de San Giacomo di Veglia, pertencente ao município de Vittorio Veneto, na província de Treviso. O lugar era um recanto modesto do Vêneto, protegido pelas colinas, repletas de parreirais, que se erguiam como guardiãs silenciosas sobre os campos cultivados. Ali, a vida seguia o compasso antigo do trabalho rural, com sinos de igreja marcando os dias e as estações ditando o destino das famílias.

Desde cedo, Bartolomeo aprendera que a terra podia ser ao mesmo tempo generosa e cruel. As planícies ao redor da vila, recortadas por fileiras de trigo e vinhedos ralos, exigiam esforço sem tréguas. A cada verão, o calor secava os campos até quase matá-los; a cada inverno, a geada queimava o que havia sobrevivido. Havia anos em que a colheita não passava de um punhado de grãos, insuficiente para alimentar a família durante os meses mais duros. Nessas épocas, o silêncio da casa se tornava pesado, quebrado apenas pelo som das lamúrias abafadas das mães e pelo ranger dos arados puxados a custo pelos bois magros.

Mas o mundo de Bartolomeo não se limitava às dificuldades da lavoura. Desde a adolescência, rumores atravessavam os vales e corriam de boca em boca: histórias de terras distantes, de uma nova vida além do oceano. Nos encontros na pequena praça de Vittorio Veneto, entre o murmúrio dos anciãos e a curiosidade dos mais jovens, surgiam relatos de famílias que haviam partido rumo à América. Falava-se de um continente fértil e sem fim, onde a terra não precisava ser pedida em arrendamento e onde as colheitas se multiplicavam como bênçãos.

Essas histórias, muitas vezes exageradas e envoltas em mistério, alimentavam a imaginação dos camponeses. Para Bartolomeo, que desde cedo conhecia a incerteza da subsistência, a ideia de uma terra em que o pão e o mel pareciam brotar da própria natureza ganhava contornos de promessa divina. Era como se o destino oferecesse, além das colinas familiares de Treviso, um horizonte novo, vasto e luminoso, capaz de resgatar sua família da penúria e garantir-lhe um futuro de abundância. 

Em 1884, quando Bartolomeo completou dezesseis anos, sua vida sofreu o primeiro grande abalo. Naquele ano, seu tio Santo, homem de espírito inquieto e coragem rara, decidiu romper os limites da tradição e tentar a sorte além-mar. Partiu de Vittorio Veneto levando consigo a esposa e as duas filhas pequenas, deixando para trás a velha casa de pedra e os vinhedos que já não sustentavam a família. A despedida foi marcada por lágrimas contidas e pelo som pesado dos sinos da paróquia, que naquela manhã pareciam dobrar não apenas para os que ficavam, mas também para o fim de uma era.

Meses depois, começaram a chegar as primeiras notícias da travessia. Relatos inflamados descreviam um Brasil exuberante, onde a terra se abria generosa diante de quem tivesse braços fortes para cultivá-la. Falava-se de rios largos como mares, de campos tão vastos que os olhos não alcançavam o fim, de colheitas que superavam qualquer expectativa. Para os que viviam sob a penúria das encostas vênetas, tais notícias soavam como revelações de um Éden reencontrado.

A cada palavra que chegava, crescia no coração de Bartolomeo um turbilhão de sentimentos. Entre a dura realidade de San Giacomo di Veglia e as promessas de um continente sem fronteiras, instalava-se nele uma inquietação que não lhe permitia mais dormir em paz. O jovem, ainda marcado pela inocência dos dezesseis anos, começou a enxergar o mundo como uma bifurcação inevitável: permanecer preso às colinas que moldaram sua infância ou arriscar tudo na incerteza de terras desconhecidas.

A decisão foi se formando lentamente, como as estações que amadurecem a vinha. Movido por uma mistura de curiosidade, esperança e o desejo quase instintivo de quebrar o ciclo da escassez, Bartolomeo se uniu à onda migratória que se espalhava por sua região como uma maré silenciosa. No dia da partida, deixou Vittorio Veneto com o coração dividido: de um lado, a saudade pungente da pátria, das colinas familiares, dos rostos que jamais veria outra vez; de outro, a expectativa ardente do desconhecido, que o atraía como uma promessa de renascimento.

A travessia foi longa, trinta dias sobre o mar revolto até o porto de Santos. Mal desembarcou, Bartolomeo solicitou ser transferido para a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde a família de seu tio já começava a se estabelecer. Chegaram a Porto Alegre em 13 de maio de 1888, um dia que entraria para a história do Brasil pela abolição da escravatura. Para Bartolomeo e os que chegavam, no entanto, o mundo novo era ainda cru e desafiador: não havia dinheiro, não havia crédito, não havia garantias. O peso da realidade pesava mais que o sonho da América.

Enquanto seu avô e seu tio Giovanni, ainda na Itália, sugeriam o retorno à pátria, Bartolomeo ouviu a determinação de seu pai Vittore e do tio Prosdocimo: a família já estava ali, e a oportunidade deveria ser cultivada, mesmo que lenta e penosamente. Embora Bartolomeo e sua tia Lucia inicialmente desejassem retornar à Itália, a persistência do pai e a força da comunidade os fizeram permanecer. Entre resmungos e lamentações, Lucia expressava seu desdém pela “terra de selvagens”, enquanto Bartolomeo, emocionado, buscava aceitar a vontade divina e o curso inevitável da vida.

O tempo, implacável e paciente, trouxe consigo a adaptação e os primeiros frutos do esforço. As mãos calejadas de Bartolomeo e de sua família começaram a transformar a terra bruta em campos ordenados. Onde antes havia apenas mato cerrado e chão pedregoso, surgiram fileiras de milho que se erguiam como estandartes verdes sob o sol tropical. As sementes de trigo, importadas em pequenas quantidades, encontraram resistência, mas aos poucos aprendeu a crescer naquele solo novo, como se também fosse um emigrante em busca de raízes. Outros cereais, plantados em parcelas menores, completavam a paisagem agrícola que se expandia a cada estação.

A grande virada veio com a implantação do primeiro vinhedo. Entre enxadas, estacas de madeira e paciência quase infinita, Bartolomeo via brotar não apenas videiras, mas o elo simbólico com a terra de onde viera. As parreiras, ainda frágeis, balançavam ao vento como lembranças vivas das colinas de Vittorio Veneto. Cada ramo que vingava representava mais que uma promessa de colheita: era a prova de que, mesmo longe, era possível reconstruir um pedaço da pátria.

Com o trabalho incessante, vieram os primeiros sinais de progresso. Os comerciantes locais, antes desconfiados, passaram a conceder crédito. O nome dos Mussoni começou a circular nos registros da colônia, associado à perseverança e ao cultivo bem-sucedido. Uma sensação discreta de estabilidade se insinuava, ainda frágil como um fio de vidro, mas suficiente para dar à família um novo alicerce.

Cada passo, cada colheita, cada pequeno progresso consolidava a presença dos Mussoni naquele solo estrangeiro. As casas de madeira erguiam-se ao redor dos campos, os armazéns guardavam os frutos de meses de trabalho, e a terra que no início parecia hostil começava a revelar-se parceira. Ainda assim, no fundo do coração de Bartolomeo permanecia um vazio insondável. A saudade da pátria natal nunca o abandonava: nas noites silenciosas, enquanto o vento atravessava as frestas da casa simples, ele sentia-se de novo em San Giacomo di Veglia, ouvindo o soar dos sinos da pequena igreja e vendo as colinas do Vêneto se tingirem de dourado ao entardecer.

A vida lhe ensinava que era possível criar raízes em terras distantes, mas jamais arrancar da alma a lembrança daquilo que havia sido perdido.

Bartolomeo, moldado por desafios e esperanças, aprendeu que a verdadeira viagem não estava apenas na travessia do Atlântico, mas na construção de uma vida digna em terras que, embora distantes e inóspitas, podiam tornar-se lar para aqueles que perseverassem. Entre a memória das colinas de Treviso e os horizontes abertos do Rio Grande do Sul, encontrou seu destino — uma existência de trabalho árduo, conquistas tímidas e, acima de tudo, a promessa de um futuro construído com suas próprias mãos.

Nota do Autor

Escrever esta história foi, para mim, mais do que um exercício de imaginação: foi um mergulho profundo na memória coletiva de milhares de famílias que, como Bartolomeo Mussioni, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor. Ao revisitar os caminhos de um personagem ficcional, inspirado na realidade de tantos imigrantes do Vêneto e de outras regiões da Itália, procurei dar voz à experiência universal de quem se vê dividido entre o amor pelas raízes e a necessidade de olhar para novos horizontes.

A escolha por narrar a vida de Bartolomeo nasceu do desejo de compreender o drama silencioso da emigração: o peso da fome, das colheitas incertas, das despedidas carregadas de lágrimas, mas também a esperança quase teimosa que movia homens e mulheres a atravessarem o oceano. Escrever sobre ele foi, portanto, uma forma de homenagear não apenas uma geração de italianos que ajudou a construir o Brasil, mas também as histórias de luta, adaptação e fé que permanecem vivas na memória de seus descendentes.

Ao longo da narrativa, busquei mostrar que a travessia de Bartolomeo não se restringiu ao Atlântico: ela foi também uma travessia interior. Cada vinhedo plantado, cada pedaço de terra cultivado, representava não só um gesto de sobrevivência, mas também uma tentativa de recriar, em solo estrangeiro, a pátria que ficara para trás. É nesse ponto que a história se torna universal: todos nós, em algum momento da vida, precisamos aprender a equilibrar aquilo que carregamos de origem com aquilo que nos espera adiante.

Decidi escrever Entre Raízes e Horizontes porque acredito que a literatura tem a força de resgatar aquilo que o tempo muitas vezes tenta apagar. A saga de Bartolomeo Mussioni é, no fundo, um tributo à coragem, à persistência e à saudade. É também um convite ao leitor para refletir sobre suas próprias raízes e horizontes — sobre o que deixamos para trás e sobre aquilo que nos move a seguir em frente.

Dr. Luiz Carlos Piazzetta



quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O Último Adeus a Feltre

 


O Último Adeus a Feltre

Memórias de um emigrante entre a partida e o silêncio

Feltre, no início do século XX, era uma pequena joia de pedra incrustada no coração agreste dos Dolomitas italianos. Cercada por montanhas que pareciam erguer muralhas contra o mundo exterior, a cidade vivia sob um ritmo próprio. As ruas estreitas, calçadas com pedras irregulares, guardavam um silêncio antigo, interrompido apenas pelo som grave das badaladas da torre da igreja, que marcavam as horas como se fossem capítulos de uma história imutável.

Aldo Bernardi nasceu e cresceu nesse cenário, filho de um lenhador. Desde cedo aprendeu a acompanhar o pai nos bosques que se estendiam como muralhas verdes ao redor da cidade. Os invernos eram longos e duros, cobrindo tudo de um branco silencioso; as manhãs de trabalho traziam o hálito gelado da montanha e o cheiro da madeira recém-cortada. A vida era dura, mas sólida. As casas de pedra, as colinas suaves, as feiras silenciosas onde mais se trocavam notícias que moedas — tudo construía um laço profundo com aquela terra.

Mas a juventude, ao contrário das montanhas, não é imóvel. Aldo cresceu num tempo em que o mundo parecia mudar rápido demais, mesmo para um lugar tão isolado. A Primeira Guerra Mundial levou rapazes conhecidos, vizinhos, primos — alguns não voltaram; outros regressaram mutilados, com um silêncio que pesava mais que qualquer relato. As fachadas da cidade carregavam marcas de estilhaços, mas eram as pessoas que traziam as cicatrizes mais fundas.

Quando a paz chegou, não trouxe alívio. Trouxe um silêncio inquietante. A guerra havia terminado, mas a pobreza permanecia. As pequenas indústrias, que haviam florescido para alimentar o conflito, fecharam suas portas. Os campos já não rendiam o suficiente para sustentar todas as famílias. Jovens circulavam sem destino, oferecendo braços fortes a quem já não tinha como pagá-los.

Foi nesse cenário que Aldo, ainda muito jovem, deixou Feltre pela primeira vez. Atravessou os Alpes rumo à França, onde trabalhou nas minas do Jura. Passava dias inteiros embaixo da terra, respirando poeira de rocha e convivendo com o silêncio sufocante das galerias. Três anos depois, regressou à sua cidade. Voltava com as mãos mais calejadas, os ombros mais curvados e um bolso quase vazio. A França dera sustento, mas não futuro.

1924: A hora da decisão

Naqueles anos, a Itália vivia sob as mudanças do regime de Mussolini, que consolidava o poder em Roma. O discurso fascista chegava às vilas mais distantes, prometendo ordem e unidade, mas também trazendo incerteza e tensão. Para muitos, a esperança passou a se depositar em lugares distantes — na América, onde cartas de parentes e conhecidos falavam de terras férteis, trabalho abundante e, talvez, um futuro digno.

Aldo começou a ouvir cada vez mais a palavra “Brasil” nos encontros de taberna e nas conversas baixas nas feiras. Em cozinhas modestas, enquanto o pão era repartido com parcimônia, famílias falavam de navios, portos, passagens e oportunidades. Aos poucos, o inevitável se impôs: o futuro não estava mais em Feltre.

A despedida

Na madrugada de 15 de julho de 1924, Feltre acordou antes do sol. Não havia festa na despedida, apenas um silêncio pesado. A mãe de Aldo mantinha os dedos entrelaçados, como se suas orações pudessem deter o inevitável. O pai, firme, olhava o filho sem palavras. A carroça de aluguel aguardava na praça para o levar até a estação de trem. Ao comando do cocheiro, as rodas começaram a girar, e Aldo permaneceu mudo, vendo as ruas se afastarem lentamente. Só depois de algumas curvas ousou virar-se para lançar o último olhar — o adeus às montanhas de sua infância.

Longarone foi apenas passagem: documentos, esperas, burocracia. Em Veneza, Aldo obteve o passaporte. Comprou pão, salame e vinho, alimento e memória comprimidos para a viagem até o porto de Gênova.

Gênova o recebeu com cheiro de sal e o barulho incessante do porto. Agentes de imigração o conduziram a um hotel barato, onde depositou bagagem e se misturou a centenas de outros viajantes. Em uma caminhada pelo cais, viu pela primeira vez o colosso metálico: o vapor Giulio Cesare, um gigante pronto para cortar o Atlântico.

Na manhã de 30 de julho, o porto fervilhava. Antes de embarcar, Aldo comprou limões — diziam que ajudavam contra o enjoo — e escreveu dois cartões para os familiares em Feltre. Ao som de três apitos longos, o navio começou a afastar-se lentamente. Em terra, centenas acenavam. Era um adeus carregado de dor e orgulho. O mar se abriu à frente como promessa e abismo.

Travessia e chegada ao Brasil

Durante a travessia, o oceano tornou-se um espaço suspenso no tempo. No porão da terceira classe, os beliches eram estreitos e o ar rarefeito. A comida era pouca e sem sabor. No convés, quando o clima ou o capitão permitia, Aldo olhava o horizonte e imaginava a nova vida. As noites eram povoadas pelo som das ondas e pela saudade de Feltre.

Ao desembarcar no Porto de Santos, o calor do Brasil o envolveu como um muro invisível. A língua era outra, os sons diferentes, o cheiro carregado de café, frutas e maresia. Dali, seguiu de trem para o Rio Grande do Sul, acompanhando um grupo de vênetos que já tinham parentes estabelecidos desde as grandes levas de emigrantes do século anterior.

Nova vida no Sul

O destino final foi a região de Bento Gonçalves, uma terra de colinas verdes que, à distância, lembrava vagamente as encostas do Vêneto. Aldo começou trabalhando como empregado em vinhedos de outros imigrantes. A poda, o plantio, a vindima — tudo era trabalho duro, mas não havia patrão estrangeiro. Aqui, o suor poderia, um dia, se transformar em terra própria.

Com o tempo, juntou economias e comprou um pequeno lote. Casou-se com Lucia Morette, filha de imigrantes estabelecidos muitos anos antes. A casa era simples, feita de madeira e pedra, mas abrigava o som de crianças e o aroma de polenta. Os filhos cresceram entre as cantinas e os parreirais, aprendendo a língua dos pais e a nova língua da terra.

Aldo ajudou na construção de uma capela, participou de mutirões para abrir estradas e plantou parreiras que, décadas depois, dariam frutos para seus netos.

E, ainda que o Atlântico o separasse de Feltre, em cada parreira carregada de uvas, em cada laje de pedra que sustentava sua casa, havia o eco distante da cidade entre as montanhas. Um eco que não se apagaria nunca.

Epílogo

O tempo, com seu ritmo silencioso, seguiu desenrolando a vida sobre as colinas da Serra Gaúcha. Aldo Bernardi partiu em um inverno calmo, quando as videiras estavam despidas e o vento trazia o mesmo frio que ele conhecera nas montanhas de Feltre.

No dia do enterro, o cortejo percorreu a pequena estrada ladeada por parreiras já antigas, plantadas por suas mãos. Filhos, netos e vizinhos carregavam não apenas o caixão, mas a memória viva de um homem que, um dia, deixou tudo para cruzar o oceano.

Seu túmulo, simples, de pedra lavrada, tinha o nome gravado em letras firmes, e ao lado um pequeno ramo de uma parreira, trazida de Feltre anos antes por um conterrâneo. Era como se as duas terras finalmente repousassem juntas, unidas para sempre.

No silêncio daquela tarde, a Serra parecia suspensa, como se os vales, as parreiras e o céu carregassem a certeza de que o sangue e o suor dos que partiram jamais seriam esquecidos.

E, nas gerações seguintes, cada vindima, cada copo erguido e cada canção entoada em dialeto vêneto, agora chamado de talian, seriam, sem saber, um brinde ao homem que ousou atravessar o mar.

Nota do Autor

A história de Aldo Bernardi foi inspirada em um relato real, de um emigrante da província de Belluno, que deixou a Itália em 1924, após breve passagem pela França anos antes, para tentar a vida no Brasil.

Sua narrativa, preservada, revela não apenas o itinerário físico — de Feltre a Longarone, de Veneza a Gênova, do vapor Giulio Cesare até as terras do Rio Grande do Sul —, mas, sobretudo, a paisagem humana de um tempo: a despedida da pátria, a travessia incerta, a adaptação em uma nova terra. Nesta versão ficcional, os nomes foram alterados, mas a essência foi mantida. Busquei preservar o tom emocional e a atmosfera histórica, dando voz ao silêncio que tantas vezes se impôs aos emigrantes.

Dedico esta obra a todos os descendentes que, espalhados pelo Brasil, ainda carregam no sotaque, nos costumes e na memória o eco distante das colinas do Vêneto.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



sábado, 10 de maio de 2025

A Última Carta de Giovanni Barone

 



A Última Carta de Giovanni Barone


O vento cortante do inverno fazia os galhos secos das árvores dançarem como se estivessem prestes a se partir. Em uma modesta casa na periferia, Giovanni Barone mergulhava a pena no tinteiro, escrevendo o que sabia ser uma das cartas mais importantes de sua vida. Cada palavra carregava o peso da saudade, da esperança e de uma culpa que ele não sabia se conseguiria expiar.

"Querida Mariella," começou ele, com a mão trêmula, "não há um dia sequer em que não me lembre do brilho dos seus olhos ao despedir-se de mim na estação. Eu tinha prometido que voltaria, que buscaria vocês assim que o trabalho na América rendesse frutos, mas o tempo é cruel e as promessas, frágeis."

Giovanni havia emigrado para o Brasil dois anos antes, deixando para trás sua jovem esposa e o pequeno filho Pietro. A Itália vivia uma crise implacável: campos inférteis, impostos insuportáveis e uma fome que rondava como uma sombra permanente. Quando soube das oportunidades nas terras brasileiras, Giovanni, como tantos outros, não viu escolha senão arriscar.

A travessia fora uma odisseia. A bordo do navio Laurenti, enfrentou tempestades que faziam o casco da embarcação ranger como se estivesse prestes a se partir. Nos porões escuros, Giovanni dividia espaço com dezenas de outros emigrantes, o ar impregnado de suor e desespero. A cada amanhecer, mais um companheiro de viagem sucumbia à doença ou ao desespero. "Não será em vão," repetia para si mesmo, como uma prece.

Ao chegar ao Brasil, Giovanni encontrou uma realidade brutal. As promessas de terras férteis e trabalhos abundantes não passavam de ilusões vendidas por agentes inescrupulosos. Ele foi levado para uma fazenda no interior de São Paulo, onde se tornou mais um entre os muitos que labutavam de sol a sol nos campos de café, quase como escravos. As noites, porém, eram preenchidas por sonhos e cálculos: ele juntaria o que pudesse, mesmo que significasse passar fome, para trazer sua família para perto.

Em suas raras folgas, Giovanni escrevia cartas para Mariella, tentando esconder as dificuldades que enfrentava. "Diga à minha cunhada que não se deixe enganar pelas histórias de riqueza," escreveu ele ao amigo próximo, Antonio de Giusti, em uma carta que jamais recebeu resposta. Talvez a carta nunca tenha chegado ao destino, perdida entre as muitas dificuldades de comunicação da época. "Estas terras consomem a alma, e os que vêm sem nada acabam com menos ainda."

As palavras de Giovanni não eram apenas um aviso, mas também um clamor. Ele sabia que sua ausência era um fardo para Mariella, que cuidava sozinha de Pietro e tentava manter viva a pequena horta que lhes dava sustento, mesmo lutando contra as adversidades de um solo infértil. "Quando puder, mande notícias," implorava ele. "Seu silêncio é um abismo que me devora."

Enquanto Giovanni lutava, Mariella enfrentava seus próprios desafios. Na pequena localidade rural de Rozzampia, comune de Thiene, Vicenza, a crise econômica continuava a piorar, e as noites eram preenchidas pelo choro de Pietro, que perguntava pelo pai. Mariella respondia com histórias de esperança, inventando aventuras que Giovanni supostamente vivia nas terras distantes, enquanto guardava suas lágrimas para os momentos de solidão.

A carta que Giovanni escrevia naquela noite fria era diferente. Ele havia finalmente economizado o suficiente para pagar as passagens de Mariella e Pietro. "Venham o mais rápido possível," escreveu. "Apesar de tudo, acredito que podemos ser felizes aqui. Estas terras ainda não nos deram tudo o que prometeram, mas, juntos, podemos cultivá-las e fazê-las nossas. Não será fácil, mas o amor que nos une nos dará forças."

Ao selar a carta e entregá-la no correio local, Giovanni sabia que o tempo seria um novo inimigo. A longa jornada da carta até a Itália e a organização da viagem de sua família seriam uma prova de paciência e fé. Ele também sabia dos riscos que Mariella e Pietro enfrentariam na travessia, mas optou por não mencioná-los diretamente, temendo causar-lhes mais ansiedade.

O reencontro de Giovanni com sua família seria o início de um novo capítulo. Eles enfrentariam juntos as adversidades, como tantas outras famílias de emigrantes italianos que construíram suas vidas com suor e lágrimas. E, apesar de tudo, provariam que a resiliência e o amor podem florescer mesmo nos solos mais áridos. Giovanni sabia que o futuro ainda reservava incertezas, mas, pela primeira vez em anos, sentia que a esperança era algo palpável, tão real quanto a terra que labutava diariamente para transformar em lar.

Nota do Autor

Este conto é uma reflexão profunda sobre os dilemas humanos enfrentados pelos imigrantes italianos durante um dos períodos mais desafiadores de sua história. A figura de Giovanni Barone não representa apenas um indivíduo, mas simboliza uma geração marcada pela coragem de deixar para trás tudo o que conhecia, na tentativa de construir algo novo em terras estranhas. A narrativa busca capturar a essência dessa jornada – o sofrimento da separação, a luta contra condições desumanas e a esperança que, mesmo em meio à adversidade, nunca se apaga. Mais do que uma homenagem, é um convite para compreender a força daqueles que, movidos pelo amor e pela necessidade, moldaram o futuro com as próprias mãos.



sábado, 17 de agosto de 2024

Nos Silêncios da Alma: A Longa Espera de Beatrice




Em um modesto quarto ao fim de um longo corredor, suavemente banhado pela luz que se infiltrava pelas cortinas desgastadas, Dona Beatrice, uma senhora de 86 anos, passava seus dias imersa em um silêncio profundo. Seus cabelos, que um dia foram volumosos e negros, agora eram finos fios brancos que caíam em ondas suaves sobre seus ombros. Seus olhos, antes cheios de brilho e juventude, agora refletiam o peso de muitos anos e a solidão de um coração que já experimentou tanto.
Beatrice tinha cinco filhos, onze netos e dois bisnetos. Ela era mãe, avó e bisavó, mas, naquele momento, sua vida parecia confinada àquele pequeno espaço. As risadas e conversas animadas que um dia preenchiam sua casa haviam se tornado apenas memórias distantes. O tempo havia passado, levando consigo a energia e o calor da convivência familiar que um dia definiram sua existência.
Agora, ela residia em um lar de idosos, onde outras pessoas organizavam seu quarto, preparavam suas refeições e cuidavam de sua saúde. Não era mais a mulher que cozinhava pratos preferidos dos netos, nem a artesã que passava horas dedicando-se aos bordados que tanto gostava. Sua independência havia se esvaído, e em seu lugar, surgiu uma rotina que ela nunca escolheu.
Os dias passavam lentamente. De tempos em tempos, Beatrice recebia a visita de um neto, o que trazia um breve lampejo de alegria aos seus olhos cansados. No entanto, essas visitas eram raras e espaçadas. Alguns vinham a cada quinze dias, outros a cada três ou quatro meses, e havia aqueles que nunca apareciam. Era como se o tempo tivesse erguido barreiras invisíveis entre ela e a família que um dia esteve tão próxima.
Na solidão do quarto, Beatrice encontrava algum consolo nas poucas lembranças que trouxera consigo. Fotografias amareladas pelo tempo estavam espalhadas sobre uma mesinha ao lado da cama. Elas eram seu único elo com o passado, um passado onde ela era cercada por pessoas que a amavam e dependiam dela. Agora, essas mesmas pessoas seguiam com suas vidas, enquanto ela permanecia ali, quieta, à espera de algo que não conseguia definir.
Ela não sabia quanto tempo ainda lhe restava, mas compreendia que precisava aprender a lidar com a solidão. Participava das atividades do lar, ajudava outros residentes em condições mais frágeis que as dela, mas evitava criar laços muito fortes. O ciclo era doloroso: amizades que se formavam rapidamente se desfaziam, à medida que a morte levava aqueles a quem Beatrice começava a se apegar.
Olhando pela janela, Beatrice refletia sobre a longevidade da vida. A questão martelava sua mente com frequência. O que antes parecia uma bênção, agora revelava-se uma prova de resistência. Ela observava o mundo lá fora, mas ele parecia tão distante quanto uma lembrança vaga. As pessoas passavam apressadas, imersas em suas próprias vidas, enquanto ela, dentro daquele pequeno quarto, vivia um tempo diferente, um tempo de espera.
Apesar da dor da solidão, Beatrice mantinha uma esperança silenciosa. Havia uma compreensão profunda dentro dela sobre o valor da família, sobre o ciclo de cuidados que começa com os pais e que deveria ser retribuído pelos filhos. Ela acreditava que as próximas gerações entenderiam isso, que perceberiam a importância de cuidar daqueles que um dia cuidaram deles.
Em seu quarto, Beatrice rezava para que seus filhos, netos e até bisnetos aprendessem essa lição. Não buscava vingança ou ressentimento; apenas desejava que eles reconhecessem o que é verdadeiramente importante na vida – o amor e o tempo compartilhados.
E assim, os dias de Beatrice seguiam, um após o outro, numa rotina que parecia nunca mudar. Ela se tornara uma sombra do que um dia fora, mas em seu coração, ainda guardava o amor por sua família. Embora raramente fosse dito, e ainda menos visto, esse amor era a força que a mantinha firme, dia após dia.
As enfermeiras que entravam em seu quarto notavam a expressão serena de Beatrice, mas não podiam imaginar os pensamentos que passavam por sua mente. Elas desempenhavam seu trabalho com dedicação, mas para Beatrice, elas eram apenas presenças passageiras. Não eram sua família, não eram aqueles que ela criara e amara. Eram, contudo, a única companhia constante que ela tinha agora.
Beatrice sabia que o tempo era implacável. Sabia que, um dia, aquela porta se fecharia para ela pela última vez. Mas até lá, ela esperava, com a paciência que só os anos podem ensinar, que algum de seus filhos ou netos se lembrasse de quem ela era, de tudo o que fizera por eles, e viesse vê-la, nem que fosse por um breve instante.
No final, Dona Beatrice era apenas uma mulher idosa, que, em meio à solidão de um quarto de dez metros quadrados, ainda encontrava força em suas lembranças e no amor que jamais deixou de sentir. Ela não pedia muito da vida, apenas um pouco de tempo, um pouco de atenção, e, acima de tudo, um pouco de amor.


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Dias de Espera, Noites de Angústia

 



No final do século XIX, a promessa de uma vida melhor nas Américas atraía milhares de italianos, que deixavam suas terras na esperança de um futuro mais próspero. Entre esses, estava o casal Pietro e Maria, agricultores da pequena aldeia de Casale Monferrato, no Piemonte. Como muitos outros, decidiram vender tudo o que tinham para pagar a passagem no vapor que os levaria ao Brasil, onde sonhavam em recomeçar suas vidas.
Em sua aldeia, foram abordados por um agente de viagens que trabalhava para uma companhia de navegação. Ele pintou um quadro idílico do novo mundo, prometendo terras férteis, trabalho abundante e um futuro próspero para eles e seu filho pequeno, Giovanni. Convencidos pelas palavras do agente, Pietro e Maria compraram as passagens, mesmo sabendo que isso significava abrir mão de quase todas as suas economias.
O agente, no entanto, tinha intenções que iam além de vender passagens. Ele marcou a data para que o casal chegasse a Gênova muito antes do necessário, garantindo que eles passassem semanas na cidade antes da partida do navio. Ao chegar ao porto, Pietro e Maria encontraram-se em um cenário caótico: ruas lotadas de famílias como a deles, que aguardavam o embarque para uma nova vida. Com a pouca experiência que tinham do mundo fora de sua aldeia, não estavam preparados para o que os esperava.
Nas proximidades do porto, comerciantes desonestos, em conluio com agentes de viagem, aproveitavam-se da vulnerabilidade dos emigrantes. Os hotéis, pensões e restaurantes locais estavam prontos para explorar até o último centavo daqueles que buscavam abrigo e comida enquanto esperavam pelo embarque. As ruas adjacentes ao cais eram um amontoado de lugares baratos e mal conservados, onde as famílias, já fragilizadas pela longa viagem até o porto, se viam forçadas a gastar suas últimas economias.
Pietro e Maria encontraram refúgio em uma pequena pensão, uma escolha quase que inevitável, dada a situação. Os dias se transformaram em semanas, e a espera tornou-se um tormento. Cada noite passada naquele lugar significava menos dinheiro para recomeçar suas vidas no Brasil. O quarto que alugavam era úmido e frio, as camas duras e desconfortáveis. A comida, vendida a preços exorbitantes, era escassa e de má qualidade. A saúde de Giovanni começou a se deteriorar, agravando ainda mais a angústia do casal.
Nas ruas ao redor do porto, o cenário era ainda mais desolador. Famílias que não tinham dinheiro para pagar por um abrigo se amontoavam nas calçadas, expostas ao frio e à chuva. Crianças famintas vagavam pelas ruas, enquanto seus pais, desesperados, tentavam encontrar alguma forma de garantir a sobrevivência até o dia do embarque. A espera prolongada não era apenas física, mas também emocional; cada dia parecia arrastar-se interminavelmente, e o sonho de uma nova vida começava a desvanecer-se.
Maria, com Giovanni nos braços, passava os dias em preces silenciosas, tentando manter viva a esperança. Pietro, por sua vez, sentia o peso da responsabilidade, sabendo que cada dia que passava os afastava mais do sonho que os levara a deixar sua terra natal. O dinheiro que haviam economizado com tanto esforço agora desaparecia rapidamente, e o medo de não ter nada ao chegar ao Brasil começava a assombrá-los.
Finalmente, o dia do embarque chegou. O porto estava cheio de famílias exaustas, debilitadas pela longa espera. Quando o imponente vapor atracou, houve um misto de alívio e tristeza entre os que estavam prestes a partir. Pietro, segurando Giovanni com uma mão e Maria com a outra, olhou para o navio com o coração apertado. Eles estavam deixando para trás uma terra que os havia visto nascer, mas também uma experiência de sofrimento que marcaria suas vidas para sempre.
Para muitos, o embarque representava a esperança de uma nova vida, mas para outros, como aqueles que não conseguiram pagar pela passagem ou que ficaram sem dinheiro para embarcar, o porto de Gênova se tornaria um símbolo de sonhos destruídos. As ruas ao redor do cais continuaram a testemunhar o sofrimento daqueles que, como Pietro e Maria, foram forçados a enfrentar uma espera cruel, onde a esperança se misturava com a desilusão e a miséria.
Assim, enquanto o vapor partia em direção ao horizonte, levando consigo os sonhos e as últimas economias de tantos emigrantes, o porto de Gênova ficava para trás, um lugar onde muitos deixaram não apenas sua terra natal, mas também uma parte de suas almas, consumidas pela longa e dolorosa espera.


domingo, 7 de julho de 2024

O Ocaso da Vida: Uma História de Coragem e Amor




Ana sempre fora uma mulher cheia de vida, energia e amor. Aos 29 anos, casada com João, seu companheiro desde a adolescência, e mãe dedicada de dois filhos pequenos, Lucas de 6 anos e Mariana de 4, ela parecia ter o mundo a seus pés. Uma carreira promissora como professora de literatura, uma família unida e uma vida repleta de sonhos a realizar. Contudo, a fragilidade da vida humana se mostrou implacável em um dia qualquer, transformando sua existência de maneira abrupta e devastadora. 
As dores abdominais começaram de forma sutil, quase insignificante. No início, Ana ignorou, atribuindo-as ao estresse do cotidiano. Mas com o passar das semanas, as dores tornaram-se constantes e intensas, obrigando-a a buscar ajuda médica. João, sempre ao seu lado, segurava sua mão enquanto aguardavam os resultados dos exames. O ambiente frio e impessoal do hospital contrastava com o calor humano que emanava do casal.
O diagnóstico veio como um golpe cruel do destino: câncer de ovário em estágio avançado. As palavras do médico ecoaram na mente de Ana como uma sentença de morte. A medicina, apesar de seus avanços, oferecia pouco além de paliativos. Quimioterapia e radioterapia poderiam retardar o inevitável, mas a verdade nua e crua era que Ana tinha poucos meses de vida.
Nos dias que se seguiram ao diagnóstico, Ana viveu uma montanha-russa de emoções. O medo da morte era avassalador, mas o que mais doía era a ideia de deixar seus filhos tão pequenos. Quem cuidaria de Lucas e Mariana? Quem os consolaria nas noites de tempestade? Quem os veria crescer, aprender a ler, a escrever, a amar?
Ana chorava em silêncio para não preocupar os pequenos. João, igualmente devastado, tentava ser forte por ela e pelas crianças, mas a dor era visível em seus olhos cansados. As noites tornaram-se longas e insones, preenchidas por conversas sussurradas e promessas de amor eterno.
A vida continuava seu curso inexorável, mas para Ana, cada momento adquiria um novo significado. As brincadeiras com Lucas e Mariana tornaram-se preciosas, os abraços mais apertados, os beijos mais demorados. Ela tentava gravar na memória cada sorriso, cada gargalhada, cada traço do rosto de seus filhos.
Ana decidiu enfrentar a doença com a mesma coragem que sempre guiara sua vida. Iniciou os tratamentos, sabendo que eram apenas uma forma de ganhar tempo. No entanto, cada sessão de quimioterapia era uma batalha dura e exaustiva. O corpo enfraquecido, os cabelos que começavam a cair, tudo parecia um lembrete cruel do que estava por vir.
Durante esse período, Ana encontrou forças em lugares inesperados. A solidariedade dos amigos e colegas, a presença constante de sua família, e até mesmo a comunidade escolar, que organizou uma série de atividades para apoiar a família. Mas a maior fonte de força de Ana vinha de dentro. Ela decidiu escrever cartas para seus filhos, cartas que eles leriam em diferentes momentos de suas vidas. Cartas de amor, conselhos e memórias que ela desejava compartilhar, mesmo que não pudesse estar presente fisicamente.
Cada palavra escrita era uma lágrima silenciosa, mas também um gesto de esperança. Ana queria que Lucas e Mariana soubessem o quanto eram amados, o quanto eram especiais. Queria deixar um pedaço de si mesma para guiá-los, protegê-los e amá-los, mesmo depois de sua partida.
Os meses passaram rapidamente, cada dia uma luta contra a dor e o medo. Mas Ana também encontrou momentos de paz. Aceitou sua mortalidade e concentrou-se em criar memórias que seus filhos guardariam para sempre. O último Natal em família foi particularmente especial. Ana, mesmo debilitada, conseguiu organizar uma festa repleta de amor e alegria. Cada sorriso de Lucas e Mariana era um bálsamo para sua alma.
Naquela noite, enquanto observava seus filhos brincando perto da árvore de Natal, Ana sentiu uma paz profunda. Sabia que sua missão estava completa. João prometera cuidar das crianças, e ela confiava nele plenamente. Sabia que a vida continuaria, e que, de alguma forma, ela sempre estaria presente nos corações daqueles que amava.
Quando Ana finalmente partiu, cercada pelo amor de sua família, deixou para trás um legado de coragem, amor e resiliência. Lucas e Mariana cresceram com as cartas da mãe, cada uma delas uma fonte de conforto e inspiração. João, apesar da dor da perda, encontrou forças para ser o pai que Ana sabia que ele poderia ser.
Lucas e Mariana, mesmo pequenos, sentiam a ausência da mãe como um vazio imenso. João se dedicava a preencher essa lacuna com amor e paciência, mas sabia que jamais substituiria o carinho materno. As cartas de Ana tornaram-se um ritual na família. Em momentos especiais, João lia para os filhos as palavras deixadas pela mãe. Aquelas letras escritas com tanto amor traziam consolo e um senso de proximidade com Ana.
A primeira carta, lida no aniversário de 7 anos de Lucas, falava sobre coragem e a importância de seguir seus sonhos. Mariana, ao completar 5 anos, ouviu uma carta que descrevia a beleza da vida e a força do amor. Cada carta era uma janela para a alma de Ana, um lembrete constante de que, apesar da distância física, ela estava sempre presente.
À medida que Lucas e Mariana cresciam, as lições de Ana guiavam suas vidas. João, observando seus filhos se desenvolverem, via em cada um deles traços da mulher que tanto amara. A força de Lucas, a sensibilidade de Mariana, ambos eram reflexos de Ana. Eles aprendiam a enfrentar os desafios com a mesma bravura que a mãe, mantendo viva a chama de seu legado.
Mariana, em particular, encontrou na escrita uma forma de conexão com Ana. Inspirada pelas cartas da mãe, começou a escrever suas próprias histórias, preenchendo páginas e mais páginas com suas emoções e pensamentos. João incentivava esse talento, vendo na escrita de Mariana uma continuidade do espírito de Ana.
Anos se passaram, e a família aprendeu a viver com a ausência de Ana. Lucas, agora adolescente, tornou-se um jovem determinado, sempre buscando fazer a mãe orgulhosa. Mariana, igualmente determinada, continuava a escrever, encontrando nas palavras um refúgio e uma forma de honrar a memória de Ana.
João, apesar da dor constante da perda, encontrou um novo propósito em criar seus filhos com amor e dedicação. Sabia que Ana estaria sempre com eles, nas lembranças, nas cartas, e nos pequenos gestos do dia a dia. A vida seguia em frente, com seus altos e baixos, mas o amor de Ana permanecia como um pilar inabalável, guiando e fortalecendo a família.
Anos mais tarde, Lucas e Mariana, agora adultos, revisitam as cartas da mãe com gratidão e amor. Cada palavra é um lembrete do espírito indomável de Ana, uma mulher que, mesmo diante da morte, escolheu viver com plenitude e deixar um legado de amor eterno.
A história de Ana não é apenas sobre a morte, mas sobre a vida que ela viveu e o amor que deixou para trás. É um testemunho da fragilidade e da força humana, e da capacidade do amor de transcender o tempo e o espaço. É uma lembrança de que, mesmo no ocaso da vida, há beleza, propósito e eternidade.




quarta-feira, 3 de julho de 2024

A Última Jornada de Helena



A Última Jornada de Helena

Helena tinha 70 anos e a sua vida estava chegando ao fim. A recidiva do câncer de mama tinha se espalhado para outros órgãos, e ela sabia que o tempo restante era curto. Em sua pequena cidade, onde a vida corria devagar, Helena era cuidada por seus três filhos, uma filha e dois filhos, e por uma enfermeira contratada. Seu marido, Jorge, permanecia ao seu lado, segurando sua mão sempre que podia, tentando confortá-la com palavras suaves e amorosas.
Helena estava em casa agora, pois o hospital não tinha mais nada a oferecer. As injeções de opiáceos a mantinham em um estado de calma, mas sua mente ainda estava afiada em momentos de lucidez. Nesses períodos, ela refletia sobre sua vida, suas escolhas, seus arrependimentos e suas alegrias.
A sala de estar, onde Helena passava a maior parte do tempo, estava cheia de memórias. Fotos dos filhos em várias fases da vida, dos netos brincando no jardim, e de viagens feitas com Jorge estavam espalhadas pelas paredes. O aroma do café fresco que sua filha Ana preparava todas as manhãs trazia um conforto familiar, mesmo que Helena não pudesse mais saboreá-lo. 
A dor era constante, mas Helena tentava não demonstrá-la. Os filhos faziam o possível para mantê-la confortável. Pedro, o mais velho, lia para ela todas as tardes, escolhendo seus livros favoritos de poesia. Marcos, o do meio, era prático e cuidava dos aspectos logísticos dos cuidados, garantindo que nunca faltassem medicamentos e suprimentos. Ana, a caçula, passava horas conversando com a mãe, relembrando momentos felizes e chorando juntas em silêncio. Jorge era um homem forte, mas a situação de Helena o devastava. Ele a amava profundamente, e vê-la sofrer era insuportável. À noite, quando todos dormiam, ele sentava ao lado dela, segurava sua mão e sussurrava palavras de amor, prometendo que ficaria tudo bem, mesmo que soubesse que o fim estava próximo.
Helena, em seus momentos de lucidez, refletia sobre sua vida. Lembrava-se do casamento com Jorge, da construção da família, dos desafios superados e das alegrias compartilhadas. Pensava nos filhos, agora adultos, e nos netos, que traziam esperança e alegria a uma casa marcada pela tristeza da doença. Ela se perguntava como seria para eles depois que ela partisse.
Uma tarde, sentindo-se particularmente lúcida, Helena pediu para falar com cada um dos filhos a sós. Com Pedro, ela falou sobre a importância de continuar a ler poesia e de encontrar beleza nas pequenas coisas. Com Marcos, discutiu a necessidade de cuidar da família e de ser o pilar de apoio que sempre foi. Com Ana, falou sobre o amor e a importância de manter viva a memória dos momentos felizes.
Finalmente, chamou Jorge. Ele se aproximou, sentou-se ao lado dela e segurou sua mão. "Jorge, meu amor, não fique triste. Vivemos uma vida cheia de amor e aventuras. Cuide dos nossos filhos e netos. Lembre-se sempre do nosso amor e saiba que estarei sempre com você, em espírito", disse Helena com a voz trêmula, mas cheia de amor.
Jorge não conseguiu conter as lágrimas. "Helena, você é o meu tudo. Prometo cuidar de nossa família e manter vivo o seu legado. Amo você para sempre", respondeu, beijando sua mão.
Nos dias seguintes, Helena continuou a lutar contra a dor e o sofrimento, mas o amor e o cuidado de sua família lhe davam forças. Sabia que o fim estava próximo, mas sentia-se em paz, cercada pelas pessoas que amava.
Uma manhã tranquila, enquanto o sol nascia e os pássaros cantavam, Helena deu seu último suspiro. Estava em paz, com a certeza de ter vivido uma vida plena e amada. Sua família, embora devastada pela perda, encontrou conforto nas suas últimas palavras e na certeza de que ela estava agora livre do sofrimento.



segunda-feira, 27 de maio de 2024

Esperança Além-Mar

 



Esperança Além-Mar

No fim do século XIX, a pequena vila de San Lorenzo, encravada nas colinas da Toscana, era um lugar de beleza singela e melancólica. Os campos outrora férteis agora mal sustinham as famílias que dependiam deles. A pobreza era um espectro que rondava cada esquina, cada lar, e não poupava ninguém, nem mesmo a família Mancini.
Giuseppe Mancini, um agricultor de meia-idade, olhava para seus campos ressecados com um suspiro profundo. O sol poente lançava um brilho dourado sobre a paisagem, mas o coração de Giuseppe estava pesado. A Itália, sua amada terra natal, já não oferecia mais sustento ou esperança. A notícia de um novo mundo, repleto de oportunidades do outro lado do Atlântico, chegara aos ouvidos dos habitantes da vila, e com ela, a difícil decisão de deixar para trás tudo o que conheciam.
Na pequena casa de pedra dos Mancini, a esposa de Giuseppe, Maria, embalava em lágrimas o enxoval da família. Suas mãos calejadas dobravam com cuidado cada peça de roupa, enquanto seus pensamentos se perdiam na incerteza do futuro. Ao seu lado, os filhos, Luigi e Antonella, observavam em silêncio, compreendendo a gravidade do momento.
“Temos que ser fortes”, disse Giuseppe, tentando encorajar a si mesmo tanto quanto aos seus. “Lá, no Brasil, haverá trabalho e terra para cultivar. É nossa chance de uma vida melhor.”
A despedida foi amarga. Amigos e parentes se reuniram na praça central da vila para dar adeus aos Mancini. Havia lágrimas, abraços apertados e palavras de conforto. O sino da igreja tocava, marcando não apenas o fim de um ciclo, mas também o início de uma jornada incerta.
A viagem até o porto de Gênova foi longa e cansativa. Ao chegarem, os Mancini se depararam com uma multidão de rostos marcados pela mesma mistura de ansiedade e esperança. Os imigrantes se amontoavam em filas intermináveis, carregando seus poucos pertences e seus muitos sonhos.
O navio, uma embarcação imponente, mas claramente desgastada pelo tempo e pelo uso constante, estava abarrotado de pessoas. As condições eram precárias: pequenas cabines compartilhadas, falta de ventilação e higiene, e um cheiro persistente de maresia e suor. Giuseppe sentiu um aperto no peito ao ver o olhar assustado de seus filhos, mas tentou manter a serenidade.
A viagem pelo Atlântico foi uma prova de resistência. Os dias se arrastavam entre o balanço incessante do navio e a monotonia do horizonte sem fim. Muitos passageiros adoeceram devido à falta de alimentos frescos e à água potável limitada. Doenças como o escorbuto se espalharam rapidamente, ceifando vidas e deixando um rastro de desespero.
Maria fazia o possível para manter a família unida e saudável. Suas mãos não paravam, cuidando dos filhos e ajudando outros imigrantes, compartilhando o pouco que tinham. Giuseppe passava horas conversando com outros homens, trocando histórias e mantendo a esperança viva.
Depois de semanas que pareceram meses, o navio finalmente avistou a costa brasileira. O porto do Rio de Janeiro surgiu no horizonte como um oásis de promessas. Os Mancini, exaustos mas aliviados, desceram do navio junto com centenas de outros imigrantes. Foram recebidos por uma mistura de caos e expectativa, com oficiais de imigração apressados e trabalhadores ansiosos por nova mão de obra.
A família foi direcionada para um alojamento temporário, onde dividiram espaço com muitos outros recém-chegados. As condições ainda eram difíceis, mas havia um novo brilho nos olhos de Giuseppe e Maria. Eles sabiam que os desafios estavam longe de terminar, mas a esperança, aquela chama teimosa que nunca se apaga, queimava mais forte do que nunca.
A próxima etapa da jornada os levaria ao interior, onde encontrariam trabalho nas plantações de café e talvez, um dia, um pedaço de terra para chamar de seu. A despedida da Itália, a travessia árdua e a chegada no Brasil eram apenas os primeiros passos de uma nova vida que se desenhava diante deles.
A jornada do Rio de Janeiro até o interior paulista foi longa, mas desta vez, havia um senso renovado de propósito e esperança. A paisagem verdejante e as plantações de café estendiam-se até onde os olhos podiam ver. Ao chegar na fazenda onde trabalhariam, os Mancini foram recebidos pelo administrador, que lhes mostrou a casa simples que seria seu novo lar.
A vida na fazenda era dura, mas Giuseppe, Maria, Luigi e Antonella estavam determinados a fazer dela um sucesso. Os dias começavam cedo, com o sol mal despontando no horizonte, e terminavam tarde, com o corpo exausto, mas o coração cheio de gratidão pela oportunidade de recomeçar.
Giuseppe encontrou no trabalho com a terra uma sensação de familiaridade, mesmo que as plantas fossem diferentes das que cultivava na Itália. A mão firme e o conhecimento de agricultura adquiridos em San Lorenzo logo se mostraram valiosos. Maria, por sua vez, dedicava-se à criação de uma pequena horta ao lado da casa, plantando legumes e ervas que trouxessem um pouco do sabor de sua terra natal para a nova vida.
A comunidade de imigrantes italianos era unida pela experiência comum de abandono e renascimento. As famílias se ajudavam mutuamente, partilhando conhecimentos, alimentos e conselhos. Aos domingos, reuniam-se para celebrar missas e festas, mantendo vivas as tradições e o espírito da Itália. As crianças brincavam juntas, aprendendo novas palavras em português, mas sem esquecer o italiano.
Luigi e Antonella adaptaram-se rapidamente à nova realidade. Luigi, com sua curiosidade inata, aprendeu com os trabalhadores locais técnicas de cultivo e manejo das plantações de café. Antonella, com sua alegria contagiante, fez amigos entre as crianças brasileiras e italianas, tornando-se um elo entre as culturas.
Os anos passaram, e o trabalho árduo começou a dar frutos. Giuseppe conseguiu poupar dinheiro suficiente para comprar um pequeno pedaço de terra. Foi um dia de grande celebração quando a família Mancini finalmente se mudou para o seu próprio pedaço de terra. A propriedade não era grande, mas era suficiente para plantar café e outros cultivos, e mais importante, era deles.
Maria transformou a nova casa em um lar acolhedor. O jardim florescia, e a cozinha exalava os aromas de receitas tradicionais italianas misturadas com ingredientes locais. As noites eram preenchidas com risos, histórias e um sentimento profundo de realização.
Apesar do progresso, os desafios não cessaram. O mercado de café era volátil, e as crises econômicas afetavam todos os agricultores. Houve períodos de seca e colheitas ruins, mas os Mancini nunca perderam a esperança. A comunidade italiana se manteve solidária, e juntos, superaram as adversidades.
Luigi, já adulto, trouxe novas ideias e técnicas de cultivo, estudando e implementando métodos mais eficientes. Antonella se casou com um jovem agricultor brasileiro de origem italiana, unindo ainda mais as culturas e tradições das duas pátrias. O casamento foi uma grande festa, celebrada com danças e canções que misturavam o melhor da Itália e do Brasil.
Décadas se passaram desde aquele dia em que os Mancini deixaram San Lorenzo. A pequena fazenda havia crescido, tornando-se uma propriedade próspera e respeitada na região. Giuseppe e Maria, agora idosos, olhavam para sua família e sua terra com orgulho e gratidão.
A história dos Mancini era apenas uma entre muitas, mas simbolizava a coragem e a resiliência de milhares de italianos que cruzaram o oceano em busca de uma vida melhor. Eles trouxeram consigo não apenas suas habilidades e tradições, mas também um espírito indomável que ajudou a construir o Brasil.
Giuseppe, em suas noites de reflexão, ainda se lembrava da despedida em San Lorenzo e da difícil travessia. Mas agora, ao olhar para sua família e sua terra, sabia que todos os sacrifícios haviam valido a pena. A esperança que os guiara através de tantas provações havia finalmente encontrado seu porto seguro.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Sobre o Oceano


 


Quando cheguei, ao entardecer, o embarque dos emigrantes já havia começado há uma hora, e o Galileo, ligado ao cais por uma pequena ponte móvel, continuava a receber miséria: uma procissão interminável de pessoas que saíam em grupos do prédio em frente, onde um delegado da polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, encolhida como cães pelas ruas de Gênova, estava cansada e sonolenta. Operários, camponeses, mulheres com bebês no colo, garotos com a placa de leite do jardim de infância ainda presa ao peito, passavam, carregando quase todos uma cadeira dobrável debaixo do braço, sacos e bolsas de todas as formas nas mãos ou na cabeça, carregados de colchões e cobertores, e o bilhete com o número do beliche apertado entre os lábios.

As pobres mulheres que tinham uma criança em cada mão seguravam seus volumosos fardos com os dentes; as velhas camponesas de tamancos, levantando as saias para não tropeçar nos trilhos da ponte, mostravam as pernas nuas e magras; muitos estavam descalços, e carregavam os sapatos pendurados no pescoço. De vez em quando, passavam entre essa miséria senhores vestidos com elegantes sobretudos, padres, senhoras com grandes chapéus emplumados, segurando na mão um cachorrinho, um porta-chapéus ou um feixe de romances franceses ilustrados, da antiga edição Lévy. Em seguida, subitamente, a procissão humana era interrompida, e avançava sob uma tempestade de golpes e palavrões um bando de bois e carneiros, que, ao chegarem a bordo, desviavam para cá e para lá, assustando-se, misturando os mugidos e balidos com os relinchos dos cavalos na proa, com os gritos dos marinheiros e estivadores, com o estrondo ensurdecedor da grua a vapor, que levantava no ar pilhas de malas e caixas. Depois disso, a procissão dos emigrantes recomeçava: rostos e roupas de todas as partes da Itália, trabalhadores robustos com olhos tristes, velhos desgastados e sujos, mulheres grávidas, moças alegres, jovens brilhantes, camponeses de mangas arregaçadas, e rapazes atrás de rapazes, que, mal pisavam no convés, no meio daquela confusão de passageiros, garçons, oficiais, funcionários da Companhia e guardas alfandegários, ficavam atônitos ou se moviam como em uma praça lotada. Duas horas depois de começar o embarque, o grande navio a vapor, sempre imóvel como um enorme cetáceo mordendo a costa, sugava ainda mais sangue italiano.

À medida que subiam, os emigrantes passavam por uma mesa onde estava sentado o oficial Comissário; ele os agrupava em conjuntos de meia dúzia, chamados "ranci", registrando os nomes em uma folha impressa, que entregava ao passageiro mais velho para que fosse com ele buscar a comida na cozinha, na hora das refeições. As famílias com menos de seis pessoas se inscreviam com um conhecido ou com o primeiro que aparecesse; e durante esse trabalho de inscrição, um forte medo de serem enganados na contagem das cotas e dos beliches para os rapazes e crianças, uma desconfiança invencível que qualquer homem com uma caneta na mão e um registro à sua frente inspira ao camponês, transparecia em todos. Surgiam disputas, ouviam-se lamentos e protestos. Depois, as famílias se separavam: os homens de um lado, as mulheres e crianças do outro, eram conduzidos aos seus dormitórios. E era piedoso ver aquelas mulheres descerem penosamente as escadas íngremes e avançarem tateando para esses dormitórios amplos e baixos, entre as inúmeras camas dispostas em andares como os camarotes de um teatro. 


Continua


quarta-feira, 26 de julho de 2023

Laços Eternos: A Dor do Adeus entre Mãe e Filho Emigrantes


 

Laços Eternos: 
A Dor do Adeus entre Mãe e Filho Emigrantes


Nos versos entrelaçados da saudade, 
A dor da despedida se faz presente, 
Uma mãe, um filho, um destino incerto, 
Emigrantes que partem, vidas diferentes.

O coração aperta, a voz se quebra, 
A mãe abraça seu filho com ternura, 
O tempo, implacável, escorre pelas mãos, 
E o peso da despedida lhe tortura.

No olhar profundo da mãe aflita, 
A certeza triste de um adeus eterno, 
Pois sabe que jamais se reencontrarão, 
O filho parte, destino ao Brasil, seu inverno.

As lágrimas rolam silenciosamente, 
Misturando-se ao sorriso desfeito, 
Um abraço apertado, um beijo sentido, 
É o amor que se expressa em cada gesto feito.

A mãe segura o filho em seu peito, 
Guardando na memória o seu sorriso, 
Sabendo que a distância os separará, 
E que esse encontro será um sonho impreciso.

As mãos que se afastam num adeus, 
São laços que se soltam pelo ar, 
A mãe, a mulher, com coragem enfrentam, 
O desconhecido, o futuro a desbravar.

Emigrantes, almas corajosas, 
Enfrentam o mar em busca de uma vida nova, 
A mãe, com seu coração apertado, 
Vê seu filho partir, num adeus que a comove.

Nas palavras não ditas, a esperança persiste, 
De que o filho encontre a felicidade, 
E que mesmo distantes, os laços se fortaleçam, 
Em memórias, em cartas, em saudades.

A despedida é um capítulo amargo, 
Na história que a vida insiste em escrever, 
Mas o amor de mãe e filho é eterno, 
E mesmo distantes, nunca irá perecer.

Que a jornada do filho seja repleta de luz, 
Que a vida lhe reserve sorrisos e paz, 
E que no coração da mãe a lembrança perdure, 
Do filho que partiu, mas nunca desvanecerá.

Em versos, nesta poesia entrelaçada, 
Celebro a coragem da mãe e do filho, 
Que mesmo separados, estarão ligados, 
Por laços de amor, que nem o tempo abala.


de Gigi Scarsela
erechim rs