sábado, 10 de maio de 2025

A Última Carta de Giovanni Barone

 



A Última Carta de Giovanni Barone


O vento cortante do inverno fazia os galhos secos das árvores dançarem como se estivessem prestes a se partir. Em uma modesta casa na periferia, Giovanni Barone mergulhava a pena no tinteiro, escrevendo o que sabia ser uma das cartas mais importantes de sua vida. Cada palavra carregava o peso da saudade, da esperança e de uma culpa que ele não sabia se conseguiria expiar.

"Querida Mariella," começou ele, com a mão trêmula, "não há um dia sequer em que não me lembre do brilho dos seus olhos ao despedir-se de mim na estação. Eu tinha prometido que voltaria, que buscaria vocês assim que o trabalho na América rendesse frutos, mas o tempo é cruel e as promessas, frágeis."

Giovanni havia emigrado para o Brasil dois anos antes, deixando para trás sua jovem esposa e o pequeno filho Pietro. A Itália vivia uma crise implacável: campos inférteis, impostos insuportáveis e uma fome que rondava como uma sombra permanente. Quando soube das oportunidades nas terras brasileiras, Giovanni, como tantos outros, não viu escolha senão arriscar.

A travessia fora uma odisseia. A bordo do navio Laurenti, enfrentou tempestades que faziam o casco da embarcação ranger como se estivesse prestes a se partir. Nos porões escuros, Giovanni dividia espaço com dezenas de outros emigrantes, o ar impregnado de suor e desespero. A cada amanhecer, mais um companheiro de viagem sucumbia à doença ou ao desespero. "Não será em vão," repetia para si mesmo, como uma prece.

Ao chegar ao Brasil, Giovanni encontrou uma realidade brutal. As promessas de terras férteis e trabalhos abundantes não passavam de ilusões vendidas por agentes inescrupulosos. Ele foi levado para uma fazenda no interior de São Paulo, onde se tornou mais um entre os muitos que labutavam de sol a sol nos campos de café, quase como escravos. As noites, porém, eram preenchidas por sonhos e cálculos: ele juntaria o que pudesse, mesmo que significasse passar fome, para trazer sua família para perto.

Em suas raras folgas, Giovanni escrevia cartas para Mariella, tentando esconder as dificuldades que enfrentava. "Diga à minha cunhada que não se deixe enganar pelas histórias de riqueza," escreveu ele ao amigo próximo, Antonio de Giusti, em uma carta que jamais recebeu resposta. Talvez a carta nunca tenha chegado ao destino, perdida entre as muitas dificuldades de comunicação da época. "Estas terras consomem a alma, e os que vêm sem nada acabam com menos ainda."

As palavras de Giovanni não eram apenas um aviso, mas também um clamor. Ele sabia que sua ausência era um fardo para Mariella, que cuidava sozinha de Pietro e tentava manter viva a pequena horta que lhes dava sustento, mesmo lutando contra as adversidades de um solo infértil. "Quando puder, mande notícias," implorava ele. "Seu silêncio é um abismo que me devora."

Enquanto Giovanni lutava, Mariella enfrentava seus próprios desafios. Na pequena localidade rural de Rozzampia, comune de Thiene, Vicenza, a crise econômica continuava a piorar, e as noites eram preenchidas pelo choro de Pietro, que perguntava pelo pai. Mariella respondia com histórias de esperança, inventando aventuras que Giovanni supostamente vivia nas terras distantes, enquanto guardava suas lágrimas para os momentos de solidão.

A carta que Giovanni escrevia naquela noite fria era diferente. Ele havia finalmente economizado o suficiente para pagar as passagens de Mariella e Pietro. "Venham o mais rápido possível," escreveu. "Apesar de tudo, acredito que podemos ser felizes aqui. Estas terras ainda não nos deram tudo o que prometeram, mas, juntos, podemos cultivá-las e fazê-las nossas. Não será fácil, mas o amor que nos une nos dará forças."

Ao selar a carta e entregá-la no correio local, Giovanni sabia que o tempo seria um novo inimigo. A longa jornada da carta até a Itália e a organização da viagem de sua família seriam uma prova de paciência e fé. Ele também sabia dos riscos que Mariella e Pietro enfrentariam na travessia, mas optou por não mencioná-los diretamente, temendo causar-lhes mais ansiedade.

O reencontro de Giovanni com sua família seria o início de um novo capítulo. Eles enfrentariam juntos as adversidades, como tantas outras famílias de emigrantes italianos que construíram suas vidas com suor e lágrimas. E, apesar de tudo, provariam que a resiliência e o amor podem florescer mesmo nos solos mais áridos. Giovanni sabia que o futuro ainda reservava incertezas, mas, pela primeira vez em anos, sentia que a esperança era algo palpável, tão real quanto a terra que labutava diariamente para transformar em lar.

Nota do Autor

Este conto é uma reflexão profunda sobre os dilemas humanos enfrentados pelos imigrantes italianos durante um dos períodos mais desafiadores de sua história. A figura de Giovanni Barone não representa apenas um indivíduo, mas simboliza uma geração marcada pela coragem de deixar para trás tudo o que conhecia, na tentativa de construir algo novo em terras estranhas. A narrativa busca capturar a essência dessa jornada – o sofrimento da separação, a luta contra condições desumanas e a esperança que, mesmo em meio à adversidade, nunca se apaga. Mais do que uma homenagem, é um convite para compreender a força daqueles que, movidos pelo amor e pela necessidade, moldaram o futuro com as próprias mãos.



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