Mostrando postagens com marcador agricultor. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador agricultor. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Entre Raízes e Horizontes


Entre Raízes e Horizontes

A Vida de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni nasceu em 1868 na pequena localidade de San Giacomo di Veglia, pertencente ao município de Vittorio Veneto, na província de Treviso. O lugar era um recanto modesto do Vêneto, protegido pelas colinas, repletas de parreirais, que se erguiam como guardiãs silenciosas sobre os campos cultivados. Ali, a vida seguia o compasso antigo do trabalho rural, com sinos de igreja marcando os dias e as estações ditando o destino das famílias.

Desde cedo, Bartolomeo aprendera que a terra podia ser ao mesmo tempo generosa e cruel. As planícies ao redor da vila, recortadas por fileiras de trigo e vinhedos ralos, exigiam esforço sem tréguas. A cada verão, o calor secava os campos até quase matá-los; a cada inverno, a geada queimava o que havia sobrevivido. Havia anos em que a colheita não passava de um punhado de grãos, insuficiente para alimentar a família durante os meses mais duros. Nessas épocas, o silêncio da casa se tornava pesado, quebrado apenas pelo som das lamúrias abafadas das mães e pelo ranger dos arados puxados a custo pelos bois magros.

Mas o mundo de Bartolomeo não se limitava às dificuldades da lavoura. Desde a adolescência, rumores atravessavam os vales e corriam de boca em boca: histórias de terras distantes, de uma nova vida além do oceano. Nos encontros na pequena praça de Vittorio Veneto, entre o murmúrio dos anciãos e a curiosidade dos mais jovens, surgiam relatos de famílias que haviam partido rumo à América. Falava-se de um continente fértil e sem fim, onde a terra não precisava ser pedida em arrendamento e onde as colheitas se multiplicavam como bênçãos.

Essas histórias, muitas vezes exageradas e envoltas em mistério, alimentavam a imaginação dos camponeses. Para Bartolomeo, que desde cedo conhecia a incerteza da subsistência, a ideia de uma terra em que o pão e o mel pareciam brotar da própria natureza ganhava contornos de promessa divina. Era como se o destino oferecesse, além das colinas familiares de Treviso, um horizonte novo, vasto e luminoso, capaz de resgatar sua família da penúria e garantir-lhe um futuro de abundância. 

Em 1884, quando Bartolomeo completou dezesseis anos, sua vida sofreu o primeiro grande abalo. Naquele ano, seu tio Santo, homem de espírito inquieto e coragem rara, decidiu romper os limites da tradição e tentar a sorte além-mar. Partiu de Vittorio Veneto levando consigo a esposa e as duas filhas pequenas, deixando para trás a velha casa de pedra e os vinhedos que já não sustentavam a família. A despedida foi marcada por lágrimas contidas e pelo som pesado dos sinos da paróquia, que naquela manhã pareciam dobrar não apenas para os que ficavam, mas também para o fim de uma era.

Meses depois, começaram a chegar as primeiras notícias da travessia. Relatos inflamados descreviam um Brasil exuberante, onde a terra se abria generosa diante de quem tivesse braços fortes para cultivá-la. Falava-se de rios largos como mares, de campos tão vastos que os olhos não alcançavam o fim, de colheitas que superavam qualquer expectativa. Para os que viviam sob a penúria das encostas vênetas, tais notícias soavam como revelações de um Éden reencontrado.

A cada palavra que chegava, crescia no coração de Bartolomeo um turbilhão de sentimentos. Entre a dura realidade de San Giacomo di Veglia e as promessas de um continente sem fronteiras, instalava-se nele uma inquietação que não lhe permitia mais dormir em paz. O jovem, ainda marcado pela inocência dos dezesseis anos, começou a enxergar o mundo como uma bifurcação inevitável: permanecer preso às colinas que moldaram sua infância ou arriscar tudo na incerteza de terras desconhecidas.

A decisão foi se formando lentamente, como as estações que amadurecem a vinha. Movido por uma mistura de curiosidade, esperança e o desejo quase instintivo de quebrar o ciclo da escassez, Bartolomeo se uniu à onda migratória que se espalhava por sua região como uma maré silenciosa. No dia da partida, deixou Vittorio Veneto com o coração dividido: de um lado, a saudade pungente da pátria, das colinas familiares, dos rostos que jamais veria outra vez; de outro, a expectativa ardente do desconhecido, que o atraía como uma promessa de renascimento.

A travessia foi longa, trinta dias sobre o mar revolto até o porto de Santos. Mal desembarcou, Bartolomeo solicitou ser transferido para a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde a família de seu tio já começava a se estabelecer. Chegaram a Porto Alegre em 13 de maio de 1888, um dia que entraria para a história do Brasil pela abolição da escravatura. Para Bartolomeo e os que chegavam, no entanto, o mundo novo era ainda cru e desafiador: não havia dinheiro, não havia crédito, não havia garantias. O peso da realidade pesava mais que o sonho da América.

Enquanto seu avô e seu tio Giovanni, ainda na Itália, sugeriam o retorno à pátria, Bartolomeo ouviu a determinação de seu pai Vittore e do tio Prosdocimo: a família já estava ali, e a oportunidade deveria ser cultivada, mesmo que lenta e penosamente. Embora Bartolomeo e sua tia Lucia inicialmente desejassem retornar à Itália, a persistência do pai e a força da comunidade os fizeram permanecer. Entre resmungos e lamentações, Lucia expressava seu desdém pela “terra de selvagens”, enquanto Bartolomeo, emocionado, buscava aceitar a vontade divina e o curso inevitável da vida.

O tempo, implacável e paciente, trouxe consigo a adaptação e os primeiros frutos do esforço. As mãos calejadas de Bartolomeo e de sua família começaram a transformar a terra bruta em campos ordenados. Onde antes havia apenas mato cerrado e chão pedregoso, surgiram fileiras de milho que se erguiam como estandartes verdes sob o sol tropical. As sementes de trigo, importadas em pequenas quantidades, encontraram resistência, mas aos poucos aprendeu a crescer naquele solo novo, como se também fosse um emigrante em busca de raízes. Outros cereais, plantados em parcelas menores, completavam a paisagem agrícola que se expandia a cada estação.

A grande virada veio com a implantação do primeiro vinhedo. Entre enxadas, estacas de madeira e paciência quase infinita, Bartolomeo via brotar não apenas videiras, mas o elo simbólico com a terra de onde viera. As parreiras, ainda frágeis, balançavam ao vento como lembranças vivas das colinas de Vittorio Veneto. Cada ramo que vingava representava mais que uma promessa de colheita: era a prova de que, mesmo longe, era possível reconstruir um pedaço da pátria.

Com o trabalho incessante, vieram os primeiros sinais de progresso. Os comerciantes locais, antes desconfiados, passaram a conceder crédito. O nome dos Mussoni começou a circular nos registros da colônia, associado à perseverança e ao cultivo bem-sucedido. Uma sensação discreta de estabilidade se insinuava, ainda frágil como um fio de vidro, mas suficiente para dar à família um novo alicerce.

Cada passo, cada colheita, cada pequeno progresso consolidava a presença dos Mussoni naquele solo estrangeiro. As casas de madeira erguiam-se ao redor dos campos, os armazéns guardavam os frutos de meses de trabalho, e a terra que no início parecia hostil começava a revelar-se parceira. Ainda assim, no fundo do coração de Bartolomeo permanecia um vazio insondável. A saudade da pátria natal nunca o abandonava: nas noites silenciosas, enquanto o vento atravessava as frestas da casa simples, ele sentia-se de novo em San Giacomo di Veglia, ouvindo o soar dos sinos da pequena igreja e vendo as colinas do Vêneto se tingirem de dourado ao entardecer.

A vida lhe ensinava que era possível criar raízes em terras distantes, mas jamais arrancar da alma a lembrança daquilo que havia sido perdido.

Bartolomeo, moldado por desafios e esperanças, aprendeu que a verdadeira viagem não estava apenas na travessia do Atlântico, mas na construção de uma vida digna em terras que, embora distantes e inóspitas, podiam tornar-se lar para aqueles que perseverassem. Entre a memória das colinas de Treviso e os horizontes abertos do Rio Grande do Sul, encontrou seu destino — uma existência de trabalho árduo, conquistas tímidas e, acima de tudo, a promessa de um futuro construído com suas próprias mãos.

Nota do Autor

Escrever esta história foi, para mim, mais do que um exercício de imaginação: foi um mergulho profundo na memória coletiva de milhares de famílias que, como Bartolomeo Mussioni, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor. Ao revisitar os caminhos de um personagem ficcional, inspirado na realidade de tantos imigrantes do Vêneto e de outras regiões da Itália, procurei dar voz à experiência universal de quem se vê dividido entre o amor pelas raízes e a necessidade de olhar para novos horizontes.

A escolha por narrar a vida de Bartolomeo nasceu do desejo de compreender o drama silencioso da emigração: o peso da fome, das colheitas incertas, das despedidas carregadas de lágrimas, mas também a esperança quase teimosa que movia homens e mulheres a atravessarem o oceano. Escrever sobre ele foi, portanto, uma forma de homenagear não apenas uma geração de italianos que ajudou a construir o Brasil, mas também as histórias de luta, adaptação e fé que permanecem vivas na memória de seus descendentes.

Ao longo da narrativa, busquei mostrar que a travessia de Bartolomeo não se restringiu ao Atlântico: ela foi também uma travessia interior. Cada vinhedo plantado, cada pedaço de terra cultivado, representava não só um gesto de sobrevivência, mas também uma tentativa de recriar, em solo estrangeiro, a pátria que ficara para trás. É nesse ponto que a história se torna universal: todos nós, em algum momento da vida, precisamos aprender a equilibrar aquilo que carregamos de origem com aquilo que nos espera adiante.

Decidi escrever Entre Raízes e Horizontes porque acredito que a literatura tem a força de resgatar aquilo que o tempo muitas vezes tenta apagar. A saga de Bartolomeo Mussioni é, no fundo, um tributo à coragem, à persistência e à saudade. É também um convite ao leitor para refletir sobre suas próprias raízes e horizontes — sobre o que deixamos para trás e sobre aquilo que nos move a seguir em frente.

Dr. Luiz Carlos Piazzetta



quinta-feira, 24 de julho de 2025

A Odisseia de um Imigrante Italiano


Enrico Castellari 

A Odisseia de um Imigrante


Em 1899, já no final do século, Enrico Castellari, um agricultor mantovano, vivia os dias difíceis de uma Itália marcada pela fome, desemprego e crise social. Com 34 anos, Enrico era um homem dedicado à família e ao trabalho na pequena localidade rural de Piubega. Contudo, as terras de sua região, empobrecidas por décadas de cultivo intensivo, já não ofereciam o sustento necessário para ele, sua esposa Rosa e seus dois filhos, Carlo e Bianca.

A decisão de emigrar surgiu como uma luz em meio às trevas. Nos dias sombrios em que o peso da fome apertava e os campos, antes férteis, se tornavam incapazes de sustentar a família, a visita de um agente de imigração trouxe um misto de esperança e incerteza. Ele passava pelas pequenas cidades e vilas italianas com discursos eloquentes, pintando o Brasil como um paraíso distante. "Uma terra onde a riqueza brota do solo e o trabalho honesto é recompensado", dizia ele, enquanto distribuía panfletos e mostrava ilustrações de vastos campos e famílias sorridentes.

Enrico ouviu falar do agente durante a missa dominical. A pequena igreja de pedra ecoava murmúrios sobre as promessas da nova terra, e, embora muitos hesitassem, ele sentiu algo despertar dentro de si. Movido pela esperança e pelo desespero, reuniu-se com o agente na praça principal de sua aldeia. A conversa foi breve, mas cada palavra parecia carregar um peso imenso: uma promessa de futuro ou uma armadilha disfarçada de oportunidade.

Após dias de reflexão e noites insones, Enrico tomou sua decisão. Vendeu seus poucos pertences: a velha carroça, os utensílios de cobre herdados da mãe, e até mesmo o pequeno rebanho que restava. Com o dinheiro, comprou passagens para ele e sua esposa no próximo navio que zarparia de Gênova rumo ao Brasil. A visão da travessia era ao mesmo tempo assustadora e excitante; o desconhecido os atraía como um chamado irresistível.

Enquanto empacotava os poucos pertences que restaram, Enrico sentiu um nó na garganta ao dobrar as roupas simples de trabalho e guardar o velho rosário que pertencera ao seu pai. Sua casa de pedra, pequena e humilde, parecia agora mais cheia de memórias do que de paredes. Ao lado da esposa, olhou pela última vez para os campos que os viram crescer e sofrer. A terra que sempre fora seu lar agora era apenas um peso de dor e despedida. O dia da partida chegou sob o céu cinzento de uma manhã fria. A vila inteira parecia estar presente para se despedir daqueles que embarcavam na jornada. Lágrimas se misturavam com sorrisos encorajadores, enquanto Enrico subia na carroça que os levaria ao porto. O som das rodas no cascalho parecia marcar o início de uma nova vida.

A jornada começou em Gênova, onde o cais fervilhava de atividade. Homens gritavam ordens, bagagens eram empilhadas desordenadamente, e o cheiro de maresia misturava-se ao aroma agridoce da ansiedade que pairava no ar. Enrico e sua família chegaram cedo, mas mesmo assim enfrentaram longas horas de espera. O navio a vapor, um gigante metálico com chaminés que cuspiam fumaça negra, parecia quase vivo, com suas máquinas ruidosas e tripulação apressada.

Quando finalmente embarcaram, foram direcionados ao convés inferior, um espaço apertado e abafado que parecia mais uma caverna metálica do que um lar temporário. Ali, centenas de famílias se amontoavam com suas posses, tentando criar alguma ordem no caos. O calor era insuportável, e o ar pesado trazia uma sensação de sufocamento constante. Bebês choravam, mães cantavam baixinho tentando acalmá-los, e o murmúrio de orações em diferentes dialetos italianos preenchia os momentos de silêncio.

Durante as semanas no mar, enfrentaram desafios que testaram tanto o corpo quanto o espírito. Os mares revoltos balançavam o navio de forma implacável, deixando muitos à mercê do enjoo e do desespero. As doenças, inevitáveis em um ambiente tão insalubre, começaram a se espalhar rapidamente. A febre e a tosse eram visitantes frequentes entre os passageiros. Rosa, sempre vigilante, cuidava de Bianca com uma devoção incansável, enquanto Carlo, com sua energia infantil, encontrava maneiras de transformar aquele espaço limitado em um campo de brincadeiras, usando um pedaço de corda como um jogo improvisado.

Enrico, por sua vez, passava longos momentos em silêncio, observando a família e refletindo. Ele se perguntava se havia tomado a decisão certa. A saudade do que haviam deixado para trás era uma dor persistente, um peso invisível que carregava a cada instante. No entanto, cada vez que olhava para Rosa embalando Bianca, ou ouvia o riso inocente de Carlo, sentia uma centelha de esperança. Talvez o sacrifício valesse a pena.

Então, um dia, após o que parecia uma eternidade, o navio entrou em águas mais calmas. A tripulação começou a correr pelo convés, e um burburinho tomou conta do ambiente. Enrico subiu ao convés superior, seguido por Rosa, que carregava Bianca, e por Carlo, com os olhos brilhando de curiosidade. Lá, no horizonte, ele viu pela primeira vez o porto do Rio de Janeiro. Montanhas imponentes erguiam-se contra o céu azul, enquanto as águas reluziam sob o sol. A paisagem era majestosa, quase surreal. Enrico sentiu um nó na garganta; as dúvidas que o haviam assombrado começaram a se dissipar. Ele segurou a mão de Rosa com firmeza, compartilhando com ela aquele momento que parecia um sonho. “Estamos aqui”, sussurrou, mais para si mesmo do que para ela. Era o começo de uma nova vida, e pela primeira vez em muito tempo, ele acreditou que poderiam vencer.

Do Rio de Janeiro, a família seguiu para o Espírito Santo. Após dias costeando a praia, chegaram ao porto de Vitória e, dali, foram transportados em pequenos barcos para uma colônia chamada São Antônio. Giuseppe Artioli, um italiano que já vivia ali há anos, os acolheu e explicou as dificuldades que enfrentariam.

“Essa terra é generosa, mas precisa ser domada”, disse Giuseppe. As terras designadas a Enrico eram vastas, mas cobertas por uma floresta densa e desconhecida. Ele passou os primeiros dias limpando o terreno, aprendendo sobre o clima e tentando se adaptar à comida local. A mandioca, o feijão e as frutas tropicais eram estranhos ao paladar lombardo, mas, com o tempo, tornaram-se parte de sua dieta.

O cultivo do café era a principal promessa de riqueza. Enrico, com a ajuda de Rosa e Carlo, começou a plantar as primeiras mudas. O trabalho era extenuante, mas ele nunca reclamava. Cada semente plantada representava a esperança de um futuro melhor.

A floresta também era fonte de aventura e perigo. Carlo adorava explorar, mas Enrico sempre o alertava sobre os animais selvagens. Certo dia, um grupo de colonos encontrou uma preguiça gigantesca, que despertou a curiosidade de todos. “Esse lugar é cheio de surpresas”, disse Rosa, sorrindo.

A colônia era um mosaico de culturas. Italianos, alemães, franceses e suíços conviviam, trocando conhecimentos e experiências. As ocasionais festas comunitárias, onde se misturavam músicas italianas e danças locais, eram momentos de união e alegria.

Enrico começou a ensinar os vizinhos sobre técnicas de cultivo que havia aprendido na Lombardia. Em troca, aprendeu a lidar com as particularidades do solo brasileiro. “Aqui, todos dependem de todos”, dizia ele.

À noite, quando o trabalho terminava, Enrico escrevia cartas aos parentes que haviam ficado na Itália. Contava sobre as dificuldades, mas também sobre as conquistas. “Esta terra é diferente de tudo que conhecemos, mas tem um potencial imenso. Se tivermos coragem, construiremos algo grandioso”, escreveu ao irmão Matteo.

A saudade era uma constante. Rosa, às vezes, chorava ao lembrar dos campos da Lombardia. Mas Enrico a consolava dizendo: “Estamos plantando nossas raízes aqui. Um dia, nossos netos falarão deste lugar como sua casa.”

Anos se passaram, e a família Castellari prosperou. O café floresceu nas terras de Enrico, e sua colônia tornou-se um exemplo de sucesso. Carlo cresceu e começou a ajudar o pai, enquanto Bianca se tornou uma jovem forte e alegre, adaptada à vida no Brasil.

Enrico Castellari nunca voltou à Itália, mas seu espírito aventureiro e sua dedicação deixaram um legado. Ele e Rosa encontraram no Brasil não apenas um novo lar, mas uma nova identidade, onde as raízes italianas se misturaram com o solo brasileiro, criando uma história de coragem, resiliência e esperança. 

Nota do Autor

Escrever Enrico Castellari: A Odisseia de um Imigrante foi como traçar um mapa das complexas emoções e desafios que envolvem o ato de recomeçar em terras desconhecidas. Inspirada em histórias reais de imigrantes italianos, esta obra é uma homenagem à coragem daqueles que, movidos pela necessidade e pela esperança, deixaram para trás suas raízes para plantar novas em um solo distante.

Enrico Castellari é mais do que um personagem; ele é um símbolo da resiliência humana e da capacidade de sonhar mesmo em tempos de adversidade. A narrativa busca capturar não apenas os grandes feitos, mas também os pequenos momentos de dúvida, dor e triunfo que marcam a jornada de cada imigrante. Ao mergulhar nas dificuldades da viagem transatlântica, nos desafios do trabalho árduo e no esforço para adaptar-se a uma cultura diferente, espero que o leitor possa sentir a profundidade da luta e da fé de famílias como a de Enrico. Mais do que um relato histórico, esta é uma história sobre a alma humana, que persevera e floresce mesmo nas condições mais difíceis.

Dedico este livro aos descendentes daqueles que vieram antes de nós, que trazem em seu sangue a força de seus ancestrais, e a todos que acreditam no poder transformador da esperança. 

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



quarta-feira, 23 de julho de 2025

A História de Francesco Bernardel


 

A História de Francesco Bernardel

Francesco Bernardel, um agricultor italiano de origem humilde, embarcou rumo ao Brasil em busca de um futuro melhor. Deixando para trás as colinas da província de Treviso, ele viajou com sua esposa, Maria, e seus dois filhos pequenos, Pietro e Rosa. Seu destino era São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, onde terras férteis e promessas de trabalho pareciam ser a solução para a miséria que enfrentavam na Itália.

Ao chegar à Casa do Imigrante, Francesco deparou-se com uma realidade caótica. O local estava abarrotado de famílias de diversas regiões da Itália, todas ansiando por uma oportunidade. Foi ali que ele testemunhou uma revolta. Descontentes com as condições precárias e a péssima alimentação, os imigrantes se rebelaram, atirando comida pela janela e forçando a intervenção de militares. Embora ninguém tenha se ferido, o episódio marcou profundamente Francesco, deixando claro que o caminho para a tão sonhada prosperidade seria repleto de desafios.

Após dias turbulentos, a família Bernardel foi encaminhada a uma fazenda de café administrada por um italiano de nome Giovanni Toffel. Ali, junto a outras seis famílias, começaram a trabalhar nos campos. As condições eram duras: mato alto, calor intenso e um salário que mal cobria as necessidades básicas. No entanto, Francesco encontrou consolo na solidariedade entre os colonos e na gentileza do administrador, que fazia o possível para prover alimento e moradia dignos.

O dia a dia era exaustivo, mas havia momentos de encanto que davam sentido ao esforço. Francesco maravilhava-se ao contemplar as colinas cobertas de cafezais, com os grãos brilhando como pequenas joias sob o sol. "Se o senhor pudesse ver a maravilha que é uma colina de café!", escreveu ele em uma carta ao professor que havia deixado na Itália.

A casa onde moravam era simples, feita de madeira tosca e coberta por velhas telhas de barro cozido, mas oferecia um conforto inesperado. Todo sábado, um porco era abatido e sua carne distribuída entre as famílias, um luxo que Francesco nunca havia experimentado em sua terra natal. No entanto, as saudades da Itália permaneciam como uma sombra constante, especialmente nos dias de festa religiosa, quando a distância da igreja e a falta de sacerdotes limitavam as celebrações.

Com o passar dos anos, Francesco tornou-se um exemplo de resiliência. Ele adaptou-se às peculiaridades do cultivo local, aprendendo a armazenar milho com palha para prolongar sua durabilidade e a lidar com as intempéries tropicais. Maria, por sua vez, cuidava da horta e das crianças, enquanto ensinava Pietro e Rosa sobre as tradições italianas, na esperança de que não esquecessem suas raízes.

Apesar das dificuldades, a família Bernardel prosperou. Pietro cresceu e tornou-se um hábil carpinteiro, ajudando a construir casas para novos imigrantes. Rosa, com sua voz doce, tornou-se a principal cantora das festas da colônia, unindo italianos e brasileiros em celebrações que simbolizavam a fusão das culturas.

Francesco nunca deixou de escrever para seu antigo professor, relatando suas vitórias e desafios. Ele sabia que muitos imigrantes não tinham tido a mesma sorte, mas sentia-se grato por ter encontrado um lugar onde o trabalho árduo era recompensado. Em uma de suas últimas cartas, escreveu: "Aqui, nesta terra distante, encontrei algo que a Itália não pôde me dar: a oportunidade de recomeçar. Embora as saudades sejam imensas, construímos um lar, e isso é um tesouro que nenhum oceano pode apagar."

Francesco Bernardel tornou-se um símbolo de coragem e perseverança, representando os milhares de italianos que, com suor e sacrifício, ajudaram a moldar o Brasil. Sua história, como tantas outras, é uma prova de que mesmo nos momentos mais difíceis, a esperança pode florescer e transformar vidas.


Nota do Autor

Escrever A História de Francesco Bernardel foi uma jornada de exploração das raízes da coragem humana e da força que nos move em direção ao desconhecido em busca de uma vida melhor. Inspirada pelos relatos de imigrantes italianos que atravessaram o Atlântico no final do século XIX e início do XX, esta narrativa pretende homenagear não apenas Francesco e sua família fictícia, mas também os milhares de homens, mulheres e crianças que enfrentaram adversidades para construir um novo lar no Brasil. A história de Francesco Bernardel reflete a realidade de muitos italianos que deixaram para trás suas aldeias, suas tradições e até mesmo familiares queridos para enfrentarem o desconhecido. É também uma homenagem às esperanças e aos sacrifícios de pessoas que encontraram nas terras brasileiras um novo começo, mesmo quando os desafios pareciam intransponíveis. Minha intenção foi capturar não apenas os fatos históricos, mas também as emoções e os dilemas internos de quem viveu esse processo de deslocamento e adaptação. Desde o caos das Casas do Imigrante até a dureza das fazendas de café, A História de Francesco Bernardel é um retrato de resiliência, solidariedade e reinvenção. 

Que este livro sirva como um lembrete de que as histórias dos imigrantes não pertencem apenas ao passado, mas continuam a moldar o presente e o futuro. E que cada leitor encontre em Francesco Bernardel uma inspiração para acreditar que, mesmo diante das maiores dificuldades, a esperança e o trabalho árduo podem transformar vidas.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta