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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Sobre o Oceano


 


Quando cheguei, ao entardecer, o embarque dos emigrantes já havia começado há uma hora, e o Galileo, ligado ao cais por uma pequena ponte móvel, continuava a receber miséria: uma procissão interminável de pessoas que saíam em grupos do prédio em frente, onde um delegado da polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, encolhida como cães pelas ruas de Gênova, estava cansada e sonolenta. Operários, camponeses, mulheres com bebês no colo, garotos com a placa de leite do jardim de infância ainda presa ao peito, passavam, carregando quase todos uma cadeira dobrável debaixo do braço, sacos e bolsas de todas as formas nas mãos ou na cabeça, carregados de colchões e cobertores, e o bilhete com o número do beliche apertado entre os lábios.

As pobres mulheres que tinham uma criança em cada mão seguravam seus volumosos fardos com os dentes; as velhas camponesas de tamancos, levantando as saias para não tropeçar nos trilhos da ponte, mostravam as pernas nuas e magras; muitos estavam descalços, e carregavam os sapatos pendurados no pescoço. De vez em quando, passavam entre essa miséria senhores vestidos com elegantes sobretudos, padres, senhoras com grandes chapéus emplumados, segurando na mão um cachorrinho, um porta-chapéus ou um feixe de romances franceses ilustrados, da antiga edição Lévy. Em seguida, subitamente, a procissão humana era interrompida, e avançava sob uma tempestade de golpes e palavrões um bando de bois e carneiros, que, ao chegarem a bordo, desviavam para cá e para lá, assustando-se, misturando os mugidos e balidos com os relinchos dos cavalos na proa, com os gritos dos marinheiros e estivadores, com o estrondo ensurdecedor da grua a vapor, que levantava no ar pilhas de malas e caixas. Depois disso, a procissão dos emigrantes recomeçava: rostos e roupas de todas as partes da Itália, trabalhadores robustos com olhos tristes, velhos desgastados e sujos, mulheres grávidas, moças alegres, jovens brilhantes, camponeses de mangas arregaçadas, e rapazes atrás de rapazes, que, mal pisavam no convés, no meio daquela confusão de passageiros, garçons, oficiais, funcionários da Companhia e guardas alfandegários, ficavam atônitos ou se moviam como em uma praça lotada. Duas horas depois de começar o embarque, o grande navio a vapor, sempre imóvel como um enorme cetáceo mordendo a costa, sugava ainda mais sangue italiano.

À medida que subiam, os emigrantes passavam por uma mesa onde estava sentado o oficial Comissário; ele os agrupava em conjuntos de meia dúzia, chamados "ranci", registrando os nomes em uma folha impressa, que entregava ao passageiro mais velho para que fosse com ele buscar a comida na cozinha, na hora das refeições. As famílias com menos de seis pessoas se inscreviam com um conhecido ou com o primeiro que aparecesse; e durante esse trabalho de inscrição, um forte medo de serem enganados na contagem das cotas e dos beliches para os rapazes e crianças, uma desconfiança invencível que qualquer homem com uma caneta na mão e um registro à sua frente inspira ao camponês, transparecia em todos. Surgiam disputas, ouviam-se lamentos e protestos. Depois, as famílias se separavam: os homens de um lado, as mulheres e crianças do outro, eram conduzidos aos seus dormitórios. E era piedoso ver aquelas mulheres descerem penosamente as escadas íngremes e avançarem tateando para esses dormitórios amplos e baixos, entre as inúmeras camas dispostas em andares como os camarotes de um teatro. 


Continua


sábado, 10 de fevereiro de 2024

Sobrenomes Italianos da Sardenha

 



Sobrenomes da Sardenha

  • Sobrenomes ligados a animais: Angioi, Angioni (cordeiro); Boe, Boi, Boj, Boy (boi ou bois); Cabras (cabra); Cadeddu, Careddu, Calledda (caozinho); Cabrolu (gamo, cervo); Crobu (corvo); De Thori, Dettori (peixe semelhante ao robalo); Giua (juba); Ladu (quarto de boi manchado); Loddo (raposa), Lussu (lúcio, peixe); Mangone / Mangones (flamingo/s); Mudulu (carneiro sem chifres); Mulas (burro ou mula); Multinu, Multineddu (cavalo ou potro alazão); Muroni (muflão -animal europeu-); Piga (urraca); Pinna (pluma); Pintus (pássaro manchado); Porcu, Porceddu, Porcheddu (porco); Puddu (galo); Puliga (focha -ave zancuda); Puxeddu (pulga); Ricciu (ouriço, porco espinho); Sanna, Sannìa (presas, provavelmente de javali); Sàrigu (peixe besugo); Schirru (marta); Sirigu (gusano de seda); Ticca (galinha); Vaca (vaca); Zedda (manada ou sela de montar); Zuddas (pelo de porco).

  • Sobrenomes ligados a vegetais ou derivados: Ara, Asara, Atzara (rama espinhosa, alfafa); Ardu (cardo); Cabitza (orelha), latinizado em Spiga; Cannas (cana); Càriga (figo seco); Cau (tutano de algumas plantas); Chessa (marsela); Fenu (feno); Figus (fig.); Floris, Flores (flor); Melis, Meloni (mel); Mura, Muru, De Muru (amora ou framboesa); Murtas, De Murtas (mirtilo); Nuxi, Nughes (noz); Palmas (palmeira); Pane / Pani (pão); Piras, Piredda (pera); Prunas (ameixa); Rosas, De Rosas (rosa); Rudas (arruda); Soru (seiva de árvore ou de queijo); Suergiu, Suelzu (alcornoque mediterrâneo).

  • Sobrenomes com toque mítico ou de contos de fadas: Contu (conto lendário, fábula); De Jana, Deiana, Diana (fada, forma latinizada: Fadda); Maccione, Maccioni, Nieddu (escuridão noturna); Uccheddu (mau-olhado); Virdis (íris, destinado a ser um instrumento do vidente).

  • Sobrenomes ligados a características geográficas e hidrográficas: Alguns sobrenomes sardos derivam de nomes comuns em geografia ou hidrografia: Abba (água de manancial); Addis (vale); Bau (vado ou pantano, mas também espantalho); Caddeo (lugar sagrado); Cuccuru, Cuccureddu (cima da montanha); Ena (fonte); Pala (costa de alto mar); Pardu (prado); Puzzu, Putzu, Putzolu (poço sagrado); Riu (rio); Sassu (rocha); Serra (cresta da montanha); Silanus (lugar boscoso).

  • Sobrenomes derivados de topônimos: Alguns sobrenomes sardos têm origem em nomes de lugares ou adjetivos étnicos: Addis/Devaddes (de um vale ou bosque), Anela (com vários significados, podendo referir-se a Anella ou Anela, o nome de uma cidade antiga no centro norte da Sardenha), Atzeni (de Assena, Oristano), Azuni, Barbarighinu (lugar em Oristano), Bosincu, Burghesu (originários da cidade e/ou castelo de Burgos, pequena vila de Sassari), Calaresu (dialetalmente étnico para "cagliaritano"), Concas (localidade de Nuoro), Congiatu (parcela de terra delimitada), Corongiu (localidade em Carbonia-Iglesias), Silanesu (nativo de Silanus), Sini (de Sini, Oristano), Talanas (da vila de Talana, Ogliastra).

  • Sobrenomes derivados de profissões: Como a maioria dos sobrenomes italianos, alguns sardos derivam de nomes de artes, trabalhos ou profissões. Por exemplo: Bardanzellu (grupo militar de 30 voluntários mais capitão e tenente, utilizado para reprimir roubo de gado), Crabargiu (variação de Cabrargiu = criador de cabras), Ferreri, Frau (ferreiro em sardo), Agos/Agus (agulhas, referindo-se a alguém que usa agulhas em seu trabalho diário), Pintòr(pintor), Poddà, Póddine (da elaboração de farinha).

  • Sobrenomes de origem continental: São sobrenomes originados do "contato" com povos europeus, seja por razões políticas, comerciais, etc. Por exemplo: De Roma, Romanu, Regitanu, Pisanu, Lucchesu, Milanesa, Napulitana, Perusinu, Spagnolu, Cadalanu.

Mais de 300 sobrenomes sardos e nomes pessoais identificados desde os primeiros dias da documentação escrita encontram correspondências na área dos Bálcãs. Entre eles, há sobrenomes muito comuns como Carta, Sanna, Satta, Tedde, Tola, Usai, e outros mais raros como Meledina, Onida, Pigliaru, ou mesmo extintos como Arrivacha, Asadiso, Nerca, Nispella, Therkis.

Também se destaca a presença de sobrenomes de origem ibérica devido à Conquista aragonesa da Sardenha entre 1323 e 1326. Nessa época, a ilha estava sob influência de Pisa e Gênova. Por isso, é possível encontrar sobrenomes com terminações em -ez ou -es, claramente de origem espanhola: Alvarez, Diez, Fernandez, Gomez, Gutierrez, Ibañez, Iguanez, Lopez, Martinez, Perez, Rodriguez

Sobrenomes em plural: Alguns sobrenomes sardos terminam em "s", indicando o plural e conferindo um sentido de família. Por exemplo:Congiu –> Congias
Ruda –> De Rudas
Pira –> Piras,
Porta –> Portas
Flore, Flori, Fiore, Fiori –> Floris
Marra –> Marras

Esses sobrenomes sardos espelham uma notável diversidade de influências culturais e históricas, que remontam desde as práticas tradicionais locais até as conexões estabelecidas com comunidades continentais e europeias.









terça-feira, 14 de novembro de 2023

Trama de Transformações: O Crepúsculo da Escravidão e a Saga dos Imigrantes na Reconstrução do Brasil





À medida que as décadas do século XIX desenrolavam-se, uma complexa trama de debates se desdobrava no Brasil em torno do declínio da odiosa prática da escravidão. Nesse contexto histórico, medidas políticas significativas, como a promulgação da Lei Aberdeen, promulgada em 1845, foi uma legislação britânica que tinha como objetivo reprimir o tráfico de escravos. Essa lei concedia à Marinha Real britânica o poder de interceptar navios negreiros estrangeiros suspeitos de estarem envolvidos no comércio de escravos e de confiscar essas embarcações. Ela fazia parte dos esforços internacionais para combater o tráfico transatlântico de escravos. A Lei Eusébio de Queirós em 1850, a Lei do Ventre Livre em 1871 e a Lei dos Sexagenários em 1885, surgiam como respostas ao movimento que visava extinguir o sistema escravista que por tanto tempo tinha assolado o solo brasileiro. No cerne desse conjunto legislativo, destacava-se, de maneira proeminente, a promulgação de 1888, a Lei Áurea, com a abolição da escravidão no Brasil, que sancionava de forma incontestável o fim do trabalho escravo no Brasil. Contudo, tal decisão acarretou um colossal desafio para os fazendeiros, agora confrontados com a penúria de mão de obra nas vastas plantações. Diante desse impasse, a solução encontrada foi a contratação de trabalhadores estrangeiros, com milhares de italianos, suíços, alemães e japoneses sendo atraídos para contribuir principalmente nas fazendas de café, notadamente no Estado de São Paulo.
A principal motivação para a vinda desses imigrantes residia na escassez de oportunidades de emprego provocada pela Revolução Industrial, cujo avanço tecnológico redundou na dispensa de uma considerável parcela da força de trabalho nas fábricas. Nesse cenário, a emigração tornou-se a alternativa buscada pelos imigrantes para driblar o desemprego.
Ao pisarem em solo brasileiro, os imigrantes eram absorvidos pelo sistema de parceria. Nesse esquema, os fazendeiros custeavam a viagem dos imigrantes, impondo-lhes, assim, um início de jornada já marcado pela dívida. Ademais, trabalhavam em parcelas específicas de terra nas fazendas, com os frutos e prejuízos das colheitas sendo compartilhados. Todavia, em razão do controle disciplinador exercido sobre os trabalhadores, estes frequentemente mal podiam se ausentar das fazendas. Além disso, o fazendeiro detinha o monopólio da venda de mercadorias essenciais, como roupas, alimentos e remédios, mantendo o imigrante perpetuamente endividado, já que o sistema de parceria favorecia invariavelmente os fazendeiros. Diante dessas circunstâncias adversas, muitos imigrantes optaram por não eleger o Brasil como destino, dirigindo-se a outras regiões das Américas, como a Argentina. Percebendo o iminente esgotamento da mão de obra, os grandes fazendeiros reformularam a dinâmica laboral, passando a remunerar os imigrantes com uma quantia fixa, abrindo mão, assim, do sistema de parceria. Somente com essa transição é que os trabalhadores estrangeiros recuperaram a confiança em escolher o território brasileiro como sua morada.
Para além de atuarem como força de trabalho nas fazendas, os imigrantes faziam parte de um projeto político mais amplo no Brasil, cujo intento era o embranquecimento da sociedade. O objetivo era transformar o país em uma nação predominantemente composta por pessoas de ascendência europeia, refletindo a discriminação, à época, da elite brasileira em relação às misturas raciais entre indígenas, africanos e europeus. Esse ambicioso projeto visava moldar o Brasil conforme uma civilização assemelhada à dos países europeus, onde a predominância de pessoas brancas era notável em comparação com a população negra.
Assim, esse período histórico caracterizou-se por profundas transformações na sociedade brasileira, e em decorrência dessa transição do trabalho escravo para o assalariado, o Brasil abriga atualmente colônias japonesas, alemãs e italianas, contribuindo para a formação de uma sociedade rica em diversidade cultural e costumes.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS