Espaço destinado aos temas referentes principalmente ao Vêneto e a sua grande emigração. Iniciada no final do século XIX até a metade do século XX, este movimento durou quase cem anos e envolveu milhões de homens, mulheres e crianças que, naquele período difícil para toda a Itália, precisaram abandonar suas casas, seus familiares, seus amigos e a sua terra natal em busca de uma vida melhor em lugares desconhecidos do outro lado oceano. Contato com o autor luizcpiazzetta@gmail.com
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Língua Italiana na Época da Emigração: Desafios e Evolução
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
O Impacto da Emigração na Economia Italiana: Remessas, Consumo e Comércio
terça-feira, 17 de setembro de 2024
Sonhos Italianos em Solo Americano: A Saga de uma Corajosa Imigrante da Campania
segunda-feira, 16 de setembro de 2024
A Jornada dos Imigrantes Italianos ao Brasil
domingo, 15 de setembro de 2024
As Mãos que Sustentam o Amanhã
As Mãos que Sustentam o Amanhã
As colônias italianas do sul do Brasil, fincadas nas terras virgens da Serra Gaúcha, não eram apenas fruto do trabalho dos homens, que desbravavam a mata e aravam o solo. As mulheres, com suas mãos calejadas e almas resilientes, eram o alicerce invisível, o pilar silencioso que sustentava o futuro. Carmela, uma dessas mulheres, de olhos que refletiam a dor da distância e o brilho da esperança, se tornara o próprio símbolo desse sacrifício, dessa entrega total que mantinha as engrenagens da vida colonial girando.
Desde que haviam deixado a pequena aldeia na província de Veneto, a jornada de Carmela fora um exercício constante de adaptação e renúncia. No navio que os trouxe ao Brasil, perdera a mãe para o mar agitado, mas não derramou uma lágrima. Sabia que sua responsabilidade era maior do que o luto; era a força motriz de sua família. Ao chegar à colônia, o peso da nova vida recaiu sobre seus ombros sem pedir licença. Seu marido, Pietro, enfrentava o trabalho pesado na terra, mas Carmela, com seu ventre crescendo a cada estação, cuidava de tudo o que ficava para trás – a casa, os filhos, os animais e, quando necessário, também o campo.
Carmela acordava antes do sol. Com o primeiro cantar dos galos, já se encontrava na cozinha, preparando o pão para o dia. Seus filhos ainda dormiam, encolhidos sob mantas puídas, e Pietro saíra antes dela para os campos. Seus pés descalços, movendo-se no chão de terra batida, faziam um leve ruído que apenas ela notava. As tarefas domésticas pareciam intermináveis: o fogo que nunca podia apagar, o leite que tinha de ser fervido, o porco que necessitava de atenção. Mas era o campo que a chamava insistentemente.
Lá, ao lado do marido, o trabalho braçal não distinguia gêneros. A enxada pesava em suas mãos tanto quanto na de Pietro. Cada sulco aberto no solo parecia roubar um pouco de suas forças, mas ela mantinha o ritmo. Não era apenas o corpo que se curvava ao peso das tarefas; sua mente também carregava o fardo invisível das responsabilidades. Era ela quem pensava nos filhos, que mais tarde iriam correr entre as fileiras de milho, brincando como se o mundo fosse eterno e imutável.
Quando a primeira filha, Teresa, nasceu, Carmela sentiu o corpo esgotado, mas seu espírito se encheu de uma força nova. Ali, no meio das dores do parto e da alegria do nascimento, ela compreendeu que ser mulher naquela colônia era ser ponte entre o passado e o futuro. A maternidade não era uma escolha; era um dever. Teresa, como seus outros filhos, aprenderia desde cedo a partilhar das responsabilidades da vida colonial. Carmela, porém, não via isso como algo imposto. Para ela, era a essência da existência, o ciclo contínuo de dar e nutrir, que mantinha a roda da vida em movimento.
A vida seguia esse ritmo inexorável. Entre as estações de plantio e colheita, o nascimento de novos filhos e as perdas que a colônia impunha, Carmela ia esculpindo, dia após dia, uma existência de sacrifício e perseverança. Pietro, por vezes, se perdia em reflexões silenciosas, observando o quanto a esposa carregava, não apenas em suas costas, mas no coração. Ele sabia que, sem ela, não teriam chegado até ali. Não havia medalhas para ela, nenhum reconhecimento público. Havia apenas o respeito silencioso de quem compreendia o verdadeiro peso de sua jornada.
Com o passar dos anos, o rosto de Carmela endureceu. As rugas que surgiam ao redor dos olhos não eram apenas sinais da idade, mas testemunhas das longas jornadas, da dor de enterrar amigos e de ver filhos adoecerem. Ainda assim, havia em seu semblante uma serenidade inabalável, como se ela soubesse que sua missão era maior do que qualquer sofrimento. Seus filhos cresciam fortes, e a colônia prosperava lentamente, com cada casa erguendo-se do solo como se brotasse das mãos calejadas das mulheres que ali viviam.
Ao cair da noite, depois de um longo dia de trabalho, Carmela reunia os filhos ao redor da lareira. Contava histórias da Itália, da vida que um dia havia deixado para trás, não com nostalgia, mas com um olhar de gratidão por ter encontrado um novo lar. Embora o Brasil fosse uma terra de desafios, era também o lugar onde ela havia criado raízes. Cada pedaço de madeira que alimentava o fogo parecia ressoar com a lembrança dos antepassados, e o calor que emanava aquecia não só o corpo, mas a alma de sua família.
Nas festas da colônia, as mulheres, vestidas com seus trajes simples, sorriam e dançavam ao som das antigas canções italianas. Por um breve momento, esqueciam-se das durezas do cotidiano. Mas, mesmo nesses momentos de alegria, os olhos de Carmela sempre se voltavam para os campos, para as responsabilidades que aguardavam o amanhecer. Ela sabia que, ao contrário dos homens, que podiam descansar ao final do trabalho braçal, seu labor continuava. A casa nunca ficava em silêncio, os filhos nunca paravam de exigir cuidados.
Os anos se passaram, e Carmela viu seus filhos se tornarem adultos. Alguns casaram-se e estabeleceram suas próprias famílias, outros partiram em busca de novas oportunidades. A colônia continuava a se expandir, e com ela, o legado das mulheres que a construíram. Agora, com os cabelos grisalhos e os ossos cansados, Carmela podia olhar para trás e ver tudo o que havia construído. Mas, ainda assim, o trabalho não terminava. Continuava a cuidar da casa, a ajudar os filhos e netos, a transmitir suas histórias e valores.
Olhando para o horizonte, onde o sol se punha atrás das colinas, Carmela compreendia que sua vida era a de tantas outras mulheres que haviam se sacrificado em silêncio. Não havia monumentos erigidos em sua homenagem, mas as colheitas, as casas e as famílias eram a prova viva de sua dedicação. Ela sabia que o futuro, embora incerto, seria moldado pelas mãos fortes e invisíveis das mulheres imigrantes. Essas mãos que, sem alarde, ergueram o sonho de um novo mundo em terras distantes.
A colônia prosperava, mas Carmela e tantas outras mulheres continuavam a ser as forças motrizes invisíveis. Enquanto os homens eram celebrados por suas conquistas, elas eram as sombras por trás do sucesso, as que garantiam que tudo funcionasse, que o lar fosse sempre um refúgio seguro. E assim, silenciosamente, elas deixaram sua marca indelével na história das colônias italianas.
sábado, 14 de setembro de 2024
El Pòpolo Vèneto: La Saga de ‘Na Nuova Destin
O Povo Veneto: A Saga de um Novo Destino
O Povo Veneto:
A Saga de um Novo Destino
A neve acumulava-se nas estradas sinuosas que cortavam as colinas da província de Belluno. O inverno de 1875 era severo, mas não mais cruel do que a realidade que o povo veneto enfrentava. Nas pequenas vilas, entre vales e montanhas, os habitantes lutavam contra uma nova miséria que parecia engolir o que restava de dignidade. Antigamente, sob a bandeira da Sereníssima República de Veneza, o povo comum fazia duas refeições completas, almoçava e jantava. A riqueza fluía por canais, e o comércio fazia o Veneto prosperar. Agora, pertencentes ao reino da Itália, sob o domínio da Casa de Savoia, nem almoçar era garantido. Apenas fome e desespero.
As palavras do padre local ecoavam nas paredes de pedra da pequena igreja: "O Veneto que nossos pais e avós conheceram não existe mais, meus filhos. Agora que, contra a nossa vontade, fazemos parte do reino da Itália, aqui, já não se encontra futuro, apenas lembranças do que um dia fomos." As pregações dominicais se tornaram apelos ao êxodo. A situação era insustentável. O solo fértil já não sustentava sequer os próprios agricultores, as culturas eram apenas de subsistência. Com as novas taxas, os impostos criados pelo novo governo, aumentavam o desemprego no campo e as colheitas, após a divisão com o senhor das terras, mal dava para alimentar as famílias forçavam cada vez mais venetos a olhar para o horizonte, para além do mar, em direção ao Novo Mundo.
Michele era um desses camponeses, um homem forte e religioso, fiel às suas raízes. Ele não herdara qualquer pedaço de terra, pois, como tantos outros em sua situação, ele trabalhava como meeiro nas terras de um grande proprietário morador em Veneza. O gastaldo, administrador da propriedade, controlava tudo com mãos de ferro, impondo cotas de colheitas cada vez mais rigorosas. A terra nunca fora sua, apenas tinha direito de uso de uma pequena área da qual tirava o sustento da família em troca de entregar a maior parte da produção ao senhor ausente. Antes, conseguia alimentar seus oito filhos com o que sobrava, mas agora, mal dava para três refeições por semana.
"Partir?", pensava Michele. A ideia corroía-lhe o coração. Como abandonar a terra onde sua família havia vivido por gerações? Mas o pároco insistia: “Brasil! Lá, vocês encontrarão o sustento que aqui lhes falta. Novas terras, novas oportunidades!”. Os sermões, outrora focados na salvação das almas, agora clamavam por uma redenção terrena, incitando o povo a emigrar. Até muitos padres se preparavam para seguir em emigração com os seus paroquianos. Era uma decisão coletiva, uma fuga em massa de um país que ninguém mais reconhecia.
Maria, esposa de Michele, apoiava a ideia de partir. Seus olhos se enchiam de lágrimas ao olhar para os filhos famintos, frágeis como galhos secos em pleno inverno. Ela sussurrava a Michele nas noites geladas: "Não podemos mais continuar assim. Ou partimos, ou a fome nos consumirá." E assim, com o coração pesado, Michele decidiu. Eles partiram.
As despedidas eram dolorosas, mas ao mesmo tempo, carregadas de esperança. O povo veneto sempre fora pacífico, mas também resiliente. Emigrar, na visão de muitos, era a única forma de escapar dos odiados senhores de terras, os quais enriqueciam à custa do suor dos camponeses. Agora, com a falta de empregados, esses senhores seriam obrigados a sujar as próprias mãos, coisa que nunca haviam feito.
O caminho até o porto era longo e árduo. Grandes grupos de famílias venetas seguiam de trem em direção a Gênova, de onde partiriam para o Brasil, o “El Dorado” prometido. Carregavam poucas posses, mas muita fé. O que não podiam levar consigo era o peso da saudade. As igrejas, que outrora abrigavam os clamores por boas colheitas, agora ecoavam despedidas e preces por uma travessia segura. Muitos não sabiam ler ou escrever, mas as canções entoadas pelas estradas lembravam as vilas que deixavam para trás, as colinas que não mais veriam, e os entes queridos que jamais reveriam.
Os navios partiam abarrotados. Homens, mulheres, crianças, todos comprimidos em porões úmidos, fétidos e escuros. Era uma viagem de incertezas. As famílias rezavam e cantavam para espantar o medo, para lembrar-se de que estavam indo em busca de uma vida melhor. Michele olhava para seus filhos dormindo no chão frio do navio e rezava para que tivessem forças para suportar. As condições eram desumanas, mas a esperança de uma nova vida os mantinha de pé.
A travessia, que durava semanas, não era gentil. Muitos caíram vítimas de doenças. A febre e a desnutrição faziam baixas diárias entre os mais frágeis. Alguns padres, que seguiam com seus paroquianos, davam os últimos sacramentos às crianças moribundas e cujos corpos eram sepultados no mar envoltos em um lençol amarrado. Em uma manhã, Michele segurou o corpo inerte de sua filha mais nova. Ela não suportara a viagem. Com lágrimas nos olhos e o coração despedaçado, ele entregou seu corpo ao oceano, onde muitas outras almas repousavam.
A chegada ao Brasil foi um misto de alívio e choque. A terra prometida era vasta e cheia de potencial, mas os desafios eram imensos. As promessas feitas pelos agentes de imigração nem sempre correspondiam à realidade. Muitos venetos se viram em situações tão difíceis quanto as que haviam deixado para trás. As terras não eram fáceis de trabalhar. A densa floresta, os rios caudalosos e a distância entre as propriedades tornavam a vida no novo mundo extremamente árdua.
Michele e sua família, como tantos outros, foram enviados para as colônias do sul do Brasil. Ali, em meio às montanhas e florestas, eles começaram uma nova vida. As dificuldades iniciais eram imensas: a falta de infraestrutura, a distância das cidades, a barreira do idioma e as doenças tropicais que dizimavam muitos imigrantes. Mas o espírito veneto, forjado na adversidade, encontrou forças para resistir.
Os primeiros anos foram de trabalho incessante. As colheitas eram escassas, e a terra, selvagem, não se submetia facilmente ao arado. Michele, como muitos outros, trabalhou do amanhecer ao anoitecer, construindo uma nova vida com as próprias mãos. Cada pedaço de terra arado era uma vitória, cada colheita, um triunfo.
Maria, sempre ao lado de Michele, ajudava no que podia. Cuidava da casa, plantava hortas e criava os filhos. Juntos, enfrentaram as intempéries do clima e da vida, mas nunca deixaram de acreditar que o sacrifício valeria a pena. As vilas, pouco a pouco, tomavam forma. O som das serras e machados derrubando árvores era a sinfonia do progresso.
Os venetos, unidos por sua fé e por sua história, mantinham vivas suas tradições. As festas religiosas e as celebrações das colheitas eram momentos de alegria e de conexão com suas raízes. A saudade da terra natal era grande, mas o orgulho de construir uma nova vida no Brasil dava-lhes forças para continuar.
Anos se passaram, e Michele, já envelhecido pelo trabalho árduo, olhava para sua terra, agora fértil e produtiva, com satisfação. Seus filhos, crescidos e fortes, ajudavam na lida do campo. A pobreza e a fome que outrora os afligiam ficaram para trás. O sacrifício de cruzar o oceano, de enfrentar os desafios do novo mundo, finalmente dava frutos.
O povo veneto, que um dia partiu em desespero, encontrou no Brasil uma nova pátria. Não era o El Dorado que lhes haviam prometido, mas era uma terra onde podiam construir, com suor e fé, um futuro melhor.
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
Sabor Rebelde
quarta-feira, 11 de setembro de 2024
O Destino do Povo Veneto: Entre a Fome e a Esperança
O Destino do Povo Veneto:
Entre a Fome e a Esperança
terça-feira, 10 de setembro de 2024
Os Últimos Dias de San Martino
segunda-feira, 9 de setembro de 2024
A Luz da Fé: Sob o Céu do Novo Mundo
A Luz da Fé: Sob o Céu do Novo Mundo
domingo, 8 de setembro de 2024
Sob o Céu do Veneto: A Jornada de uma Família de Agricultores
O sol se punha sobre as montanhas dos Dolomitas, tingindo o céu de um laranja vibrante. Em um pequeno município na província de Belluno, na fronteira norte do Vêneto, a família Benedettini reunia-se ao redor de uma mesa de madeira antiga, marcada pelo tempo e pelo uso. Giovanni Benedettini, o patriarca, era um homem de mãos calejadas e olhos que guardavam séculos de história. Ele observava seus filhos, Rosa e Pietro, e sua esposa Augusta Aurora, sentada silenciosa com o rosário entre os dedos. “Era diferente no tempo da Serenissima”, murmurou Giovanni, quebrando o silêncio. “Nós almoçávamos e jantávamos. Tínhamos pão e vinho, e o trabalho na terra nos sustentava. Mas agora, sob os Savoia, mal conseguimos uma refeição. A fome bate à nossa porta, e a terra, que antes nos dava vida, agora parece nos condenar.” Maria assentiu, seus olhos refletindo a mesma preocupação. Ela sabia que a mudança estava se aproximando, uma mudança que seria definitiva. A memória da Serenissima Republica de Veneza ainda era viva na comunidade, uma época de relativa prosperidade e dignidade, antes da invasão de Napoleão e a subsequente dominação austríaca. Sob Francisco José, o imperador “Cesco Bepi” como os venetos o chamavam, a vida se tornou mais difícil, mas ainda suportável. Com a unificação da Itália e a anexação do Vêneto ao Reino da Itália sob a Casa de Savoia, a situação deteriorou-se rapidamente. As promessas de liberdade e prosperidade eram mentiras vazias; o que restou foi a miséria. A crise econômica se agravava, e a família Benedettini, como muitos outros pequenos agricultores e artesãos, se via à beira do colapso. A terra que Giovanni cuidava com tanto zelo pertencia a um grande senhor que vivia distante, em Veneza. O gastaldo, encarregado da administração, era implacável e não tolerava qualquer falta. As dívidas se acumulavam, e a fome se tornava uma companheira constante.
Em uma manhã fria de outubro, durante a missa dominical, o padre Don Luigi, um homem respeitado por toda a aldeia, subiu ao púlpito e, com uma voz que ecoava pelas paredes da igreja, não mediu as palavras e mesmo contra os interesses dos ricos proprietários de terras, incentivou a emigração. “Meus filhos, a nossa terra é abençoada, mas os tempos são difíceis. Deus nos deu coragem, e devemos usá-la. Há terras além-mar, terras que prometem uma vida melhor. A fome não deve ser o nosso destino. Emigrem, encontrem nova vida. Essa é a vontade de Deus.” As palavras do padre reverberaram no coração de Giovanni. Ele sabia que permanecer significava a morte lenta da sua família, mas partir era uma aposta no desconhecido. Muitos proprietários de terras, contrários a emigração, pois, ficariam sem mão de obra ou, pela falta, teriam que pagar muito mais por ela, faziam circular entre o povo, boatos e desinformações que criavam temor e medo naqueles que estavam querendo emigrar. Contudo, naquela noite, ao olhar para os rostos de seus filhos, ele tomou uma decisão. Eles deixariam o Vêneto.
A decisão de emigrar não foi fácil, mas o destino estava traçado. Em uma manhã nebulosa, a família Benedettini juntou seus poucos pertences e se preparou para a longa jornada até o porto de Gênova. Ali, embarcariam em um navio rumo ao Brasil, um país do qual sabiam pouco, mas que prometia novas oportunidades. Antes de partir, Giovanni foi até a igreja. Ele se ajoelhou diante da imagem de São Marco, padroeiro de Veneza, e rezou em silêncio. Sentia o peso de séculos de história sobre seus ombros, mas também sabia que não havia outra escolha. O dia da partida foi marcado por lágrimas e abraços apertados. A pequena aldeia se reuniu para se despedir dos Benedettini. Amigos e vizinhos ofereciam orações e promessas de cartas. A tristeza era palpável, mas havia também uma centelha de esperança nos olhos daqueles que partiam. “Não esqueçam quem vocês são, onde nasceram. Levem o Vêneto no coração,” disse o velho Paolo, o amigo mais antigo de Giovanni, enquanto apertava a mão do patriarca.
A travessia do Atlântico foi longa e cheia de desafios. No porão do navio, os Benedettini compartilhavam um espaço apertado com dezenas de outras famílias, provenientes de várias regiões da Itália, todas em busca de uma nova vida. O mar era implacável, e muitos dias se passavam sem que a luz do sol penetrasse as profundezas do navio. Rosa, a filha mais velha, adoecera durante a viagem. Maria fazia o possível para cuidar dela, mas a falta de médicos e as condições insalubres tornavam a recuperação difícil. Em momentos de desespero, Giovanni questionava sua decisão de partir, mas Maria o lembrava das palavras de Don Luigi: “Essa é a vontade de Deus.”
Finalmente, após semanas no mar, avistaram a costa brasileira. O porto de Santos se estendia diante deles, uma visão que misturava alívio e incerteza. Era o início de uma nova vida, mas também o fim de tudo o que conheciam. O Brasil os recebeu com um calor sufocante e uma vegetação exuberante. A adaptação foi difícil. A língua, os costumes, a própria terra eram estranhos. Contudo, os Benedettini eram resilientes. Giovanni encontrou trabalho em uma fazenda de café, enquanto Maria cuidava dos filhos e da pequena horta que conseguiam manter. O trabalho era árduo, mas pela primeira vez em anos, havia esperança. Com o tempo, outras famílias italianas se uniram a eles, criando uma comunidade onde as tradições do Vêneto eram preservadas. Em meio às dificuldades, havia também a alegria das colheitas, das festas religiosas, e do nascimento de novos filhos, que traziam consigo a promessa de um futuro melhor.
Rosa recuperou a saúde e, anos depois, se casou com um jovem agricultor também vindo do Vêneto. Pietro, o filho mais novo, cresceu forte e cheio de sonhos. A nova geração dos Benedettini não conhecia a fome que havia marcado a vida de seus pais. Anos se passaram, e Giovanni envelheceu. Sentado na varanda de sua modesta casa, ele observava os campos ao redor, que se estendiam até onde a vista alcançava. O Brasil, tão distante de sua terra natal, agora era seu lar. Giovanni nunca esqueceu o Vêneto. Contava histórias para os netos sobre as montanhas, os campos e as tradições da sua terra. Mas ele também sabia que o futuro estava ali, na terra que ele e sua família haviam adotado. “Somos como as árvores”, dizia ele. “Nossas raízes estão no Vêneto, mas aqui, nesta terra, crescemos e damos frutos.”
E assim, a história dos Benedettini se entrelaçou com a história do Brasil, um legado de coragem, resiliência e esperança, que continuaria a viver nas gerações futuras. Os Benedettini nunca mais voltaram ao Vêneto. Mas, nas suas orações e nos seus corações, a Serenissima Republica de Veneza continuava viva, como um símbolo de tempos melhores, de uma dignidade que o mundo moderno tentara roubar, mas que eles mantiveram intacta através da fé, do trabalho e da unidade familiar. O Brasil lhes deu uma nova vida, mas o espírito do Vêneto, forjado em séculos de história, nunca os deixou. Sob o céu estrelado da nova terra, Giovanni Benedettini encontrou paz, sabendo que, apesar de todas as adversidades, ele e sua família haviam construído um novo futuro sem jamais esquecer o passado.