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terça-feira, 23 de julho de 2024

Condições Sanitárias e Desafios na Emigração Italiana


 

Nos últimos anos do século XIX, houve um aumento considerável no número de pessoas que partiram em direção às Américas, resultando em viagens marítimas que frequentemente se estendiam por mais de um mês, caracterizadas por condições extremamente precárias. 

Antes da promulgação da lei de 31 de janeiro de 1901, não existiam regulamentações que abordassem os aspectos sanitários da emigração. Em 1900, um médico descreveu o transporte marítimo de emigrantes como um cenário onde "higiene e limpeza estão constantemente em conflito com a ganância. O espaço e o ar são escassos."

Os beliches dos emigrantes eram distribuídos em corredores estreitos, recebendo ventilação principalmente através de escotilhas. A altura mínima desses corredores variava de um metro e sessenta centímetros a um metro e noventa centímetros. Eram úmidos e cheiravam a resíduos humanos e corpos sem banho por diversos dias. Nessas condições, surgiam frequentemente doenças respiratórias. Um exemplo da falta de normas básicas de higiene era a água potável armazenada em caixas de ferro revestidas de cimento, que, com o movimento do navio, liberavam partículas que turvavam a água. Os emigrantes consumiam essa água, tingida de vermelho pelo contato com o ferro oxidado, já que não havia destiladores a bordo.

A alimentação, independentemente da condição dos emigrantes - muitos dos quais eram analfabetos ou incapazes de entender as regras alimentares - consistia em uma rotina de dias "ricos" e "magros", alternando entre "café" e "arroz". A escolha entre pratos à base de arroz ou massa dependia da maioria regional dos passageiros, nortistas ou sulistas. Do ponto de vista nutricional, a dieta diária fornecia proteínas suficientes, geralmente superior ao padrão alimentar habitual dos emigrantes.

Analisando as estatísticas sanitárias do Comissariado Geral da Emigração e os relatórios anuais dos oficiais de marinha responsáveis pelo serviço de emigração, é possível traçar um panorama da saúde dos emigrantes italianos durante as viagens para a América do Norte e do Sul entre 1903 e 1925. Embora limitadas pela parcialidade dos dados coletados, essas fontes revelam aspectos cruciais das condições sanitárias das grandes migrações, conforme relatado em registros e diários de bordo. A falta de organização dos serviços de saúde tanto em terra quanto no mar compromete a precisão das estatísticas, dificultando o estudo de doenças específicas. Os dados estatísticos cobrem apenas as doenças detectadas pelos médicos a bordo ou pelos comissários, excluindo emigrantes que evitavam assistência médica por desconfiança ou medo de rejeição no destino.

É claro que tentativas de estimar sistematicamente a situação sanitária da emigração com base em fontes oficiais subestimam amplamente a extensão real dos problemas de saúde enfrentados durante as viagens transatlânticas. Apesar dessas limitações, as estatísticas oferecem insights importantes sobre as condições de saúde durante essas migrações em massa, conectando a experiência migratória com as condições socioeconômicas das classes menos favorecidas nos séculos XIX e XX.

A análise das estatísticas de 1903 a 1925 revela a persistência de certas doenças ao longo das viagens de ida e volta para as Américas. Embora não seja objetivo deste estudo investigar como o fluxo migratório contribuiu para a disseminação de doenças como pelagra, malária e tuberculose na Itália, é notável que essas condições tenham sido significativamente presentes nas estatísticas de morbidade. Por exemplo, a malária registrou altos índices nas viagens de ida para a América do Norte e do Sul, superada apenas pelo sarampo. Nas viagens para o sul, casos de tracoma e sarna também foram relevantes, enquanto no retorno predominavam tuberculose e tracoma, além de casos menos frequentes de ancilostomíase, ausente nas estatísticas de ida. Nos retornos do norte, a tuberculose pulmonar, as doenças mentais e o tracoma eram mais comuns, embora com números menores.

Embora as taxas de mortalidade e morbidade durante as viagens transatlânticas não tenham alcançado níveis alarmantes, elas foram mais altas nas viagens de ida e volta para a América do Sul, onde predominavam famílias inteiras emigrantes. A alta morbidade durante as viagens de retorno é especialmente relevante para os emigrantes que retornavam da América do Norte. O fluxo migratório para os Estados Unidos tendia a atrair pessoas em boa saúde e em idade produtiva, seja devido à auto seleção dos trabalhadores emigrantes ou aos rigorosos controles sanitários impostos pelos EUA sobre a emigração europeia.



quarta-feira, 17 de julho de 2024

Entre a Esperança e a Adversidade: A Saga dos Italianos Rumo à América



Durante o período de 1876 a 1920, aproximadamente 9 milhões de italianos deixaram sua pátria em busca de melhores condições de vida, impelidos pela pobreza e pela desesperança econômica. Essa migração em massa iniciou-se sob a égide da esperança, alimentando o sonho de uma terra distante que muitos retratavam como um paraíso na Terra: a América. Os destinos principais eram os Estados Unidos, Argentina e Brasil, onde muitos camponeses e artesãos viam na emigração a última chance de escapar da fome e da miséria.
Após a unificação italiana, a elite não apenas não reprimiu essa saída em massa, mas a viu como um alívio para as tensões sociais. Em 1888, foi promulgada a primeira lei oficial reconhecendo o direito de emigrar, o que facilitou o trabalho das agências que persuadiam os pobres a partir. A maioria das autoridades italiana entre os quais Sidney Sonnino, ministro liberal das Finanças e do Tesouro de 1893 a 1896, viam a emigração como uma "válvula de segurança para a paz social".
No entanto, o caminho rumo à América não era fácil. Os emigrantes enfrentavam tremendas dificuldades desde o recrutamento por agentes desonestos até as condições desumanas nos navios superlotados que cruzavam o Atlântico. Muitas vezes tratavam-se de embarcações de carga adaptadas, onde as condições higiênicas eram terríveis, com alta incidência de doenças como o cólera e uma mortalidade infantil alarmante.
Além das dificuldades físicas, os italianos enfrentaram desafios emocionais intensos ao se despedirem de suas terras natais. A nostalgia pela pátria era uma constante durante a travessia, evocada nas canções populares que lamentavam a distância crescente de suas cidades amadas.
Nos destinos finais como Argentina e Brasil, os recém-chegados eram recebidos em condições muitas vezes precárias, como o famoso "Hotel degli Immigrati" em Buenos Aires, onde eram alojados temporariamente em condições indignas.
Apesar dos perigos e das adversidades, a emigração italiana deixou uma marca indelével na história desses países receptores, contribuindo significativamente para seus desenvolvimentos econômicos e sociais.
Adicionalmente, a emigração italiana não foi apenas uma fuga das dificuldades, mas também um fenômeno complexo que moldou profundamente a identidade e a cultura desses países de destino. Os italianos trouxeram consigo não apenas habilidades laborais, como na agricultura e na construção civil, mas também valores familiares fortes e tradições culinárias que enriqueceram a vida cotidiana das comunidades onde se estabeleceram. A diáspora italiana não se limitou apenas aos centros urbanos; muitos italianos contribuíram para o desenvolvimento de áreas rurais, ajudando a transformar vastas extensões de terras em campos produtivos.
A experiência da emigração italiana também foi um catalisador para movimentos sociais e políticos tanto na Itália quanto nos países de destino. Movimentos anarquistas e sindicatos de trabalhadores formados por italianos no exterior desempenharam papéis importantes na luta por direitos trabalhistas e na defesa da justiça social. Essas comunidades transnacionais não apenas mantiveram laços estreitos com suas terras natais, mas também contribuíram para o desenvolvimento de uma consciência global entre os italianos e seus descendentes ao redor do mundo.


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Além do Horizonte: A Saga de uma Família Calabresa na Emigração para a Argentina"






Rosalia nasceu na tranquila localidade de Spineto, aninhada nas colinas verdes do município de Belmonte Calabro, na Calábria. O sol dourado e os fortes ventos soprados do Tirreno acariciavam as oliveiras que pontilhavam a paisagem, testemunhando o início da vida de uma criança destinada a enfrentar desafios extraordinários.
O ano era 1885, e desde cedo, a vida de Rosalia estava entrelaçada com as histórias de emigração que fluíam como o vento pelas vielas de sua vila. Seu pai, Giuseppe, cultivava uma pequena parcela de terra herdada de gerações passadas, mas as colheitas eram magras, e a promessa de uma vida melhor pairava sobre a mente da família.
Rosalia cresceu sob o aroma picante de ervas frescas e o calor da cozinha de sua mãe, Maria. A família era modesta, mas a resiliência e a esperança eram ingredientes fundamentais em suas refeições diárias. Conforme os anos passavam, a ideia de emigrar para uma terra distante começou a ganhar força na mente de Giuseppe e Maria.
Foi no início do século XX, em 1907, que a vida de Rosalia, então já uma mulher casada, tomou um rumo decisivo. O marido, Domenico, havia recebido uma carta de chamada de um tio que emigrara alguns anos antes, descrevendo oportunidades e sonhos que aguardavam do outro lado do oceano. A família decidiu embarcar no paquete Ravenna, com destino à distante Argentina. O sonho de uma vida melhor para os filhos e netos estava entrelaçado com o murmúrio das ondas do Mediterrâneo.
O que deveria ser uma jornada cheia de esperança transformou-se em tragédia durante a primavera daquele ano. Uma epidemia de sarampo varreu o navio, como uma tempestade silenciosa e mortal. Rosalia, então uma jovem de 22 anos, estava grávida e testemunhou a crueldade do destino quando cerca de um terço das crianças a bordo adoeceu.
Ela viu a angústia nos olhos dos pais que perderam seus filhos para a doença, enquanto a própria Rosalia lutava para manter a saúde de seu bebê por nascer. Entre os 80 falecimentos ocorridos durante a travessia, 65 eram de recém-nascidos e crianças inocentes, uma dor profunda que ecoou através das águas do Atlântico.
Rosalia deu à luz uma filha a bordo, entre lágrimas e suspiros. O choro do bebê misturou-se ao lamento triste que pairava sobre o navio. Essa pequena alma, nascida no meio da tormenta, simbolizava tanto a perda quanto a esperança. A despedida de sua vila natal foi marcada pela dor, mas Rosalia estava determinada a honrar a memória dos que partiram.
A chegada à Argentina trouxe um novo capítulo para Rosalia. Ela enfrentou as adversidades da emigração, construindo uma nova vida em uma terra estrangeira. As memórias daquele trágico episódio nunca a deixaram, mas, com o tempo, ela encontrou força para transformar a dor em resiliência.
Rosalia, a imigrante italiana de Spineto, deixou um legado de coragem e esperança para as gerações que seguiram. Sua história é uma ode àqueles que enfrentaram os desafios da emigração, carregando consigo a bagagem de sonhos e a saudade da terra natal, mas sempre avançando em direção a um futuro incerto, guiados pela promessa de uma vida melhor.