Na análise da migração italiana para nosso país, as indagações iniciais que emergem são: quais foram os motivos que levaram as autoridades brasileiras a acolher uma quantidade tão significativa de imigrantes da Itália e quais foram os impactos desse influxo considerável de italianos no vasto território brasileiro? Qual era a origem geográfica desses imigrantes italianos que escolheram o Brasil como destino?
Desde os primórdios da colonização portuguesa em nossa terra, a escassez de trabalhadores sempre representou um desafio de considerável magnitude. Naquela época, a concepção predominante era de que o labor árduo não era uma incumbência dos aristocratas e dos abastados, aqueles nascidos em berço de ouro e detentores de vastas riquezas. O trabalho manual era reservado às classes menos privilegiadas ou aos cativos, que há muito tempo desempenhavam um papel fundamental no avanço econômico de várias nações.
Durante o período colonial brasileiro, o território era abundantemente agraciado com valiosos recursos naturais, como o pau-brasil e uma diversidade de minerais preciosos, com destaque para o ouro e os diamantes, pelos quais os portugueses travaram grandes disputas.
Para suprir a carência de mão-de-obra necessária para a exploração do vasto território, os portugueses optaram por trazer uma quantidade considerável de escravos africanos. Foi o árduo labor desses indivíduos escravizados que garantiu o desenvolvimento da exploração das riquezas florestais, a extração pesada nas minas de ouro e diamantes, bem como o cultivo em larga escala nas plantações de cana-de-açúcar, além da posterior criação de gado no sul, o que elevou Portugal ao status de proeminente fornecedor desses produtos no cenário internacional. A partir de 1840, o café emergiu como uma commodity de grande demanda no mercado global, suplantando a predominância açucareira. Isso provocou o surgimento de imponentes fazendas, predominantemente nas províncias de São Paulo e Espírito Santo, lideradas por abastadas famílias portuguesas, os influentes barões do café, que não apenas abasteciam, mas também dominavam o mercado mundial dessa mercadoria. Assim como ocorreu com o açúcar, a mão-de-obra empregada nos cultivos e na colheita era majoritariamente composta por escravos negros, cujo número aumentava constantemente, de forma degradante, com a chegada de africanos. O cenário internacional passava por mudanças significativas, com a ascensão da Inglaterra como potência dominante, iniciando seu processo de industrialização e, consequentemente, reduzindo sua necessidade de importar escravos. Demonstrando seu poder militar, especialmente por meio de sua poderosa marinha, a Inglaterra passou a impor sanções aos países que ainda dependiam do trabalho escravo. Navios negreiros foram interceptados em alto-mar e impedidos de chegar ao Brasil, o que resultou em um aumento exorbitante no valor de cada escravo. Internamente, no Brasil, iniciou-se um movimento político para criar condições visando à abolição da escravidão no país. Após a promulgação de diversas leis que dificultavam a prática escravagista, em 13 de maio de 1888, foi proclamada a Lei Áurea, que encerrou oficialmente a instituição da escravidão no Brasil, após três séculos de sua existência.Foi certamente um grande choque para um país em que a mão-de-obra era somente aquela escrava, e esses, uma vez libertos, não queriam mais trabalhar para o seus antigos donos. Alguns anos antes, quando já se ouviam as primeiras notícias dessa eminente mudança, os grandes fazendeiros, que lutaram politicamente contra dar liberdade total aos escravos, começaram a procurar pelo mundo nações onde havia um grande número de pessoas querendo abandonar o país. Algumas exigências no entanto, foram apresentadas pelo império brasileiro, para escolha de onde poderia vir essa tão necessária mão-de-obra. Entre as exigências estava: esses trabalhadores precisavam ser brancos, terem religião aceita pelo estado e fossem dóceis em receber ordens. Inicialmente, foram trazidos grupos de colonos alemães, mas a experiência não deu muito certo pelo fato deles serem muito difíceis em aceitar ordens e também porque se mantinham fiéis a sua língua e tradições, criando quistos culturais onde viviam. Assim os fazendeiros paulistas e o Império do Brasil se voltaram para os habitantes da península italiana, o recém unificado reino da Itália, que estavam passando por sérias dificuldades, até mesmo a fome, pela falta de trabalho no novo país. Os italianos, sobretudo os das províncias vênetas, eram vistos pelas autoridades imperiais como ideais, por serem um povo dócil, trabalhador e professarem a mesma religião que o Brasil. Outro fator, não menos importante, para a escolha dos europeus era o fato de serem brancos o que também atenderia a exigência de povoar as imensas áreas quase desabitadas do sul do Brasil e contribuir para o branqueamento da população, uma raça considerada muito escura pelas autoridades imperiais.
A partir de 1875, o governo brasileiro lançou uma série de incentivos para atrair a migração italiana, incluindo passagens gratuitas e a promessa de parcelas de terra para cultivo. Essas medidas eram exatamente o que os camponeses italianos mais desfavorecidos desejavam ouvir, realizando o sonho da propriedade que acalentavam há séculos. Ao se tornarem proprietários de suas terras, eles deixariam de compartilhar suas colheitas com senhores. Assinaram contratos em branco em troca da passagem e da promessa de um pedaço de terra para cultivar, comprometendo-se a se estabelecerem onde o governo brasileiro designasse, geralmente em áreas remotas e intocadas, seja no meio da densa vegetação no sul do Brasil ou nas vastas fazendas de café de São Paulo e Espírito Santo, substituindo os escravos recém-libertos. Os imigrantes designados para as novas colônias do sul do país, inicialmente no Rio Grande do Sul e posteriormente em Santa Catarina e Paraná, encontraram-se repentinamente em meio a vastas áreas selvagens e despovoadas, envoltas por densas florestas e desprovidas de estradas ou qualquer infraestrutura, distantes de centros urbanos ou recursos essenciais. A vegetação em suas propriedades era habitada por uma fauna desconhecida para eles, com uma grande variedade de animais selvagens, aves em abundância, onças e macacos, como os bugios, cujos gritos assustavam os recém-chegados. No entanto, o clima encontrado assemelhava-se ao que deixaram na Itália, e o isolamento permitiu que os imigrantes aplicassem seus conhecimentos e recriassem sua própria cultura. O processo de aquisição de terra não foi fácil. Os imigrantes eram transportados gratuitamente do porto de desembarque para os vários núcleos de colonização, onde lotes de 25 a 60 hectares eram concedidos exclusivamente às famílias e deveriam ser resgatados em prestações a partir do segundo ano, após a primeira colheita. Os colonos recebiam algum material para construir casas temporárias, subsídios alimentares por alguns meses, ferramentas agrícolas e sementes que deveriam ser reembolsadas posteriormente. As famílias assumiam a responsabilidade de desmatar parte do lote, preparar o solo para o cultivo, semear, construir suas próprias habitações e abrir estradas para delimitar as fronteiras da propriedade. Os imigrantes logo enfrentaram as dificuldades nas colônias isoladas, algumas das quais constantemente invadidas por índios, onde a falta de escolas, igrejas e assistência médica era evidente, ou, quando disponíveis, estavam distantes e inacessíveis devido aos custos. Apesar dos desafios, uma parte significativa desses imigrantes realizou o sonho da propriedade e, em poucos anos, ricas cidades surgiram nesses locais remotos. A situação foi diferente para aqueles destinados a trabalhar nas grandes fazendas de café em São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. Lá, as condições de vida eram ainda mais difíceis, e era extremamente difícil economizar para adquirir terras nas cidades próximas às fazendas. Segundo os termos do contrato, para deixar a fazenda, primeiro deveriam reembolsar o proprietário por todas as despesas incorridas, após o prazo de permanência estabelecido no documento. Nesses locais, prevaleciam a segregação, o arbítrio e várias formas de violência, incluindo sexual. A vontade do proprietário ou administrador era soberana, com pouca ou nenhuma liberdade pessoal para os trabalhadores. O acesso a cuidados de saúde, educação e práticas religiosas era limitado ou fornecido com parcimônia. O abandono das plantações tornou-se o protesto mais eficaz. Aqueles que decidiram migrar novamente ou buscar outras fazendas com melhores condições de vida ou se mudaram para centros urbanos em busca de novas oportunidades de emprego. Muitos, desiludidos, optaram por retornar à Itália. Aqueles que deixaram as fazendas se estabeleceram nas periferias das pequenas cidades vizinhas ou na capital, alguns já com profissões ou habilidades comerciais, trabalhando por conta própria ou como empregados nos diversos estabelecimentos que o rápido progresso estadual proporcionava. À medida que as condições financeiras melhoravam, os imigrantes começavam a construir suas próprias casas, reproduzindo os modelos arquitetônicos de sua terra natal e recriando uma pequena Itália no Brasil. Aqueles que preferiram viver nas grandes cidades, como a capital, a maioria deles residia em grandes cortiços, subdivididos em pequenos compartimentos nos bairros.
Esse movimento migratório evidenciou uma mudança gradual no perfil dos imigrantes italianos ao longo do tempo, refletindo também as transformações socioeconômicas tanto na Itália quanto no Brasil. A chegada de técnicos e operários especializados a partir do segundo pós-guerra, por exemplo, demonstrou uma maior qualificação da mão-de-obra italiana, além de uma diversificação dos setores de trabalho nos quais os imigrantes se inseriam.
Além disso, a distribuição geográfica dos imigrantes italianos no Brasil também se modificou ao longo do período analisado. Inicialmente concentrados nas regiões sul e sudeste, especialmente em áreas rurais e nas grandes fazendas de café, posteriormente passaram a migrar em maior número para os centros urbanos, buscando oportunidades de trabalho nas indústrias emergentes e no comércio.
A imigração italiana para o Brasil atingiu seu ápice entre 1887 e 1902, quando quase um milhão de pessoas desembarcaram no país em um período de quinze anos, representando 60% do total de estrangeiros que aqui chegaram. Nesse período, o Brasil ocupava o terceiro lugar no ranking global de recebimento de imigrantes italianos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Argentina. Após 1902, o fluxo de chegadas diminuiu significativamente, pois o governo italiano decidiu interromper a emigração subsidiada devido às denúncias das condições precárias enfrentadas pelos italianos, comparadas à escravidão nas fazendas. Essa redução também pode ser atribuída à crise de superprodução do café e à queda de preços no mercado internacional, que agravaram as condições de vida e trabalho nas plantações. Entre as duas grandes guerras, o número de chegadas diminuiu, com uma leve retomada após 1946. A partir dos anos 1960, as chegadas de italianos diminuíram para algumas centenas por ano, com a maioria sendo transferências de funcionários de empresas italianas com investimentos no Brasil ou escolhas pessoais. Até 1915, a maioria dos imigrantes era composta por trabalhadores rurais, em sua maioria analfabetos, que chegavam ao Brasil com suas famílias devido a contratos de trabalho. A partir de 1920, houve uma mudança no perfil dos imigrantes, com a predominância de solteiros, artesãos, trabalhadores fabris e braçais. Essa tendência se intensificou no período pós-guerra, com a chegada de técnicos e operários especializados, que tinham um nível de instrução mais elevado. Entre 1878 e 1886, a maioria dos emigrantes era da região do Vêneto e Lombardia, especialmente destinados às novas colônias do Sul do Brasil, enquanto os imigrantes do sul do país, principalmente da Campania, Calábria e Abruzzo, começaram a chegar em maior número após 1893/95, tornando-se majoritários a partir de 1898.Essa história da imigração italiana no Brasil revela não apenas a busca por melhores condições de vida e oportunidades de trabalho, mas também a capacidade de adaptação e resiliência dos imigrantes diante dos desafios encontrados no novo país. Contribuíram significativamente para a formação cultural, econômica e social do Brasil, deixando um legado que perdura até os dias de hoje.
Em cada núcleo formado por essas comunidades, uma autêntica reprodução de traços da Itália emergia, preservando os costumes e tradições de suas regiões de origem. Essa preservação cultural não apenas amenizava a saudade dos lares distantes, mas também enriquecia o cenário brasileiro com um mosaico de heranças italianas. Apesar dos desafios enfrentados e das dificuldades impostas, os imigrantes italianos deixaram uma marca indelével na modernização tanto da economia quanto da sociedade brasileira nos locais onde se estabeleceram.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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