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quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O Fluxo Migratório Italiano: Uma Jornada Transoceânica


"Deixo minha casa, deixo o país e vou para a América para capinar. Parto em busca da fortuna e há um mês não vejo mais terra: só céu e mar.  Deixo minha casa, a bela Itália, para ir tão longe, em terra estrangeira. E sob um outro céu e uma outra estrela levo os filhos e a mulher para lá começar com melancolia pensando no campo onde nasci, naquela velha e santa mãe e em todas as coisas queridas do passado...”  Assim escreveu um emigrante italiano durante a viagem, ainda no navio.

De acordo com o pesquisador e escritor Delisio Villa, autor do conhecido livro Storia dimenticata: "O ano de 1860 é considerado o ano zero da emigração italiana". 
Nesse ano, começa a longa jornada dos italianos em busca de novos espaços, na Europa e na América. Uma fotografia precisa da situação da Itália nos últimos anos do século XIX, região por região, das condições de vida da maior parte dos italianos, podemos conhecer no chamado Relatório Jacini, uma abrangente pesquisa nacional realizada pelo parlamento italiano, da situação agrária do país publicada entre 1881 e 1890. Este documento oficial diz que: 
"Nos vales dos Alpes e dos Apeninos, e também nas planícies, especialmente no sul da Itália, e até mesmo em algumas províncias entre as mais bem cultivadas do norte da Itália, surgem barracos onde em um único cômodo enfumaçado e sem ar e luz vivem juntos homens, cabras, porcos e galinhas. E esses barracos podem ser contados talvez em centenas de milhares¨.
Uma análise das causas subjacentes à vasta migração transoceânica ocorrida entre 1880 e 1914 revela uma gama diversificada de fatores. Simplificando, o movimento migratório foi impulsionado por uma combinação de mudanças demográficas, como a redução da taxa de mortalidade e a estabilização da taxa de natalidade após 1870, e fatores econômicos, destacando-se a crise agrícola dos anos 1880, que resultou em escassez de alimentos e uma crise econômica substancial.
No entanto, a principal motivação para a migração maciça foi a incapacidade dos camponeses em adquirir capital líquido, o que levou grandes contingentes a empreender a perigosa travessia oceânica em busca de oportunidades. Esses eventos, combinados com a imposição de tributos sobre a farinha, cujo não pagamento poderia levar ao confisco das propriedades, resultaram em um êxodo em massa das áreas rurais.
Para contextualizar, entre os anos de 1875 e 1881, aproximadamente 61.831 pequenas propriedades no campo foram confiscadas, e entre 1884 e 1901 outras 215.759 pequenas propriedades rurais enfrentaram o mesmo destino desafortunado.
Este retrato sombrio por si só evidencia que os fatores que impulsionaram a migração superavam em peso os fatores de atração. O movimento migratório não encontrou barreiras significativas por parte das elites da época, as quais, pelo contrário, acolheram com alívio uma emigração que servia como uma válvula de escape para manter a estabilidade social. 
Naturalmente, houve oposição à emigração, sobretudo por parte dos proprietários de terras, preocupados com a diminuição visível da mão de obra devido ao êxodo, o que poderia levar a aumentos salariais e a condições de trabalho mais favoráveis aos camponeses. No entanto, a favor da emigração, houve um movimento crescente liderado pelos armadores genoveses, proprietários das grandes companhias italianas de navegação da época, agindo em comum acordo com países que procuravam desesperadamente mão de obra em toda a Europa.
Este breve relato do relatório Jacini ilustra a dureza e a dificuldade da vida na Itália naquele período e a mentalidade que os italianos deviam ter diante dessa situação. A difícil situação interna e a percepção de que a Itália oferecia poucas perspectivas levaram milhões de italianos a deixar sua terra natal em busca de novos horizontes. A situação interna estava muito difícil, com falta de trabalho de norte a sul do país, com a fome rondando os lares mesmo na área rural. Assim começou um processo que ao longo de um século levaria milhões de italianos a se estabelecerem em diversas partes do mundo.
Quanto às regiões de origem dos emigrantes e aos destinos para os quais os italianos se dirigiram, os padrões de migração variaram ao longo do tempo e geograficamente. As regiões do Norte foram as primeiras a sentir os efeitos das intempéries, da importação de cereais de outros países, dos diversos impostos que gravavam impiedosamente os mais desprotegidos, da industrialização que dava os primeiros passos, enquanto áreas como o Nordeste e o Sul testemunharam fluxos migratórios mais substanciais. O atraso da emigração do sul em relação ao norte pode ser atribuído a vários fatores, incluindo a gradual participação na migração e a falta de recursos financeiros para enfrentar as viagens.
Em relação aos destinos, entre 1876 e 1885, a Europa Central, principalmente França, Áustria, Alemanha foram as principais metas escolhidas, representando cerca de 64% dos emigrantes. Posteriormente, com o persistir das condições adversas na Itália, os destinos transoceânicos, como Brasil, Argentina e Estados Unidos, ganharam mais peso. Após a Primeira Guerra Mundial, a emigração no continente europeu voltou a predominar, devido em parte às restrições impostas por alguns países receptores, como os Estados Unidos.
No Brasil, especialmente, houve uma grande afluência de italianos a partir do final do século XIX até meados do século XX. Estes imigrantes buscavam aqui melhores condições de vida do que as encontradas em suas terras de origem. Muitos desembarcaram nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá, cada um trazendo consigo uma história singular, mas todos unidos pelo desejo comum de encontrar um lugar onde pudessem viver dignamente e oferecer um futuro melhor para suas famílias.
A imigração italiana no Brasil em si teve início em 1874 tendo como destino o estado do Espírito Santo que recebeu a primeira leva de italianos e ao longo de um século trouxe cerca de um milhão e meio de italianos para os portos brasileiros.



quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Explorando a Razão por Trás do Sufixo -i em Sobrenomes Italianos


 


A questão dos sobrenomes que terminam com a letra -i tem sido objeto de debate entre os estudiosos genealogistas, pois possui um interesse teórico, contribuindo para mostrar que um grupo familiar poderia ter sido nomeado de forma plural.

Nos primórdios da civilização, o sobrenome era, na maioria das vezes, uma etiqueta oficial e artificial que o portador, especialmente no campo, só usava quando era obrigado, como por exemplo, em atos notariais; o resto do tempo, as pessoas se denominavam de maneira completamente diferente. No entanto, a denominação oficial e a etiqueta, permaneceram e acabaram se impondo nos documentos escritos.

Na Idade Média, os notários redigiam seus documentos em latim, não na língua falada pela maioria da população, e a notação de nomes e sobrenomes individuais deveria ser um "ponto de encontro" entre a forma vulgar e uma forma latina ou latinizada.

Muitos sobrenomes italianos terminam pela letra -i porque derivam em grande parte dessas fórmulas notariais latinas, nas quais eram registrados patronímicos. Vejamos um exemplo clássico:

Em um ato notarial, Pietro filho de Martino foi escrito como Petrus filius Martini e, com o tempo, "filius" desapareceu. A terminação em -i foi sendo incorporada a outros tipos de sobrenomes, como os que derivam de topônimos.

Na Lombardia, o sobrenome Inzaghi se formou a partir de Inzago, assim como Galbiati de Galbiate, Turati de Turate, etc. O mesmo ocorreu com os derivados de nomes ligados a ocupações ou apelidos:

Iohannes filius Ferrario (Giovanni filho do ferreiro) deu lugar a Giovanni Ferrari. A terminação -i se referiria a "grupos familiares".

O -i nos sobrenomes italianos representa, em princípio, a terminação do genitivo masculino singular latino utilizado pelos notários na redação de seus documentos. Denominações que parecem aplicar-se mais a grupos familiares, ou, talvez, até mesmo a pessoas ou clãs que viviam na mesma casa ou próximos.

No entanto, existem inúmeras exceções, como Paoli, considerado por alguns autores apenas uma adaptação de Pauli do latim notarial.

A finalização -i predomina no Norte, contrastando com o Centro e o Sul da Itália, onde os sobrenomes frequentemente apresentam distintas terminações vocálicas (o, a, u). Por vezes, essas terminações também são acentuadas, refletindo origens linguísticas que se entrelaçam com narrativas bastante diversas.

Ao analisar os 100 sobrenomes mais comuns em cada uma das 20 regiões italianas, observa-se que somente 847 deles apresentam a terminação -i. Outras terminações incluem 526 com -o, 233 com -a, 151 com -e, 60 com -n, 44 com -r, 41 com -s, 28 com -u, e 70 terminam com diferentes letras.