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quarta-feira, 17 de julho de 2024

Entre a Esperança e a Adversidade: A Saga dos Italianos Rumo à América



Durante o período de 1876 a 1920, aproximadamente 9 milhões de italianos deixaram sua pátria em busca de melhores condições de vida, impelidos pela pobreza e pela desesperança econômica. Essa migração em massa iniciou-se sob a égide da esperança, alimentando o sonho de uma terra distante que muitos retratavam como um paraíso na Terra: a América. Os destinos principais eram os Estados Unidos, Argentina e Brasil, onde muitos camponeses e artesãos viam na emigração a última chance de escapar da fome e da miséria.
Após a unificação italiana, a elite não apenas não reprimiu essa saída em massa, mas a viu como um alívio para as tensões sociais. Em 1888, foi promulgada a primeira lei oficial reconhecendo o direito de emigrar, o que facilitou o trabalho das agências que persuadiam os pobres a partir. A maioria das autoridades italiana entre os quais Sidney Sonnino, ministro liberal das Finanças e do Tesouro de 1893 a 1896, viam a emigração como uma "válvula de segurança para a paz social".
No entanto, o caminho rumo à América não era fácil. Os emigrantes enfrentavam tremendas dificuldades desde o recrutamento por agentes desonestos até as condições desumanas nos navios superlotados que cruzavam o Atlântico. Muitas vezes tratavam-se de embarcações de carga adaptadas, onde as condições higiênicas eram terríveis, com alta incidência de doenças como o cólera e uma mortalidade infantil alarmante.
Além das dificuldades físicas, os italianos enfrentaram desafios emocionais intensos ao se despedirem de suas terras natais. A nostalgia pela pátria era uma constante durante a travessia, evocada nas canções populares que lamentavam a distância crescente de suas cidades amadas.
Nos destinos finais como Argentina e Brasil, os recém-chegados eram recebidos em condições muitas vezes precárias, como o famoso "Hotel degli Immigrati" em Buenos Aires, onde eram alojados temporariamente em condições indignas.
Apesar dos perigos e das adversidades, a emigração italiana deixou uma marca indelével na história desses países receptores, contribuindo significativamente para seus desenvolvimentos econômicos e sociais.
Adicionalmente, a emigração italiana não foi apenas uma fuga das dificuldades, mas também um fenômeno complexo que moldou profundamente a identidade e a cultura desses países de destino. Os italianos trouxeram consigo não apenas habilidades laborais, como na agricultura e na construção civil, mas também valores familiares fortes e tradições culinárias que enriqueceram a vida cotidiana das comunidades onde se estabeleceram. A diáspora italiana não se limitou apenas aos centros urbanos; muitos italianos contribuíram para o desenvolvimento de áreas rurais, ajudando a transformar vastas extensões de terras em campos produtivos.
A experiência da emigração italiana também foi um catalisador para movimentos sociais e políticos tanto na Itália quanto nos países de destino. Movimentos anarquistas e sindicatos de trabalhadores formados por italianos no exterior desempenharam papéis importantes na luta por direitos trabalhistas e na defesa da justiça social. Essas comunidades transnacionais não apenas mantiveram laços estreitos com suas terras natais, mas também contribuíram para o desenvolvimento de uma consciência global entre os italianos e seus descendentes ao redor do mundo.


sexta-feira, 21 de junho de 2024

Jornada Perigosa: O Drama da Imigração Italiana nas Américas no Século XIX

 


No final do século XIX, a imigração em massa italiana para as Américas tornou-se uma séria preocupação devido às condições desumanas nos navios. Superlotação, más condições de higiene e surtos de doenças infecciosas, como cólera, tifo e sarampo, eram enfrentados pelos imigrantes. As autoridades sul-americanas, preocupadas com riscos sanitários, recusavam a entrada de navios europeus, resultando em incidentes dramáticos. A história do navio Matteo Bruzzo, rejeitado a tiros em Montevideo em 1884 após casos de cólera, ilustra a negligência das companhias de navegação. Viagens como a do navio Remo, em 1893, revelam condições desumanas, com alimentos escassos e epidemias, enquanto a falta de regulamentações eficazes contribuiu para incidentes de envenenamento. A saúde precária, superlotação e falta de cuidados médicos adequados tornaram as viagens transatlânticas uma jornada perigosa e angustiante para os imigrantes italianos do século XIX. Além dos perigos óbvios, como cólera e febre amarela, as condições de vida nos navios eram desoladoras. A superlotação nas áreas de terceira classe, destinada aos passageiros com preços mais acessíveis, era extrema. Incidentes como o do navio Carlo Raggio em 1888, com 18 mortes por fome, e do Piroscafo Pará em 1889, com uma epidemia de sarampo que matou 34 pessoas, destacam a extrema vulnerabilidade dos passageiros. As empresas de navegação, mesmo cientes das condições adversas, continuaram a lotar os navios, ignorando os alertas e experiências passadas dos próprios imigrantes. Mesmo com a conscientização na Itália, expressa através de cartas e relatos, as companhias buscavam maximizar os lucros, preenchendo os navios em cada viagem transatlântica. A higiene precária e a falta de cuidados médicos adequados levaram a surtos de difteria, tuberculose e outros males. A história do Piroscafo Remo, em 1893, ilustra a prontidão em descartar doentes para evitar a propagação de epidemias, mesmo quando isso resultou em mortes evitáveis. O retorno dos navios também apresentava desafios, incluindo incidentes de envenenamento devido a más condições de armazenamento de alimentos. Regulamentações de higiene alimentar foram introduzidas em 1890, mas sua eficácia era limitada. A preocupação com epidemias, a superlotação, a má nutrição e a falta de assistência médica eram uma constante para os imigrantes italianos. A despeito dessas dificuldades, alimentados pela esperança de uma vida melhor, eles continuaram a embarcar em navios em direção às Américas, enfrentando incertezas e perigos para tentar construir um futuro mais promissor no Novo Mundo. A experiência dos imigrantes italianos no século XIX, apesar dos desafios e perigos enfrentados nas travessias transatlânticas, era impulsionada por uma mistura de desespero e esperança. Muitos venderam tudo o que tinham para financiar a viagem, enquanto outros partiram na tentativa de se reunir com familiares no Brasil e em outros países das Américas. A notícia devastadora de que, após uma longa jornada em condições desesperadoras, 1.500 pessoas não seriam permitidas no Brasil gerou desânimo e desespero entre os passageiros do Piroscafo Remo. O retorno desses navios após as dificuldades encontradas também foi uma prova da resiliência e força dos imigrantes. Após 70 dias de viagem, incluindo uma parada forçada na ilha de Asinara, na Sardenha, para quarentena, o Piroscafo Remo chegou de volta a Gênova, tendo perdido 96 vidas no percurso. A falta de cuidados médicos adequados e as condições precárias persistiam nas viagens, e as companhias de navegação hesitavam em assumir os custos para melhorar a qualidade dos serviços a bordo. A luta contra epidemias, envenenamentos alimentares e outros males continuava a assombrar os imigrantes que buscavam uma vida melhor do outro lado do oceano. Essa época deixou um legado de coragem e resiliência, pois os imigrantes italianos enfrentaram adversidades inimagináveis em sua busca por oportunidades nas Américas. O preço humano pago durante essas jornadas é uma parte significativa e muitas vezes esquecida da história das migrações. Em uma canção dos imigrantes italianos, reflete a mentalidade daqueles que, apesar das incertezas e perigos, escolheram enfrentar os desafios da travessia oceânica em busca de uma vida melhor. A frase "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte") encapsula a atitude corajosa e otimista que impulsionou esses indivíduos a embarcar em uma jornada incerta. A história dessas migrações é um testemunho da tenacidade humana diante das adversidades. Mesmo diante de condições desumanas, doenças e incertezas, os imigrantes italianos perseveraram, motivados pela esperança de um futuro mais promissor e pelas oportunidades que a América poderia oferecer. Esses relatos históricos também ressaltam as deficiências nos sistemas de saúde e regulamentações de segurança da época, evidenciando a necessidade de melhorias significativas nas condições de viagem e nas práticas das companhias de navegação. O legado dessas experiências contribui para a compreensão da complexidade e das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes italianos durante o século XIX. Hoje, essas histórias servem como um lembrete poderoso do sacrifício, da resiliência e da determinação que moldaram as trajetórias de muitos que buscavam uma vida melhor além das fronteiras de sua terra natal. A imigração italiana para as Américas é uma parte fundamental da narrativa global de migrações, deixando um impacto duradouro na história e na cultura desses países. A coragem demonstrada pelos imigrantes italianos ao enfrentar adversidades inimagináveis durante suas travessias transatlânticas é um testemunho da força do espírito humano diante das circunstâncias mais difíceis. Ao escolherem "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte"), esses indivíduos não apenas buscaram uma vida melhor para si mesmos, mas também contribuíram para a construção de uma nova narrativa nas Américas. A frase encapsula a resiliência, a coragem e a esperança que guiaram esses pioneiros italianos através de uma jornada incerta em direção a um futuro desconhecido. A história das migrações italianas é marcada por sacrifícios, perdas e triunfos, mas, acima de tudo, é um testemunho da busca incessante por oportunidades e de um desejo inabalável de construir um futuro melhor para as gerações vindouras. Essa herança, embora muitas vezes esquecida, é uma parte vital da história das Américas, enriquecendo a tapeçaria cultural dessas nações e destacando a extraordinária resiliência daqueles que ousaram tentar a sorte em terras distantes.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

A Emigração Europeia para os EUA no Século XIX: Motivos, Mudanças e Impactos

 



A grande migração em massa da Europa para os Estados Unidos no século XIX teve como origem a grande crise agrária dos anos 1870 que afetou mais de 5 milhões de pessoas e foi em grande parte individual e masculina. O objetivo era buscar trabalho nos prósperos setores industriais americanos, muito mais desenvolvidos do que os europeus. As condições de origem dos migrantes europeus não eram tão críticas a ponto de obrigá-los a partir, tanto que a maioria se adaptou às condições de vida oferecidas em seu continente ou, no máximo, recorreu à migração interna.
O início da possibilidade de emigração para as Américas foi impulsionado pelo progresso naval na segunda metade do século XIX, com navios de casco metálico e cada vez maiores, o que reduziu tanto o custo, antes impraticável para um emigrante pobre, quanto a periculosidade da viagem. A data simbólica do início da emigração italiana para as Américas pode ser considerada 4 de outubro de 1852, quando foi fundada em Gênova a Companhia Transatlântica para a navegação a vapor com as Américas, cujo principal acionista era Vittorio Emanuele II da Sardenha. Esta companhia encomendou aos estaleiros navais de Blackwall os grandes navios a vapor gêmeos Genova, lançado em 12 de abril de 1856, e Torino, lançado em 21 de maio seguinte.
Neste período, ocorreram várias mudanças na migração transatlântica, com caráter social, laboral e comportamental. Houve uma transição da migração de famílias inteiras para a de indivíduos isolados, da migração para o estabelecimento rural para o trabalho nos setores industriais e, por fim, da emigração definitiva para uma emigração temporária, com uma espécie de "trabalho pendular" transatlântico. Essas tendências foram reforçadas pelas novas contratações de trabalho do tipo urbano-industrial nos EUA. Além disso, na Europa, havia a ideia difundida de uma maior liberdade e oportunidade de realização pessoal, bem como melhores chances de casamento no Novo Mundo. O século XIX ainda via vivo o sonho de muitos de conquistar riquezas nas terras americanas, para depois reinvesti-las ao retornar à pátria. No entanto, a migração de retorno foi escassa porque enfrentava altos custos e condições difíceis de viagem transatlântica, além de ser viável apenas se a migração fosse individual e não envolvesse o grupo familiar como um todo.
A emigração europeia para os Estados Unidos foi desigual, pois tinha diferentes objetivos e muitas vezes consistia em uma emigração individual com o propósito final de retorno à Europa depois de juntar algumas economias.



terça-feira, 11 de julho de 2023

Do Velho Mundo ao Novo Horizonte: A Emigração Italiana

 




No século XIX para emigrar os italianos precisavam alcançar os portos de embarque dos emigrantes em Gênova, Nápoles e Palermo. Alguns anos antes do início do grande êxodo, muitos italianos preferiam embarcar pelo porto francês de La Havre e também, depois do conflito mundial, pelo porto de Trieste. As rápidas melhorias no transporte ferroviário consentiram que por trem, vários portos em países europeus fossem mais facilmente alcançados, como, por exemplo, o porto francês de Le Havre, de onde no início era mais perto para os emigrantes das províncias do Norte embarcarem para os destinos americanos. O aumento número de partidas cresceu vertiginosamente a partir de 1875 até a véspera da Primeira Guerra Mundial e esse fenômeno é conhecido como "a grande emigração", no qual milhões de italianos deixaram o seu país natal em busca de trabalho e uma melhor vida em diversos países. Os destinos ultramarinos mais procurados pelos emigrantes italianos nesse período eram Brasil, Argentina e os Estados Unidos, países novos, que na ocasião, passavam por um notável desenvolvimento econômico e para suprir a falta de trabalhadores criaram mecanismos de incentivo para atração da mão de obra que na Itália estava sobrando. Ofereciam passagens gratuitas de navio e trens até o novo local de trabalho e em certos casos como no Brasil e na Argentina o emigrante poderia adquirir terras diretamente do governo em prestações anuais e um período variável de carência. Essa possibilidade de ser dono do pedaço de terra em que trabalhava, especialmente para os vênetos e lombardos, era um grande atrativo que vinha ao encontro do tão acalentado sonho daqueles pobres camponeses, acostumados por séculos a servir os senhores de terras e com eles dividir uma grande parte da colheita. Finalmente era a grande oportunidade de pôr um fim àquela situação de subserviência, de obedecer e calar sempre. No Brasil e na Argentina seriam donos de seus próprios destinos e não mais precisariam obedecer patrões. Era o que os agentes de viagens contratados para arregimentar mão de obra nas pequenas vilas e cidades narravam para o povo. Pobre ilusão, com exceção dos emigrantes que escolheram o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Em São Paulo e em outros estados, eles foram contratados como empregados, por proprietários de grandes fazendas de café, sem a possibilidade imediata de adquirir terras do governo. Nos próprios contratos de trabalho por eles firmados com os fazendeiros explicitava uma permanência mínima de quatro anos, sem direito à terra. Se conseguissem economizar até poderiam, após o vencimento do contrato, adquirir algum lote de terra, na periferia das pequenas cidades que surgiam próximas às grandes fazendas.
Após o fim do conflito mundial, a partir 1919/20 devido ao gradual fechamento das oportunidades nos Estados Unidos, houve uma renovação do êxodo em direção a destinos europeus, mas com um número reduzido de expatriados. Porém, as partidas para o Brasil e Argentina continuaram, sem os incentivos de financiamento pelos governos. No período que se seguiu a Segunda Guerra Mundial, as partidas para todos os destinos, sejam eles continentais ou intercontinentais, foram retomadas com um aumento significativo no número de emigrantes. A viagem, que ainda nos primeiros anos do século XIX poderia durar até um mês, era realizada em melhores condições do que no século anterior. Até o final do século XIX, os armadores italianos realizaram o transporte de emigrantes com uma frota obsoleta de veleiros no início e depois com lentos navios cargueiros a vapor, apressadamente adaptados para o transporte de seres humanos, para aproveitar o "boom" da emigração, aos quais a imprensa italiana da época denominava de "os navios de Lázaro" devido as inimagináveis condições de vida a bordo. Esses antigos navios alojavam os passageiros em número maior que a lei permitia, amontados em grandes salões onde as camas beliche eram todas localizadas na antiga estiva, nos porões dos navios, na maioria das vezes muito quentes e mal ventilados. Por falta de espaço eram obrigados a permanecer no convés durante uma grande parte do dia, sujeitos as variadas condições atmosféricas. Doenças pulmonares e intestinais eram frequentes e a mortalidade durante a travessia podia ser alta. No século XX os armadores italianos construíram diversos grandes navios de cruzeiro o que tornou as viagens muito mais rápidas e em condições de acomodações muito melhores. 
Ao chegarem à América os emigrantes tomaram contato com a dura realidade e de imediato perceberam que ela não era como haviam sonhado. As facilidades tão apregoadas pelos agentes de viagens, principalmente nos Estados Unidos, quando ainda no porto, tiveram que se submeter a pesadas formalidades burocráticas, com diversos exames médicos que rejeitavam a permanência para os portadores de doenças debilitantes. Aqueles que conseguiam passar no rigoroso exame médico eram tratados e negociados como animais em uma feira. Com o passar dos anos, com a finalidade de limitar o afluxo de novos imigrantes, as autoridades americanas promulgavam seguidamente uma série de medidas tornando mais rigorosas as inspeções de saúde durante a quarentena e mais tarde estabeleceram cotas anuais de entrada para cada nacionalidade. Tanto no Brasil como na Argentina, o exame médico e as normas governamentais de imigração não eram tão rígidas, mas, por outro lado, as condições de transporte, a necessidade de fazerem diversos transbordos para trens ou embarcações menores, até finalmente conseguirem chegar ao local pré-estabelecido pelas autoridades, geralmente localizadas em locais muito distantes, eram demoradas, difíceis e causavam muito sofrimento aos recém-chegados. 


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS