Mostrando postagens com marcador migração. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador migração. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O Impacto da Emigração na Economia Italiana: Remessas, Consumo e Comércio

 


"Havia uma grande miséria! Sim... sim... você encontrava algo para comer, mas acredite, havia uma grande miséria e era uma sorte se podia-se encontrar uma maneira de ir embora, para o exterior!"

A partir de 1876 até o início da I Grande Guerra, o êxodo de emigrantes da Itália, uma verdadeira fuga desordenada e sem precedentes, decorrente da somatória de fenômenos econômicos e sociais de ordem interna e internacional, tais como: a consolidação nacional, os avanços da revolução industrial, o crescimento acelerado do capitalismo europeu e a abertura de novas fronteiras além-mar, que simultaneamente geraram tanto fenômenos de repulsão quanto de atração da mão de obra. Um dos fatores decisivos foi a disparidade salarial: aqueles que decidiam emigrar se beneficiavam dos salários mais altos oferecidos pelo país de destino, enquanto os que permaneciam eram "compensados" com aumentos salariais relacionados ao novo equilíbrio do mercado de trabalho resultante, ou seja, o excesso de demanda de trabalho.
Nesse período aproximadamente 40% da população italiana vivia próximo ou abaixo da linha de pobreza absoluta. A expectativa de vida ao nascer era muito baixo, em torno de trinta anos; quatro em cada cinco italianos não sabiam ler e escrever. Em 1861, a renda per capita, em termos de paridade de poder de compra, era aproximadamente metade daquela da Grã-Bretanha e cerca de dois terços da praticada na França. No entanto, a disparidade na distribuição de renda era marcante, embora a diferença entre as regiões do Norte e do Sul provavelmente fosse menos acentuada do que se tornaria mais tarde. A partir de 1911, começaram a surgir os contornos de uma nova geografia econômica do país: nas três regiões do "triângulo industrial", o PIB per capita aumentou consideravelmente, enquanto nas regiões do Sul começou a declinar; em 1921, essa área do país já podia ser considerada como atrasada em termos de desenvolvimento.
Entre 1851 e 1914, o mercado de trabalho tornou-se global e transcendente às fronteiras nacionais. As pessoas puderam emigrar graças a dois fatores principais: a livre circulação da mão de obra, que estabeleceu, pela primeira e possivelmente pela última vez, um mercado internacional de trabalho; e os avanços tecnológicos no campo dos transportes, como por exemplo a popularização dos trens e dos navios movidos a vapor, muito mais rápidos daqueles a vela antes em uso. Nesse período, ocorreu uma verdadeira revolução nos transportes: ferrovias e navios a vapor cada vez mais rápidos encurtaram as distâncias, permitindo que os trabalhadores viajassem rapidamente e a preços em constante queda.
Por outro lado, os valores que os emigrantes enviavam para Itália eram consideradas como uma incrível chuva de ouro. Assim diversas autoridades italianas da época definiam, o importante influxo de capitais em direção ao país, entre os séculos XIX e XX. Uma avaliação precisa dessas remessas é extremamente complexa, e aquela encontrada nos dados oficiais certamente é subestimada, pois se baseia apenas na contabilização das remessas "visíveis", ou seja, os vales internacionais postais, consulares e bancários. Entre 1902 e 1905, a média anual das remessas "visíveis" foi de mais de 160 milhões de liras correntes.
Uma grande parte das remessas era de fato "invisível", ou seja: as economias confiadas a amigos e parentes que retornavam, ou a corretores de câmbio e banqueiros privados. Esse influxo de dinheiro se distribuiu principalmente nas áreas mais marginais e pobres do país. A chegada de uma soma em dinheiro era vista pelos conterrâneos como um dos argumentos mais convincentes para emigrar.
Além de melhorar o padrão de vida das famílias dos emigrantes, especialmente das regiões do norte, as remessas aumentaram a disponibilidade de moeda estrangeira da Itália e permitiram o impulso da industrialização do país, muito atrasada em relação a diversos países europeus.
Um efeito positivo do incremento da emigração foi o aumento progressivo e significativo do tráfego marítimo nos principais portos italianos. Em 1902, as demandas por produtos de consumo "popular", quase exclusivamente para uso dos italianos emigrantes, especialmente para os Estados Unidos, aumentaram consideravelmente, especialmente em vinhos, bebidas alcoólicas, massas, legumes, queijos, frutas, tabaco, drogas, totalizando cerca de 40 milhões de liras.
De 1862 a 1939, as exportações cresceram mais rapidamente do que as importações. O crescimento do comércio foi muito desigual durante os diferentes períodos, mas ambos os fluxos aumentaram mais rapidamente no período inicial pós-unificação, diminuindo a partir da guerra comercial com a França, em 1887, até 1914.




sexta-feira, 9 de agosto de 2024

São Paulo: Um Epicentro da Imigração Italiana no Brasil



Após a unificação da Itália em 1870, o país se viu imerso em uma onda migratória em resposta à pobreza e instabilidade econômica. Enquanto isso, o Brasil, em meio ao processo de abolição da escravidão e de industrialização, empenhava-se em atrair imigrantes para impulsionar sua economia em mutação.
Os italianos embarcaram em jornadas rumo a novas terras impulsionados por desafios econômicos e dinâmicas socioculturais. O intenso fluxo migratório italiano teve início após a unificação da Itália em 1870. Inicialmente, uma grande parcela desses imigrantes trabalhou nas plantações de café, porém, diante das dificuldades em acumular capital, muitos migraram das fazendas para os centros urbanos em busca de oportunidades. São Paulo tornou-se um epicentro italiano, ganhando o apelido de “cidade italiana”, pois os imigrantes encontraram emprego principalmente na indústria e nos serviços urbanos. Em 1901, os italianos representavam cerca de 90% dos 50.000 trabalhadores nas fábricas paulistas.
Com o fim do sistema escravocrata, entre 1885 e 1902, uma política migratória favorecia os italianos. Posteriormente, entre 1902 e 1920, São Paulo implementou suas próprias estratégias para atrair imigrantes. Esse período foi marcado pela chegada de mais de 1 milhão de italianos em São Paulo até 1920, conforme registros de alguns pesquisadores.
Após o término do regime escravocrata, uma estratégia de imigração foi estabelecida entre os anos de 1885 e 1902, com uma preferência clara pelos italianos. Este período de políticas migratórias distintas teve um impacto significativo na composição étnica e cultural do Brasil, especialmente nas regiões que receberam esses fluxos migratórios em maior intensidade.
Ao chegar ao Brasil, os imigrantes italianos direcionavam seus passos para os estados centrais em ascensão, como São Paulo, onde vislumbravam promissoras perspectivas. Essa inclinação reverberava na composição demográfica paulista, que em 1920 abrigava aproximadamente 9% da população italiana do Brasil, representando cerca de 70% do total de italianos no país naquele período.
Não é por acaso que São Paulo em determinado momento tenha sido apelidada de "cidade italiana". O impacto desses imigrantes na cultura local era palpável, permeando não apenas os aspectos linguísticos, culinários e vestimentas, mas também na persistência de sobrenomes que até hoje ecoam a ascendência italiana.



quarta-feira, 17 de julho de 2024

Entre a Esperança e a Adversidade: A Saga dos Italianos Rumo à América



Durante o período de 1876 a 1920, aproximadamente 9 milhões de italianos deixaram sua pátria em busca de melhores condições de vida, impelidos pela pobreza e pela desesperança econômica. Essa migração em massa iniciou-se sob a égide da esperança, alimentando o sonho de uma terra distante que muitos retratavam como um paraíso na Terra: a América. Os destinos principais eram os Estados Unidos, Argentina e Brasil, onde muitos camponeses e artesãos viam na emigração a última chance de escapar da fome e da miséria.
Após a unificação italiana, a elite não apenas não reprimiu essa saída em massa, mas a viu como um alívio para as tensões sociais. Em 1888, foi promulgada a primeira lei oficial reconhecendo o direito de emigrar, o que facilitou o trabalho das agências que persuadiam os pobres a partir. A maioria das autoridades italiana entre os quais Sidney Sonnino, ministro liberal das Finanças e do Tesouro de 1893 a 1896, viam a emigração como uma "válvula de segurança para a paz social".
No entanto, o caminho rumo à América não era fácil. Os emigrantes enfrentavam tremendas dificuldades desde o recrutamento por agentes desonestos até as condições desumanas nos navios superlotados que cruzavam o Atlântico. Muitas vezes tratavam-se de embarcações de carga adaptadas, onde as condições higiênicas eram terríveis, com alta incidência de doenças como o cólera e uma mortalidade infantil alarmante.
Além das dificuldades físicas, os italianos enfrentaram desafios emocionais intensos ao se despedirem de suas terras natais. A nostalgia pela pátria era uma constante durante a travessia, evocada nas canções populares que lamentavam a distância crescente de suas cidades amadas.
Nos destinos finais como Argentina e Brasil, os recém-chegados eram recebidos em condições muitas vezes precárias, como o famoso "Hotel degli Immigrati" em Buenos Aires, onde eram alojados temporariamente em condições indignas.
Apesar dos perigos e das adversidades, a emigração italiana deixou uma marca indelével na história desses países receptores, contribuindo significativamente para seus desenvolvimentos econômicos e sociais.
Adicionalmente, a emigração italiana não foi apenas uma fuga das dificuldades, mas também um fenômeno complexo que moldou profundamente a identidade e a cultura desses países de destino. Os italianos trouxeram consigo não apenas habilidades laborais, como na agricultura e na construção civil, mas também valores familiares fortes e tradições culinárias que enriqueceram a vida cotidiana das comunidades onde se estabeleceram. A diáspora italiana não se limitou apenas aos centros urbanos; muitos italianos contribuíram para o desenvolvimento de áreas rurais, ajudando a transformar vastas extensões de terras em campos produtivos.
A experiência da emigração italiana também foi um catalisador para movimentos sociais e políticos tanto na Itália quanto nos países de destino. Movimentos anarquistas e sindicatos de trabalhadores formados por italianos no exterior desempenharam papéis importantes na luta por direitos trabalhistas e na defesa da justiça social. Essas comunidades transnacionais não apenas mantiveram laços estreitos com suas terras natais, mas também contribuíram para o desenvolvimento de uma consciência global entre os italianos e seus descendentes ao redor do mundo.


sexta-feira, 21 de junho de 2024

Jornada Perigosa: O Drama da Imigração Italiana nas Américas no Século XIX

 


No final do século XIX, a imigração em massa italiana para as Américas tornou-se uma séria preocupação devido às condições desumanas nos navios. Superlotação, más condições de higiene e surtos de doenças infecciosas, como cólera, tifo e sarampo, eram enfrentados pelos imigrantes. As autoridades sul-americanas, preocupadas com riscos sanitários, recusavam a entrada de navios europeus, resultando em incidentes dramáticos. A história do navio Matteo Bruzzo, rejeitado a tiros em Montevideo em 1884 após casos de cólera, ilustra a negligência das companhias de navegação. Viagens como a do navio Remo, em 1893, revelam condições desumanas, com alimentos escassos e epidemias, enquanto a falta de regulamentações eficazes contribuiu para incidentes de envenenamento. A saúde precária, superlotação e falta de cuidados médicos adequados tornaram as viagens transatlânticas uma jornada perigosa e angustiante para os imigrantes italianos do século XIX. Além dos perigos óbvios, como cólera e febre amarela, as condições de vida nos navios eram desoladoras. A superlotação nas áreas de terceira classe, destinada aos passageiros com preços mais acessíveis, era extrema. Incidentes como o do navio Carlo Raggio em 1888, com 18 mortes por fome, e do Piroscafo Pará em 1889, com uma epidemia de sarampo que matou 34 pessoas, destacam a extrema vulnerabilidade dos passageiros. As empresas de navegação, mesmo cientes das condições adversas, continuaram a lotar os navios, ignorando os alertas e experiências passadas dos próprios imigrantes. Mesmo com a conscientização na Itália, expressa através de cartas e relatos, as companhias buscavam maximizar os lucros, preenchendo os navios em cada viagem transatlântica. A higiene precária e a falta de cuidados médicos adequados levaram a surtos de difteria, tuberculose e outros males. A história do Piroscafo Remo, em 1893, ilustra a prontidão em descartar doentes para evitar a propagação de epidemias, mesmo quando isso resultou em mortes evitáveis. O retorno dos navios também apresentava desafios, incluindo incidentes de envenenamento devido a más condições de armazenamento de alimentos. Regulamentações de higiene alimentar foram introduzidas em 1890, mas sua eficácia era limitada. A preocupação com epidemias, a superlotação, a má nutrição e a falta de assistência médica eram uma constante para os imigrantes italianos. A despeito dessas dificuldades, alimentados pela esperança de uma vida melhor, eles continuaram a embarcar em navios em direção às Américas, enfrentando incertezas e perigos para tentar construir um futuro mais promissor no Novo Mundo. A experiência dos imigrantes italianos no século XIX, apesar dos desafios e perigos enfrentados nas travessias transatlânticas, era impulsionada por uma mistura de desespero e esperança. Muitos venderam tudo o que tinham para financiar a viagem, enquanto outros partiram na tentativa de se reunir com familiares no Brasil e em outros países das Américas. A notícia devastadora de que, após uma longa jornada em condições desesperadoras, 1.500 pessoas não seriam permitidas no Brasil gerou desânimo e desespero entre os passageiros do Piroscafo Remo. O retorno desses navios após as dificuldades encontradas também foi uma prova da resiliência e força dos imigrantes. Após 70 dias de viagem, incluindo uma parada forçada na ilha de Asinara, na Sardenha, para quarentena, o Piroscafo Remo chegou de volta a Gênova, tendo perdido 96 vidas no percurso. A falta de cuidados médicos adequados e as condições precárias persistiam nas viagens, e as companhias de navegação hesitavam em assumir os custos para melhorar a qualidade dos serviços a bordo. A luta contra epidemias, envenenamentos alimentares e outros males continuava a assombrar os imigrantes que buscavam uma vida melhor do outro lado do oceano. Essa época deixou um legado de coragem e resiliência, pois os imigrantes italianos enfrentaram adversidades inimagináveis em sua busca por oportunidades nas Américas. O preço humano pago durante essas jornadas é uma parte significativa e muitas vezes esquecida da história das migrações. Em uma canção dos imigrantes italianos, reflete a mentalidade daqueles que, apesar das incertezas e perigos, escolheram enfrentar os desafios da travessia oceânica em busca de uma vida melhor. A frase "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte") encapsula a atitude corajosa e otimista que impulsionou esses indivíduos a embarcar em uma jornada incerta. A história dessas migrações é um testemunho da tenacidade humana diante das adversidades. Mesmo diante de condições desumanas, doenças e incertezas, os imigrantes italianos perseveraram, motivados pela esperança de um futuro mais promissor e pelas oportunidades que a América poderia oferecer. Esses relatos históricos também ressaltam as deficiências nos sistemas de saúde e regulamentações de segurança da época, evidenciando a necessidade de melhorias significativas nas condições de viagem e nas práticas das companhias de navegação. O legado dessas experiências contribui para a compreensão da complexidade e das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes italianos durante o século XIX. Hoje, essas histórias servem como um lembrete poderoso do sacrifício, da resiliência e da determinação que moldaram as trajetórias de muitos que buscavam uma vida melhor além das fronteiras de sua terra natal. A imigração italiana para as Américas é uma parte fundamental da narrativa global de migrações, deixando um impacto duradouro na história e na cultura desses países. A coragem demonstrada pelos imigrantes italianos ao enfrentar adversidades inimagináveis durante suas travessias transatlânticas é um testemunho da força do espírito humano diante das circunstâncias mais difíceis. Ao escolherem "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte"), esses indivíduos não apenas buscaram uma vida melhor para si mesmos, mas também contribuíram para a construção de uma nova narrativa nas Américas. A frase encapsula a resiliência, a coragem e a esperança que guiaram esses pioneiros italianos através de uma jornada incerta em direção a um futuro desconhecido. A história das migrações italianas é marcada por sacrifícios, perdas e triunfos, mas, acima de tudo, é um testemunho da busca incessante por oportunidades e de um desejo inabalável de construir um futuro melhor para as gerações vindouras. Essa herança, embora muitas vezes esquecida, é uma parte vital da história das Américas, enriquecendo a tapeçaria cultural dessas nações e destacando a extraordinária resiliência daqueles que ousaram tentar a sorte em terras distantes.



domingo, 19 de maio de 2024

Precursores da Grande Emigração




A Saga dos Vendedores Ambulantes Itinerantes na Itália

Partiam a pé, carregando nas costas uma grande caixa de madeira sustentada por duas alças de couro. Dentro dela, guardavam uma variedade de itens coloridos: imagens religiosas, baralhos de cartas, a imagens conhecidas também como cromo. Suas jornadas os levavam por caminhos longínquos, distanciando-se de casa por meses, até anos. Eles vendiam estampas coloridas de paisagens ou santos, produzidas pela renomada impressora Remondini de Bassano del Grappa, que alcançavam os cantos mais remotos do país: uma editora de destaque naquela época, dominando o setor mundialmente. O habitantes da zona em torno a Bassano del Grappa, encontrava nesse trabalho uma forma de amenizar a extrema pobreza em que viviam. Partiam de Asiago, da Valstagna, de Fastro, de Crespano, de Possagno e tantas outras. Deixavam as suas pobres casas e ganhavam a Europa.

A profissão de vendedor ambulante era bastante comum na região do Bassanese, entre os séculos 17 e 18. Destacava-se quem comercializava as estampas de Remondini de casa em casa, pelas vilas e cidades na Península e no vasto Império Austríaco, onde eram conhecidos como cromer (Krommer), na França, Suíça, Inglaterra, Dinamarca, Alemanha, Polônia, até mesmo em São Petersburgo e além. Esses "viajantes comerciais" foram pioneiros que deram lugar para as futuras ondas de emigrantes que se seguiram, passando a seguir, pelas "rondine", uma forma de migração sazonal, que aproveitava a diminuição do trabalho nos campos, deslocamento dentro da própria Europa, que antecedeu a emigração definitiva. Eles anteciparam, em cerca de cem anos, o gigantesco êxodo que levaria milhões de italianos ao Novo Mundo nos séculos seguintes.

Algumas décadas se passaram e os vendedores das populares estampas transformaram-se em vendedores de cerâmica, vidro e cristal, conhecidos como "maiolini". Carregando consigo as caixas nas costas, amarradas por cintos de couro, eles percorriam a pé, vendendo seus produtos de porta em porta, passando por vilas e cidades, oferecendo taças, garrafas, jarros e cristais. Eram numerosos também os "maiolini" na primeira metade do século 18, principalmente nas regiões montanhosas e nos vales. Experimentaram um período de sorte que logo se dissipou. O trabalho árduo e arriscado os mantinha longe de casa, levando uma vida errante. Alguns nunca mais retornaram; outros, saqueados por bandidos, foram forçados a desistir. Mas muitos, ao final, estabeleceram-se onde chegaram, montando suas próprias lojas. Ainda hoje há alguns (na Lombardia, no Veneto, na Emília, no Tirol...) que revivem os tempos da emigração a pé, com a caixa nas costas.

Em poucos anos, começaram a surgir os primeiros sinais de transformação profunda no velho continente. A Europa estava em expansão: construíam-se estradas, galerias, pontes, e uma impressionante rede ferroviária. Para realizar essas grandes obras públicas, centenas de milhares de trabalhadores migravam de um país para outro. Foi nesse contexto de movimentos a pé, de migração temporária que a emigração italiana deu seus primeiros passos e se consolidou.






quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Da Sicília ao Brasil: Uma Saga de Coragem em Campinas



Era o ano de 1868, em uma pequena vila no interior da Sicília, onde o sol dançava sobre as colinas de Agrigento, banhando tudo em uma luz dourada e perfumada pelo aroma do Mediterrâneo. Foi nesse cenário que Aniello viu pela primeira vez a luz do dia, em uma casa modesta na zona rural.
A família, composta por pequenos agricultores, enfrentava desafios para obter o sustento a partir de uma parcela de terra com menos de um hectare, que eles arrendavam. O ambiente que antes era idílico e próspero agora estava imerso em dificuldades devido a vários anos de conflitos pelo poder. A unificação da Itália resultou em um aumento significativo de impostos e taxas, levando a economia local à ruína. Aniello, o filho mais velho, sentia a responsabilidade de alimentar não apenas a si mesmo, mas também seus pais, esposa Maria Giovanna, três irmãs e quatro irmãos mais jovens.
Os ventos da mudança sopraram na forma de oportunidades além do horizonte. O Brasil, um vasto país sul-americano, oferecia uma promessa de esperança. O governo brasileiro buscava mãos trabalhadoras e, generosamente, concedia passagens gratuitas para aqueles dispostos a emigrar. Aniello, encantado com a perspectiva, assinou um contrato de quatro anos com uma empresa que representava uma imensa fazenda de café em São Paulo.
Em dezembro de 1888, ele e Maria Giovanna, abençoados pelos pais e emocionados com as despedidas dos irmãos, embarcaram no navio Príncipe de Astúrias, partindo de Nápoles rumo ao Brasil. A viagem, no entanto, não foi uma jornada fácil. O navio estava superlotado, com a falta de água potável e alimentos causando tumulto entre os passageiros. Nos porões úmidos e escuros, a falta de higiene tornava o ar insuportável.
Ao cruzarem o equador, enfrentaram tempestades que deixaram todos a bordo aterrorizados. Contudo, a esperança os guiou, e finalmente, em dezembro de 1888, Aniello e Maria Giovanna pisaram em solo brasileiro, prontos para enfrentar os desafios que a nova vida lhes reservava.
Chegando ao Brasil pelo porto de Santos, Aniello e Maria Giovanna foram recebidos pelos empregados das fazendas que os aguardavam. Após serem examinados, seguiram para o interior do estado de São Paulo, onde a maioria dos 1260 passageiros permaneceu; quase 500 deles foram para diferentes destinos, como o Rio Grande do Sul. Subiram a Serra do Mar até a capital, São Paulo, onde ficaram dois dias hospedados na Hospedaria dos Imigrantes, antes de embarcar em um trem rumo às fazendas que os contrataram.
A fazenda de Aniello e Maria Giovanna era uma propriedade vasta, administrada por um capataz; uma terra que já havia testemunhado os dias da escravidão, com mais de 300 escravos. Era coberta por milhares de pés de café, uma visão que se tornaria familiar ao casal nos anos seguintes. No segundo ano na fazenda Arari, receberam a bênção do nascimento de Pasquale, o mesmo nome do pai de Anielle, homenageando assim a tradição familiar.
Após os quatro anos iniciais, Aniello e Maria Giovanna decidiram permanecer por mais algum tempo na fazenda. Dois anos depois, com o nascimento de Salvatore, vislumbraram uma nova oportunidade que chegou através da informação de um amigo. Deixaram a fazenda e mudaram-se para Campinas, uma cidade já significativa, onde Aniello começou a trabalhar em um pastifício local. Inicialmente, alugaram uma casa na periferia, mas à medida que o tempo passava, adquiriram um lote de terra e construíram sua própria casa.
Em Campinas, a família Aniello floresceu, recebendo a chegada de mais cinco filhos: Maria Augusta, Nicola, Alessandro, Luigia e Caterina. O passado na Sicília e a jornada através do Atlântico deram origem a uma nova história, cheia de desafios superados e sucessos conquistados. Assim, na terra prometida do Brasil, a família cultivou não apenas café, mas também raízes profundas que se estenderam por gerações. O legado de Aniello e Maria Giovanna se entrelaçou com o tecido de Campinas, uma tapeçaria rica em histórias de coragem, esperança e resiliência.