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quinta-feira, 24 de julho de 2025

A Odisseia de um Imigrante Italiano


Enrico Castellari 

A Odisseia de um Imigrante


Em 1899, já no final do século, Enrico Castellari, um agricultor mantovano, vivia os dias difíceis de uma Itália marcada pela fome, desemprego e crise social. Com 34 anos, Enrico era um homem dedicado à família e ao trabalho na pequena localidade rural de Piubega. Contudo, as terras de sua região, empobrecidas por décadas de cultivo intensivo, já não ofereciam o sustento necessário para ele, sua esposa Rosa e seus dois filhos, Carlo e Bianca.

A decisão de emigrar surgiu como uma luz em meio às trevas. Nos dias sombrios em que o peso da fome apertava e os campos, antes férteis, se tornavam incapazes de sustentar a família, a visita de um agente de imigração trouxe um misto de esperança e incerteza. Ele passava pelas pequenas cidades e vilas italianas com discursos eloquentes, pintando o Brasil como um paraíso distante. "Uma terra onde a riqueza brota do solo e o trabalho honesto é recompensado", dizia ele, enquanto distribuía panfletos e mostrava ilustrações de vastos campos e famílias sorridentes.

Enrico ouviu falar do agente durante a missa dominical. A pequena igreja de pedra ecoava murmúrios sobre as promessas da nova terra, e, embora muitos hesitassem, ele sentiu algo despertar dentro de si. Movido pela esperança e pelo desespero, reuniu-se com o agente na praça principal de sua aldeia. A conversa foi breve, mas cada palavra parecia carregar um peso imenso: uma promessa de futuro ou uma armadilha disfarçada de oportunidade.

Após dias de reflexão e noites insones, Enrico tomou sua decisão. Vendeu seus poucos pertences: a velha carroça, os utensílios de cobre herdados da mãe, e até mesmo o pequeno rebanho que restava. Com o dinheiro, comprou passagens para ele e sua esposa no próximo navio que zarparia de Gênova rumo ao Brasil. A visão da travessia era ao mesmo tempo assustadora e excitante; o desconhecido os atraía como um chamado irresistível.

Enquanto empacotava os poucos pertences que restaram, Enrico sentiu um nó na garganta ao dobrar as roupas simples de trabalho e guardar o velho rosário que pertencera ao seu pai. Sua casa de pedra, pequena e humilde, parecia agora mais cheia de memórias do que de paredes. Ao lado da esposa, olhou pela última vez para os campos que os viram crescer e sofrer. A terra que sempre fora seu lar agora era apenas um peso de dor e despedida. O dia da partida chegou sob o céu cinzento de uma manhã fria. A vila inteira parecia estar presente para se despedir daqueles que embarcavam na jornada. Lágrimas se misturavam com sorrisos encorajadores, enquanto Enrico subia na carroça que os levaria ao porto. O som das rodas no cascalho parecia marcar o início de uma nova vida.

A jornada começou em Gênova, onde o cais fervilhava de atividade. Homens gritavam ordens, bagagens eram empilhadas desordenadamente, e o cheiro de maresia misturava-se ao aroma agridoce da ansiedade que pairava no ar. Enrico e sua família chegaram cedo, mas mesmo assim enfrentaram longas horas de espera. O navio a vapor, um gigante metálico com chaminés que cuspiam fumaça negra, parecia quase vivo, com suas máquinas ruidosas e tripulação apressada.

Quando finalmente embarcaram, foram direcionados ao convés inferior, um espaço apertado e abafado que parecia mais uma caverna metálica do que um lar temporário. Ali, centenas de famílias se amontoavam com suas posses, tentando criar alguma ordem no caos. O calor era insuportável, e o ar pesado trazia uma sensação de sufocamento constante. Bebês choravam, mães cantavam baixinho tentando acalmá-los, e o murmúrio de orações em diferentes dialetos italianos preenchia os momentos de silêncio.

Durante as semanas no mar, enfrentaram desafios que testaram tanto o corpo quanto o espírito. Os mares revoltos balançavam o navio de forma implacável, deixando muitos à mercê do enjoo e do desespero. As doenças, inevitáveis em um ambiente tão insalubre, começaram a se espalhar rapidamente. A febre e a tosse eram visitantes frequentes entre os passageiros. Rosa, sempre vigilante, cuidava de Bianca com uma devoção incansável, enquanto Carlo, com sua energia infantil, encontrava maneiras de transformar aquele espaço limitado em um campo de brincadeiras, usando um pedaço de corda como um jogo improvisado.

Enrico, por sua vez, passava longos momentos em silêncio, observando a família e refletindo. Ele se perguntava se havia tomado a decisão certa. A saudade do que haviam deixado para trás era uma dor persistente, um peso invisível que carregava a cada instante. No entanto, cada vez que olhava para Rosa embalando Bianca, ou ouvia o riso inocente de Carlo, sentia uma centelha de esperança. Talvez o sacrifício valesse a pena.

Então, um dia, após o que parecia uma eternidade, o navio entrou em águas mais calmas. A tripulação começou a correr pelo convés, e um burburinho tomou conta do ambiente. Enrico subiu ao convés superior, seguido por Rosa, que carregava Bianca, e por Carlo, com os olhos brilhando de curiosidade. Lá, no horizonte, ele viu pela primeira vez o porto do Rio de Janeiro. Montanhas imponentes erguiam-se contra o céu azul, enquanto as águas reluziam sob o sol. A paisagem era majestosa, quase surreal. Enrico sentiu um nó na garganta; as dúvidas que o haviam assombrado começaram a se dissipar. Ele segurou a mão de Rosa com firmeza, compartilhando com ela aquele momento que parecia um sonho. “Estamos aqui”, sussurrou, mais para si mesmo do que para ela. Era o começo de uma nova vida, e pela primeira vez em muito tempo, ele acreditou que poderiam vencer.

Do Rio de Janeiro, a família seguiu para o Espírito Santo. Após dias costeando a praia, chegaram ao porto de Vitória e, dali, foram transportados em pequenos barcos para uma colônia chamada São Antônio. Giuseppe Artioli, um italiano que já vivia ali há anos, os acolheu e explicou as dificuldades que enfrentariam.

“Essa terra é generosa, mas precisa ser domada”, disse Giuseppe. As terras designadas a Enrico eram vastas, mas cobertas por uma floresta densa e desconhecida. Ele passou os primeiros dias limpando o terreno, aprendendo sobre o clima e tentando se adaptar à comida local. A mandioca, o feijão e as frutas tropicais eram estranhos ao paladar lombardo, mas, com o tempo, tornaram-se parte de sua dieta.

O cultivo do café era a principal promessa de riqueza. Enrico, com a ajuda de Rosa e Carlo, começou a plantar as primeiras mudas. O trabalho era extenuante, mas ele nunca reclamava. Cada semente plantada representava a esperança de um futuro melhor.

A floresta também era fonte de aventura e perigo. Carlo adorava explorar, mas Enrico sempre o alertava sobre os animais selvagens. Certo dia, um grupo de colonos encontrou uma preguiça gigantesca, que despertou a curiosidade de todos. “Esse lugar é cheio de surpresas”, disse Rosa, sorrindo.

A colônia era um mosaico de culturas. Italianos, alemães, franceses e suíços conviviam, trocando conhecimentos e experiências. As ocasionais festas comunitárias, onde se misturavam músicas italianas e danças locais, eram momentos de união e alegria.

Enrico começou a ensinar os vizinhos sobre técnicas de cultivo que havia aprendido na Lombardia. Em troca, aprendeu a lidar com as particularidades do solo brasileiro. “Aqui, todos dependem de todos”, dizia ele.

À noite, quando o trabalho terminava, Enrico escrevia cartas aos parentes que haviam ficado na Itália. Contava sobre as dificuldades, mas também sobre as conquistas. “Esta terra é diferente de tudo que conhecemos, mas tem um potencial imenso. Se tivermos coragem, construiremos algo grandioso”, escreveu ao irmão Matteo.

A saudade era uma constante. Rosa, às vezes, chorava ao lembrar dos campos da Lombardia. Mas Enrico a consolava dizendo: “Estamos plantando nossas raízes aqui. Um dia, nossos netos falarão deste lugar como sua casa.”

Anos se passaram, e a família Castellari prosperou. O café floresceu nas terras de Enrico, e sua colônia tornou-se um exemplo de sucesso. Carlo cresceu e começou a ajudar o pai, enquanto Bianca se tornou uma jovem forte e alegre, adaptada à vida no Brasil.

Enrico Castellari nunca voltou à Itália, mas seu espírito aventureiro e sua dedicação deixaram um legado. Ele e Rosa encontraram no Brasil não apenas um novo lar, mas uma nova identidade, onde as raízes italianas se misturaram com o solo brasileiro, criando uma história de coragem, resiliência e esperança. 

Nota do Autor

Escrever Enrico Castellari: A Odisseia de um Imigrante foi como traçar um mapa das complexas emoções e desafios que envolvem o ato de recomeçar em terras desconhecidas. Inspirada em histórias reais de imigrantes italianos, esta obra é uma homenagem à coragem daqueles que, movidos pela necessidade e pela esperança, deixaram para trás suas raízes para plantar novas em um solo distante.

Enrico Castellari é mais do que um personagem; ele é um símbolo da resiliência humana e da capacidade de sonhar mesmo em tempos de adversidade. A narrativa busca capturar não apenas os grandes feitos, mas também os pequenos momentos de dúvida, dor e triunfo que marcam a jornada de cada imigrante. Ao mergulhar nas dificuldades da viagem transatlântica, nos desafios do trabalho árduo e no esforço para adaptar-se a uma cultura diferente, espero que o leitor possa sentir a profundidade da luta e da fé de famílias como a de Enrico. Mais do que um relato histórico, esta é uma história sobre a alma humana, que persevera e floresce mesmo nas condições mais difíceis.

Dedico este livro aos descendentes daqueles que vieram antes de nós, que trazem em seu sangue a força de seus ancestrais, e a todos que acreditam no poder transformador da esperança. 

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



terça-feira, 1 de julho de 2025

Odissea de Vittorio Marani


Odissea de Vittorio Marani

L’inverno del 1875 el ze rivà impetuoso sora la pìcola frasion de Castel San Giovanni, fra le coline de la provìnsia de Piacenza. El vento el penetrava tra le pareti de le case de piera, portando con el l’eco de le fatiche che no se podea pì gnorar. Vittorio Marani, un contadin de 32 ani, el savea che quel zera el fin de un’era par la so famèia. Le tere che par generassion i Marani i gavea coltivà, le zera consumà, no bone par dà la racolta necessària a mantegner la tola.

Con i piè interà ´nte la neve ùmida, Vittorio el se fermava a vardar par l’ùltima olta i campi che prima i zera vivi, adesso redoti a un mare de tera nera con l’inverno. Da canto, Giulia, la so mòier, la tegnia streta la man de Rosa. La putela de sinque ani la vardava el orisonte con curiosità, sensa capir che quel zera un adio par sempre. Vittorio el la ga strinse el so capoto stracà contro el peto, sentindo el peso de quel momento. La resolussion de partir par el Brasile, benché presa par necessità, la portava su un misto de colpa e speransa.

El viaio el ga scominsià con un adio corto e doloroso. Famèie e amissi i ze radunà ´ntela piasseta, un posto pìcolo dominà da na cesa de piera e na fontana che ogni inverno la se gelava. I abrassi i ze stà pì longhi de le parole, e quando el toco de la campana de la cesa el sonava, Vittorio el ze montà su la carossa con la so famèia, direti a la stassion del treno pì vissin.

El treno, na màchina de fero che sbufava vapor e scintile, el zera là come ´na bèstia che dormiva. El vagon, pien de emigranti, el gavea ogni sorte de roba e stòrie che la gente la preferiva desmentegarse. El movimento del treno, el rumore dei roti sora i trili e l’odore de fumo misto al sudor umano i zera ´na novità e ´na promessa de quel che zera da vegnir. Durante el trageto fin a Genova, Giulia la tegnea Rosa in colo e la vardava fora, in silénsio, con el viso bianco che rifletea l’incertessa del futuro. Vittorio, sentà da canto, el gavea na fàssia sèria, ma i so òci i zera un mar de pensieri.

Quando finalmente lori i ze rivà a Genova, la imagine del porto la ze stà na scossa. Le barchete le zera in contìnuo movimento: i scaricatori i portava le casse con na velossità impressionante, i venditori ambulanti i strilava con vosi roche che se confondeva con el rumore del porto, e i emigranti i zera dispersi in file desordenà, con òci pien de speranse e paure sercando de capir i ordini gridà da un omo in uniforme scolorì. L’ària la gavea un misto de odor de sal, carbon e pesse, che la pareva impregnar ogni canton.

El vapor che i aspetava, el San Giorgio, el gavea na presenssia granda e intimidente. I lati de ferro, coperti de fuligin, i rifleteva na luce opaca de inverno. I àlbari alti se stagliava contro el cielo griso, e el rumore contìnuo de le onde contro el navio el zera un ricordo del vasto mar che i gavea da traversar. Vittorio el sentiva un peso sora el peto vardando la dimension del vapor e la quantità de zente che zera da èsser messa là drento. Ma el gavea fermo la man de Giulia e el ze ´ndà avanti, determinà a seguir el destin che el gavea scielto.

Sora el ponte de soto, ´tela caneva ´ndove i emigranti i zera sistemà, la situassion la zera ancora pì cruda. I coridoi streti, scuri, i zera iluminà solo da lampadine atacà a le division interne. I leti de legno, un sora l’altro, i pareva gàbie improvisà. L’ària la zera pesà de umidità, e le boche de ventilassion i portava poca ària. Rosa, streta a la mama, ogni tanto la tossiva, ma Giulia la faséa el possìbile par distrarla, segnando le poche stele che se podeva vardar. Vittorio el aiutava altri òmini a sistemar i so bagali, tirando fora i primi raporti con compagni de viaio che, come lu, i gavea lassà tute le so radise.

Mentre el San Giorgio se preparava par partir, una campana rimbombava ´ntel porto, segnalando lo scomìnsio de 'na nova aventura. Vittorio el embarca sul ponte de sora par un momento, desiderando imprimer in memòria l’ùltima visione de la so tera natia. Soto, 'na marea de zente el gridava adiì tra làgreme, ciamade e anca qualche imprecasion, mentre el barco el se distansiava pian pian. El vento del mar el zera fredo, ma el portava un odor de libartà. E, par la prima olta dopo tanto tempo, Vittorio el sentì 'na ponta de otimismo. Ghe zera tempo de lassar drìo la povertà e le limitassion, par andar verso un posto ´ndove, forse, un futuro pì sereno i li stava aspetando.

El San Giorgio el zera un barco costruì par resìster a la vastità del Atlántico, ma no par ospitar con dignità le zente disperà che adesso se trovava imucià ´ntela caneva. Le lastre de fero del scafo le amplificava el rumor del mar, creando un fondo costante de scrichioli e murmurìi che i pareva contar stòrie scure ai passagieri. L’ària lì zera densa, piena de umidità, sudor e ‘na mescola insuportàbile de odori corporai, magnà mal conservà e el sale che impregnava tuto.

I comparti i zera poco pien de leti de legno messi uno sora l’altro. Ogni spasi, streto e mal iluminà, i zera spartì tra le famèie. Qualchedun el zera improvisà dei separassion con i lenzoi o coperte, sercando de crear 'na spèssie de privacità. Ma i soni no i conosseva bariere: tossi strasianti, piansai de putei, discorsi bassi in un marasma de dialeti italiani, che qualche volta i se trasformava in canti malinconici, riempiendo l'ària de nostalgia.

Giulia Marani la se sforsava de tegner la calma. Sedùta drìo a Rosa, con le man impegnà a ramendar un vestìo che el se zera consumà durante el viaio fin a Genova, la gavea ogni tanto un òcio a la putea, che, ignara de la gravità de la situassion, la desegnava figure imaginàrie in ària con i so diti. La pìcola la fasea domande sensa fin sul Brasile, come se el nome del paese el zera 'na parola màgica. “Brasil el ga castèi? Ga fate?” domandava, e Giulia, con la voce pian, la rispondeva con stòrie che mescolava realtà e fantasia, ntel tentativo de salvar l’inocensa de la fiola.

Vittorio, lì drìo, el ghe zera atacà ai so pensieri. Sentà in un de i leti bassi, con le man el tegnìa un peso de legno che el scolpiva con ´na brìtola, un modo par pasar el tempo e par murmurar i consili che el gavea sentì prima de partir: "Laora duro e el Brasile te sarà generoso." Sta frase, deta da un visin che el zera partì ani prima, adesso la zera diventà 'na sorta de mantra, ripetù in silénsio par tegner fisso el sguardo verso un futuro inserto.

Le magnà el zera el momento ndove l’ambiente del fondo rangiava el culmine del disàgio. File longhe se formava intorno ai barili de aqua e a le scodele che ghe dava un brodo scarso, quasi sensa gusto. ´Ntei zorni fortunai, ghe gera qualche toco de pan duro o un po’ de riso o pasta, ma mai in quantità sufissiente par tuti. Qualcuni i se nascondeva proviste par i zorni pì duri, alimentando un senso silensioso de tension tra chi gavea e chi no gavea.

Le noti i zera particolarmente difìssili. Quando el San Giorgio el incontrava le onde grosse, el rolìo del barco el faseva scrichiolar i leti come 'na sinfonia de legno in agonia. Parechi passagieri i sofriva de mal de mar, gomitando ´ntei scchi improvvisà che aumentava ancora pì el disàgio generale. Le lanterne atacà ai ganci le se moveva sensa fin, creando ombre grotesche sule pareti de fero. Giulia la tegneva streta Rosa contro el peto, cercando de protegerla dal caos. La putela la piansava piano, mentre Giulia la cantava na vècia nina-nana in dialeto piacentin.

El peor nemico, però, no'l zera el mar, ma la malatia. La tosse seca e i visi con el febrón diventava ogni dì pì comuni. La mancansa de igiene e el star chiusi in tanti faseva del soto ponte un tereno fèrtile par quele infession. Ma i Marani, no' stante tuto, resistea, trovando ´nte la loro complissità un bastion contro el sconforto.

'Na note, mentre el navio se confrontava con 'na tempesta feroce, Vittorio se ga slongà al ponte de sora. El vento ghe segava la piel come lamete, ma el ga sentìo el bisogno de respirar fora de quela gabia. El ga alsà i oci al cielo, ndove le stele faseva capelìn fra le nuvole scure, e lu el ga sentì 'na mescolana strana de pìceno e determinassion. Sapeva che quel che i ghe aspetava in Brasil no zera fàssile, ma la alternativa — tornar a la misèria de Castel San Giovanni — no' zera pensàbile.

Quano lu el ga tornà al soto ponte, ga trovà Giulia e Rosa che dormìa strete ntel loro cuchetón. Giulia tegneva la manina de la fiola, e i lori visi, no' stante el stanco, pareva tranquìli. Sentàndose drìo de lori, Vittorio el ga serà i òci e se el ze permitìo de soniar, ancò che par 'na frassion de segundo, con le tere fèrtili e el laoro onesto che imaginava de trovar là de l'altro lato del ossean.

Dopo sinque setimane de viaio da Genova, el San Giorgio el ga finalmente fato sosta al porto de Rio de Janeiro. L'alba portava con sè un spetàcolo par quel che pareva un sònio: el cielo, d'un blu lìmpido, parèa infinito, mentre el sol dorava le onde de la baia, mostrando monti coerti de un verde rigoglioso. L'odor del mar se mescolava con queo de 'na sità viva, portando un senso de novità e speransa.

Vittorio Marani el ga 'ndà al ponte con Rosa in brasso, par farla vardar sora la folta. La toseta, con i oci che lusea de curiosità, indicava el Pan de Zùcaro, che pareva tocar el cielo. "Ze el castèo de le fade?" la ga domandà, in un suspiro pien de meraviglia. Vittorio el ga sora, caresandoghe i cavei, sentìndose pìcolo davanti a quel momento imponente. Giulia, al so lato, la ga tegnu la fàcia sèria, ma i oci ghe tradiva un misto de solievo e aprension.

El sbarco zera lento e caòtico. Sentenaia de passagieri, strachi morti dopo la traversia, spetava impasienti de mètar piè su tera. Òmeni uniformà dava indicassion gesticolando e strilando in un linguagio che tanti el no capiva. Quando i piè de Vittorio i ga tocà finalmente la tera brasiliana, lu el ga tirà 'na sofiada profonda, sercando de impissar con tuto quel mondo novo. Zera un vibrare ´nte l'ària — el suon de le carosse, i colpi de martel de i operài, e i canti lontan de i venditori ambulanti.

La strada, però, no la zera finì. Passar la dogana zera obligatòrio e strancante. In un edifìssio grande, i novi rivà fasea file interminàbili davanti a i banchi ndove i impiegà e i dotori i ghe dava 'na siavada. Le man ben curate de un dotore ga tocà Vittorio con indiferensa, sercando segni de malatie contagiose. Giulia tegneva streta Rosa, temendo che 'na tossida o 'na febrina li mandasse indrìo. A la fin, i Marani i ga portà el via lìbara, anche se el sguardo crìtico del ufissial ghe restava scolpìo ´nte la memòria.

I ga finì in un edifìssio improvisà là in porto, dove i ga trovà alogio temporáneo. El posto el zera grande, ma rudimentae, con file de leti divise solo da qualche asse. Ogni angolo gera pieno de famèie come la loro: qualcuna speransosa par el futuro, altre distrùte dal straco e dal'incertessa.

Rosa, ancora afascinada da quel che lei ga vardà, ga domandà: "Ze tuto cussì bel e grande el Brasil?" Giulia ga soriso par la prima volta da zorni e ghe ga risposto: "Forse là ndove 'ndaremo el ze ancora pì bel." Ma no stante le paroe speransose, lei no riusiva a liberarse de quel nodo al peto vardando torno. El posto el zera rumoroso, e i visi de i altri emigranti rifletea un misto de speransa e disperasion.

Ntei zorni seguenti, i Marani i ga avù un breve contato con la sità. Partì in grupi pìcoli, esplorava le vie atorno al porto, ndove le strade de piere zera contornà da case coloniai e bancarele de venditori. El caldo zera forte, e l'umidità rendeva ogni passo pì pesante del pressedente. Rosa, incantà, indicava i venditori che ofriva frute tropicai colorà, qualcuna che no l'avea mai vardà prima. Vittorio ghe gà comprà 'na pìcola manga, e el soriso de la fiola ga fato che i zorni de soferensa ghe sembrasse, par un àtimo, lontan.

Mentre i spetava el pròssimo navio par 'ndar a Santos, i ga sentì le stòrie de altri emigranti rivà prima de lori. Qualchedun parlava de modesti sucessi, altri lamentava de imbroio e promesse false. Vittorio ascoltava atento, registrando ogni parola come lession par quel che li aspetava.

Na l'ùltima sera al Rio, senta drio a Giulia su un dei banchi improvisà ´ntel alogio, el ga vardà Rosa che dormiva, straca morta ma in pase. El caldo del posto pareva manco opressivo in quel momento, e el ghe ga sussurà a la mòier: "Se gavemo fato a traversar l'ossean, podemo afrontar qualsiasi roba." Giulia ga fato si con la testa, stringendo forte la so man. Le parole de Vittorio no ghe ga tolto tuti i so timori, ma le ga fato rinassere qualcosa de importante — la fede che, insieme, i podea costruir el futuro che i sperava tanto.

El secondo bastimento, un carghero modesto adaptà par i passagieri, contrastava brutalmente con la robustessa del San Giorgio. La nave pareva massa pìcola par l’ossean che la stava traversando, come se ogni onda la podesse inghiotirla. Le tavołe scrichiolava soto el peso de la zente e de le promesse carregà. Zera pì pìcola e ancora pì precària del bastimento che i gavea portà da l’Itàlia, e el odor de sal e de òlio impregnava ogni cantón. Ma, nonostante tuto, ghe zera ´na strana sensassion de solievo ´nte l’ària. El destin, fin a quel momento lontanìssimo, pareva finalmente a portata de man.

I zorni a bordo i zera segnà da desconforto e incertesse. La tempesta che se ga formà la seconda sera la ga squassà la pìcola nave come na foia al vento. Onde alte le sbatea contro i finestrini dei compartimenti inferiori, fassendo i putèi pianser e i òmeni agraparse a qualsiasi roba fissa. Rosa, strucà ´ntel colo de Giulia, piansea pian pianin, mentre Vittorio tegneva i piè ben fermi in tera, cercando de parer impassìbile. "Ze solo un fià ancora," el ga murmurà par conto suo, come se le parole podesse calmar tanto el rugio del mar quanto i timori che el portava drento.

El magnà, che già el zera scarso sul San Giorgio, lei el zera diventà quasi inesistente in sto tragito de viaio. Minestrine rùdole e tocheti de pan durì i zera distribui in porsion pìcole, e l’aqua la gavea gusto de rùsene. E pur, ghe zera un fil de speransa che coreva tra i passegèri. Tanti i se consolava vardando l’orisonte, tentando de intravedar la costa brasiliana che i portaria a le promesse de tera fèrtile e laor.

Quando la nave la ga finalmente atracà al porto de Santos, na sensassion de solievo la ga avù el sopravento sul grupo. El sol scaldante el se rifletea ´nte l’aqua de la baia, lanssando riflessi che momentaneamente ghe acecava i oci ai neo-arrivà. L’odor che se sentia ´nte l’ària el zera un misto de sal, legno ùmido e quañcossa de dolse, forse cafè, che impregnava l’ambiente. Vittorio, con i piè fermi in tera par la prima volta da quando i gaveva lassà Rio de Janeiro, el ga respirà fondo, sercando de assorbir el momento.

El porto de Santos el zera un caos organisà. Estivadori che coreva portando sachi de cafè, mentre barche de tuti i tipi i ndava e i vegniva a ritmo incessante. Ghe zera urli in portugués, mescolà a framenti de altre lìngoe che i emigranti no i capiva. Intorno, lavoradori neri i portava carichi pesanti soto l’ocio atento de òmeni bianchi che brandiva fruste o bastoni. La scena la ghe ha causà un silénsio desconfortante tra i Mariani, che no i gaveva mai visto na roba cusì.

Giulia la tegnìa Rosa forte sul peto, protesendola dal caos intorno. La pìcola, benché straca, la pareva incantà dal movimento incessante del porto. "Mama, quele montagne là le ze pì alte de quele de casa?", la ga domandà, indicando la Serra do Mar, che la se alzava maestosa al’orisonte. Giulia la ga soriso, ma la ga preferì no risponder, sercando de restar conssentrà su quel che i gavea da far dopo.

Sul pontil, ghe zera grupi de òmeni vesti con robe semplici e capéi consumà che i aspetava i neo-arivà. Ghe zera funsionari, rapresentanti de le fasende de cafè che gavea contratà i emigranti. I parlava un portoghese velose, gesticolando par far meter insieme le famèie e identificar i destini. Un funsionàrio, con un quaderno de note in man, el conferìa i nomi su le liste e el distribuìa documenti con informassion basiche su le fasende.

Vittorio lu el ga siapà el folio con cura, vardando i nomi strani scriti con grafia fretolosa. El ghe provava a desifrarli, murmurando pian mentre Giulia, al so fianco, la tegnìa Rosa visin a sé. "Andaremo su par la montagna col treno", el ga deto un dei rapresentanti in un italiano rudimentale, indicando la stassion del treno che se vedeva in lontanansa, in meso al porto movimentà.

Soto la guida de sti òmeni, le famèie le ze stà portà in pìcoli grupi fin a la stassion. Mentre i passava sul pontil, portando quel poco che gaveva, i emigranti i se scambiava sguardi de dùbio e speransa. La promessa che el treno i portasse pì visin al so destino el zera tanto un solievo quanto un ricordar che el sconossuto el ghe zera ancora davanti.

La salita par la Serra do Mar la ze stà un’esperiensa stracante. Le carosse, caregà oltre el limite, le andava piano par le strade de tera, che pì che strade le pareva sentieri. Le rode le sbateva contro i sassi e i buchi, facendo ondear i passegieri a ogni metro. Giulia, con Rosa in brasso, la ghe provava a tenerla proteta. "Stemo ´ndando in cielo, papà?" la ghe domandà Rosa, indicando la vegetassion fita che se serava intorno a la strada. Vittorio lu e ga rìdo, nonostante la strachessa. "Stemo ´ndando su, ma ghe ze ancora tanto da far."

La vegetassion lussuriosa l’impressionava. Palme gigantesche, rampissoni che pareva che i balasse con el vento e ´na infinità de rumori sconossuti che riempiva l’ària. Ma par i emigranti, sto paesagio el pareva pì minassioso che ospitale. La foresta la zera densa e impenetràbile, un mondo totalmente diverso da le coline coltivà che lori i gavea lassà.

Quando ze vegnù note, la carovana la ga fato ´na pausa. Soto la luse de un fuoco improvisà, i viagiatori i se contava stòrie e suposission su come che le fasende le sarìa stà. Un vècio, con na vose roca, el li ga avertì: "Le terre le ze bone, ma no sperè fassilità. Qua, ze tuto forsa de brasso." Le parole le ze rimaste nte l’ària come ´na verità indiscutìbile.

Par i Mariani, el viaio verso le fasende de cafè el segnava lo scomìnsio de un nuovo capìtolo. El zera la fine de la traversia del ossean e l’inìssio de ´na nova traversia, stavolta par la tera che prometea de èssar la so casa. La stranchessa e l’insertessa restava, ma qualcosa de pì forte i ghe sosteneva: la fede che, nonostante tuto, i zera un passo pì visin al futuro che i gavea sonià.

Le coline del interior paulista le se alsava in lontanansa, ondegiando in toni de verde e oro, soto el caldo insoportàbile del sol. Zera là, in fasenda Santa Clara, che la famèia Mariani la ga trovà la so nuova abitassion. La casa che i gavea destinà par lori la zera un baracon de legno con el teto de zinco, con i spiraghi che lassava passar la luse del zorno e, di note de vento, el sussurro de le foie de cana visin. Ma par Vittorio, sto baracon el zera un palasso in confronto al confinamento ùmido del alogiamento del San Giorgio.

La rotina l’era dura. Le matine scominsiava prima del sòrgere del sole, con Vittorio e Maria che insieme ´ndava ai cafesai. El laoro de scancar, catar e portar i sachi de cafè l’era pesante. Le man, prima abituà a manegiar strumenti semplici in Itàlia, adesso le zera dure e calegà dal sforso de ogni zorno. Epure, Vittorio trovava conforto ´ntel cielo vasto e ´nte le montagne che sircondava Santa Clara, che ghe ricordava lontanamente la so tera natìa.

Giulia, da parte soa, quando no la zera ocupà ntela scanca, la se dedicava a trasformar el baracon in ’na casa. Nte ’na radura a canto de casa, la ga piantà un’orteta con le semense portà da l’Itàlia: basìlico, prezemolo, rosmarin e pomodori. Le prime foie verdi le ze spuntà come sìmbolo de rinassita. Drento casa, la ga improvisà qualcosa par miliorar. Zera ´ntei picoli detali che la riportava ’n toco de familiarità al sconossuto.

Rosa, de sinque ani, pareva trovar felicità in tute le robe. La coreva su la tera tra le file de cafè con i altri putei, imparando paroe in portughes con ’na fassilità che sorprendeva i genitori. “Mama, guarda qua!” la diséa contenta, mostrando fiori selvadeghi o inseti strani che la trovava. La so rida la zera ’n bàlsamo par el cuor straco de Vittorio, che ´ntel brilo dei òci de la fiola vardava la promessa d’un futuro mèio.

Le noti le zera pì calme. Radunà torno a 'na tola semplice, la famèia se contava stòrie de l’Itàlia, intanto che Giulia preparava minestre con quel che la riusiva a recuperar dai avansi de la cusina de la fasenda. Qualche olta, Vittorio tirava fora del taschin un quaderneto ndove el scrivea sòni e piani: “Un zorno gaveremo la nostra tera.” Era 'n mantra che el ripeteva par sé stesso, come se le paroe podesse moldar la realtà.

Con el passar dei mesi, la comunità de Santa Clara la scominsiava a formar. La doménega, le famèie se radunava quando ghe zeva messa in 'na capela improvisà in 'n paiol de la proprietà. Dopo la preghiera, i putei coreva tra i adultri, mentre i òmeni discoréa de lavoro e le done se scambiava ricete e semense. Qualche olta ghe zera anca feste animate, ndove le danse e le musiche italiane risuonava soto el cielo pien de stele, ’na tentativa de mantegner viva la cultura che lori i gavea lassà.

Col tempo, el par ga riussio a sparagnar soldi par catar un tochetin de tera drio la fasenda, ndove se stava formando 'na vileta. Ghe zera un lote modesto, ma pien de potensial. I ga scominsià a piantar le vigne, scegliendo con cura le palete e sistemandoghe ´ntel posto giusto par sfrutar al massimo el sole de matina. Giulia ghe dava 'na man ´ntei fin de setimana, mentre Rosa correva tra le file de parère zovani, ridendo.

Qualche ano dopo, la prima racolta la ze sta modesta, ma par Vittorio la zera come tocar el cielo. El ga tegnù i gròpi de ua in man come se i zera un tesoro. El vin che el ga fato in baril improvisà el zera semplice, ma el sabor gavea quel de màgico: el gavea el gusto de l’Itàlia in 'na nova casa.

Nonostante le dificultà – le piove impreviste, la nostalgia par chi gavea restà e i problemi de imparar 'na nova léngoa e i novi costumi – la famèia Marani la ga catà 'na forsa che pareva nasser da le radisi che gavea piantà in quele tere. Lori i ga scoperto che el vero significà de casa no el zera un posto, ma 'na conessión che costruiva tra de lori e con la nova vita che stava criando.

Su la veranda del baracon, in 'na sera de cielo lìmpido, Vittorio el ga vardà Giulia e Rosa che i dormiva e el ga mormorà, quasi come 'na preghiera: “Semo lontan da casa, ma gavemo scominsià qualcosa qua. Qualcosa che sarà pì grando de noialtri.”
E cusì, soto el stesso cielo blu che iluminava sia l’Itàlia che el Brasil, la famèia Marani la continuava la so strada, trasformando sòni in realtà.

´Ntel 1890, quìndese ani dopo che i gavea lassà l’Itàlia, Vittorio Marani el stava in piè su la costa che ospitava el so vigneto. El sole dorà del fin de la sera el piturava le foie de le vigne con toni caldi, e le vite, cargà de gròpi pesanti, le parea un tributo vivo a la resistensa de la famèia. Vittorio, con le man calegà crociade drio la schena, el sentiva un misto de orgòlio e riverensa par quel che gavea costruì.

A so fianco, Giulia la supervisionava Rosa, che adesso gavea vent’ani, mentre màma e fiola le racolieva le ue con l’abilità de chi ga trasformà el laoro in arte. Rosa, alta e sicura de sé, la discoréa in portoghese con 'n grupo de operài che aiutava ´ntela vendémia, ma, al stesso tempo, la passava al italiano quando la parlava con la so màma. Era un ricordo vivo de come la so fiola gavea deventà un ponte tra la cultura che loro gavea lassà e la nova tera che gavea abrassià.

El profumo dolse de la ua matura el se mescolava con l’odor de la tera scaldà dal sole, creando 'na atmosfera al stesso tempo familiar e profondamente simbòlica. Par Vittorio, ogni grapo el rapresentava no solo el fruto de la tera, ma anca el triunfo dopo ani de laoro duro, incertese e nostalgia.

La proprietà dei Marani la gavea deventà 'na pìcola referéncia ´ntela vila che se stava trasformando in 'na sitadina. No la zera solo un vigneto, ma anca un posto ndove altri imigranti i se radunava par contar stòrie, festegiar le racolte e rinovar la so fede. Ai inizi, Vittorio e Giulia i produsseva vin par consumo pròprio, ma, con el tempo, la qualità del prodoto la ga atirà l’interesse de i comerssianti. Adesso, el marchio "Marani" el scominsiava a èssar conossiuto in le sità visin, un sìmbolo de perseveransa e qualità.

Dopo la racolta del zorno, la famèia la se radunava su la veranda de la casa, che ormai no la zera pì el vècio baracón de legno. La nova costrussion, fata de matoni brustolà, la gavea 'n teto sòlido e finestre grandi che lassava entrar la bresa de la sera. Giulia la ga portà 'na botìlia de vin de la prima racolta, tenuda par tuti quei ani come testimónio del so viaio. La ga servi Vittorio e Rosa, intanto che 'na torcia la iluminava le so expression serene.

“Quando penso a quel che gavemo passà par rivar fin qua,” el scominsiò Vittorio, tegnendo la tasa come se zera un ogeto sacro, “sento che ogni sacrifìssio el ga valso la pena. No solo par quel che gavemo costruì, ma par quel che gavemo imparà.”

Giulia la fece sì con la testa, el so viso segnà dal tempo, ma ancora iluminà da 'na determinassion calda. “No gavemo mai desmentegà chi che semo e ndove semo vignù. Ma gavemo anca imparà a amar sta tera, che gà acolti noaltri quando gavèvimo pì bisogno.”

Rosa, guardando i so genitori, la sorise con 'na mistura de teneresa e orgòlio. “E adesso, sta tera la ze nostra come la zera l’Itàlia.”

El vento el sofiava pian pian, muovendo le foie de le vite come se el Brasil stesso el stesse batando le man par la stòria dei Marani. Quela no la zera solo la stòria de 'na famèia, ma quela de mile de italiani che i ga traversà i osseani spinti da un misto de bisogno e speransa. Lori i gavea rivà in Brasil con poco pï de sòni e determinassion. Incòi, Vittorio el contemplava no solo la so tera, ma anca la so dissendensa, savendo che ogni fruto racolto là el portava el segno de la so stòria. Mentre el sole el spariva ´ntel orisonte, el alzò la tassa e ga fato un brindisi con vose ferma:

“A chi ze vegnesto prima de noialtri, a chi vegnirà dopo, e a la tera che ne gà dà 'na nova oportunità.”

L’eco de le so parole el se perse ´ntela note, ma el so significato el restò, scolpì ´nte la stòria de Santa Clara e ´nte la memòria de tuti quei che, come i Marani, i ga trasformà i sfidi in un lassito che durarà par generassion.


Nota del Autor

Scrivendo sta òpera, go trato profonda ispirassion da le stòrie vere de coraio e resiliensa dei emigranti italiani che i ga traversà l’ossean par catar 'na vita nova in Brasil. Sto flusso migratòrio, che el ga segnà la fine del sècolo XIX, no el ze solo 'na pàgina de stòria fra do paesi, ma un testimónio universal del spìrito umano de fronte a le adversità.

Durante le me ricerche, go sfogià lètare, apuntamenti e raconti de famèie che gavea afrontà viaie massacranti, malatie e l’isolamento de tere sconossiute. I raconti i zera pien de dolor e sacrifìssio, ma anca de speransa, amore e ´na fede incrolàbile in un futuro mèio. Questi documenti personai me ga ricordà che, anca se le pàgine de stòria le ze spesso scrite da re e governanti, ze le vite comune – e straordinàrie – de le persone normae che veramente le modela el mondo.

La famèia Marani, protagonista de sta stòria, la ze fitìssia, ma le esperiense che descrivo le rispechia la realtà vissuta da tanti altri. Le condision ´ntei stivi dei bastimenti, le sfide dei campi de café e la rinvension de una comunità in tere foreste le ze stae ricostruì dai raconti documentà con cura. Dando vose ai Marani, el me intento el ze sta de caturare l’essensa del viaio de milioni de emigranti.

El me scopo scrivendo sto libro el ga sta duplise: contar 'na stòria emosionante, ma anca portar luse su un peso de stòria che spesse volte el ze dimenticà. Spero che, lesendo sta òpera, no solo te ti senti coinvolto con le lote e i susscessi dei Marani, ma anca che te rifleti sul coraio de chi ze partì par costruir un novo scomìnsio – e su la gratitudine che tuto gavemo par chi ze vignesti prima de noialtri.

Par finire, mi vorìa ringrasiar de cuore i stòrici, i ricercatori e i dessendenti dei emigranti che i ga condiviso le so stòrie e el so saver. Le so contribussion le ze sta fondamentai par la creassion de sto libro.

Scriver sto romanzo ze sta un viaio arichente, e spero che leserlo te sia par ti altretanto gratificante.

Con stima,

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



quinta-feira, 12 de junho de 2025

Le Aventure de Giuseppe Morettini: Un Viaio tra do Mondi

 


Le Aventure de Giuseppe Morettini: 

Un Viaio tra do Mondi

- resumo de un libro de Piazzetta -


Capìtolo 1: La Partensa

Albettone, Itàlia, 1886

Giuseppe Morettini se senteva su la sponda del leto, con le man incalì a pianar el capel vècio. La decision la zera siapà: el sarìa 'ndà in Brasil in serca de 'na vita pì bona. Le lètare de 'n so conossesto che lu el zera 'nda do ani prima parlava de gran tere e promesse de laor. "Torno tra pochi ani, con i schei 'n sufissiensa par ricominssiar qua", diseva a tuti che ghe domandava el motivo de la partensa. Ma drento de lu, el savea che forse no ghe gavaria pì de vardar la so tera.

So mare, Giulia, pianseva in silénsio mentre lei la meteva un rosàrio drento la valìsa del fiol. "Prega, Giuseppe, e Dio te protegerà. No importa quanto che te sia lontan, saremo sempre ligà par la preghiera."

Al porto de Genova, Giuseppe el ga imbarcà su el Vittoria, un vapor pien de speranse e de incertese. Tra i passegieri, el ga conossesto la famèia Zanetti, che, come lu, sercava de ricominssiar la vita in un posto sconossesto.

Capìtolo 2: La Quarantena

Isola de le Fiori, Brasil, 1886

La traversia la zera dura, con poco magnar e la paura contìnua de le malatie. Quando el vapor el ga rivà al porto de Rio de Janeiro, tuti i passegieri i ghe ga da far la vassinassion contra la variola. Giuseppe, però, el no la ga suportà ben la ingestion e el ga siapa 'na forte reasion. Lui i ze metesto in quarantena su lo ospedal de l'Isola de le Fiori, mentre i Zanetti i vano avanti con la so destinassion.

Par setimane, Giuseppe el lota contro la solitù e l'agonia. Ogni zorno el vardava i vapor che partìva e el pensava a cosa che lu gavaria far. "Son da solo, in 'n posto che no so gnanca cossa vol dir. Saria questo la fine del me sònio?"

Dopo tanto, el ga a rivar a São Paulo, ma no el savea lèser, scriver, né anca parlar la léngoa del posto. Se sentiva sperduto in 'na sità che se ga ingrandito velose, ma el gaveva 'na determinassion che no se podea spegnar.

Capìtolo 3: El "Fasendero"

Al l'ufficio de l'imigrassion, Giuseppe el vien sta notà da Bartolomeu Franco, un "fasendero de Araraquara, che el sercava man de laor italiane. Ma tute le femèie i zera zà destinà. Sensa altre scelte, Bartolomeu el se ga portà drio Giuseppe da solo sensa famèia.

El viaio in treno fin Araraquara el zera interminàbile. Quando lori i ga rivà al fin del traieto, Giuseppe scopri che el resto del camin el zera a piè, tra la foresta. La "fasenda" Monte Alegro la zera isolà, sircundà da fiti boschi a perdita d’òcio. Giuseppe lu el zera tra i primi italiani a laorar là, con condission dure e zornade stracanti.

Capìtolo 4: Una Comunità Nova

Dopo che la schiavitù la ze stà abolì in 1888, la "fasenda" la ga scominsià a ricèver pì imigranti italiani. Tra questi, ghe zera la famèia Paolon, de Treviso. Giuseppe el ga restà sùito incantà da Elena Paolon, 'na tosa con i òci vivi e un soriso che scaldava el cuor. No’stante la resistensa de so pare, lo i se ga marità in 'na seremonia semplice ´ntela capela de la proprietà.

Elena la porta speransa in Giuseppe. Insieme, i ga scominsià a costruir 'na vita onesta, coltivando café par el paron, slevando qualche pìcola bèstia visin a casa, risparmiando ogni centèsimo, e pian pian, dopo 4 ani lori i ga comprà 'na pìcola proprietà in 'na vila che se stava formando no tanto lontan da "fasenda".

Capìtolo 5: L´Eredità

Tra 1890 e 1905, Giuseppe e Elena i ga tegnù oto fiòi. Giuseppe, i ga imparà a lèser e scrìver con l’aiuto de Elena e el ga diventà un punto de riferimento par i altri imigranti, aiutando chi rivava a trovar laor e sistemarse. 

La nostalgia de l'Itàlia no la ga sparì mai, ma el sònio de tornar indrio el ga diventà sempre pì distante. Giuseppe el mantegne el contato con la so famèia in Itàlia scrivendo létare, racontando le dificultà e le conquiste. "Qua no ze mia fàssile, ma la tera la ze generosa par chi laora. Stemo costruendo qualcosa che i nostri fiòi e i nostri nipoti i pol tegner con orgólio."

Capìtolo 6: Un Segno ´ntel Tempo

In 1938, a l'età de 72 ani, Giuseppe Morettini el se ga sparì, sircondà da la so grande famèia. Al so funeral, tanti i ga ricordà el so coraio e la so resistensa. Le tere che na olta le zera solo boschi e campi desolà, adesso le gaveva piantassion, case e 'na comunità viva.

Al centro de la pìcola sità, i ghe alza un segno de memòria, con la scrita:

"A chi che ga trasformà i sòni in radise profonde. El lassà de Giuseppe Morettini el vive in ogni racolto e in ogni generassion."

La stòria de Giuseppe la ze diventà un sìmbolo de la forsa e de lo spìrito dei nostri avi che, no'stante le dificoltà, i ga costruì la so vita e lassà 'n segno eterno.


Nota del Autore 

"Le Aventure de Giuseppe Morettini" de Piazzetta, no el ze solo un raconto de fantasia o de viaio — el ze, in fondo, un ato de memòria. Scrivar ‘sto libro el ze stà come scavar con le man ‘nte le radìse de na vita che la ze sta vissuta da tanti, anca se mai contà. Giuseppe Morettini, con la so valisia de carton e el capèl consumà, lu el ze ´na figura inventà, sì, ma la so strada la ricalca passi veri de miliaia de emigranti che, tra fine '800 e scomìnsio del '900, i ga traversà mari e monti par catar un destino novo.

El viaio tra “do mondi” no el ze solo geogràfico — Itàlia e Brasile, povertà e speransa, fame e futuro — ma anca umano, spirituale. Lu el zeel viaio de chi parte sensa saver se tornarà, de chi lota contro le sfide d’un mondo novo che no parla la so lèngoa, che no conosse i so santi, ma che, con el tempo, el diventa casa.

Le vissende de Giuseppe le ze ambientà tra le campagne magre del sentro Itàlia e le colònie italiane del sud Brasil, ma le emossion che le transpira — el coraio, la malinconia, la resiliensa — le ze universae. Come tanti altri, anca Morettini el scontra el pregiudisio, la solitudine, e la dura realtà del laoro bruto, ma lu el ze anca testimone de amissisie nuove, de solidarietà tra i diseredà, e de ´na lenta, ma forte, rinassita.

Me inspirassion la ze vegnesta da le stòrie racontà dai me noni, da vècie lètare scrite in véneto, e da documenti che dormiva ´ntei archivi. Ghe go messo drento tuto el amore che go par la nostra stòria de pópolo che no ga mai smesso de soniar, anca quando el pan no bastava.

Se ‘sto libro el fa sentir a qualchedun el frùssio del mare che divide e unisse, o el cantar de le zigale ‘nte le campagne nove, alora la stòria de Giuseppe la sarà rivà, finalmente, a bon porto.

— El Autor Dr. Piazzetta

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

L'Emigrassion Véneta e la Traversia del Mar Sconossùo


L'Emigrassion Véneta e la Traversia del Mar Sconossùo


Riva el momento de imbarcharse, el movimento zera intenso al porto, e'l rumor de voci, de comandi urlà e de apiti intorno al vapor fasea vegnìr 'na gran ánsia a tuti quei emigranti, che i se ga imucià par no perder la ciamà. Sul barco, lori i segui i comandi da i marinai incaricà e se spostava in grupi verso i fondi scuri e sufocanti de la tersa clase che i gavea destinà a lori. Là i ghe trovava catri imbotìi de pàia, ndove i starea strucà e senza gnente de privassidà.

Qualche famèia, par no vegner separà, tornava su dai fondi e decidea de viaiar in coberta, a l'ària, ndove almanco lori i podèa starghe visin e respirar mèio. Su la coberta del vapor i ghe sofrìa el fredo inteso e el caldo sufocante, oltre ai inconvenienti de i venti forti, soratuto, durante le tempeste frequenti in alto mar, specialmente quando el navio el incrosea la lìnea de l'Equador.

A l'inìsio de 'sta gran emigrassion, le imbarcassion i zera ancora lenti, gnanca passava de veci navi a vela o misti vela-vapor, solitamente usà par portar cargo e apena maladatà par transportar cristiani. Dopo, i ze vignesti i navi a vapori, alimentà a carbon, ma anca sti vapori prima i zera quasi sempre barche de cargo, come carbon e cereai, che i ghe adaptà de pressa par ciaparse la zente.

La situassion igienica a bordo e la alimentassion non zera bona. A volte mancava magnar par tuti quei a bordo. Senza gnente de conforto, i viaiava con animai vivi, destinà a vegner sgoià e magnà durando la viàio. I regolamenti in vigor in Itàlia par portar emigranti zera indegni de 'na nassion civilisà. El transporte de 'sti migliaia de persone che i volea imbarcarse zera un vero sfrutamento disumano dei emigranti.

Se zera sicuro una gran conivensa tra l'autorità del goerno italiano e l'indùstria navale nova del paese. Fino a quel momento, el transporte marìtimo de l’Itàlia i zera picinin in confronto a altri paesi européi, e el se ga alsà gràssie ai milioni de emigranti. Le autorità, in quel perìodo, i zera preocupà de pì con i interessi de le compagnie e no con el sofrimento de i emigranti.

Sensa cura de igiene e sensa mèdico a bordo, el rìs-cio de epidemie i zera sempre presente, e, difati, tante ghe n'ea, che fasea morire sentinaie de persone, sopratuto putéi e veci, che dopo el defunto i zera butà in mar, par el gran dolore de le so famèie.

La memòria de 'sta gran traversà la ze restà segna profondamente nel cor de i nostri veci, e la vive anca desso ´ntele narassion de i so discendenti. Questo fato el ze stà, sensa gnente dùbio, l'episòdio più segnante de la vita de quei pionieri.



domingo, 10 de novembro de 2024

L'Emigrassion Véneta e i Preparativi par el Gran Viàio

 


L'Emigrassion Véneta e i 

Preparativi par el Gran Viàio



Nel dì segnà par scominciar el viàio, con el destino al porto de Zénoa, se salutava un'altra volta pien de emossion da i parenti che i ga restà. Partìa de bonora, con el cor ingropà e i oci imbevù de làgreme, lassando ‘na última, longa ociada indrio prima de incaminarse verso el so destino. Rivava a la stassion de'l treno e, come tanti altri che i gh'era là, i continuava verso el porto de Zénoa.
Durando el tragito, ad ogni stassion dove el treno se fermava, tanto che sia del Véneto che de altre provìnssie de la Lombardia, se ripetea sempre la stessa scena: decene de òmeni, done e putei che saliva carghi de bagài drento a cassete de legno e valisie de carton. Una volta deciso de emigrar e dopo aver dà i nomi al sensar, el rapresentante de la compagnia che preparava el viàio, la prima roba da far la zera de trovar el passaporto par tuta la famèia. Par cavai 'sto documento, bisognava una carta de la comuna de'l so paese. Dovea anca vegnir vacinà, un obligo par chi partiva.
I preparativi durava mesi, i scominsiava con la vendita de tuto quel che no i podea portar con se. Vesti, robe de uso personal, strumenti musicali e utensìli i ea metesti dentro a casse de legno, baùli, arche e sachi. Se trovava con chi restava, un'ocasion par dir ciao a i amighi e parenti, senza scordarse l'ultima visita al cimetero de'l paese, par dir un adio sentìo a chi i volìa ben e che ea già andà via.
Lori i ndava a trovar anca el pàroco de'l paese, par ciapar la benedision e domandar interssession par afrontar la longa e sconossùa traversada che i gh'ea davanti. Tante volte partiva vile intee, con el pàroco che caminava avanti a tuto el grupo. A volte i partiva de note, con lo scuro e in silenssio, come se fossi in guera e el nemico in atesa. Tante volte centinaia de persone se muovea insieme, piano, al son de i campanéi, come se fusse una gran festa. Davanti a tuto el grupo, par tirar drio la marcha, ghe gera un gran croseo o el stendardo de un santo che i emigranti i gavera portà in tera nova.
Par la gran parte de 'sti emigranti, 'sto viàio fino a la stassion de'l treno ea già la distanza pì lunga che i ghea mai fato dai so paesi. Anca el treno l'era sconossùo par la magior parte de lori, e 'sta novità i ghea dà ansia e paure.
El destino par tuti i véneti ghe zera el Porto de Zénoa, e quando lori i rivava là, par la prima volta tanti de lori i se trovava a vardar el mar.



sábado, 3 de dezembro de 2022

A Perigosa Travessia do Oceano

Navio Principessa Mafalda



Apesar do desânimo e da pobreza em que viviam na Itália, para a grande maioria das pessoas, a tomada de decisão de emigrar não deve ter sido uma tarefa fácil. Foi certamente uma escolha muito dolorosa, pois necessitavam se desfazer dos seus poucos pertences, as suas casas, de deixar para sempre a sua pequena vila que os tinha visto nascer e crescer, em se despedir dos amigos e entes queridos, para talvez nunca mais voltar a vê-los. 

A tomada de decisão foi um processo bastante delicado que envolvia ao mesmo tempo muitas esperanças, raiva, medo e insegurança pelo futuro desconhecido, a incerteza do que iriam encontrar no novo país e principalmente o temor pela travessia do oceano. 

A viagem seria uma grande aventura e, a maioria deles não tinha consciência das dificuldades e perigos que iriam encontrar. Era um fator desconhecido que incomodava quase todos. A cansativa viagem de trem até o porto já representava uma inusitada aventura para a maioria, pois ainda era um meio de transporte quase desconhecido que muitos nunca haviam experimentado. Mas, a longa travessia do oceano de navio, era o pensamento que mais amedrontava a mente daqueles que partiriam e também dos que ficavam. Sabiam que a viagem através do oceano estava repleta de perigos e armadilhas até mesmo antes da partida.

Para embarcar o emigrante precisava, antes de tudo, estar quites com as suas obrigações militares e obter os documentos necessários para deixar o país. Os que estavam prestes a servir o exército, ou completariam os 18 anos, não recebiam permissão para embarcar. O passaporte para toda a família era emitido pela prefeitura local, bem como o necessário certificado de boa conduta. Com esses procedimentos realizados o candidato a emigrante passava a fase seguinte, de conseguir o dinheiro necessário para comprar os bilhetes de viagem.

Para obter a quantia necessária para as passagens de terceira classe, muitos foram obrigados a vender os poucos bens que possuíam e ainda se cuidar para não serem vítimas de aproveitadores. No início do período da emigração ainda podiam contar com os bilhetes grátis, emitidos pelas companhias de navegação, que eram contratados pelo governo dos países interessados na mão de obra, como foi o caso do Brasil que terceirizava o recrutamento para escritórios de emigração.

A viagem de navio a vapor assustava bastante pois, quase todos tinham pavor do mar, um elemento até então desconhecido para eles, habitantes de montanhas ou de zonas localizadas distantes do litoral, no interior da região. Também a possibilidade real de um naufrágio deixava ainda mais nervosos aqueles emigrantes. No entanto, poucos deles sabiam de outros riscos que teriam que enfrentar depois de embarcados, especialmente aqueles emigrantes pioneiros, que constituíram as primeiras levas a deixar a Itália. 

A desumana lotação de passageiros nos navios, que, sistematicamente, excediam a capacidade nominal das embarcações, levavam à promiscuidade e a falta de higiene. A inspeção sanitária superficial, realizada antes do embarque, muitas vezes deixava passar indivíduos portadores de doenças transmissíveis, que, uma vez em alto mar, se transformavam em epidemias mortais, ceifando a vida dos mais fracos: os velhos e as crianças.

Se ocorresse uma epidemia durante a viagem o navio deveria ficar em quarentena e impedido de desembarcar os passageiros em qualquer porto. Em casos mais graves, com mortes a bordo por tifo ou cólera, o navio seria obrigado a regressar ao porto de partida com todos os passageiros. 

Com o passar dos anos a situação dos passageiros melhorou um pouco, principalmente, depois da aprovação pelo parlamento italiano em 1901, de leis que regulamentavam a emigração. As companhias de navegação foram então obrigadas a melhorar as condições de hospedagem a bordo, fornecendo espaços pessoais e áreas comuns adequadas, além de garantir aos passageiros alimentação de melhor qualidade e em quantidade adequada. Foram obrigadas também a manter médico e pessoal sanitário durante as travessias.

Os naufrágios, infelizmente, aconteceram e por diversos motivos, levando milhares de emigrantes à morte por afogamento. Navios como o Sirio, o Utopia, o Principessa Mafalda e o Titanic são alguns exemplos desses acidentes. A má conservação das embarcações e erros da tripulação foram as principais causas.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





segunda-feira, 4 de julho de 2022

De Amicis e Trecho do Livro "Sobre o Oceano"

 

Emigrantes



Edmundo De Amicis, militar e escritor italiano, nasceu na localidade Borgo d' Oneglia, no município de Imperia, província de Imperia, em 21 de outubro de 1846 e faleceu em Bordighera, um município da província de Imperia, em 11 de março de 1908. 

Escreveu diversos livros sendo que a sua obra Sull'oceano, publicado em 1889, alcançou um grande sucesso, com  várias edições impressas. Misto de romance e diário de bordo, conta uma viagem feita pelo autor, entre Gênova e Montevideu, na primavera de 1884, a bordo do vapor Nord America, que no livro recebeu o nome de Galileo.

O navio também transportava cerca de 1600 pequenos agricultores italianos que estavam fugindo do país em busca de uma vida melhor na América do Sul. 

Este livro somente foi publicado no Brasil em 2017 com o título "Em Alto Mar". Foi considerado o primeiro livro sobre a grande emigração italiana que teve o seu auge nos 25 anos finais do século XIX e início do século XX.

A narrativa se passa a bordo do navio em que o autor viajou com um grande número de emigrantes italianos. A embarcação levava na terceira classe 1.600 emigrantes italianos com destino à Argentina, sendo que uma minoria tinha como destino final o Uruguai. Também transportava 50 passageiros na primeira classe e 20 na segunda, além de cerca de 200 tripulantes.

O livro é um resumo da sociedade italiana da época. A Itália era então um país recém nascido, cuja unificação só havia acontecido em 1861, após um longo e doloroso processo conhecido como Risorgimento. 

A unificação da Itália foi seguida do êxodo massivo de cidadãos do país que ficaram em situação de penúria. Concluída em 1861 a unificação marginalizou uma grande parte da população e abriu uma ferida na sociedade italiana. Foram justamente estes mais pobres e desamparados que arcaram em seus ombros o ônus da construção do novo estado italiano. A  grande emigração ficou marcada como uma cicatriz resultante deste penoso processo que deu nascimento ao país. 

A obra Sull'Oceano mostra com detalhes como essa cicatriz se manifestava a bordo daquele navio de emigrantes: alguns sentiam desprezo pela pátria, outros desconfiança, raiva ou rancor por serem praticamente obrigados a abandonar a terra natal. Para a maioria deles a Itália não agia como uma mãe e sim como uma madrasta má que não se importava com a sorte dos seus filhos.

Apesar de que a Itália tivesse se tornado um país em 1861, a grande quantidade de dialetos a bordo revela claramente que, em 1884, a nação italiana ainda não existia. Os emigrantes, vindos de diferentes regiões, não se entendiam entre si. 

O romance mostrou à elite italiana da época as péssimas condições da viagem enfrentada pelos emigrantes e emitiu um sinal de alerta para as autoridades, que em 1901 estabeleceram uma série de normas a serem obedecidas pelos navios de emigrantes.

Trecho do livro Sull'oceano


EMBARQUE DE EMIGRANTES"


Quando cheguei, ao entardecer, o embarque dos emigrantes já havia começado há uma hora, e o Galileo, unido à descida de uma pequena ponte móvel, continuava a sofrer: uma interminável procissão de pessoas saindo em grupos do lado oposto do edifício, onde um delegado do quartel general da polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, agachada como cães nas ruas de Gênova, estava cansada e com sono. Trabalhadores, camponeses, mulheres com bebês no peito, meninos que ainda tinham a placa do jardim de infância presa ao peito, passavam, quase todos carregando uma cadeira dobrável debaixo do braço, bolsas e malas de todos os formatos na mão ou na a cabeça, braçadas de colchões e cobertores, e o bilhete com o número do beliche pressionado entre os lábios. Pobres mulheres que tinham um filho em cada mão seguravam com os dentes suas grandes trouxas; algumas velhas camponesas de tamancos, levantando as saias para não tropeçar nas travessas da ponte, mostravam as pernas nuas e secas; muitos estavam descalços e com os sapatos pendurados no pescoço. De vez em quando passavam entre aquela miséria cavalheiros vestidos com elegantes sobretudos, padres, senhoras com grandes chapéus de penas, que traziam nas mãos um cachorrinho, ou uma caixa de chapéus, ou um maço de romances ilustrados franceses, da velha edição de Lévy. Então, de repente, a procissão humana foi interrompida, e uma manada de gado e carneiros avançou sob uma tempestade de madeira e maldições, balindo com o relinchar dos cavalos de proa, com os gritos dos marinheiros e carregadores, com o rugido ensurdecedor de o guindaste a vapor, que levantava pilhas de baús e caixotes no ar. Depois disso, recomeçou o desfile de emigrantes: rostos e roupas de todas as partes da Itália, trabalhadores robustos de olhos tristes, velhos esfarrapados e sujos, mulheres grávidas, meninas alegres, jovens bêbados, camponeses em mangas de camisa e meninos atrás de meninos, que, mal tendo posto os pés no convés, em meio àquela confusão de passageiros, garçons, oficiais, funcionários da companhia e guardas da alfândega, ficavam atônitos, ou se perdiam como numa praça lotada. Duas horas após o início do embarque, o grande vapor, ainda imóvel, como um enorme cetáceo mordendo a praia, ainda sugava o sangue italiano. 

Enquanto subiam, os emigrantes passavam diante de uma mesa, à qual estava sentado o comissário; que os reunia em grupos de meia dúzia, chamados ranci, escrevendo seus nomes em uma folha impressa, que ele devolvia ao passageiro mais velho, para que ele pudesse ir com ele buscar comida na cozinha, na hora das refeições. As famílias menores de seis pessoas foram registradas com um conhecido ou com o primeiro a chegar; e durante esse trabalho de inscrição havia em todos um medo vívido de serem enganados na conta de meias vagas e quartos para meninos e crianças, a desconfiança invencível que inspira no camponês todo homem que segura a caneta na mão e um livro de registro a sua frente. Surgiram contestações, reclamações e protestos foram ouvidos. Então as famílias se separaram: homens de um lado, mulheres e crianças do outro, foram levados para seus dormitórios. E foi uma pena ver aquelas mulheres descerem com dificuldade as escadas íngremes, e tatearem por aqueles dormitórios amplos e baixos, entre os inúmeros beliches dispostos em pisos como as caixas do e alguns, sem fôlego, pedem conta de um pacote perdido a um marinheiro que não os compreende, os outros sentam-se onde estavam, exaustos, como que atordoados, e muitos vão e vêm ao acaso, olhando para todos aqueles companheiros de viagem desconhecidos, inquietos como eles, também confusos por aquela aglomeração e aquela desordem. Alguns, que desceram ao primeiro andar, vendo outras escadas descerem no escuro, recusaram-se a descer mais. Pela escotilha escancarada vi uma mulher soluçando alto, com o rosto no beliche: queria dizer que poucas horas antes de embarcar, uma filha havia morrido quase de repente, e que seu marido teve que deixar o corpo na Segurança Pública de o porto, para levá-lo ao hospital. Das mulheres, a maioria ficou abaixo; os homens, por outro lado, largaram as roupas, subiram e se apoiaram nos parapeitos. Curioso! Quase todos eles estavam pela primeira vez em um grande vapor que deveria ser como um mundo novo para eles, cheio de maravilhas e mistérios; e ninguém olhou em volta ou para cima ou parou para considerar uma única das cem coisas maravilhosas que eles nunca tinham visto. Alguns olhavam com muito cuidado para qualquer objeto, como a mala ou a cadeira de um vizinho, ou um número escrito em um baú; outros mordiscavam uma maçã ou um pedaço de pão, examinando-o a cada mordida, com a mesma calma que fariam na porta do estábulo. Algumas mulheres tinham olhos vermelhos. Os jovens estavam rindo; mas, em alguns, entendia-se que a felicidade era forçada. A maioria deles não mostrava nada além de fadiga ou apatia. O céu estava nublado e começava a escurecer.

De repente, gritos furiosos foram ouvidos do escritório de passaportes e pessoas foram vistas correndo. Mais tarde soube-se que ele era agricultor, com sua esposa e quatro filhos, que o médico havia reconhecido doente pela pelagra. Nas primeiras perguntas, o pai ficou louco e, tendo sido negado o embarque, reagiu por insanidade.

Havia cerca de cem pessoas na descida: parentes dos emigrantes, muito poucos; os mais curiosos, e muitos amigos e parentes da tripulação, acostumados com essas separações.

Uma vez que todos os passageiros foram instalados, uma certa quietude se seguiu sobre o vapor, o que permitiu que o ronco surdo da máquina a vapor fosse ouvido. A maioria deles estava no convés, lotado e silencioso. Aqueles últimos momentos de espera pareciam eternos.

Por fim, os marinheiros da popa e da proa foram ouvidos gritando: - Quem não é passageiro, em terra!

Essas palavras provocaram um estremecimento de uma ponta à outra do Galileu. Em poucos minutos todos os estranhos saíram, o convés foi elevado, as cordas removidas, a escada levantada: um apito foi ouvido e o vapor começou a se mover. Então as mulheres começaram a chorar, os jovens rindo ficaram sérios, e um homem barbudo, até então impassível, foi visto passando a mão nos olhos. Essa emoção contrastava estranhamente com a calma dos cumprimentos que os marinheiros e oficiais trocavam com amigos e parentes reunidos na descida, como se estivéssemos partindo para La Spezia. - Muitas coisas. - Eu recomendo para esse pacote. - Você vai dizer a Gigia que eu vou fazer o recado. - Instale-o em Montevidéu. - Estamos interessados no vinho. - Boa caminhada. - Está bem. - Alguns, então chegados, ainda tiveram tempo de jogar fora maços de charutos e laranjas, que foram apanhados no ar a bordo; mas os últimos caíram no mar. Na cidade, as luzes já estavam brilhando. O navio a vapor deslizou lentamente pela meia escuridão do porto, quase furtivamente, como se carregasse um carregamento de carne humana roubada. Fui até a proa, na multidão mais densa, que estava toda voltada para a terra, para olhar o anfiteatro de Gênova, que se iluminava rapidamente. Poucos falavam em voz baixa. Aqui e ali, na escuridão, vi mulheres sentadas, com crianças apertadas contra o peito, com a cabeça abandonada nas mãos. Perto do castelo de proa uma voz rouca e solitária gritou em trovão de sarcasmo: - Viva a Itália! - e olhando para cima, vi um velho comprido mostrando o punho para a pátria. Quando saímos do porto, era noite. 

Triste com a visão, voltei à popa e desci para o dormitório da primeira classe, para procurar meu camarim. Deve-se dizer que a primeira descida neste tipo de hotel subaquático lembra deploravelmente uma primeira entrada em prisões celulares. Naqueles corredores estreitos e esmagados, impregnados com os vapores salinos da madeira, o fedor das lamparinas, o cheiro do couro búlgaro e os perfumes das damas, encontrei-me no meio de uma azáfama de pessoas ocupadas, que disputavam o garçons e empregadas com aquele egoísmo rude que é típico dos viajantes na fúria da primeira acomodação. Naquela confusão, desigualmente iluminada aqui e ali, vislumbrei o rosto risonho de uma bela loura, três ou quatro vagabundos pretos, um padre muito alto e a grande ousadia de uma empregada irritada, e ouvi palavras genovesas, francesas, italianas e espanholas. Na curva de um corredor encontrei uma mulher negra. De um camarim veio o solfejo de uma voz de tenor. E na frente daquele camarim encontrei o meu, uma gaiola de meia dúzia de metros cúbicos, com uma cama de procusto de um lado, um sofá do outro, e no terceiro um espelho de barbeiro, colocado em uma bacia embutida na parede . . , ao lado de um abajur pendurado, que balançava com o ar de me dizer: Que ideia maluca você tem de ir para a América! Acima do sofá brilhava uma janela redonda semelhante a um grande olho de vidro, para o qual eu deveria olhar, como em um olho humano, que piscou para mim, com uma expressão de zombaria. E, de fato, a ideia de ter vinte e quatro noites para dormir naquele cubículo sufocante, o pressentimento da chuva e do calor da zona tórrida, e dos títulos que daria às paredes em dias de mau tempo, e dos mil pensamentos inquietos ou tristes que eu teria que ruminar ali dentro pelo espaço de seis mil milhas... Mas agora não adiantava me arrepender. Olhei para minhas malas, que me diziam tantas coisas naqueles momentos, e as toquei como faria com cães fiéis, os últimos restos vivos de minha casa; Roguei a Dominedio que não me fizesse arrepender de ter recusado as ofertas de um empregado de uma companhia de seguros, que tinha vindo me tentar na véspera da minha partida; e abençoando em meu coração os bons e confiáveis ​​amigos que estiveram ao meu lado até o último momento, embalada pelo mar querido da minha pátria, adormeci. 

NO GOLFO DE LEÃO

Quando acordei era dia e o vapor já estava rolando no Golfo de Leão. Imediatamente ouvi o gargarejo do tenor na cabine em frente, e na ao lado uma voz seca de mulher dizendo: - Seu pincel? O que eu sei sobre o seu pincel! Procure! -; uma voz que revelava não apenas um aborrecimento momentâneo, mas um temperamento acre e duro, e que despertava em mim um sentimento de profunda piedade pelo dono do objeto perdido. Mais adiante, outra voz feminina cantava uma canção de ninar para uma criança, com um canto estranho, e uma modulação que eu não achava que pudesse ser de uma criatura de nossa raça: ocorreu-me que era a negra que conheci à noite, e a música foi interrompida pelas vozes baixas e sibilantes de duas empregadas falando no corredor sobre uma picaggietta (uma toalha). Escutei: algumas palavras foram suficientes para me convencer de que, se uma mulher no mundo pode enfrentar uma empregada genovesa, ela só pode ser uma empregada veneziana. Um garçom entrou na cabine com o café. Na primeira manhã tudo é observado. Ele era um jovem bonito e desagradável, com cabelos penteados para trás escorridos, cheio de auto-respeito e sorrindo para sua própria beleza como um ator vaidoso. Questionado sobre qual era o seu nome, ele respondeu: "Antonio" com modéstia afetada, como se esse Antonio fosse o nome falso de um duchino, disfarçado de garçom para um caso de amor. Quando ele saiu, eu saí também, encostado nas paredes, e virando no corredor principal, vi as costas do gigantesco padre da noite anterior, que voltava para sua cabine, e um passo adiante, através do fenda de uma porta, precisamente onde a cortina verde caiu, duas mãos brancas puxando uma meia de seda preta sobre uma bela perna. A maioria dos passageiros ainda estava em seus camarins, onde se ouvia a água espirrando nas tigelas, e um grande farfalhar de escovas e mãos remexendo nas malas. À popa, encontrei apenas três pessoas. O mar estava agitado, mas de uma linda cor azul, e o tempo estava limpo. Não se via terra.

Mas o espetáculo era a terceira classe, onde a maioria dos emigrantes, tomados pelo enjôo, deitavam-se ao acaso, jogados sobre os bancos, nas posturas de doentes ou mortos, com rostos sujos e cabelos desgrenhados, em meio a um grande farfalhar de cobertores e trapos. Vimos famílias inteiras em grupos compassivos, com aquele ar de abandono e perplexidade, característico da família sem-teto: o marido sentado e dormindo, a esposa com a cabeça apoiada nos ombros e os filhos no assoalho, que dormiam com a cabeça sobre os joelhos de ambos: montes de trapos, onde não se via nenhum rosto, e só saía um braço de criança ou uma trança de mulher. Mulheres pálidas e desgrenhadas se dirigiram para as portas do dormitório, cambaleando e se agarrando aqui e ali. O que o padre Bartoli chama nobremente de angústia e indignação do estômago já deve ter feito a grande limpeza, desejada por todo bom comandante, dos maus frutos habituais dos quais os pobres emigrantes são plantados em Génova e da festa sacramental que aqueles que têm alguma coisa fazem na taberna. Mesmo aqueles que não sofreram pareciam desanimados e mais como deportados do que emigrantes. Parecia que a primeira experiência da vida inerte e desfavorecida do navio havia abafado em quase todos a coragem e as esperanças com que partiram, e que naquela prostração de espírito que se seguiu à agitação da partida, o sentimento de todas as dúvidas , todo o tédio e amargura dos últimos dias de sua vida doméstica, ocupados na venda das vacas e daquele centímetro de terra, em discussões amargas com o mestre e com o pároco, e em despedidas dolorosas. E o pior estava embaixo, no grande dormitório, cuja escotilha se abria perto do tombadilho da popa: olhando para fora, viam-se na penumbra corpos sobre corpos, como nos navios que trazem de volta os corpos dos emigrantes chineses à sua terra natal. ; e dali, como de um hospital subterrâneo, um concerto de lamentos, suspiros e tosses, tentou-nos a desembarcar em Marselha. A única nota agradável daquele espetáculo foram os poucos intrépidos que, no convés, saíram das cozinhas com tigelas cheias de sopa nas mãos, para ir comer em paz em seus lugares: alguns, fazendo maravilhas de equilíbrio, conseguiram ; outros, com o pé errado, caíram com o focinho na tigela, espalhando caldo e macarrão por toda parte, em meio a um desencadeamento de maldições. 

Ouvi com prazer o sino nos chamando para a mesa, onde esperava ver um quadro mais alegre.

Cerca de cinqüenta de nós estávamos sentados a uma mesa muito comprida, no meio de um vasto salão, todo decorado com ouro e espelhos, e iluminado por muitas janelas, nas quais se via dançar o horizonte do mar. No ato de sentar-se, e alguns minutos depois, os comensais não fizeram outra coisa senão olhar uns para os outros, escondendo sob uma indiferença simulada a curiosidade perscrutadora que sempre inspira os desconhecidos com quem se sabe ter de conviver por algum tempo em uma familiaridade inevitável. O mar estava um pouco agitado, faltaram várias senhoras. Na parte de trás da mesa notei imediatamente o sacerdote gigante, que ultrapassou seus vizinhos pela cabeça inteira: uma pequena e careca cabeça de pássaro grifo, com olhos orlados de presciutto, plantada em um pescoço interminável; e suas mãos me chamaram a atenção enquanto desdobravam o guardanapo, enorme e fino, com certos dedos que pareciam tentáculos de polvo: a figura de um Dom Quixote, sem poesia. Do mesmo lado, mas mais adiante, reconheci a loura que conhecera lá embaixo na noite anterior. Era uma bela dama de cerca de trinta anos, com dois olhos azuis demais e um nariz despreocupado, fresca e muito móvel, vestida com uma elegância um pouco vistosa demais; que agitou todos os comensais, como se conhecesse todo mundo, um olhar vago e sorridente de uma dançarina sob os holofotes; e não sei por quê, podia jurar que a meia de seda preta que vislumbrava de manhã só podia ser dela. O legítimo dono daquela seda era, sem dúvida, um senhor de uns cinquenta anos, que se sentava ao lado dela: um rosto resignado e benevolente, rodeado por um esfregão professoral, com dois olhinhos semicerrados, nos quais brilhava um sorriso de uma astúcia mais ostensiva. que verdade, que deve ter sido seu hábito. À sua direita estavam duas meninas, que pareciam ser parentes ou amigas íntimas; uma delas, vestida de verde-mar, impressionou-me no rosto esquelético e muito pálido, que se destacava ainda mais sob uma massa de cabelos negros e brilhantes, que parecia o cabelo de uma mulher morta: e ela tinha uma grande cruz negra. Depois, havia um casal curioso: dois esposos certamente, muito jovens, ambos pequenos, dois esturjões de Lucca, que comiam de cara baixa e conversavam sem olhar um para o outro, envergonhados, como se estivessem maravilhados com a comensais. Eu não daria mais de vinte anos a uma, nem mais de dezessete à outra, e apostaria que não tinham passado mais de quinze dias desde a sua aparição na Câmara Municipal: uma freira e um seminarista que sabiam a tempo de uma absoluta falta de vocação, e que eles não precisavam se dar preto sob seus olhos. De um lado do noivo havia uma matrona de cabelos mal tingidos, de seios até o queixo, com um rosto grande como caricaturistas na lua de mau humor, marcado acima da boca pelos traços indubitáveis ​​de uma depilação muito cáustica: que era toda ocupada comendo conscienciosamente, deixando-se puxar para baixo por um desses armários aéreos que pendiam sobre nossas cabeças como candelabros, ora a mostarda, ora a pimenta, ora a mostarda, como se ela quisesse recomendar uma dor de estômago e limpar a garganta rouca , que ele estava tentando de vez em quando com um pouco de tosse. À cabeceira da mesa sentava-se o Comandante, uma espécie de Hércules encolhido e carrancudo, ruivo e de rosto brilhante; quem falou com voz rouca, ora em puro genovês para o transeunte à sua direita, ora em espanhol impuro para um cavalheiro à sua esquerda: um velho alto e magro, com longos cabelos brancos e olhos profundos e vivos, exibindo os últimos retratos do poeta Hamerling.

Não conhecendo ainda a maioria dos passageiros entre eles, mal podíamos ouvir alguma conversa em voz baixa, acompanhada pelo tilintar de tachos de óleo suspensos, e ocasionalmente interrompida pelo golpe forte com que um comensal parava uma maçã ou laranja que escapou sobre a mesa ; quando uma frase em espanhol dita em voz alta e seguida por um coro de risadas fez todas as cabeças se virarem para o fundo do salão. "É uma brigada argentina", disse meu vizinho da esquerda.

Quando me virei para olhá-los, minha atenção foi desviada pelo belo rosto masculino do meu vizinho à direita, cuja voz eu ainda não tinha ouvido. Era um homem de cerca de quarenta anos, com aparência de soldado antigo, com um corpo poderoso, mas que ainda podia ser adivinhado rapidamente; já cinza. A testa ousada e os olhos injetados me lembraram Nino Bixio; mas a parte inferior do rosto era mais suave, embora triste, e como que contraída por uma expressão de desprezo, que violentava a bondade da boca. Não sei para que associação de ideias, pensei numa dessas figuras nobres de Garibaldini de 60, que conhecera nas inesquecíveis páginas de Cesare Abba, e fixei-me na cabeça que ele tinha feito aquela campanha, e que ele deve ter sido lombardo.

Ao olhar para ele, meu vizinho da esquerda bateu com o garfo na mesa, dizendo: - Não adianta... se eu comer, vou rachar. Era um homenzinho magro, com uma cara de dor no corpo e uma grande barba negra, comprida demais para ele, que parecia grudada nele, como as dos bruxinhos que saltam de caixas de mola.

Perguntei-lhe se ele se sentia mal. Ele respondeu com a familiaridade imediata dos doentes, que são informados sobre sua doença.

Ele não se sentiu mal ou, melhor dizendo, não sofria de enjôo. Ele sofria de uma doença particular, mais moral do que física, que era uma aversão invencível ao mar, uma inquietação raivosa e triste que o dominou na primeira vez que subiu no vapor, e que não o abandonaria até sua chegada, mesmo que sempre tivesse o mar como lago e o céu como espelho. Ele havia feito várias travessias oceânicas, pois sua família estava sediada na Argentina, em Mendoza; mas sofreu na última as mesmas torturas que na primeira: de dia uma exaustão e uma agitação mórbida, e de noite uma insônia incurável, atormentada pelas imaginações mais sombrias que podem passar por uma mente humana. Ele odiava o mar a tal ponto que conseguia ficar sete dias sem olhar para ele, e toda vez que encontrava uma descrição marinha em um livro, ele pulava nele. Por fim, ele me jurou que, se pudesse ter ido para a América por terra, teria viajado um ano de carruagem em vez de fazer aquela travessia de três semanas. A isso foi reduzido. Um médico amigo seu lhe contara de brincadeira, mas ele acreditava firmemente que aquela aversão violenta ao mar não podia derivar de outra coisa senão de um misterioso pressentimento de ter de morrer num naufrágio.

- Shâ se ele tirar essas idéias da cabeça, advogado! - disse seu vizinho do outro lado.

O advogado balançou a cabeça, apontando para o fundo do mar com o dedo indicador.

Vendo que ele já tinha conhecidos a bordo, pedi-lhe informações. Como eu tinha adivinhado

certo! Meu vizinho da direita, na verdade, deve ter sido lombardo: ele o ouvira falar lombardo com um amigo, na descida de Gênova: e um antigo garibaldiano, sem dúvida: o comissário lhe dissera isso pela manhã. - Mas como você sabe? - Eu me pergunto. - Exaltei minha faculdade divinatória. Ele continuou a me dar notícias. A família que estava no fundo da tabela, composta por pai e mãe, e por quatro filhos, era uma família brasileira, indo para o Paraguai. O moço de bigode louro, sentado ao lado do menor brasileiro, acreditava ser um tenor italiano (era meu vizinho no camarim) que ia cantar em Montevidéu. Quem falava alto naquele momento, do nosso lado da mesa, era um vilão original de um moleiro piemontês, que, tendo enriquecido na Argentina, agora voltaria para lá para sempre, depois de ter feito uma curta estadia em sua terra natal, onde parecia não ter encontrado a acolhida triunfal que esperava; e desde a noite anterior pretendia-se contar a um garçom sua história e contar aos chifres da Itália, que não teriam seus ossos. Aqui ele parou e me disse em voz baixa: "Olhe para esse braço."

Ele mencionou a garota pálida, com a cruz no pescoço, que eu já havia notado. Olhei e senti uma sensação de quase nojo: não era um braço, mas um pobre osso branco que parecia sair de um túmulo. E observei ao mesmo tempo seus olhos, velados e quase desaparecidos, com uma expressão de infinita tristeza e doçura, que pareciam olhar tudo e não ver nada. E observei que também o Garibaldino a olhava com os olhos semicerrados, talvez para esconder o sentimento de compaixão que também lhe inspirava.

A empresa, em suma, apresentava uma variedade bastante satisfatória para um observador. Percebi, entre outros, um estranho rosto bronzeado, de um homem de cerca de trinta e cinco anos, de traços graves e vagamente melancólicos, do qual não consegui desviar os olhos por um tempo quando o advogado me disse que era peruano. ; pois me parecia que a forma oblonga da cabeça e a boca grande e a barba rala correspondiam às descrições que se lêem nas histórias daqueles misteriosos incas, que sempre atormentaram minha imaginação. Eu o imaginei vestido de lã vermelha, com uma bandagem na cabeça e brincos de ouro, destinados a marcar seus pensamentos com os fios multicoloridos de um cordão nodoso, e vi as gigantescas estátuas douradas do palácio imperial resplandecendo atrás dele, de Cuzco, cercado por jardins reluzentes de frutas e flores douradas. E ele era o dono de uma fábrica de casamenteiros em Lima, que falava prosaicamente sobre sua indústria com o restaurante à sua frente.