O Destino de Sofia
Sofia Bellini nasceu em 3 de abril de 1867, em Montecassino, uma localidade pitoresca aninhada entre as colinas da província de Frosinone, na região do Lazio, no centro-sul da Itália. Era um lugar onde o aroma de oliveiras misturava-se ao canto distante dos pássaros, e o tempo parecia correr ao ritmo da vida camponesa. A terceira de cinco filhos de Vittorio e Lucia Bellini, Sofia cresceu em uma casa simples de pedra, onde as paredes pareciam contar histórias de gerações que haviam trabalhado arduamente para arrancar sustento da terra.
Vittorio, um homem de mãos calejadas e olhar distante, carregava o peso das expectativas de um mundo em transformação. Como muitos de sua época, ele havia depositado suas esperanças na unificação italiana, acreditando que a promessa de um país unido traria prosperidade às comunidades rurais. Mas os anos que se seguiram à unificação mostraram-se cruéis para os camponeses. O aumento dos impostos, as mudanças nas políticas agrárias e a competição com grandes latifundiários tornaram a vida em Montecassino uma luta diária.
Lucia, por outro lado, era o coração da família. Pequena em estatura, mas gigantesca em determinação, ela comandava a casa com uma mistura de autoridade e ternura. Cozinhava com maestria, transformando ingredientes escassos em refeições que aqueciam não apenas o estômago, mas também a alma. Era ela quem plantava em Sofia e seus irmãos as sementes de esperança, contando histórias de tempos melhores e sonhando em silêncio com um futuro mais promissor.
As terras que a família Bellini cultivava, porém, tornavam-se cada vez menos generosas. A combinação de práticas agrícolas arcaicas e solos exauridos forçava Vittorio a trabalhar de sol a sol, enquanto Lucia e as crianças ajudavam no que podiam. A vinha, que outrora prometera bons rendimentos, produzia menos a cada ano, e as oliveiras, resistentes como os próprios Bellini, começavam a sofrer com pragas que devastavam a região.
Apesar das dificuldades, Sofia crescia curiosa e determinada. Enquanto seus irmãos mais velhos, Pietro e Giovanni, assumiam responsabilidades no campo, e os mais novos, Caterina e Mario, ainda desfrutavam da inocência da infância, Sofia encontrava momentos para observar o mundo além das colinas. Gostava de ouvir as histórias dos viajantes que passavam pela região, a caminho de Roma ou de outros destinos mais prósperos. Cada relato despertava nela um desejo de descobrir o que havia além da monotonia de Montecassino.
Com o tempo, o descontentamento com a situação da família tornou-se palpável. Os Bellini não eram os únicos a sentir o peso da pobreza crescente; em toda a região, famílias inteiras abandonavam suas terras e embarcavam em navios rumo a destinos desconhecidos, em busca de uma vida melhor. Sofia, mesmo tão jovem, começava a perceber que sua pequena aldeia talvez não fosse grande o suficiente para conter seus sonhos.
Foi nessa atmosfera de incertezas que Sofia começou a moldar seu caráter. A cada dificuldade enfrentada pela família, sua resiliência se fortalecia. E embora seus pés estivessem firmemente plantados no solo árido de Montecassino, sua mente já vagava por lugares distantes, onde ela imaginava um futuro que sua terra natal parecia incapaz de oferecer.
Desde cedo, Sofia demonstrava uma curiosidade aguçada e um espírito inquieto que a diferenciavam das outras crianças de Montecassino. Enquanto seus irmãos pareciam resignados às rotinas do campo, Sofia ansiava por algo mais, um futuro que pudesse oferecer mais do que a labuta incessante e os ciclos repetitivos das colheitas. Essa centelha não passou despercebida pela Signora Teresa, a professora da escola rural, uma mulher de meia-idade com uma paixão quase obstinada por ensinar, mesmo em condições precárias.
A escola era pouco mais que uma sala simples com paredes de pedra bruta, algumas mesas de madeira desgastada e um quadro-negro que parecia tão velho quanto o próprio vilarejo. Os recursos eram escassos, mas isso não impedia a Signora Teresa de inspirar seus alunos. Quando Sofia entrou em sua turma, Teresa logo percebeu que havia algo especial na menina. Sofia tinha uma habilidade natural para a escrita e uma surpreendente facilidade com números, destacando-se em matemática de um modo que poucos em Montecassino poderiam imaginar.
Apesar do entusiasmo da professora, estudar era um luxo que a realidade não permitia. Aos 12 anos, quando outras crianças ainda podiam sonhar com mundos distantes, Sofia foi forçada a abandonar a escola. O campo chamava, e sua família precisava de toda ajuda possível. Foi um momento difícil para ela. Deixar os livros e as aulas não significava apenas perder o contato com o aprendizado, mas também renunciar, mesmo que temporariamente, ao sonho de um futuro diferente.
A nova rotina era extenuante. Sofia começava o dia antes do sol nascer, ajudando a mãe nas colheitas de uvas e azeitonas. O trabalho no campo exigia força, resistência e uma paciência que só a vida rural podia ensinar. Quando não estava na terra, dedicava-se a cuidar de seus irmãos mais novos, Caterina e Mario, garantindo que eles tivessem algo para comer e que não se metessem em encrencas enquanto Lucia e Vittorio trabalhavam.
Mesmo nesse cenário de privações, Sofia encontrava maneiras de alimentar sua mente inquieta. Nas raras horas de descanso, buscava refúgio em um velho livro de contos que a Signora Teresa lhe emprestara antes de sua saída da escola. Lia cada palavra com atenção, absorvendo histórias que a transportavam para terras longínquas e realidades mais promissoras. Às vezes, à luz trêmula de uma vela, ela rabiscava pensamentos e ideias em pedaços de papel que seu pai conseguia. Suas palavras revelavam uma alma que, embora jovem, já começava a compreender a dureza da vida e a sonhar com algo além do que seus olhos podiam alcançar.
Aos poucos, Sofia começou a perceber que o conhecimento, mesmo aquele adquirido em breves momentos de leitura, podia ser uma arma poderosa. Se não pudesse frequentar a escola, ela encontraria outras formas de aprender. Passou a ouvir com atenção as histórias dos vizinhos e dos viajantes que cruzavam Montecassino, absorvendo informações como uma esponja. Cada detalhe que aprendia tornava-se um tijolo na construção de um futuro que ela ainda não sabia como alcançaria, mas que acreditava ser possível.
Essa determinação chamou a atenção não apenas de sua família, mas também de outras pessoas da comunidade. "Essa menina tem fogo nos olhos", comentou certa vez um mercador que passava pela vila. O comentário não foi esquecido por Vittorio, que, embora tivesse seus próprios sonhos esmagados pela realidade, começava a enxergar em Sofia uma esperança para a família Bellini. Para Sofia, porém, esperança era apenas o começo. Ela queria mais do que sonhar.
Com o passar dos anos, a situação em Montecassino deteriorou-se de forma implacável. As terras já exauridas pelas gerações de cultivo começaram a retribuir com cada vez menos generosidade. As vinhas, orgulho da região, foram atacadas por uma praga devastadora que deixou as parreiras estéreis e os campos cobertos de folhas secas, um cenário desolador que parecia refletir o próprio espírito dos camponeses. A produção de azeite, outrora suficiente para cobrir os impostos e garantir um modesto sustento, tornou-se escassa, incapaz de competir com os grandes olivais das regiões mais ricas.
Para a família Bellini, a crise era uma tempestade perfeita de adversidades. Em 1884, um inverno rigoroso veio como o golpe final. O frio cortante entrou pelas frestas das janelas da casa e se infiltrou nos ossos, trazendo consigo a fome. As reservas de alimentos eram insuficientes, e a compra de mantimentos tornou-se um luxo inalcançável. Lucia fazia milagres na cozinha, esticando o pouco que tinham, mas até sua criatividade encontrou limites diante da escassez. As crianças adoeceram, e a preocupação gravou rugas ainda mais profundas no rosto de Vittorio.
Foi durante uma noite de fevereiro, enquanto o vento uivava lá fora e a família se aquecia ao redor de um pequeno fogo, que Vittorio tomou uma decisão que mudaria para sempre o destino dos Bellini. Ele havia ouvido histórias de um lugar distante, o Brasil, onde terras férteis aguardavam por aqueles dispostos a trabalhá-las. Era uma terra cheia de promessas, diziam os mercadores, onde o governo brasileiro oferecia oportunidades para os imigrantes reconstruírem suas vidas.
Lucia ouviu a proposta em silêncio, mas os olhos cheios de lágrimas revelavam o peso de suas emoções. Ela sabia o que isso significava: abandonar tudo o que conheciam, tudo o que amavam, e partir rumo ao desconhecido. Não era apenas uma mudança de país; era uma ruptura com suas raízes, uma despedida de Montecassino, com sua igreja centenária, os campos que haviam sustentado a família por gerações, e até mesmo os túmulos de seus antepassados.
“É o único caminho, Lucia,” disse Vittorio com um tom grave, a voz carregada de uma firmeza que ele nem sempre sentia. “Aqui, não temos futuro. No Brasil, talvez possamos começar de novo.”
Sofia, então com 17 anos, escutava a conversa à distância, mas suas mãos pararam de trabalhar no bordado. A ideia de partir era assustadora, mas, ao mesmo tempo, acendia nela uma fagulha de excitação. Embora amasse sua terra natal, ela sabia, melhor do que a maioria, que Montecassino não lhe oferecia mais do que uma vida de privações. O Brasil, com suas histórias de terras vastas e oportunidades, parecia um lugar onde sua inquietação e determinação poderiam encontrar espaço para florescer.
Os meses seguintes foram um turbilhão de preparação e despedidas. Vittorio vendeu o pouco que possuíam para arrecadar dinheiro para a travessia. A comunidade, embora acostumada a ver famílias partirem em busca de uma vida melhor, despediu-se dos Bellini com tristeza. No último dia, enquanto os sinos da igreja de Montecassino tocavam ao longe, Sofia olhou para trás uma última vez. As colinas que ela conhecia tão bem agora pareciam pequenas, distantes, quase irreais.
A bordo de um navio lotado de outros italianos que também buscavam um novo começo, Sofia sentiu o peso da incerteza, mas também uma ponta de esperança. O mar vasto e interminável era ao mesmo tempo um símbolo de separação e de possibilidades infinitas. Ela sabia que sua vida jamais seria a mesma, mas, pela primeira vez, começou a acreditar que isso poderia ser algo bom.
A Jornada ao Desconhecido
Os Bellini embarcaram no porto de Nápoles em 17 de fevereiro de 1885, em meio a uma multidão de outras famílias italianas igualmente empurradas pela necessidade e pela esperança. O vapor Comte d’Abruzzi era um dos muitos navios destinados a levar imigrantes ao Brasil, sua estrutura robusta contrastando com as frágeis esperanças de seus passageiros. Para os Bellini, o embarque foi um misto de alívio e desespero: alívio por deixarem para trás a fome e o frio de Montecassino, mas desespero por encararem o desconhecido, sabendo que não havia garantias de sucesso ou sequer de sobrevivência.
A travessia, que deveria ser uma passagem para um novo começo, rapidamente se transformou em uma provação. Os porões do navio, na terceira classe onde viajavam os passageiros mais pobres, eram escuros, abafados e infestados de ratos. O ar era pesado, saturado de umidade e do cheiro de corpos cansados e doentes. A comida, quando distribuída, era escassa e de qualidade duvidosa. Água potável era um bem raro, e os conflitos por ela não eram incomuns.
Logo nos primeiros dias no mar, doenças começaram a se manifestar entre os passageiros. O sarampo e a febre tifoide, impulsionados pelas condições insalubres, se espalhavam com rapidez assustadora. O som de tosses e choros de crianças doentes ecoava pelos corredores, enquanto os pais tentavam desesperadamente cuidar de seus filhos com os poucos recursos disponíveis. Para Sofia, agora com 18 anos, a situação trouxe à tona uma força que ela mesma não sabia possuir.
Sofia assumiu o papel de uma enfermeira improvisada, usando sua pouca experiência adquirida ao ajudar a mãe com os irmãos em Montecassino. Ela limpava o alojamento, oferecia água e confortava as crianças, incluindo seus próprios irmãos. Era um trabalho exaustivo e, muitas vezes, ingrato, mas Sofia não permitia que a exaustão a vencesse. Para ela, cuidar dos outros era mais do que uma tarefa; era uma forma de se agarrar à humanidade em meio ao caos.
Entre os doentes estava Lorenzo, de apenas 2 anos, o caçula dos Bellini. Sofia cuidava dele com especial dedicação, segurando sua pequena mão durante as longas noites enquanto ele lutava contra a febre. Mas, apesar de todos os esforços, Lorenzo não sobreviveu. Sua morte abalou profundamente a família. Vittorio, um homem que raramente demonstrava emoção, foi visto chorando silenciosamente à proa do navio, enquanto Lucia parecia ter envelhecido anos em apenas algumas horas. Para Sofia, a perda de Lorenzo foi um golpe que solidificou sua determinação de sobreviver e encontrar algo que justificasse aquele sacrifício.
Depois de 36 dias de mar e sofrimento, o Comte d’Abruzzi finalmente atracou no porto de Santos. O desembarque foi um misto de alívio e tristeza. Os Bellini estavam exaustos, desidratados e emocionalmente devastados, mas também cientes de que um novo capítulo de suas vidas começava ali. Santos era caótica e vibrante, um contraste absoluto com Montecassino. O calor úmido grudava em suas roupas, enquanto os sons da língua portuguesa, desconhecida e estranha, preenchiam o ar.
A jornada, no entanto, ainda não havia terminado. De Santos, a família embarcou em um trem que os levaria ao interior do estado de São Paulo, até a Colônia Pedrinhas, um dos primeiros assentamentos de imigrantes italianos na região. A viagem de trem foi desconfortável, mas nada comparado aos horrores do navio. A paisagem que passava pelas janelas mostrava um mundo verdejante e selvagem, tão diferente das colinas áridas da Itália.
Quando finalmente chegaram a Pedrinhas, foram recebidos por outros imigrantes italianos que os ajudaram a se instalar em uma casa simples de madeira. O local era isolado, cercado por mata virgem, e o trabalho que os esperava seria árduo. Apesar disso, Sofia sentiu algo que não sentia há meses: uma centelha de esperança. Ela sabia que o caminho à frente seria difícil, mas ali, entre aquelas pessoas, havia uma possibilidade de recomeço. Para a família Bellini, Pedrinhas representava mais do que terra; era uma chance de reconstruir suas vidas e honrar os sacrifícios feitos para chegar até ali.
A Luta por Sobrevivência
Na Fazenda Pedrinhas, os Bellini receberam um lote de terra que parecia mais uma selva do que um local para começar uma nova vida. O terreno era cercado por densas árvores com raízes que pareciam agarrar o solo como se fossem guardiãs de um mundo intocado. Para Vittorio, que mal conseguia esconder sua decepção, aquilo era uma sentença de trabalho interminável. As ferramentas que receberam eram rudimentares, e cada golpe do machado parecia pouco mais do que um arranhão na imensidão verde.
Os primeiros meses foram brutais. A umidade constante impregnava roupas, paredes e pulmões, enquanto doenças tropicais como malária e febre amarela atingiam a colônia. Os insetos eram uma praga incessante, picando durante o dia e zumbindo nas noites insones. As crianças ficavam cobertas de marcas vermelhas, e Sofia frequentemente fazia emplastros improvisados com ervas que aprendera a usar com os vizinhos. Os animais selvagens, embora raramente vistos, deixavam seus sinais: rastros ao redor da cabana e rugidos distantes durante a madrugada, fazendo com que cada estalo no mato fosse um lembrete constante do isolamento.
As noites eram especialmente difíceis. Sem luz elétrica, a escuridão parecia esmagadora, uma presença física que envolvia a pequena cabana de madeira. Durante essas longas horas, os lamentos de Vittorio enchiam o espaço. Ele se perguntava em voz alta se havia cometido um erro fatal ao trazer sua família para tão longe, para um lugar onde o solo parecia tão hostil quanto os céus da Itália haviam sido. Lucia, apesar de exausta, era o pilar silencioso, mantendo os filhos unidos e tentando acalmar o marido.
Mas Sofia, mesmo sentindo o peso das dificuldades, recusava-se a ceder ao desespero. Determinada a transformar o caos em oportunidade, começou a se aproximar dos outros imigrantes na colônia. Ela logo percebeu que a maior arma que poderia empregar contra a adversidade era o conhecimento. Com um caderno surrado que havia trazido da Itália, começou a aprender português ouvindo os vizinhos e repetindo as palavras em voz alta, praticando até que a língua começasse a soar menos estrangeira
Sua curiosidade natural e habilidade com números rapidamente chamaram a atenção. Os raros comerciantes locais, que enfrentavam dificuldades para manter as contas em ordem, começaram a procurar Sofia. Ela os ajudava a calcular preços, registrar dívidas e planejar os gastos. Em pouco tempo, tornou-se indispensável. Os pais, vendo a utilidade de sua inteligência, apoiaram sua iniciativa, mesmo quando o trabalho no campo exigia sua presença.
Além disso, Sofia notou que muitas crianças da colônia estavam crescendo sem qualquer tipo de instrução. Com a permissão dos pais e a ajuda de uma vizinha, que também era imigrante e tinha alguma educação, ela começou a organizar uma pequena escola. O espaço era improvisado, uma clareira entre as árvores com bancos feitos de troncos caídos, mas era um começo. As crianças, muitas delas órfãs de esperança, vinham curiosas e ansiosas, trazendo um brilho aos dias de Sofia. Ensinar deu-lhe propósito, e sua determinação inspirou outros colonos a contribuírem, doando tempo, ferramentas ou materiais.
Para Sofia, cada passo à frente, por menor que fosse, era uma vitória contra o destino aparentemente implacável que a família enfrentava. A floresta ainda os rodeava, sombria e imponente, mas agora ela sentia que, dentro daquele verde impenetrável, havia uma promessa de vida. E, acima de tudo, ela acreditava que, mesmo no meio da adversidade, a força de vontade e o trabalho árduo poderiam abrir caminho para um futuro mais promissor.
A Construção de um Futuro
Em 1891, Sofia Bellini encontrou em Marco Fioretti, um jovem ferreiro italiano de espírito empreendedor, um parceiro não apenas para a vida, mas também para os sonhos. Marco era conhecido por sua habilidade em moldar ferro com precisão e força, e sua fama na colônia crescia à medida que ele produzia ferramentas indispensáveis para a sobrevivência dos imigrantes. Eles se casaram em uma cerimônia simples, realizada na capela improvisada da colônia, sob um céu carregado que parecia abençoar a união com sua chuva suave.
Logo após o casamento, Sofia e Marco começaram a sonhar além da sobrevivência diária. Observando a necessidade crescente de materiais de construção à medida que a colônia se expandia, decidiram fundar uma pequena olaria, a Fioretti & Bellini. O local escolhido era próximo de um riacho, onde a argila vermelha de qualidade abundava. Marco dedicou-se à construção do forno de alvenaria, utilizando seus conhecimentos de ferreiro para projetar uma estrutura eficiente, enquanto Sofia organizava o fluxo de trabalho, as finanças e as negociações com os fazendeiros locais.
A olaria logo se tornou um pilar da comunidade. As telhas e os tijolos, moldados à mão e queimados com perfeição, eram robustos e acessíveis, permitindo que os colonos construíssem casas mais sólidas do que as cabanas de madeira em que haviam começado. Marco passava dias junto ao forno, supervisionando cada etapa do processo, enquanto Sofia cuidava das relações comerciais. Sua habilidade em português e matemática fez dela uma negociadora respeitada, garantindo acordos vantajosos e fidelidade dos clientes.
Com o tempo, o casal prosperou. A pequena olaria transformou-se em uma operação de médio porte, empregando outros imigrantes e promovendo o desenvolvimento local. Sofia e Marco tiveram três filhos, que cresceram saudáveis em meio ao progresso da colônia. Sofia fez questão de que frequentassem a escola que ela ajudara a construir anos antes. Embora a educação fosse básica, ela acreditava firmemente que o conhecimento seria a chave para um futuro mais brilhante.
Em 1902, um marco significativo foi alcançado na colônia: a inauguração da primeira igreja de alvenaria, símbolo da fé e da resiliência dos imigrantes. Os tijolos da Fioretti & Bellini estavam em cada parede, um testemunho silencioso da contribuição de Sofia e Marco para o crescimento da comunidade. Durante a cerimônia de inauguração, Sofia foi chamada ao altar pelo padre local e reconhecida publicamente por seu papel no desenvolvimento da colônia. Com lágrimas nos olhos, ela agradeceu em português, sua voz misturando-se ao calor das palmas e ao orgulho coletivo dos colonos.
Aquela igreja não era apenas um prédio; era um monumento à força de vontade, à união e aos sacrifícios de tantas famílias como os Bellini. Sofia, que um dia havia enxergado apenas incertezas na selva, agora via o futuro em cada parede erguida, em cada criança que aprendia a escrever, e no brilho dos olhos de seus filhos, que carregavam a promessa de que a jornada deles não havia sido em vão.
Legado e Memórias
Sofia Bellini Fioretti, uma mulher cuja vida se entrelaçou com a história de uma comunidade, viveu até os 78 anos, deixando um legado que transcendeu sua própria existência. Ao longo das décadas, tornou-se uma das figuras mais respeitadas de Pedrinhas, conhecida não apenas por sua liderança, mas também pela compaixão e determinação que moldaram o destino de tantos ao seu redor.
Nos últimos anos de sua vida, Sofia dedicou-se a registrar suas memórias em cadernos simples, encadernados com couro envelhecido, onde sua caligrafia firme dava vida às histórias de luta e superação de uma geração. Não eram apenas relatos pessoais; eram crônicas de um povo que cruzou oceanos em busca de um futuro melhor. Ela escrevia sobre os primeiros dias de angústia e dúvida, os momentos de perda e desespero, mas também sobre a força que encontrou no trabalho conjunto, no amor por sua família e na fé que os sustentava.
Seus cadernos narravam a jornada desde Montecassini, a vila de colinas verdes que ela jamais esqueceu, até o coração da colônia que ajudou a construir. Eles traziam os detalhes das pragas que devastaram a Itália, da longa travessia no Comte d’Abruzzi, e das noites insones nos primeiros meses em terras brasileiras. Mas, acima de tudo, suas palavras ecoavam esperança, a mesma esperança que havia inspirado seus filhos a estudar, seus vizinhos a persistir, e sua comunidade a crescer.
Quando Sofia faleceu, em 1945, sua morte foi sentida como uma perda coletiva. A pequena igreja de alvenaria, que tantos anos antes fora construída com tijolos da Fioretti & Bellini, encheu-se de amigos, familiares e conhecidos. Durante o funeral, o padre leu um trecho de suas memórias, descrevendo como a coragem de um indivíduo pode influenciar gerações. “Ela não era apenas a mãe de sua família, mas a mãe de nossa comunidade,” declarou ele, emocionado.
Hoje, o nome de Sofia adorna a escola que ela fundou, agora uma instituição de ensino reconhecida pela qualidade e tradição. A Escola Sofia Bellini Fioretti é um símbolo do espírito inquebrantável que transformou sonhos em realidade. Na entrada, uma estátua em bronze retrata Sofia com um caderno em uma das mãos e uma criança pela outra, representando sua dedicação à educação e ao futuro. No salão principal, estão expostos seus cadernos originais, preservados como um testemunho de sua visão.
A influência de Sofia se estende até os dias de hoje. Historiadores, professores e até mesmo descendentes dos primeiros colonos estudam seus escritos, inspirados por sua narrativa de resiliência. Para muitos, sua história é um lembrete de que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, a determinação e o trabalho árduo podem construir legados que perduram além do tempo. E em cada sala de aula, cada livro aberto e cada tijolo erguido, a presença de Sofia Bellini Fioretti continua viva.
Nota do Autor
A história de Sofia Bellini Fioretti é uma obra de ficção inspirada nas trajetórias reais de milhares de imigrantes italianos que, no final do século XIX, deixaram suas terras natais em busca de esperança em solo brasileiro. Embora os eventos e personagens apresentados neste relato sejam fictícios, eles representam as experiências, lutas e conquistas de homens e mulheres que enfrentaram o desconhecido com coragem e resiliência. A imigração italiana para o Brasil foi marcada por desafios imensuráveis: a adaptação a um clima tropical, o desbravamento de terras cobertas pela mata atlântica, as condições precárias de trabalho e moradia, e a saudade eterna das paisagens e pessoas deixadas para trás. Contudo, foi também uma história de superação e progresso, com as comunidades italianas contribuindo significativamente para a formação cultural, econômica e social do país.
Em criar Sofia e sua jornada, busquei homenagear não apenas os pioneiros que construíram novas vidas, mas também aqueles que, como ela, valorizaram a educação, a união comunitária e o trabalho como instrumentos para transformar adversidades em oportunidades. Sofia é fictícia, mas o espírito que ela encarna é real. Ele vive nas famílias que plantaram raízes em terras desconhecidas, nos filhos e netos que prosperaram, e nas comunidades que continuam a florescer, carregando o legado de seus antepassados.
Que esta narrativa nos lembre da força que reside em nossos próprios desafios e da importância de preservar e celebrar as histórias de quem veio antes de nós.
Com gratidão e respeito,
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



