segunda-feira, 26 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 3

 




A Caminhada

Apesar de usarem o mesmo rio para chegar aos seus destinos, o caminho a ser tomado era um pouco diferente para aqueles que se dirigiam para a Colônia Caxias, daqueles outros que seguiam para as colônias Dona Isabel e Conde D'Eu. Domenico e sua família, subindo pelo rio Caí, passaram pelo porto da cidade de São Sebastião do Caí onde alguns imigrantes desembarcaram com destino a Colônia Caxias. Continuaram a viagem rio acima até o porto da cidade de Montenegro onde aqueles que seguiam para a Colônia Dona Isabel desembarcaram, com vários outros imigrantes, como vimos no capítulo anterior. Aproveitaram para descansar, comprar algum alimento, em uma espécie de armazém, para as crianças e organizar a pouca bagagem que levavam. A distância a ser percorrida era de aproximadamente oitenta quilômetros, mas no caminho teriam que atravessar um trecho bem difícil de serra. Não era uma verdadeira estrada e sim um precário caminho com muitas pedras, bastante tortuoso, pelo meio de grandes árvores. Nos dias de chuva era um lodaçal difícil de ser atravessado. Ficaram espantados com a altura que muitas delas alcançavam, porém, uma em especial, pela sua beleza e grandiosidade, chamou mais a atenção de todos. Eram colossais pinheiros, que naqueles tempos existiam em grande quantidade. Do meio da mata vinham gritos de aves e de outros animais desconhecidos para eles, como dos bandos de macacos bugios, que, assustados com o ruído da caravana, faziam uma grande algazarra. Os adultos e crianças maiores caminhavam ao lado dos carroções puxados por várias mulas, no qual as mulheres grávidas, os mais idosos e as crianças pequenas iam embarcadas. A marcha era lenta, especialmente no trecho montanhoso, onde precisavam parar ocasionalmente para descansar e dar água para os animais. Quatro funcionários do governo brasileiro, dois deles filhos de ex-escravos, acompanhavam o grupo desde Montenegro, eram os guias e cocheiros da expedição. Um dos funcionários, o mais velho do grupo, falava perfeitamente o dialeto vêneto o que facilitou para todos. Depois de várias horas de dura caminhada, ao sol, em pleno verão brasileiro, finalmente chegaram a Colônia Dona Isabel, que então já tinha cerca de quatorze anos desde a sua fundação onde se podia ver grande progresso com algumas ruas de barro e inúmeras casas de madeira, algumas de tijolos. Já era um núcleo urbano. Foram alojados em outro grande barracão, fora da sede, ficando à espera da localização do seu lote de terra que tinha sido escolhido pelo governo. Genaro e a família, mais uma vez, tiveram muita sorte. Em apenas dois dias com todos os papéis assinados, já estavam sobre o que agora seria a sua propriedade. É bem verdade que este grande lote de terra não era fornecido de graça pelo governo, ele deveria ser pago em prestações anuais durante dez anos e o título de propriedade recebiam quando já tivessem quitado 20% da dívida. O governo concedia dois anos de carência para iniciarem o pagamento. Os valores não assustavam muito, as condições eram boas e se tudo corresse bem com as futuras safras, poderia ser pago com facilidade. Ao chegarem no local do lote souberam que cerca de dois anos antes ele já tinha sido concedido para um jovem casal de colonos provenientes de Padova, que, infelizmente, com a morte prematura do marido, devido a um acidente enquanto derrubava uma grande árvore, para fazer tábuas para construção de uma pequena casa para abrigar a família. O pobre homem teve a cabeça e parte do tórax esmagados por um grande galho que se desprendeu do alto, matando-o instantaneamente. A infeliz mulher, desesperada e sozinha, sem amigos ou parentes no Brasil, resolveu desistir e abandonar tudo, retornando rapidamente para Itália, com os dois bebês gêmeos do casal, nascidos justamente naquele lugar, com a ajuda de uma vizinha. Ela tinha restituído a propriedade ao governo, poucas semanas antes de Genaro e a família chegarem. Eles não conheceram a infeliz viúva que partiu poucas semanas antes deles chegarem, logo após o pobre funeral do marido, realizado por alguns vizinhos, sem o conforto religioso de um sacerdote. No lote ainda não havia uma casa, apenas uma pequena choupana construída com galhos de árvores e coberta por grimpas de pinheiro a guisa de telhado, onde a família do falecido se abrigava. Ali tinham nascidos os pobres órfãos, dois brasileirinhos, como tantos outros, que emigraram para a Itália. Todos esses funestos acontecimentos deixaram Domenico e os irmãos muito abalados, supersticiosos como eram, em geral, os vênetos, ficaram com muito medo e até pensaram ser um sinal de mal agouro. Quem trouxe serenidade foi Maria Augusta, sempre hábil em acalmar os filhos. Pela manhã reuniu todos os filhos e disse-lhes que tinha sonhado com o marido, Daniele e ele no sonho "pediu para eles terem coragem e não deixarem se influenciar com a morte daquele jovem. A vida era assim mesmo, cheia de ciladas e este era o seu destino, a sua hora tinha chegado e ninguém poderia ter feito nada para o salvar. Eles deveriam rezar um rosário todas as noites durante uma semana pela intenção da sua alma e também levar algumas flores que encontrassem no local onde ele estava sepultado. A vida da família devia continuar. Não podiam se amedrontar após tudo o que já tinham passado para chegar até ali". Ouvindo o relato do sonho da mãe todos se sentiram mais confortados e se acalmaram bastante, começando a esquecer o ocorrido. Tudo no lote estava por fazer, não queriam morar naquela cabana feita pelo falecido e assim resolveram atear fogo, como forma de exorcizar os maus espíritos. A família, com dificuldade, passou a primeira noite na nova terra, abrigada no oco de uma grande árvore chamada de embú. Era verão e um pequeno fogo, logo à entrada, servia para aquecer um pouco, iluminar e espantar algum animal selvagem. Receberam do governo sacos de mantimentos para alguns meses, vários utensílios domésticos e ferramentas para o trabalho rural, além de vários tipos de sementes para iniciarem uma roça, que naquele mês já deveria estar plantada. Genaro com os três irmãos iniciaram o desmatamento de uma área, perto de onde tinham pensado construir a futura casa, não longe de um curso de excelente água. Com os troncos mais finos retirados do local, fizeram uma grande barraca, serviço que todos tiveram que participar, inclusive a mãe e duas das irmãs menores, pois, a outra ficou encarregada de cuidar da comida que estava sendo preparada em uma fogueira improvisada, cercada por grandes pedras. Após três dias de trabalho a cabana, com três aposentos, ficou pronta. Estavam muito felizes com a nova "casa" e agora, depois semanas poderiam sair do abrigo no oco da árvore. Derrubadas as árvores e queimado o mato, colocaram na terra parte das sementes que haviam recebido, principalmente hortaliças, pois a temporada para semear o milho já havia passado e o trigo só deveria ser semeado no início do inverno, conforme instruções recebidas dos funcionários do governo. Com o passar das semanas foram se ambientando e conhecendo melhor o terreno que haviam adquirido. Era muita terra, mais do que podiam imaginar quando estavam na Itália. A propriedade era coberta por uma vegetação abundante e árvores imensas estavam por todo lado. Um pequeno córrego, com águas cristalinas, cortava toda a propriedade antes de desaguar em um rio maior, situado poucos quilômetros abaixo. Os terrenos foram traçados pelo governo em forma retangular, com duas frentes onde passavam pequenas picadas chamadas de linhas, que por contrato os proprietários deviam manter sempre limpas, para permitir o tráfego. Alguns desses lotes chegavam a ter áreas de 50 hectares, como este da família de Domenico, isso porque tinha sido demarcada alguns anos antes para o outro proprietário. Media 250 metros de largura por 200 metros de comprimento, assim, os vizinhos mais próximos ficavam bastante longe.

Continua
Trecho do conto 
"Em Busca de um Futuro Melhor"
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



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