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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Os Desencontros Familiares na Imigração Italiana: Histórias da Grande Emigração


Os Desencontros Familiares na Imigração Italiana: Histórias da Grande Emigração


A Mobilidade Italiana antes da Unificação

Muito antes de a Itália tornar-se um Estado unificado — conquista que se consumaria ao término do turbulento Risorgimento, iniciado em 1815 e concluído em 1871 —, a mobilidade já fazia parte da vida de inúmeros habitantes da península. Nas regiões setentrionais, como Piemonte, Lombardia, Veneto, Trento e Friuli, a migração não era novidade. Antes de transformar-se em necessidade, já ocorria além das fronteiras vizinhas, em busca de subsistência e sobrevivência.

A Migração das Andorinhas

No início, eram sobretudo os homens, e depois também as mulheres, que se ausentavam temporariamente, deixando para trás famílias inteiras. Seguiam para a França, Suíça, Áustria e Alemanha, empregando-se na agricultura, na construção civil ou em serviços sazonais. Tal deslocamento periódico recebeu o nome de migrazione delle rondini — a migração das andorinhas — numa alusão às aves que, após um período distante, regressavam ao ninho.

Da Migração Temporária à Grande Emigração Definitiva

Nas últimas décadas do século XIX, esse movimento temporário transformou-se em definitivo devido a diversos fatores, entre eles a formação do Reino da Itália. A miséria estrutural, a pressão demográfica e a escassez de oportunidades — somadas à promessa de terras, salários ou simplesmente de pão — levaram milhões de italianos a deixarem o país para sempre.

Os destinos prediletos eram, inicialmente, os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil, vistos como terras de abundância do outro lado do Atlântico. Ao mesmo tempo, países europeus mais prósperos, como França, Suíça, Bélgica e Alemanha, continuaram absorvendo grande parte dos emigrantes que abandonavam suas aldeias natais.

Portos Lotados e a Partida Irreversível

Os portos de Gênova e Nápoles tornaram-se pontos de partida simbólicos de uma diáspora sem precedentes. Marselha e Le Havre, na França, também viam seus cais apinhados de italianos em trânsito, carregando baús modestos, sacos com roupas e ferramentas, mantimentos e, sobretudo, esperanças. Os navios de linha, quase sempre superlotados, eram a última imagem da pátria que ficava para trás.

O Tamanho das Famílias e a Separação Progressiva

Naquele período, as famílias italianas eram numerosas. Casas modestas abrigavam dez, doze ou até quinze pessoas em poucos cômodos. A fome rondava com frequência, especialmente nas comunidades camponesas das montanhas e nas aldeias pobres do Mezzogiorno.

Em cada núcleo familiar, a lógica se repetia: os filhos mais velhos emigravam primeiro, abrindo caminho para que os mais novos partissem depois. Porém, essa fragmentação do grupo familiar se intensificava conforme os destinos se dispersavam.

Famílias Fragmentadas pelo Mundo

Os destinos raramente eram os mesmos. Um irmão podia instalar-se na Argentina, outro embarcar para o Brasil, enquanto um terceiro tentava a sorte nos Estados Unidos. Alguns permaneciam na Itália; outros cruzavam os Alpes e se fixavam definitivamente em países vizinhos.

A rede familiar, antes sustentada pela proximidade física e pelo trabalho conjunto, fragmentava-se pelo mapa do mundo.

O Silêncio das Cartas e a Distância Irreversível

A comunicação era precária, especialmente para os que cruzavam o Atlântico. No Brasil e na Argentina, vastos territórios recebiam colonos semi-alfabetizados e até analfabetos em áreas rurais distantes, mal servidas por estradas e com serviços postais inexistentes ou instáveis.

As cartas, único elo possível entre mundos tão afastados, levavam meses para cruzar o oceano. Muitas se extraviavam; outras jamais saíam dos portos. Para um emigrante que partia rumo às colônias brasileiras, não era raro permanecer anos sem notícias concretas de pais, irmãos ou mesmo mulher e filhos.

Com o tempo, a distância convertia-se em silêncio. Mesmo quando outro membro da família decidia emigrar, muitas vezes desembarcava no mesmo país, mas era enviado para colônias distantes, talvez em outro estado. A vastidão territorial e a falta de meios de comunicação tornavam os reencontros improváveis.

Laços Perdidos e Histórias que se Apagam

Muitas famílias perderam contato para sempre, apesar de viverem sob o mesmo céu, separados apenas pela geografia e pelo destino.

Até hoje, não é incomum encontrar famílias com o mesmo sobrenome — descendentes de um mesmo tronco ancestral — sem saber que seus antepassados estiveram lado a lado em algum porto, que partilharam a mesma aldeia de origem ou que trocaram cartas que jamais chegaram.

A Grande Emigração Italiana, que levou milhões de vidas para longe de casa, deixou também incontáveis histórias de desencontros que atravessaram gerações.

Nota do Autor

Este artigo é um sopro vindo de longe, como o eco de passos que já não se ouvem, mas que ainda ressoam nas memórias que atravessaram gerações. A Grande Emigração não foi feita apenas de travessias marítimas e terras desconhecidas; foi feita de silêncios que se instalaram em casas vazias, de cartas que não chegaram, de abraços que o destino não permitiu.

Nas docas de Gênova e Nápoles, famílias se despediam acreditando que o tempo traria reencontros. Mas, muitas vezes, o tempo trouxe apenas distância. Irmãos foram espalhados por continentes, nomes se perderam em registros incompletos, e histórias se diluíram na imensidão de terras estranhas.

Este texto é dedicado a todos eles — aos que partiram e aos que ficaram. A cada sobrenome que hoje resiste, há uma raiz antiga fincada em solo estrangeiro. A cada descendente que não conhece sua origem, há uma aldeia que um dia se despediu.

Escrevo para que, ao ler estas linhas, cada um possa sentir que não caminha sozinho: atrás de cada passo presente, há um rastro antigo, aberto por mãos calejadas, carregando esperança no lugar da certeza.

Dr. Piazzetta


terça-feira, 31 de outubro de 2023

Entre Fronteiras: Uma Jornada pela Emigração Italiana ao Longo de Quase Dois Séculos

 



A emigração italiana representa um amplo movimento de saída da população italiana, visando à expatriação. Inicialmente concentrado no norte da Itália, o fenômeno expandiu-se, a partir de 1880, também para o sul do país, abrangendo consistentes deslocamentos internos dentro das próprias fronteiras geográficas.
A trajetória da emigração italiana se desenha ao longo de três períodos distintos de êxodo. O primeiro, denominado "grande emigração", teve início em 1861, após a unificação da Itália, e encerrou-se nas décadas de 1920, com o advento do fascismo. Já o segundo, marcado por intensa emigração internacional e reconhecido como "migração europeia", ocorreu do pós-Segunda Guerra Mundial, de 1945 até a década de 1970. Entre 1861 e 1985,  aproximadamente 20 milhões de italianos deixaram o país, sem perspectiva de retorno. Os descendentes, chamados de "oriundi italianos", podem deter cidadania italiana, além da do país de nascimento, embora poucos solicitem enquanto residem fora da Itália. Estima-se que entre 60 e 80 milhões de oriundi italianos estejam dispersos pelo mundo.
Uma terceira onda migratória, conhecida como "nova emigração", teve início no início do século XXI, impulsionada pelas dificuldades originadas na grande recessão, a crise econômica global que teve início em 2007. Este terceiro fenômeno migratório, embora numericamente inferior aos dois anteriores, impacta principalmente os jovens, muitos deles graduados, sendo caracterizado como uma "fuga de cérebros". De acordo com o registro de italianos residentes no exterior, o número de cidadãos italianos vivendo fora da Itália aumentou de 3.106.251 em 2006 para 5.806.068 em 2021, representando um crescimento significativo de 87%.




segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Os Camponeses Italianos e o Grande Êxodo

 
Desembarque dos imigrantes de Antonio Ferraguti




Desde o ano de 1861, milhões de italianos, homens, mulheres e crianças tiveram a necessidade de sair do país em busca de uma melhor sorte no exterior, muitas vezes em países longínquos da América. Nessas suas novas pátrias foram recebidos com os mesmos preconceitos que hoje muitas vezes alguns ainda reservam aos imigrantes que chegam à Itália.

A maioria dos emigrantes italianos, mais de 14 milhões, partiu nas décadas que se seguiram à unificação da Itália, fenômeno que foi denominado a "grande emigração" (1876-1915).

Vilas inteiras viram a sua população cair pela metade nas décadas entre os séculos XIX e XX. Quase um terço tinha como destino dos sonhos a América do Norte, então ávidos por mão de obra. Destinos como New York eram os mais populares. Bem antes de 1861 já os genoveses partiam para a Argentina e Uruguai.

Da mesma maneira que os imigrantes que hoje chegam aos milhares na Itália, não vinham acompanhados por toda a família. A emigração começou como temporária e geralmente somente era composta por homens, quase sempre solteiros.


Desembarque dos imigrantes de Antonio Rocco




Famílias inteiras de camponeses da região do Vêneto e das províncias do sul da Itália, passaram a emigrar para o Brasil nos últimos 25 anos do século XIX, principalmente após 1888, quando se deu a abolição da escravidão, deixando a grande nação sul-americana necessitada de mão de obra. Campanhas oficiais organizadas, para angariar emigrantes, foram realizadas por toda a Itália por representantes do governo imperial do Brasil, que anunciavam um vasto programa de colonização. Nesse programa estava incluída a viagem grátis para aqueles que embarcassem com toda a família.

Os emigrantes do norte da Itália embarcavam normalmente pelo Porto de Gênova ou até mesmo por Le Havre, na França, enquanto que aqueles do sul embarcavam pelo Porto de Nápoles.

À bordo, eram visíveis as diferenças de tratamento para os passageiros emigrantes que estavam na terceira classe, a maioria deles representada pelas famílias de pobres camponeses que viajavam gratuitamente ou com passagens subsidiadas, e aqueles da primeira, ou mesmo da segunda classe, que pagavam pelos bilhetes, era muito grande. A maioria dos emigrantes viajava na terceira classe e não tinham nenhum conforto para enfrentar mais de um mês de viagem pelo oceano.


Caderno dominical do Jornal Corriere della Sera



Nos Estados Unidos desembarcavam geralmente no Porto de Ellis Island, na baía de New York, onde eram submetidos a um rigoroso exame médico e de aptidão físico e mental que podia durar até três dias e os rejeitados sumariamente proibidos de entrar no país e deviam empreender a viagem de volta, as tristes viagens de retorno.

Os emigrantes cujo destino era a América do Sul, principalmente Brasil, Argentina e Uruguai, encontravam maiores facilidades para entrar. O exame médico no desembarque não era tão rigoroso e se não houvesse ocorrido alguma comunicação de uma epidemia à bordo ou mesmo de casos isolados de doenças infectocontagiosas, o emigrante podia desembarcar normalmente e proseguir até o seu destino final.

No Brasil, nos primeiros anos, desembarcavam na Ilha das Flores, no Porto do Rio de Janeiro, onde havia um grande aparato construído para o recebimento dos imigrantes, com hospital e uma hospedaria, onde ficavam provisoriamente alojados aguardando o prosseguimento da viagem. Com o rápido crescimento da imigração nos anos seguintes, onde milhares de estrangeiros chegavam anualmente ao Brasil, também o Porto de Santos passou a ser utilizado, principalmente para aqueles imigrantes que ficariam no estado de São Paulo.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS