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sexta-feira, 21 de junho de 2024

Jornada Perigosa: O Drama da Imigração Italiana nas Américas no Século XIX

 


No final do século XIX, a imigração em massa italiana para as Américas tornou-se uma séria preocupação devido às condições desumanas nos navios. Superlotação, más condições de higiene e surtos de doenças infecciosas, como cólera, tifo e sarampo, eram enfrentados pelos imigrantes. As autoridades sul-americanas, preocupadas com riscos sanitários, recusavam a entrada de navios europeus, resultando em incidentes dramáticos. A história do navio Matteo Bruzzo, rejeitado a tiros em Montevideo em 1884 após casos de cólera, ilustra a negligência das companhias de navegação. Viagens como a do navio Remo, em 1893, revelam condições desumanas, com alimentos escassos e epidemias, enquanto a falta de regulamentações eficazes contribuiu para incidentes de envenenamento. A saúde precária, superlotação e falta de cuidados médicos adequados tornaram as viagens transatlânticas uma jornada perigosa e angustiante para os imigrantes italianos do século XIX. Além dos perigos óbvios, como cólera e febre amarela, as condições de vida nos navios eram desoladoras. A superlotação nas áreas de terceira classe, destinada aos passageiros com preços mais acessíveis, era extrema. Incidentes como o do navio Carlo Raggio em 1888, com 18 mortes por fome, e do Piroscafo Pará em 1889, com uma epidemia de sarampo que matou 34 pessoas, destacam a extrema vulnerabilidade dos passageiros. As empresas de navegação, mesmo cientes das condições adversas, continuaram a lotar os navios, ignorando os alertas e experiências passadas dos próprios imigrantes. Mesmo com a conscientização na Itália, expressa através de cartas e relatos, as companhias buscavam maximizar os lucros, preenchendo os navios em cada viagem transatlântica. A higiene precária e a falta de cuidados médicos adequados levaram a surtos de difteria, tuberculose e outros males. A história do Piroscafo Remo, em 1893, ilustra a prontidão em descartar doentes para evitar a propagação de epidemias, mesmo quando isso resultou em mortes evitáveis. O retorno dos navios também apresentava desafios, incluindo incidentes de envenenamento devido a más condições de armazenamento de alimentos. Regulamentações de higiene alimentar foram introduzidas em 1890, mas sua eficácia era limitada. A preocupação com epidemias, a superlotação, a má nutrição e a falta de assistência médica eram uma constante para os imigrantes italianos. A despeito dessas dificuldades, alimentados pela esperança de uma vida melhor, eles continuaram a embarcar em navios em direção às Américas, enfrentando incertezas e perigos para tentar construir um futuro mais promissor no Novo Mundo. A experiência dos imigrantes italianos no século XIX, apesar dos desafios e perigos enfrentados nas travessias transatlânticas, era impulsionada por uma mistura de desespero e esperança. Muitos venderam tudo o que tinham para financiar a viagem, enquanto outros partiram na tentativa de se reunir com familiares no Brasil e em outros países das Américas. A notícia devastadora de que, após uma longa jornada em condições desesperadoras, 1.500 pessoas não seriam permitidas no Brasil gerou desânimo e desespero entre os passageiros do Piroscafo Remo. O retorno desses navios após as dificuldades encontradas também foi uma prova da resiliência e força dos imigrantes. Após 70 dias de viagem, incluindo uma parada forçada na ilha de Asinara, na Sardenha, para quarentena, o Piroscafo Remo chegou de volta a Gênova, tendo perdido 96 vidas no percurso. A falta de cuidados médicos adequados e as condições precárias persistiam nas viagens, e as companhias de navegação hesitavam em assumir os custos para melhorar a qualidade dos serviços a bordo. A luta contra epidemias, envenenamentos alimentares e outros males continuava a assombrar os imigrantes que buscavam uma vida melhor do outro lado do oceano. Essa época deixou um legado de coragem e resiliência, pois os imigrantes italianos enfrentaram adversidades inimagináveis em sua busca por oportunidades nas Américas. O preço humano pago durante essas jornadas é uma parte significativa e muitas vezes esquecida da história das migrações. Em uma canção dos imigrantes italianos, reflete a mentalidade daqueles que, apesar das incertezas e perigos, escolheram enfrentar os desafios da travessia oceânica em busca de uma vida melhor. A frase "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte") encapsula a atitude corajosa e otimista que impulsionou esses indivíduos a embarcar em uma jornada incerta. A história dessas migrações é um testemunho da tenacidade humana diante das adversidades. Mesmo diante de condições desumanas, doenças e incertezas, os imigrantes italianos perseveraram, motivados pela esperança de um futuro mais promissor e pelas oportunidades que a América poderia oferecer. Esses relatos históricos também ressaltam as deficiências nos sistemas de saúde e regulamentações de segurança da época, evidenciando a necessidade de melhorias significativas nas condições de viagem e nas práticas das companhias de navegação. O legado dessas experiências contribui para a compreensão da complexidade e das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes italianos durante o século XIX. Hoje, essas histórias servem como um lembrete poderoso do sacrifício, da resiliência e da determinação que moldaram as trajetórias de muitos que buscavam uma vida melhor além das fronteiras de sua terra natal. A imigração italiana para as Américas é uma parte fundamental da narrativa global de migrações, deixando um impacto duradouro na história e na cultura desses países. A coragem demonstrada pelos imigrantes italianos ao enfrentar adversidades inimagináveis durante suas travessias transatlânticas é um testemunho da força do espírito humano diante das circunstâncias mais difíceis. Ao escolherem "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte"), esses indivíduos não apenas buscaram uma vida melhor para si mesmos, mas também contribuíram para a construção de uma nova narrativa nas Américas. A frase encapsula a resiliência, a coragem e a esperança que guiaram esses pioneiros italianos através de uma jornada incerta em direção a um futuro desconhecido. A história das migrações italianas é marcada por sacrifícios, perdas e triunfos, mas, acima de tudo, é um testemunho da busca incessante por oportunidades e de um desejo inabalável de construir um futuro melhor para as gerações vindouras. Essa herança, embora muitas vezes esquecida, é uma parte vital da história das Américas, enriquecendo a tapeçaria cultural dessas nações e destacando a extraordinária resiliência daqueles que ousaram tentar a sorte em terras distantes.



segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

A Grande Emigração Italiana e as Companhias de Navegação

Porto do Rio de Janeiro na época do Império
 



As companhias de navegação que transportavam os emigrantes para os países americanos tinham seus agentes espalhados por toda a Itália. Visitavam regularmente os mais recônditos canto do país angariando interessados em emigrar para a América.
 
O interesse dessas empresas em difundir o mito da América foi muito grande e nem sempre verdadeiro, criando falsas expectativas naqueles desesperados. 

Os milhões de europeus que atravessaram o oceano em poucas décadas representavam para as companhias de navegação, tanto as grandes como as pequenas, a possibilidade de lucros elevados em muito pouco tempo em relação aos outros investimentos.

Em 1900, os investimentos das companhias marítimas europeias já atingiam um valor muito alto: 118 milhões de dólares. Eram investimentos que compensavam. O custo do bilhete era em média cerca de 150 liras para embarque na maioria de navios e 190 liras para aqueles melhores, valor esse que correspondia em 1904 a 100 dias úteis de trabalho de um pequeno agricultor.

Um dos motivos, que explica o crescente número de emigrantes partindo para os países americanos e a lotação excessiva de navios, foi a redução do custo da passagem marítima.

No caso do Brasil também veio a influir o fato do subsídio da passagem dado pelo governo imperial brasileiro e também individualmente pelos fazendeiros de café, interessados na mão de obra italiana.

Tonelada humana ou Navios de Lázaro são as duas denominações usadas pela imprensa italiana da época, referindo-se à essas precárias embarcações que transportavam milhares de emigrantes para os países americanos.
 
Cerca de 2.000 pessoas, homens, mulheres e crianças de todas as idades, quase sempre eram amontoados nos escuros e fétidos porões dos navios, enquanto a capacidade real de cada embarcação seria de 600 a no máximo 1.000 passageiros. Não havia limites de capacidade, e também não se respeitavam os controles das autoridades do porto, tudo ficava a critério dos proprietários das companhias de navegação e dos capitães dos navios.



O Bilhete de Viagem


Os preços das cabines de primeira e segunda classe foram calculados de forma que o dinheiro pago pelos emigrantes automaticamente se tornasse puro lucro. Ou seja o valor pago pelos passageiros das duas melhores classes, pagava todas as despesas da viagem e o restante, terceira classe, era lucro.
 
Em 1897 uma acusação contra os armadores foi apresentada na Câmara dos Deputados da Itália, denunciando a exploração dos emigrantes, argumentando, entre outras coisas, que os "navios utilizados para o transporte dos emigrantes eram muito antigos, tinham uma velocidade muito lenta, levando em média 30 dias de viagem, tinham uma higiene precária, eram construídos com técnicas já ultrapassadas, .... ".

Mesmo que naqueles anos a técnica de transporte tenha se desenvolvido consideravelmente, a emigração se beneficiou apenas de forma reduzida dessas inovações, especialmente porque os navios ditos mistos, a vela e vapor eram todas carcaças inúteis que continuavam a ser usados ​​para o transporte de emigrantes...

O inspetor do porto de Gênova, Nicola Malnate, observou em 1898 que o transporte de emigrantes ocorria nos mesmos navios que eram usados ​​para o tráfico de escravos, com velocidade de 8 milhas e menos de dois metros cúbicos de ar na terça classe de passageiros contra os 2.5 prescritos. "O cheiro vindo dos porões pelas escotilhas era tanto que não podíamos imaginar que fosse humano."
Casos de acidentes nesses vapores eram mais que frequentes, tanto que em pouco tempo eles passaram a ser definidos como "navios da morte". 

O "Matteo Bruzzo" fez uma viagem que durou três meses, afundando centenas de cadáveres durante o trajeto. No navio a vapor "Carlo Raggio", que partiu em 18 de dezembro de 1888 com 1.851 passageiros de terceira classe, teve 18 mortes vítimas da fome. Neste mesmo vapor em uma outra viagem, em 1896, aconteceram 200 mortes por uma epidemia de cólera.
 
As companhias de navegação criaram uma densa rede de agentes em toda a Itália para atrair candidatos à emigração. Abusos, mentiras, especulações e golpes estão na ordem do dia. 

Os agentes das companhias eram muito ativos: havia muita gente querendo deixar a Itália e as comissões que os armadores pagavam por cada passagem vendida eram muito altos. Em muitos casos, os próprios agentes adiantavam o dinheiro da passagem, para os mais desafortunados, a uma alta taxa de juros.

Depois de repetidas denúncias sobre a ilegalidade em que as empresas de navegação operavam, o governo italiano se viu obrigado a distribuir uma série de livretos para alertar os emigrantes. Alertava que "A transportadora é proibida de pedir aos passageiros qualquer valor além do preço da passagem e, em caso de infração, pagar o dobro do preço da passagem ou compensar os danos".


A Chegada


Quando o vapor atracava, qualquer que fosse o porto de destino, os emigrantes rapidamente começavam a perceber que haviam chegado à América real, como ela era de verdade e não como eles haviam sonhado ou descrita pelos agentes de viagem.

As novas imagens que encheram seus olhos e mentes encontraram pouca confirmação nas pesadas formalidades burocráticas a que foram submetidos, principalmente para aqueles que foram para os Estados Unidos, no grande centro de recepção em Ellis Island, em Nova York.
 
Para aqueles emigrantes que vieram para o Brasil meridional, principalmente para o Rio Grande do Sul, o maior choque, além das enormes distâncias percorridas, foi sem dúvida a visão da exuberante floresta, quase impenetrável, com suas árvores colossais jamais vistas por eles e da qual saíam os mais variados ruídos, desconhecidos, até mesmo ameaçadores dos animais selvagens, que tanto apavoraram os primeiros imigrantes. Os gritos dos grandes bandos de bugios muito assustaram os imigrantes no Rio Grande do Sul.
 
Bem ligeiro perceberam eles que tinham sido enganados por promessas nem sempre verdadeiras e que a tão sonhada "cucagna" estava bem mais distante do que pensavam e que para alcançá-la teriam que trabalhar muito.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS