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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Entre o Vêneto e o Café A Jornada de Giovanni Dal Molin

 


Entre o Vêneto e o Café 

A Vida de Giovanni Dal Molin 

Giovanni Dal Molin nasceu em Quero, então uma pequena vila encravada entre os vales da província de Belluno onde o vento do Piave soprava com uma melancolia que parecia já anunciar as partidas. Filho de um trabalhador rural meeiro e de uma mãe de mãos calejadas pelo linho, crescera sob o peso de uma Itália recém-unificada, onde as promessas do novo Reino pareciam sempre se perder nas montanhas. No inverno de 1879, quando as nevadas se misturavam ao cheiro de fumaça das chaminés e ao eco das preces, Giovanni tomou a decisão que selaria o seu destino: partir. A fome que se alastrava pelas vilas do Vêneto não era apenas a falta de pão, mas principalmente a ausência de esperança. As colheitas haviam sido magras, a terra já não bastava, e os impostos do novo governo, somados às dívidas com os arrendatários, transformavam cada semente num peso morto.

Na pequena paróquia de São Girolamo Emiliani, o sino tocava com o mesmo ritmo dos séculos, indiferente à miséria dos homens. Giovanni olhou uma última vez para as montanhas, cobertas de neve, e percebeu que aquele branco não era pureza, mas esquecimento. Partiu levando consigo um pequeno saco de linho com algumas poucas roupas, pão seco, um rosário e uma carta do irmão mais velho, prometendo guardar o pedaço de terra familiar até o seu retorno — um retorno que, no fundo, ele sabia, jamais aconteceria. Como tantos de sua geração, deixava para trás a língua, o nome gravado nas pedras, e partia em direção a uma promessa abstrata chamada "Mèrica".

O porto de Gênova era uma confusão de vozes, línguas e cheiros. Milhares de corpos comprimidos em torno de velhos navios que mais pareciam carcaças flutuantes. Giovanni embarcou num vapor de segunda mão fretado por uma companhia italiana, que prometia passagem gratuita em troca de trabalho garantido nas fazendas do café do Brasil. As promessas eram abundantes e ilusórias: falavam em terra fértil, em casas brancas e em um salário justo. A realidade, porém, começava a se impor já no porão do navio. As profundezas escuras do navio, onde Giovanni alojado, era uma caverna imunda, úmida e fétida. Sentia-se ainda o cheiro forte de carvão que até pouco tempo o cargueiro transportava. O ar rarefeito também misturava o cheiro de óleo, vômito e outros dejectos humanos. Crianças choravam quase sem forças, mulheres escondiam pequenos terços e retratos dentro dos vestidos, homens tossiam até o sangue. A travessia durou trinta e cinco dias. Cada amanhecer era uma vitória sobre o traiçoeiro oceano.

Em certas madrugadas calmas de céu estrelado, com a devida permissão do comandante do navio, Giovanni subia ao convés e fitava o horizonte. O mar, revolto e cinzento, parecia zombar dos que o desafiavam. Era um exílio líquido, um ventre de ferro que engolia vidas e vomitava sobreviventes. Entre o som do motor e o ranger das tábuas, sob a pressão contínua das ondas, ele pensava no futuro. O Brasil era uma palavra que ainda não possuía forma. Diziam que havia sol o ano inteiro, árvores de café tão densas quanto as vinhas do Vêneto e uma terra vermelha, generosa. Mas os rumores também falavam em doenças, febres repentinas, serpentes peçonhentas e senhores de pele bronzeada que controlavam fazendas imensas com a mesma disciplina com que um capitão comanda um navio.

Quando o vapor atracou no porto de Santos, o ar úmido e quente atingiu-o como uma bofetada. A vegetação era de um verde brutal, o chão pulsava como se estivesse vivo. Giovanni foi conduzido de trem, junto a um grupo de compatriotas ansiosos e exaustos, rumo ao coração do interior paulista. A viagem serpenteava por paisagens completamente desconhecidas: vastos canaviais, pastagens intermináveis e pequenas vilas, pontuadas por igrejas de madeira. Pelas janelas do vagão, um mar de canaviais e cafezais se estendia até o horizonte, como se convidasse a adentrar o desconhecido. Ao final do percurso, seriam alocados em uma fazenda nas imediações de Ribeirão Preto, onde se esperava que transformassem a terra em sustento, trabalho e, talvez, em esperança — um futuro que surgia tão distante do Piave quanto do conforto das aldeias natalinas. A pequena estação, perdida entre campos de cana e nuvens de poeira avermelhada, marcava o ponto final da longa jornada iniciada do outro lado do oceano. O ar quente do interior paulista parecia vibrar sobre os trilhos, e o cheiro doce da cana recém-cortada misturava-se ao suor e à exaustão dos viajantes. Dali em diante, restavam ainda vinte quilômetros até a fazenda — um trecho de terra batida e ladeiras secas, que seria vencido a pé por alguns e em carroças rangentes por outros. O novo patrão enviara aqueles veículos para recolher seus futuros trabalhadores, e os animais avançavam devagar, como se também sentissem o peso da travessia. Cada passo levantava uma névoa de pó que se colava às roupas e ao rosto dos imigrantes, enquanto, ao longe, o sol declinava sobre o horizonte, dourando as lavouras e anunciando o começo de uma vida que ninguém ainda sabia como seria. Na chegada, o capataz brasileiro, montado num cavalo negro, leu os nomes dos recém-chegados. Cada homem recebeu um número, um barracão e uma enxada — como se, ao desembarcar, deixassem de ser pessoas para se tornarem peças de uma engrenagem invisível. O idioma era um muro intransponível, separando-os do mundo que agora os cercava. As ordens vinham em sons estranhos, secos, que nada lembravam o canto do vêneto ou o murmúrio das colinas de onde haviam partido. Entre eles e os feitores, não havia diálogo possível: apenas gestos, apontamentos bruscos e o peso do trabalho. A terra e o suor tornaram-se a única linguagem que todos compreendiam, o idioma universal da sobrevivência.

Nos primeiros meses, Giovanni aprendeu o peso do sol. O corpo se transformou numa ferramenta: músculos que obedeciam, costas que suportavam, mãos que se abriam em feridas. A fazenda era um mundo fechado, regido por um tempo próprio. O sino da antiga senzala — agora rebatizado de “casa dos colonos” — marcava as horas do trabalho e do descanso. O alimento era escasso, o pagamento vinha em vales trocáveis apenas no armazém da própria fazenda, onde tudo custava o dobro. As dívidas cresciam invisíveis, e o sonho da liberdade se diluía na poeira vermelha da terra paulista. Giovanni entendia, lentamente, que a escravidão havia mudado de nome, mas não de essência.

Mesmo assim, havia algo que resistia. Nas noites sem lua, sentava-se à porta do barracão e olhava o firmamento. O céu do Brasil parecia mais vasto, mais próximo. Às vezes, o vento trazia o cheiro doce das flores de café e, por um instante, ele acreditava estar em casa. Os outros imigrantes, vindos de Treviso, Vicenza e Pádova, compartilhavam entre si o mesmo propósito silencioso: trabalhar o bastante para juntar dinheiro e, um dia, comprar um pequeno lote de terra. Falavam disso nas horas de descanso, enquanto o sol caía por trás dos canaviais e o cheiro da terra úmida subia do chão. Sonhavam com um pedaço próprio, onde pudessem plantar uvas, milho ou feijão — um lugar que fosse deles, ainda que modesto, nas novas vilas que começavam a surgir em torno de Ribeirão Preto. Cada um trazia na lembrança a imagem de um campo distante na Itália, e talvez por isso acreditassem que o Brasil lhes devolveria, em outra forma, a dignidade perdida. Giovanni não partilhava dessa ambição. Enquanto os companheiros falavam de economias, terras e futuros possíveis, ele limitava-se a ouvir em silêncio, como quem já não esperasse nada do amanhã. O que desejava era apenas sobreviver — trabalhar o suficiente para não dever nada a ninguém e manter-se de pé entre o calor e a fadiga que consumiam os dias. Dentro do peito, o que restava era um eco longínquo: o som dos sinos de Quero marcando as horas nas manhãs de domingo, e o murmúrio sereno do Piave deslizando entre as pedras, memória de uma paz que parecia pertencer a outra vida. Às vezes, nas madrugadas em que o vento soprava por entre as frestas do barracão, ele acreditava ouvir novamente aquele rumor, como se a Itália o chamasse de volta em segredo — mas o chamado se perdia no ruído dos insetos e no peso das distâncias.

Os anos seguintes correram lentos, indistintos. A fazenda prosperava, os barões do café enriqueciam, e os colonos italianos multiplicavam-se nos sertões. Giovanni envelheceu antes do tempo, seus olhos perderam o brilho, mas não a serenidade. Aprendera a amar a terra que o exauria. Havia um orgulho silencioso em cada fileira de café que deixava plantada, como se cada broto fosse uma semente de sua própria redenção. De vez em quando, chegavam novas levas de imigrantes. Olhava-os desembarcar com o mesmo espanto que um dia fora o seu. Sabia o que os esperava, mas nada dizia. A esperança, mesmo quando ilusória, era o único alimento que não se podia negar a ninguém.

Nunca retornou à Itália. O irmão mais velho morreu sem vê-lo novamente. As cartas, no início frequentes, tornaram-se raras e, por fim, cessaram. Restou-lhe apenas a lembrança de uma neve distante e o rumor das colinas do Vêneto. Quando morreu, numa tarde de dezembro de 1912, ninguém soube exatamente sua idade. Foi enterrado sob uma cruz de madeira tosca, ao lado de outros colonos. No registro da fazenda, anotaram apenas: Giovanni Dal Molin, italiano, trabalhador do café.

Mas sob o chão quente de Ribeirão repousava mais que um nome: repousava o símbolo de uma geração inteira que cruzou o oceano em busca de um sonho que nunca se cumpriu. A terra que o acolheu, vermelha e fértil, guardou o seu silêncio. E quando o vento soprava por entre as folhas do café, parecia trazer, de muito longe, o eco de um sino de Quero, tocando para um homem que jamais voltaria, mas que, de algum modo, havia enfim encontrado um lar.

Nota do Autor

Os nomes e alguns detalhes desta narrativa foram alterados para preservar a privacidade das pessoas envolvidas. No entanto, a história de Giovanni Dal Molin é inspirada em acontecimentos verídicos, baseados em cartas e registros de emigrantes italianos do Vêneto conservados em acervos históricos e museus do Rio Grande do Sul. O drama aqui narrado reflete o destino de milhares de italianos que, entre o fim do século XIX e o início do XX, deixaram suas aldeias nas montanhas de Belluno, Treviso e Vicenza em busca de uma vida digna nas fazendas de café e cana-de-açúcar do interior da província de São Paulo. Cada página desta obra é um tributo à coragem silenciosa de homens e mulheres que cruzaram o oceano movidos pela fome e pela esperança — e que, nas terras distantes do Brasil, ajudaram a erguer uma nova pátria sem jamais esquecer a antiga. É também um convite à memória: que não se percam as vozes que o tempo quase apagou, nem as histórias que o vento levou, mas que formam o alicerce invisível de quem somos hoje.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Relação de Imigrantes Italianos Vapor Orenoque 1876

Vapor Comte Verde

 


Relação de Imigrantes Italianos

Vapor Orenoque


Porto de Gênova

ano 1876




Ambrosio

Basile

Berta

Borello

Calafiore

Cancale

Carnuvale

Catania

Cava

Cavalleri

Ciaciaroli

Cianci

Ciovero

Coitese

Curianello

Dangelo

De Angelis

De Brase

Debiasi

Debrasi

Desela

Desetta

Di Stefano

Diseta

Donadeo

Frosso

Garbo

Gelardo

Gentile

Giotto

Grosa

Grosso

Iolianelli

Ioni 

Liotti

Lonnice

Maddalena

Magnavita

Montana

Palmieri

Paterno

Perainolo

Pipolo

Prenza

Prospero

Reffani

Rocca

Salbato

Salitore

Sammarco

Seovini

Serra

Seta

Sicilia

Siciliano

Trala 

Vanni



terça-feira, 26 de agosto de 2025

As Colinas que Ficaram

 


As Colinas que Ficaram


Nas colinas suaves de Piacenza, a pequena aldeia de San Bartolomeo se estendia como um mosaico irregular de campos cultivados, casas de pedra cinza e vinhedos curtos que se agarravam às encostas como raízes teimosas. O vilarejo parecia suspenso no tempo, guardado por um silêncio quebrado apenas pelo som dos sinos da igreja e pelo mugido distante do gado.

Ali, as estações não eram apenas marcas no calendário, mas o compasso que regia a vida. Cada primavera trazia não apenas flores, mas a esperança de que a terra retribuísse o esforço humano. Os pomares se enfeitavam de branco, as vinhas começavam a despertar e as mulheres, nos quintais, penduravam roupas lavadas que balançavam como bandeiras de paz.

O verão chegava com um peso denso. Sob o sol implacável, homens e mulheres se dobravam sobre as videiras, colhendo uvas que seriam esmagadas em lagares rudimentares. As mãos se tingiam de roxo e o ar se enchia de aromas doces, prenúncio do vinho novo. Cada gota era fruto de suor e paciência, e cada jarro guardado era uma promessa de sustento para os meses mais frios.

O outono, por sua vez, era tempo de recolher. Os campos douravam, o trigo se transformava em feixes que eram empilhados nas bordas dos terrenos. As noites tornavam-se mais frescas, e o cheiro de castanhas assadas anunciava a aproximação do inverno. Mas o outono também trazia uma lembrança silenciosa de que tudo tem fim — as colheitas, as estações, até a própria juventude.

E então vinha o inverno, que punha à prova a paciência e a resistência de todos. As colinas, antes verdes e férteis, tornavam-se cinzentas e silenciosas. O vento varria as ruas estreitas, a neve cobria os telhados e a comida tornava-se racionada. As famílias se reuniam em torno do fogo, contando histórias antigas, partilhando pão endurecido e vinho forte. Era uma estação de espera e resignação, em que a fé e a memória eram tão importantes quanto o alimento.

San Bartolomeo era mais do que um lugar: era um ciclo. A aldeia vivia, ano após ano, num mesmo compasso, como um relógio antigo que seguia batendo no ritmo das colinas. Para quem nascia ali, o mundo parecia seguro, previsível e eterno. Mas a cada inverno, sussurrava-se que a terra já não dava tanto quanto antes, que havia mais bocas do que colheitas e que, em terras distantes, existiam horizontes mais largos — e mais promissores.

Domenico Bellaroto crescera nesse cenário simples e austero, num lar modesto de paredes caiadas e teto baixo, onde o cheiro constante de pão recém-assado e a fumaça espessa da lenha queimando na lareira se misturavam ao ar frio e cortante que descia das montanhas ao entardecer. Era uma casa humilde, mas acolhedora, onde o crepitar do fogo parecia marcar o compasso dos dias difíceis e silenciosos.

A vida ali era feita de trabalhos manuais e rotinas exaustivas: arar a terra com as mãos calejadas, podar as videiras com cuidado para garantir que ainda dessem frutos, colher o trigo dourado sob o sol escaldante do verão e cuidar de um pequeno rebanho, que representava o pouco sustento da família. Cada tarefa era uma luta diária contra a natureza e a escassez.

Nos últimos anos, porém, as colheitas haviam sido cada vez mais pobres, como se a terra, cansada e castigada, se recusasse a dar seu melhor. O preço do grão despencara no mercado, enquanto os impostos aumentavam sem clemência, sufocando ainda mais os esforços da família. O pedaço de terra que os Bellaroto cultivavam há gerações, uma herança preciosa, já não era suficiente para alimentar todos os filhos que nasciam ali.

Cada nova criança que vinha ao mundo, com seus olhos esperançosos e fracos, era um novo peso na balança frágil da sobrevivência. O esforço para prover comida, abrigo e vestimenta parecia crescer numa proporção que a pequena propriedade não conseguia acompanhar. Domenico, desde menino, aprendera a encarar essa dura realidade com um misto de resignação e determinação — sabia que a vida seria dura, mas também compreendia que o futuro dependia da força com que sustentassem a família, mesmo quando parecia não haver forças para isso.

No inverno rigoroso de 1888, uma enxurrada de cartas começava a chegar à pequena aldeia, trazendo notícias de terras distantes. Vinham da América, enviadas por antigos vizinhos que, anos antes, haviam tomado a difícil decisão de partir em busca de um futuro diferente. As cartas, escritas com letras apressadas e às vezes borradas pela pressa ou pelo esforço, falavam de salários pagos em dólar, ruas cheias de gente e movimento constante, fábricas que nunca paravam e oportunidades que, ali na pacata San Bartolomeo, pareciam quase impossíveis de imaginar.

Essas palavras, carregadas de esperança e promessas, atravessaram o vasto Atlântico e chegaram até as casas frias da aldeia, onde o fogo no fogão a lenha já mal conseguia aquecer a penumbra das paredes. Nas noites longas, diante de mesas gastas pelo tempo, as famílias se reuniam para ler aquelas cartas com olhos brilhantes e corações inquietos. Cada frase acendia uma chama de sonho e desejo, uma pequena revolução silenciosa que começava a nascer dentro de cada um, iluminando o escuro da incerteza e da escassez.

Domenico sentia esse fogo crescer dentro de si. O inverno se foi lentamente, dando lugar à primavera, quando os campos começaram a se cobrir de verde. Foi nesse momento, com a terra despertando para a vida nova, que ele decidiu partir. A decisão não foi fácil, marcada por olhares de despedida, abraços apertados e promessas sussurradas. Domenico partiu na primavera seguinte, deixando para trás as montanhas, o cheiro do pão assado, a fumaça da lenha e uma pequena aldeia cheia de esperanças e memórias.

O porto de Gênova fervilhava naquele dia de partida, um emaranhado caótico de vozes, passos apressados, malas surradas e olhares ansiosos. Centenas de homens, mulheres e crianças se aglomeravam nas docas, cada um carregando consigo uma bagagem feita não apenas de pertences, mas de sonhos, medos e despedidas. O ar estava impregnado de uma mistura de sal marinho, fumaça de carvão queimado e o odor agridoce da incerteza.

No navio, os conveses inferiores estavam abarrotados de imigrantes amontoados em espaços apertados, onde o espaço para respirar parecia tão escasso quanto a comida servida. O cheiro ali era pesado e sufocante: maresia misturada ao carvão que alimentava as máquinas, o suor de corpos cansados e a ração escassa e insípida que dividiam com relutância. Era um mundo fechado entre madeira e aço, um universo à parte onde o tempo parecia se arrastar e acelerar ao mesmo tempo.

A cada dia que passava, o vasto oceano engolia não apenas o navio, mas a esperança de alguns, que viam suas forças minguarem sob o peso da doença e do desânimo. Outros, entretanto, encontravam nesse mar interminável uma fonte inesperada de coragem e fé, fortalecendo-se na certeza de que um futuro melhor os esperava do outro lado da linha do horizonte.

Houve febre que consumia corpos frágeis, houve choros de saudade e medo na escuridão das noites, houve o silêncio profundo que só o desespero pode trazer, quando a alma parece se fechar para o mundo. Mas, depois de semanas de tormenta e expectativa, quando a paciência quase se esgotava, a silhueta inconfundível da cidade de Nova Iorque finalmente surgiu no horizonte, como um farol de promessas e novos começos.

Ellis Island não recebia com braços abertos. Era um corredor estreito entre a esperança e a rejeição. Os médicos verificavam olhos, pulmões e até a postura dos recém-chegados. Domenico passou, carregando consigo um pedaço de papel com destino e número, e o peso da incerteza.

Little Italy, em Manhattan, tornou-se sua nova aldeia. As ruas eram estreitas e repletas de sons familiares: o pregão dos vendedores de frutas, o sotaque das conversas nas portas, o cheiro de molho de tomate cozinhando em cozinhas improvisadas. A comunidade se reunia para missas aos domingos e festas religiosas que tentavam recriar a Itália distante. A festa de San Gennaro transformava as ruas em uma explosão de cores, música e aromas que, por um dia, faziam esquecer o barulho das fábricas e o frio das paredes úmidas dos cortiços.

Domenico trabalhava em uma fundição, onde o som metálico dos martelos e o cheiro de ferro queimado se misturavam ao ar pesado. O calor dos fornos era tão intenso que parecia devorar o fôlego, e a fadiga se acumulava como uma camada invisível sobre os ombros, dia após dia. Cada turno era uma batalha contra o cansaço, a sede e o peso do trabalho árduo, mas também uma afirmação silenciosa de resistência e perseverança.

Ainda assim, nas noites quentes de verão, Little Italy renascia como se fosse outro mundo. As ruas estreitas e os pátios internos se enchiam de vozes, risadas e o aroma de comida simples, mas feita com o mesmo carinho da terra natal. Homens e mulheres se reuniam sob luzes fracas e bandeirolas coloridas, partilhando vinho barato que passava de mão em mão, pão fresco que ainda soltava vapor ao ser partido e memórias que pareciam ganhar vida na cadência das conversas.

Em reuniões mais reservadas, longe dos olhares curiosos, discutiam sobre política e os ventos de mudança que sopravam tanto na Itália quanto na América. Ajudavam os recém-chegados a encontrar trabalho, davam orientações para enfrentar a nova língua e cultura, e trocavam cartas e notícias vindas de Piacenza, cada envelope carregando o peso da saudade e a esperança de um reencontro que talvez nunca acontecesse. Era nesse convívio que Domenico encontrava um pedaço de casa, um fio que ligava a fundição abafada ao coração das colinas que havia deixado para trás.

O tempo passou, silencioso e implacável, como a maré que avança sem pedir permissão. Décadas depois, Domenico já não tinha a mesma força que o sustentara nos primeiros anos. O corpo, agora curvado, carregava as marcas profundas de uma vida inteira dedicada ao trabalho. Cada cicatriz, cada calo endurecido, cada dor persistente era um testemunho silencioso de batalhas travadas nos fornos da fundição e nos invernos longos de saudade.

Little Italy também havia mudado. As ruas que antes ecoavam o som do dialeto italiano agora se enchiam de vozes misturadas, onde as novas gerações falavam inglês com naturalidade e deixavam escapar apenas algumas palavras herdadas dos avós. As fachadas das casas haviam se transformado, algumas modernizadas, outras substituídas por prédios mais altos. Muitos vizinhos, aqueles com quem dividira pão, vinho e histórias, já tinham partido para bairros melhores, levando consigo fragmentos da memória coletiva daquele lugar.

Mas Domenico permanecera. Fiel às ruas que conhecia de cor, às paredes que guardavam risos e despedidas, à calçada que um dia o viu chegar jovem e cheio de esperança. Ali, entre paredes envelhecidas e histórias gravadas no tempo, ele continuava sendo parte viva de Little Italy — um elo entre o passado e um presente que parecia cada vez mais distante das raízes que um dia haviam dado forma àquele bairro.

O tempo passou, silencioso e implacável, como a maré que avança sem pedir permissão. Décadas depois, Domenico já não tinha a mesma força que o sustentara nos primeiros anos. O corpo, agora curvado, carregava as marcas profundas de uma vida inteira dedicada ao trabalho. Cada cicatriz, cada calo endurecido, cada dor persistente era um testemunho silencioso de batalhas travadas nos fornos da fundição e nos invernos longos de saudade. A pele, antes firme, trazia agora o mapa de seus anos, e nos olhos havia um brilho mais contido, feito de lembranças e resignação.

Mas Domenico permanecera. Fiel às ruas que conhecia de cor, às paredes que guardavam risos e despedidas, à calçada que um dia o viu chegar jovem e cheio de esperança. Sentava-se por vezes à soleira de sua porta, observando o vai e vem das pessoas, reconhecendo menos rostos a cada estação, mas mantendo viva a sensação de pertencimento. Ali, entre paredes envelhecidas e histórias gravadas no tempo, ele continuava sendo parte viva de Little Italy — um elo entre o passado e um presente que parecia cada vez mais distante das raízes que um dia haviam dado forma àquele bairro. E, enquanto o mundo ao redor mudava, Domenico tornava-se, ele próprio, uma memória viva, um guardião silencioso de um tempo que já não voltaria.

Domenico sabia que a América lhe dera o que a Itália não podia: a sobrevivência. Mas também sabia que a aldeia nas colinas, com suas estações e seu silêncio, era a terra onde suas raízes continuariam fincadas, mesmo que ele jamais voltasse a vê-la.

A América lhe oferecera trabalho, pão e um teto sob o qual atravessou as décadas. Trouxera também o peso do cansaço, as ausências definitivas e uma saudade que se instalou como uma companheira silenciosa. A Itália, por sua vez, permanecia intacta na memória: as colinas verdes que se douravam no verão, os vinhedos que descansavam sob a geada do inverno, o sino da igreja marcando as horas lentas, o cheiro de terra molhada depois da chuva.

Ele sabia que nunca mais caminharia pelas vielas estreitas de San Bartolomeo, nem sentiria a brisa fria descer das montanhas ao entardecer. E, no entanto, carregava consigo cada detalhe, como quem leva um relicário invisível no peito. Suas raízes, invisíveis mas firmes, continuavam presas àquela terra distante, alimentando-se de lembranças e mantendo vivo um vínculo que o tempo e o oceano jamais puderam romper.

Assim, no silêncio das noites de Little Italy, Domenico compreendia que a vida o havia levado para longe, mas seu coração, em essência, nunca deixara as colinas onde tudo começara.

Domenico sabia que a América lhe dera o que a Itália não podia: a sobrevivência. Mas também sabia que a aldeia nas colinas, com suas estações e seu silêncio, era a terra onde suas raízes continuariam fincadas, mesmo que ele jamais voltasse a vê-la.

Assim, no silêncio das noites de Little Italy, Domenico compreendia que a vida o havia levado para longe, mas seu coração, em essência, nunca deixara as colinas onde tudo começara.

Nota do Autor

Esta história de vida é um tributo silencioso a todos aqueles que, como Domenico, deixaram para trás não apenas uma terra, mas um pedaço de si mesmos. É inspirada nas trajetórias anônimas de milhares de italianos que cruzaram oceanos no final do século XIX, carregando na bagagem pouco mais que esperança e coragem.

Domenico é um personagem ficcional, mas sua vida reflete a de muitos que trabalharam nas fundições, nas fábricas, nas fazendas e nos pequenos comércios, construindo uma nova existência enquanto mantinham viva, no coração, a aldeia que jamais voltariam a ver. Sua história é um mosaico feito de cartas, memórias familiares, fragmentos de jornais e lembranças preservadas nas comunidades que ainda hoje guardam o sotaque dos avós.

Dedico este livro aos descendentes desses imigrantes. Que cada página seja não apenas uma narrativa, mas também um espelho onde possam reconhecer a coragem, as perdas e a herança que moldaram suas histórias familiares. Que Domenico, com sua vida simples e resistente, seja um lembrete de que as raízes, mesmo à distância, continuam a alimentar quem somos.

Dr. Piazzetta

terça-feira, 25 de março de 2025

El Porto de Genoa e l'Emigrassion Italiana: Un Marco ´ntela Stòria


 

El Porto de Genoa e l'Emigrassion Italiana: Un Marco ´ntela Stòria


El Porto de Genoa el ze stà una de le principali rote de partensa par milioni de taliani che, tra el sècolo XIX e el prinssìpio del sècolo XX, i ga sercà de miliorar le condissioni de vita in altri continenti. Sto porto el ze diventà un sìmbolo del ésodo in massa, rapresentando le speranse e i problemi che i emigranti taliani i ga dovù afrontar.

Ben che altri porti taliani, come Napoli, Palermo e Livorno, i gavea anca lori un rol importante ´nte l’emigrassion, Zénoa la se ga distiguì par la so posission stratègica e par la robusta infrastrutura che la podéa risponder al cressimento del transporte marìtimo. Tra el perìodo dal 1876 al 1901, sirca el 61% de l’emigrassion italiana tranverso l´ocean la ga tacà da Zénoa, somando sirca 200.000 emigranti ogni ano.

I viàie in mar i zera organisà spesso da compagnie de navegasion che i se fasea concorensa par catar passagieri, ofrendo a volte pacheti a pressi bassi. Navi famose come el "Duca de Galliera" e el "Principe Umberto" i ze conosù par aver transportà miliaia de fameèie in serca de novi orizonti. Però, le condissioni del viàio le zera precàrie: sovrafolamento, igiene scarsa e mancansa de cibo i zera robe comuni, rendendo le traversade pericolose e, in tanti casi, mortài.

L’emigrassion italiana la ze stà inssentivà da crisi sossial e economiche severe. Dopo l’unificassion de l’Itàlia, region come el Sud e el Nord montagnoso i se trovava a enfrentar la fame, la disocupassion, stipendi bassi e mancansa de tera par coltivar. Ste dificultà le zera agravà da la pression demogràfica e da la mancansa de politiche interne par mitigar la povertà. Da l’altra parte, paesi come el Brasile, l’Argentina e i Stati Uniti lori i gavea inssentivi par l’imigrassion, come contributi par el trasporte e promesse de laoro su piantagioni, indùstrie e ´ntel setore edilìsio.

Ben che Genoa la ze stà el prinssipal porto de partensa, tanti taliani i se ga imbarcà anca in altri porti européi, come Marsiglia, Le Havre, Amburgo e Anversa. Sti porti i ofriva alternative pì economiche o i zera colegà a rete de agenti de emigrassion che i organisava i viàio pì comodo.

Ntel caso del Brasile, l’immigrassion taliana la ze stà particolarmente significativa par el sgrandimento de le region del Sud e del Sudeste. Sti emigranti, en la so maior parte contadini, i ga zugà un rol crussial ´ntela colonisassion de zone come la Serra Gaúcha e l’interno de São Paulo. L’impato cultura e económico dei taliani el resta visìbile, con i dessendenti che i ancor conserva le tradission e i contribui a la formassion de ´na identità culturae rica e diversa.

Genoa la ze diventà anca un porto de preservassion stòrica. Documenti come liste de passegieri e registri de sanità marìtima i ze fonti pressiose par la genealogia e lo stùdio del fenómeno migratòrio. Tra el 1833 e el 1850, par esempio, pì de 14.000 taliani i ze partii da Genoa verso le Amèriche, con destinassioni principalmente ´ntele region del Plata (Argentina e Uruguay), i Stati Uniti e el Brasile.

Con el sècolo XX, con la modernisassion dei mesi de transporte e i cambiamenti dele polìtiche migratòrie, altri porti, come Napoli e Palermo, i ga scomenssià a guadagnar importansa. Ciononostante, Genoa la ze restà un marco storicamente rilevante, no solo come ponto de partensa fìsico, ma come sìmbolo de la resiliensa e de la determinassion dei emigranti taliani.

Ancòi, l’eredità de sta emigrassion la ze celebrà ´ntei musei, ´ntei monumenti e ´ntei eventi culturali, sia in Itàlia che ´ntei paesi che i ga acolto sti emigranti. La stòria del Porto de Genoa e dei so viagiadori la ze un ricordo del impato profondo de l’emigrassion ´ntela formassion de le sossietà moderne.

sábado, 26 de outubro de 2024

Emigrassion Vèneta – El Lungo Viàio


 


Emigrassion Vèneta – El Lungo Viàio


Sùbito dopo che la zera stà presa la dessision de emigrar e dopo che i nomi lori i ze stài dati al agente responsabile, rapresentante de la dita de navigassion che organisava el viàio, la prima provedensa la zera de ´ndar in comune par otener i passaporti. Questi, lori i zera nessessàri par tuta la famìlia e par questo i bisognava na dichiarassion otegnuda lì stesso nel comune de la so sità. Lori i dovea anca far la vassinassion obligatòria. I zera mesi de preparativi con la vendita de tuti i robe che lori no podèa portar via con sé. Vestiti, ogeti de uso personale e strumenti, lori i zera messi in grandi casse de legno, baù, sachi e valìsie de carton. I faséa incontri con chi i gà restà, ocasione in cui i se saludava i amissi e parenti, no scordando de far l'ùltima vìsita obligatòria al cimitero par el congedo definitivo ai cari zà defunti. Lori i visitava anca el pàroco, dal quale i chiedea la benedission e la so interssessione par afrontar la lunga traversada. Nel zorno segnato par scominssiar el viàio, con destinassion al porto, i se despedia comossi da i familiari e matina ben presto i partia bagnadi in làcrime, dando na ùltima e longa ociada indietro e i seguia fidussiosi nel so destino. Lori i ze rivà a la stassion ferroviària, che solitamente la se trovava in un altro comune e insieme a tanti altri che lì i se trovava, i partia par el porto de Zénoa. Par la grande magioransa, sto viàio fin a la stassion ferroviària la zera zà la distansa pì longa che i se era alontanà da i so paesi. El viàio in treno el zera anca sconosciudo par tanti, cosa che la generava paura e apreension. In ogni stassion dove el treno el s'fermea la zera la stessa scena: desine de òmeni, dóne e putèi, i salìa carichi de bagagli messi in valisie de cartone, sachi o baule de legno. El destino de tuti el zera el Porto de Zénoa ndove, par la prima volta, la grande magioransa la veniva a conoscere el mar. Arivà al Porto de Zénoa, quasi sempre, i dovea aspetar qualche zorno, a volte qualche setimana, par la partensa del vapore che i portaria verso la tanto desiderada tèra “de la cucagna”, la promessa Amèrica. Durante el perìodo de atesa par la partensa, i emigranti i se vedeva disgrasiadi e i zera sotoposti a ogni sorte de prove, vedendo tante volte, i so pochi risorse risparmiadi, dilapidadi da na marea de sfrutatori, speculatori e ladri. I furti de passaporti, soldi e bagagli i zera continuì. El presso del magnar e de i alberghi in zona de el porto i zera gonfià, da negosianti disonesti, causando tanta fame e malatie. Quando i ze rivà el momento de l’imbarco, el movimento intenso e el rumore de òce, de le ordini strilati e fischi, intorno al vapore, i rendea molto nervosi i emigranti che se amassava par no pèrder la chiamata. Sù la imbarcassion i seguiva le ordinassioni ricevute da i marinai incaricadi e i se dirigea in grupi ai soteranei fètidi e sofocanti de la tersa classe a lori destinà, ´ndove i li aspetava leti con paglia, ´ndove i restava amassadi sensa nesuna privassidà. Qualche famìlia, par no èsser divisa, la tornava da i soteranei e la optava de far el viàio in coperta de la nave, a l'aria aperta, ´ndove là, almeno, i podèa viaiar insieme e respirar na ària mèio. Questi i suportava fredo intenso e caldo sofocante, oltre a i perìcoli de i forti venti durante le tempeste in alto mare. I navi, a l'inìsio de la grande emigrassione, lori i zera ancora lenti e mal equipài. Dopo, i son vignesti quei con motori a carbone, quasi sempre navi de càrico, adatài in freta par trasportar persone. La situassione igiénica a bordo la zera molto precària, sensa nessun conforto. Lori i viaiava con tanti animài vivi che vegnia abatudi par servir de nutrimento durante el viàio. Senza mèdico a bordo, el perìcolo de epidemie el zera costante e, in efeto, tante volte i ze capità e che la gà desimà tante vite, quasi sempre de bambini e ansiani, i cui corpi i zera alora getài in mare, par l’orore de le so famìlie. La memòria de la grande traversada la ze restà indelèbile ne la memòria de i nostri antenati, persistendo anca incò ´ntele stòrie de i so discendenti. La zera el episòdio pì marcante ne la vita de i pionieri. Arivà al porto de destino, in Brasile, paese destinassione de migliaia de emigranti vèneti, tanti i se acorgea sùito che i zera stài inganadi, ilusi da false promesse. Qualcuni i gà rivà legadi a contrati de laoro che no lasciva spasi par pentimenti o anca possibilità de ritorno. Altri, sensa mesi de sostentamento, no podèa permetersi el lusso de tornar, anca perchè in pàtria lori no avea pì niente. I sfidi che i dovea afrontar i zera ancor molto grande fino a che i rivàsse a prender possesso de el tanto soniato peseto de tèra.