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terça-feira, 21 de outubro de 2025

A Polenta: O Alimento Pobre dos Nossos Avós


A Polenta 

O Alimento Pobre dos Nossos Avós

A polenta é, ao mesmo tempo, alimento e memória: um prato simples que atravessou séculos, transformações agrícolas e oceanos para chegar à mesa dos nossos avós e ainda hoje marcar reuniões familiares, festas e lembranças. Sua história mistura ingredientes, movimentos populacionais e adaptações regionais — e, embora o milho seja hoje o ingrediente mais associado à polenta, sua linhagem é muito mais antiga e complexa.

Origens antigas: do “puls” romano ao mingau europeu

Muito antes do milho — planta americana trazida ao Velho Mundo após 1492 — existia, na Europa e no Mediterrâneo, uma papa espessa chamada puls, feita com farro, aveia, painço ou outras farinhas. Essa papa era consumida desde o Império Romano por soldados e camponeses como alimento energético e barato. Ao longo dos séculos, diferentes farinhas foram usadas conforme a disponibilidade local; a transformação para a polenta de milho só ocorreu depois que o milho se espalhou pela Europa.

A chegada do milho e a “revolução” da polenta no Norte da Itália

O milho foi introduzido na Itália a partir das Américas e, sobretudo entre os séculos XVI e XVII, tornou-se cultivo essencial em muitas regiões do Norte — Friuli, Veneto, Lombardia, Piemonte e Valtellina — substituindo parte das culturas tradicionais. Essa transição elevou o papel do mingau de milho como alimento diário: barato, nutritivo e fácil de preparar em larga quantidade. Historiadores e chefs italianos notam que a difusão do milho provocou uma verdadeira transformação alimentar no mundo rural do norte italiano.

Variedades regionais: polenta mole, polenta dura e a taragna

Nem toda polenta é igual. Existem técnicas e farinhas que mudam textura e sabor: a polenta mole (cremosa) é servida logo após o cozimento, como um mingau; a polenta dura é deixada esfriar, cortada e grelhada ou frita; a polenta mesclada, típica de regiões montanhosas como Valtellina e Bergamo, combina fubá com farinha de trigo sarraceno (também chamada grão saraceno) e recebe manteiga e queijos locais como o Casera, resultando em textura mais rústica e sabor mais forte. A polenta mesclada reflete a agricultura de montanha e a tradição de agregar gorduras e queijos para obter maior calorias e sabor. 

Técnicas tradicionais: panelão, mèstola e o gesto de mexer

A preparação tradicional, sobretudo em festas e ambientes rurais, usava o paiolo — um grande caldeirão de cobre — e uma longa colher (remo) de madeira (mèstola), já que a polenta precisa ser mexida por longos minutos para atingir a textura correta. O ritual de mexer, em família ou entre vizinhos, transformava o preparo em um momento comunitário. Hoje existem versões modernas e rápidas, mas o método clássico permanece símbolo de autenticidade. 

A polenta que atravessou o Atlântico: a Itália no Sul do Brasil

No fim do século XIX, milhões de italianos emigraram para o Brasil. Muitos desses migrantes vieram do Norte da Itália, levando consigo hábitos alimentares — entre eles a polenta. No Sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), a polenta enraizou-se com adaptações locais: uso do fubá (milho moído localmente), combinação com molhos, carnes de galinha, porco, queijos e o surgimento de preparações como a polenta frita — que hoje é popular até em bares como petisco. Pesquisas acadêmicas e reportagens gastronômicas ressaltam que a polenta transformou-se em referência da culinária ítalo-brasileira e patrimônio cultural alimentar em bairros e colônias. 

Polenta na mesa e na cultura popular

Além de prato do cotidiano, a polenta teve (hoje menos) papel em festas, casamentos e almoços de domingo. Em algumas regiões italianas, pratos à base de polenta acompanham peixes de água doce, guisados de caça, ragu de carne ou simplesmente com manteiga e queijo. No Brasil, tornou-se parte da identidade ítalo-brasileira: desde a receita mais simples com manteiga até preparações mais elaboradas em restaurantes que resgatam técnicas tradicionais. Matérias jornalísticas e estudos locais mostram como a polenta funciona como elo entre memórias familiares e identidade regional. 

Receitas e sugestões práticas (breve guia)

  • Polenta mole clássica: proporção tradicional aproximada — 1 parte de fubá para 4-5 partes de água salgada; ferver a água, adicionar fubá aos poucos mexendo sempre; cozinhar em fogo baixo por 30–45 minutos até engrossar; finalizar com manteiga e queijo ralado. (Observação: proporções variam por preferência regional e tipo de farinha.)

  • Polenta dura para grelhar/fritar: despeje a polenta cozida em forma, deixe esfriar e firmar; cortar em fatias e grelhar/assar/fritar; ótimo acompanhamento para carnes e embutidos. 

  • Polenta negra ou mesclada: use mistura de fubá e farinha de trigo sarraceno; cozinhe lentamente e incorpore manteiga e queijo Casera ao final. Tradicional nas zonas alpinas.

Polenta como patrimônio imaterial e memória viva

Mais do que alimento, a polenta é símbolo de resistência e adaptação: alimento dos “pòveri” que virou prato adorado por todos, memória de jantares familiares, ponto de encontro intergeracional. Em comunidades de descendentes de italianos no Brasil, a polenta ainda é ensinada de mãe para filho, aparece em festas de paróquia e nas memórias contadas nas mesas. Estudos de antropologia alimentar e textos locais sublinham essa dimensão afetiva e identitária.



domingo, 10 de setembro de 2023

Raízes na Terra: A Jornada dos Belliner em Colônia Dona Isabel







No final do século XIX, quase no alvorecer de 1900, quando o vapor que trouxe os Belliner se aproximou do porto de Rio Grande, o coração de Antonio Belliner estava repleto de esperança e expectativa. Ao seu lado, sua esposa Maria e seus quatro filhos – Giuseppe, Carlo, Isabella e Rosa – pensavam no litoral distante do Porto de Gênova desaparecendo no horizonte, deixando para trás uma vida de dificuldades em uma Itália empobrecida, em busca de um futuro melhor nas terras férteis do sul do Brasil. Tinham deixado pequena vila onde nasceram, no interior da província de Treviso, abandonando uma vida de contínuo trabalho de gerações da família, sempre na terra de outros. Tinham em mente satisfazer o tão desejado sonho de um dia serem proprietários da terra em que trabalhavam. 

Após muitos dias de viagem pelo grande mar e pelos rios do grande estado brasileiro, onde dias viraram semanas que pareciam infindáveis, agora já no pequeno porto fluvial, com os poucos pertences e as crianças em um grande carroção puxado por mulas, a família Belliner chegou à Colônia Dona Isabel, um lugar onde as colinas verdejantes e os vales exuberantes os acolheram. Aqui, eles enfrentaram inúmeras adversidades enquanto construíam suas vidas. A avó, nonna Augusta, tornou-se o pilar da família com suas histórias e sua sabedoria ancestral, mantendo a tradição italiana viva. 

Os dois meninos, Giuseppe e Carlo, logo se tornaram inseparáveis dos campos e vinhedos. Eles aprenderam com o pai a arte da vinicultura e passaram longas horas sob o sol escaldante, cuidando das videiras que se estendiam até onde os olhos podiam ver. As meninas, Isabella e Rosa, ajudavam a mãe Maria na cozinha, preparando pratos italianos tradicionais com ingredientes locais.

A vida na colônia não foi fácil. Os Belliner enfrentaram invernos rigorosos, safras difíceis e a distância da família na Itália. No entanto, através da perseverança e do apoio mútuo, eles prosperaram. Giuseppe e Carlo eventualmente casaram com duas irmãs da vizinhança, construindo suas próprias famílias e vinícolas.

Com o tempo, a Colônia Dona Isabel prosperou, graças ao trabalho árduo e à devoção dos imigrantes italianos. A família Belliner e seus descendentes se tornaram uma parte fundamental dessa história, com suas tradições e vinícolas florescendo nas terras férteis do sul do Brasil.

Hoje, quando alguém visita à antiga Colônia Dona Isabel, ainda pode saborear o vinho premiado da Vinícola Belliner e ouvir as histórias de nonna Isabella, que atravessaram o tempo, mantendo viva a memória da jornada corajosa e do legado dos imigrantes italianos no sul do Brasil.