História do Vêneto e da grande emigração italiana, quando milhões deixaram a Itália entre os séculos XIX e XX em busca de uma vida melhor no Brasil e no mundo. Contato com o autor luizcpiazzetta@gmail.com
sábado, 13 de dezembro de 2025
Sobrenomes Italianos do Alto Uruguai e Suas Origens nas Regiões da Itália
Sobrenomes de Crianças Enjeitadas: A História Oculta dos Abandonados na Itália
O contexto social do abandono infantil
Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, o abandono infantil não era um fenômeno isolado, mas parte dolorosa da estrutura social europeia. A pobreza extrema, a orfandade causada por epidemias, as uniões ilegítimas e a ausência de políticas de amparo empurravam milhares de mães a depositar seus recém-nascidos nas rodas dos expostos, esperando que ali encontrassem ao menos uma chance de sobrevivência. Muitas dessas mulheres não deixavam qualquer indício de identidade, seja por vergonha, seja por medo de punição moral ou religiosa. Assim, ao chegarem às instituições, esses bebês precisavam de algo básico, porém fundamental: um nome que lhes permitisse existir perante o mundo. Nascia então a prática de atribuir sobrenomes artificiais, criados pelos administradores, religiosos ou escrivães responsáveis.
A lógica por trás dos sobrenomes inventados
Esses sobrenomes inventados não eram aleatórios; carregavam significados que refletiam a condição da criança, a rotina da instituição ou até um simbolismo religioso. Termos como Esposito, Innocenti, Proietti ou Della Casa serviam tanto para registrar quanto para estigmatizar, marcando para sempre a origem dolorosa da criança. Em muitos casos, o sobrenome funcionava como um código interno para indicar em qual roda de expostos o bebê havia sido encontrado ou qual religioso estava de plantão no momento do registro. Outras vezes, eram sobrenomes que expressavam esperança — como Fortunato, Providenza ou Felice — numa tentativa de oferecer um sopro de destino melhor àquele recém-nascido que chegava ao mundo sem amparo familiar.
A trajetória desses sobrenomes no Brasil
Com a imigração italiana para o Brasil entre os séculos XIX e XX, milhares desses sobrenomes criados artificialmente atravessaram o oceano e se enraizaram definitivamente em terras brasileiras. Nas colônias agrícolas do Sul, em São Paulo e até no Espírito Santo, muitos descendentes carregam até hoje sobrenomes cuja origem está ligada a antigas casas de acolhimento italianas — sem que suas famílias conheçam essa história. Essa migração fez com que sobrenomes antes restritos às instituições europeias se misturassem à sociedade brasileira, perdendo a marca de abandono, mas preservando o valor histórico. Hoje, compreender essa tradição é resgatar uma parte silenciosa da formação de diversas famílias ítalo-brasileiras, dando voz aos que um dia foram registrados como “ninguém” e que, graças a um sobrenome inventado, puderam reescrever seu destino.
A criação de sobrenomes nas instituições de acolhimento
Durante séculos, milhares de crianças nascidas sem reconhecimento familiar foram registradas com nomes e sobrenomes criados especialmente para elas. Em vez de refletirem a herança de um clã, esses sobrenomes carregavam a memória de um abandono e, ao mesmo tempo, a tentativa de lhes oferecer uma identidade mínima. No mundo latino, a ideia de “encontrar” uma criança — em francês l’enfant trouvé e em italiano i trovatelli — suavizava a dura realidade do abandono, ainda que os registros oficiais costumassem indicar “pais desconhecidos”, “filho natural” ou expressões semelhantes.
A prática era comum em diversos países europeus, especialmente na Itália. Muitas crianças eram deixadas em portas de igrejas, hospitais ou instituições de caridade. Outras eram depositadas nas tradicionais Rodas dos Expostos, mecanismos instalados em orfanatos que permitiam deixar o bebê anonimamente. Quem registrava a criança — administradores, religiosos ou o próprio tabelião — ficava responsável por criar um sobrenome que a distinguisse e, ao mesmo tempo, a identificasse como pertencente àquela condição.
Significados e categorias dos sobrenomes inventados
Diversos sobrenomes surgiram a partir desse sistema. Alguns eram inspirados no local onde o bebê foi encontrado; outros evocavam sentimentos de esperança, proteção divina ou até referências moralizantes. Havia também sobrenomes carregados de significados duros, como Abbandonati, Ignoti, Incerti, Bastardi, Trovatelli, entre outros — embora progressivamente desestimulados no século XIX. Certos nomes tornaram-se tão recorrentes que ultrapassaram fronteiras e chegaram ao Brasil com os imigrantes italianos.
Entre os sobrenomes inventados mais comuns estavam:
Benedetti e variantes, ligados a “abençoado”, expressão de bom augúrio.
Benigni, associado à bondade e benevolência.
Casagrande, que podia indicar tanto um edifício imponente quanto a “Casa Grande” das instituições de acolhimento.
Colombo, ligado à pureza da pomba, muito usado na Lombardia, onde os pequenos abandonados eram chamados colombit.
Innocenti, um dos mais emblemáticos, especialmente em Florença, ligado ao histórico hospital dos Inocentes.
Omoboni, mesclando origem pessoal e desejo de virtudes futuras.
Proietti, que remete ao ato de ser “lançado” ou “posto fora”.
Trovato e Trovatelli, diretamente derivados da ideia de criança encontrada.
A mudança de sensibilidade no século XIX
Essa prática passou por profundas transformações ao longo do século XIX. À medida que novos debates sobre dignidade humana surgiam, tornou-se evidente que certos sobrenomes condenavam seus portadores a um estigma perpétuo. Em regiões como Nápoles, tornou-se proibido registrar bebês com cognomes que denunciassem explicitamente sua origem.
A partir desse novo olhar, sobrenomes passaram a ser criados de maneira mais criativa e menos discriminatória. Muitos refletiam o imaginário da época:
objetos cotidianos: Quaderni, Mestoli, Tetti
plantas e flores: Pioppi, Susini, Limoni, Rosai
ofícios: Tintori, Merciai
nomes próprios de cantores e políticos famosos da época nou lugares: Puccini, Mantovani, Tamigi
datas e festividades religiosas
sentimentos e virtudes: Fortunati, Benarrivati, Bonaventuri
elementos moralizantes: Giusti, Placidi, Pietosi
Esses sobrenomes criados artificialmente se tornaram parte da identidade de milhares de famílias e, com o tempo, foram naturalizados nas comunidades.
Da Itália ao Brasil: herança, memória e identidade
No Brasil, especialmente nas regiões de imigração italiana, muitos desses sobrenomes foram mantidos, transmitidos e incorporados à cultura local. Hoje, uma simples assinatura pode carregar séculos de história — não apenas de origem geográfica, mas de sobrevivência, anonimato e reinvenção.
Compreender a origem desses sobrenomes significa revisitar práticas históricas ligadas ao abandono infantil, às instituições de assistência e aos sistemas de acolhimento que moldaram identidades familiares inteiras. É uma história de dor, sobrevivência e estigma — mas também de esperança, reconstrução e novos começos.
Conclusão
Os sobrenomes atribuídos às crianças enjeitadas revelam uma parte pouco conhecida da história italiana e ajudam a compreender a formação de muitas famílias que hoje buscam suas raízes. Esses nomes, criados entre a dor do abandono e o desejo de oferecer uma nova chance, cruzaram oceanos e passaram a fazer parte da herança de milhares de brasileiros. Entender sua origem amplia o conhecimento genealógico, resgata identidades e fortalece a memória dos antepassados que, apesar das adversidades, deram início a novas linhagens.
Nota do Autor
Escrevo sobre esse tema porque, em tempos recentes, milhares de descendentes de imigrantes italianos têm buscado reconstruir suas histórias familiares e compreender o significado de seus sobrenomes. Muitos se surpreendem ao descobrir que determinadas denominações nasceram em orfanatos, casas de caridade ou rodas dos expostos. Minha intenção é oferecer clareza e contexto sobre esse fenômeno histórico, ajudando cada leitor a encontrar, em seu próprio sobrenome, uma parte da trajetória de seus antepassados.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
A Origem dos Sobrenomes: História, Evolução e Formação dos Nomes de Família desde a Roma Antiga
A Origem dos Sobrenomes: História, Evolução e Formação dos Nomes de Família desde a Roma Antiga
A necessidade dos sobrenomes na história da humanidade
A origem dos sobrenomes remonta às primeiras formas organizadas de sociedade, quando o simples nome próprio já não era suficiente para identificar os indivíduos. Nos tempos mais antigos, as pessoas eram conhecidas apenas pelo nome pessoal, tanto entre povos europeus quanto em diversas outras civilizações. Com o crescimento populacional, essa forma de identificação tornou-se insuficiente, dando início ao desenvolvimento de sistemas mais complexos de nomeação.
Os nomes na Roma Antiga e o nascimento do sistema familiar
Foi na civilização romana que surgiu um dos modelos mais estruturados de identificação familiar.
O praenomen e os nomes pessoais romanos
O praenomen correspondia ao nome individual, semelhante ao que hoje chamamos de nome próprio. Exemplos comuns entre os homens eram Caio, Publius, Marcus, Flavius, Gaius e Quintus. Entre as mulheres, eram usados nomes como Tullia, Valeria, Julia, Catulla, Servillia e Flora.
O nomen, o gens e a identidade familiar
O nomen era o elemento central, pois indicava o gens, ou seja, o grupo familiar ao qual o indivíduo pertencia. Era ele que diferenciava as grandes famílias romanas, como o gens Tullia e o gens Julia.
O cognomen e o verdadeiro sobrenome romano
O cognomen era o terceiro elemento, responsável por identificar o ramo específico dentro do grande clã familiar, funcionando como um verdadeiro sobrenome.
O agnomen como elemento de distinção pessoal
Em casos específicos, podia-se acrescentar ainda um quarto elemento chamado agnomen. Esse nome adicional não era hereditário, mas assumido pelo próprio cidadão, como forma de distinção pessoal. Um exemplo histórico é Marcus Porcius Cato Censorius, em que o termo Censorius foi acrescentado para distingui-lo de seus descendentes em épocas posteriores.
Apelidos que se transformaram em sobrenomes
Cícero e a origem dos sobrenomes por características físicas
Outro exemplo clássico é o do orador romano Cícero, cujo nome completo era Marcus Tullius Cicero. Nesse caso, Marcus era o praenomen, Tullius o nomen e Cicero o cognomen, sendo este derivado de cicer, que significa grão-de-bico, possivelmente referindo-se a uma característica física.
Calígula e a força dos apelidos históricos
O mesmo ocorreu com o imperador conhecido como Calígula, cujo nome verdadeiro era Caius Caesar Germanicus. O apelido Calígula, que significa “pequena sandália” dos soldados romanos, fixou-se de tal forma que ultrapassou seu nome formal e tornou-se sua principal identificação histórica.
O surgimento do supernomen na Antiguidade Tardia
Por volta do século V, as distinções entre nomen e cognomen começaram a se enfraquecer, dando origem ao chamado supernomen ou signum. Esse novo modelo era mais direto, simples e de compreensão imediata, mas ainda não possuía caráter hereditário.
A identificação por filiação na Idade Média
O uso de filius nos registros antigos
Já no século VIII, consolidou-se outro modelo de identificação, baseado na filiação. Tornou-se comum acrescentar ao nome a expressão latina filius (filho de), criando estruturas como “Paulus filius Alberti”.
O significado de filius quondam
Em casos de falecimento do pai, surgia a expressão filius quondam, indicando ser filho do falecido.
O impacto do cristianismo e das invasões bárbaras
O avanço do cristianismo e as invasões dos povos chamados bárbaros contribuíram de forma decisiva para a diversificação dos nomes. Esse processo ampliou significativamente as possibilidades de identificação individual e reduziu os conflitos de homonímia.
O nascimento do sobrenome moderno
Entre os séculos X e XI, com o crescimento acelerado da população europeia, consolidou-se a necessidade do sobrenome moderno.
Principais origens dos sobrenomes
Os sobrenomes passaram a ser formados a partir de:
Nome do pai ou da mãe
Local de origem
Profissão exercida
Características físicas ou sociais
A popularização dos sobrenomes na Europa
O uso entre as famílias nobres
Inicialmente, esse sistema foi adotado apenas por famílias ricas e influentes, como nobres e grandes proprietários.
A expansão para toda a sociedade
A partir dos séculos XIII e XIV, seu uso se espalhou gradativamente por todas as camadas da sociedade europeia.
O Concílio de Trento e a fixação dos sobrenomes
Em 1564, com as determinações do Concílio de Trento, as paróquias passaram a ser obrigadas a manter registros organizados de batismos, com nome e sobrenome definidos.
O sobrenome como patrimônio familiar
A partir desse momento, o sobrenome tornou-se hereditário, sendo transmitido de geração em geração.
O papel dos sobrenomes na prevenção de casamentos consanguíneos
Esse sistema também teve como objetivo evitar casamentos entre parentes próximos, fortalecendo a organização social e religiosa.
Conclusão
A origem dos sobrenomes revela a evolução das sociedades na construção da identidade familiar. Mais do que simples nomes, os sobrenomes guardam história, memória e pertencimento.
Nota do Autor
Este artigo foi escrito com o objetivo de valorizar a história dos sobrenomes e despertar o interesse pela genealogia, fortalecendo o vínculo entre pessoas e suas raízes familiares.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
