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terça-feira, 19 de agosto de 2025

Entre Ervas e Novos Horizontes


Entre Ervas e Novos Horizontes

Remédios simples e a esperança de um novo mundo

Giuseppe partiu de Ciósa sob um céu pesado de nuvens cinzentas, carregando não só uma mala de couro já bastante consumida pelo tempo, mais o peso ancestral do conhecimento que sua mãe lhe havia confiado — a farmacopeia viva da aldeia, uma herança mais valiosa que qualquer moeda. Naquelas terras do Vêneto, onde as ervas medicinais cresciam em cada quintal e o poço era fonte de vida e cura, ele aprendera que a natureza oferecia remédios simples, porém poderosos. Decotos de malva, camomila, tamarindo e rabarbaro eram o alívio contra as dores que a pobreza e o frio não poupavam; a santonina, amarga infusão de flores de artemísia, era a arma contra os vermes que atormentavam as crianças e confundiam médicos e mães.

Aos olhos de muitos, aquela medicina popular parecia superstição ou atraso, mas para Giuseppe e sua gente era a essência da sobrevivência. Ele se lembrava das noites em que as mães preparavam com cuidado as poções, os banhos quentes para aliviar a cabeça pesada, as sanguessugas aplicadas com precisão brutal para drenar o mal, e as pomadas feitas de óleo, sabão e ervas, espalhadas sobre as dores silenciosas que ninguém via.

A viagem ao Brasil foi longa e cruel. O Atlântico parecia não ter fim, e a incerteza era uma companheira constante. Ao desembarcar, Giuseppe encontrou uma terra de calor abrasador, florestas densas e um céu vasto demais para seus olhos acostumados às colinas italianas. A língua era um muro, o trabalho duro e exaustivo, e a saudade um punhal cravado no peito. Mas no coração, ele trazia a força das raízes, daquelas ervas simples e da sabedoria popular que, embora deixasse a aldeia para trás, não o deixaria jamais.

Na colônia, entre o mato cerrado e a terra nova, Giuseppe e seus companheiros precisavam reconstruir tudo — casas, plantações, vidas. O calor fazia o suor escorrer como um rio, e as doenças traziam medo e morte. As febres maláricas atacavam sem piedade, e ele via muitos tombarem, vítimas do desconhecido. Mas como no Vêneto, a resposta estava na terra e no saber ancestral: compressas de gelo, quinino em pó misturado ao leite e vinagre, banhos para aliviar a dor e pomadas para as feridas eram os remédios que mantinham a comunidade viva. O vinho quente, agora tão distante, fora substituído pela coragem simples que alimentava cada amanhecer.

As mães continuavam a dar santonina às crianças, com a mesma paciência e fé de outrora, enquanto Giuseppe, agora reconhecido como guardião dos remédios naturais, espalhava seu conhecimento para quem precisasse. Ele ensinava que as tinturas feitas com óleo e escorpiões triturados, por mais estranhas que parecessem, tinham raízes profundas naquele mundo antigo; que os banhos de pés quentes e as compressas de mostarda não eram meros rituais, mas pontes entre o corpo e a cura.

A adaptação não foi fácil. Entre as plantações de café e as casas de pau a pique, as vozes do dialeto ciosoto misturavam-se aos cantos dos índios e ao português que tentavam aprender. As festas, as preces e as tradições eram a cola que segurava a alma dos imigrantes, preservando a identidade diante do esquecimento. E enquanto o suor lavava o rosto e o trabalho endurecia as mãos, Giuseppe sentia que resistia — resistia não só às adversidades da terra e do clima, mas ao fantasma do abandono, da perda da memória.

Por vezes, sentava-se à sombra de uma árvore e fechava os olhos, deixando que as imagens de Ciósa invadissem sua mente: o poço onde tirava água para os decotos, a cozinha da mãe onde as ervas secavam penduradas, a praça onde crianças corriam livres e saudáveis, protegidas pelo saber antigo. Ali, naquele momento, entendia que aquela farmacopeia simples era mais que remédio — era um elo sagrado entre o passado e o futuro, a certeza de que, mesmo longe, o sangue e a cultura de seu povo não seriam esquecidos.

Assim, entre o perfume das plantas brasileiras e a memória das colinas italianas, Giuseppe construiu sua vida. Ele viveu para contar histórias, para passar adiante os segredos das ervas e dos banhos, para mostrar que, mesmo no meio do mundo novo, as raízes fincadas na terra antiga continuavam a florescer. Resistiu como a velha oliveira, dobrada pelo tempo, mas inquebrantável.

E essa resistência, feita de ciência popular e esperança, foi o legado que deixou para seus filhos e netos — uma herança invisível, mas tão viva quanto as ervas que curam, e tão forte quanto o sonho de quem atravessou mares em busca de um novo começo. 

Nota do Autor

Ao escrever Entre Ervas e Novos Horizontes, procurei resgatar um capítulo pouco explorado da imensa saga dos emigrantes italianos que, no final do século XIX, atravessaram oceanos em busca de uma vida melhor. Esta narrativa é uma homenagem à coragem e à sabedoria daqueles que, mesmo diante de um mundo estranho e desafiador, encontraram na simplicidade das ervas e no conhecimento ancestral um elo vital com suas raízes e uma fonte de esperança.

A história é fruto de extensa pesquisa e do desejo de dar voz a personagens que muitas vezes permaneceram invisíveis nas grandes crônicas da imigração: os curandeiros, os sábios do campo, aqueles que ajudavam suas comunidades a sobreviver e a se adaptar, sem perder a identidade cultural. Através deles, quis explorar como a natureza e o saber tradicional foram companheiros indispensáveis na construção de novos lares.

Entre Ervas e Novos Horizontes é, acima de tudo, um convite à reflexão sobre o valor das memórias, das práticas populares e da perseverança humana diante da adversidade. Aos descendentes dos imigrantes, deixo este relato como um reconhecimento da força que corre em suas veias e do patrimônio imaterial que carregam — uma história de luta, sabedoria e renovação.

Dr. Piazzetta





domingo, 17 de agosto de 2025

Tra Erbe e Novi Orisonti



Tra Erbe e Novi Orisonti


Giuseppe lu el ze partì de Ciósa soto ‘n cielo pesà de nuvole scure, portando no so ‘na valisa de corame consumà dal tempo, ma anca el vècio peso del sapere che la mare ghe gavea lassà — ‘na farmacopea viva de la famèia, ‘na eredità pì pressiosa de ogni moneda. In quele tera del Vèneto, ‘ndove le erbe medicinài le cresseva drento ogni orto e el poso el zera fonte de vita e de cura, el gavea imparà che la natura la regala remèdi sèmplisse, ma potenti. Decoti de malva, camomila, tamarindo e rebarbaro i zera el solievo contro le pene che la povertà e el fredo no sparagnava; la santonina, ‘na amara infusion de fiori de artemìsia, la zera l’arma contra i vermi che tormentava i putei e confondeva medéghi e mare.

Ai oci de tanti, quela medesina popolar pareva superstission o ritardo, ma par Giuseppe e la so zente la zera l’essenssa de la sopravivensa. Lu el se ricordava de le sere che le mare preparava con cura le posion, i bagni caldi par levar la testa pesà, le sanguesughe messe con pressision brusca par tirà fora el mal, e le pomade fate de òlio, sapon e erbe, spalmà sora le zone malà silensiose che nissun vardava.

El viaio fin al Brasile el ze stà longo e crudele. L’Atlàntico pareva sensa fin, e l’insertessa la zera compagna de ogni zorno. Quando lu el ze sbarcà, Giuseppe el ga trovà ‘na tera de caldo brusente, foreste dense e un cielo massa vasto par i so oci acostumà a le coline italiane. La lèngua la zera un muro, el laoro duro e massacrante, e la nostalgia un pugnal piantà drento el peto. Ma drento el cuor, el gavea la forsa de le radise, de quele erbe sèmplisse e de quel sapere popular che, anca se ele gavea lassà la so tera, no la gavarìa mai lassà lu.

In colònia, tra la foresta serà e la tera nova, Giuseppe e i so compagni i dovea rifar tuto — case, piantagioni, vite. El caldo fasea colar el sudor come un fiume, e le malatie portava paura e morte. Le febri malàrighe le atacava sensa pietà, e lu vedeva tanti cascar, vìtime del scognossiù. Ma come in Vèneto, la risposta la zera drento la tera e ´ntel sapere antico: compresse de gelo, chinino in pòlvere misturà con el late e zeo, bagni par calmar el dolor e pomade par le feride zera i remèdi che tegnea viva la comunità. El vin caldo, desmentegà da tempo, el zera stà rimpiassà da ‘na coraio sèmplisse che nutriva ogni matina.

Le mare continuava a dar la santonina ai putei, con la stessa passiensa e fede de ‘na volta, intanto che Giuseppe, adesso cognossù come cùstode dei remèdi naturài, spargeva el so sapere a chi che gavea bisogno. El insegnava che le tinture fate con òlio e scorpioni pestai, par quanto strane le pareva, le gavea radise profonde in quel mondo antico; che i bagni con i piè in aqua calda e le compresse de senape no zera mica riti sensa senso, ma ponti tra el corpo e la cura.

No el ze stà fàssile abituarse. Tra le piantagion de cafè e le case de pàia e fango, le vose del dialeto ciosoto le se misturava con i canti dei ìndios e con el portoghese che i tentava de imparar. Le feste, le preghiere e le tradission zera la cola che tegnea in pé l’ànima dei emigranti, salvando l’identità davanti al perìcolo del desmentegarse. E intanto che el sudor lavea la fàssia e el laoro induriva le man, Giuseppe el sentiva che resistea — resistea no solo a le adversità de la tera e del clima, ma anca al fantasma del abandono, de la pèrdita de la memòria.

Qualche volta, el se sentava al’ombra de ‘na pianta e serava i oci, lassando che le imagine de Ciosa le ghe tornasse drento la mente: el poso ‘ndove el cavava l’àqua par i decoti, la cusina de la mare ‘ndove le erbe le sechea pendurà, la piassa ‘ndove i putei i corea lìbari e sani, proteti dal sapere vècio. Lì, in quel momento, el capia che quela farmacopea sèmplisse la zera pì che un remèdio — la zera ´na union sacra tra el passà e el futuro, la certessa che, anca lontan, el sangue e la cultura de la so zente no sarìa mai desmentegà.

Cussì, tra el profumo de le piante brasilian e la memòria de le coline italiane, Giuseppe el se el ga fato ‘na vita. Lu el ga vivù par contar stòrie, par passar avanti i segreti de le erbe e dei bagni, par far vardar che, anca drento al mondo novo, le radise piantà ´ntela tera vècia continuava a fiorir. Lu el ga resistì come ‘na vècia oliva, piegà dal tempo, ma incurpàbile.

E sta resistensa, fata de sciensa popular e speransa, la ze stà l’eredità che el ga lassà ai so fiòi e ai so nepoti — ‘na eredità invisìbile, ma viva come le erbe che guarisce, e forte come el sònio de chi che el ga traversà el mar in serca de un novo scomìnsio.

Nota del Autor

Scrivendo Tra Erbe e Novi Orisonti, mi go volù salvar un capìtolo poco cognossùo de la gran saga dei emigranti italiani che, a la fin del sècolo XIX, i ga traversà i osseani in serca de ‘na vita mèio. Sta narativa la ze ‘na onoransa a la coraio e al sapere de quei che, anca davanti a un mondo estraneo e duro, i ga trovà ´ntela semplessità de le erbe e ´ntel sapere vècio ´na union vitale con le so radise e ‘na fonte de speransa.

La stòria la vien fora de ‘na ricerca longa e del desiderio de dar vose a personagi che tante volte i ze restà invisìbili ´nte le gran cronache de l’emigrassion: i curandéi, i savi del campo, quei che tegnea in piè la comunità, aiutandola a sopravìivar e a adaptarse sensa perder la so identità. Atraverso lori, mi go volù far vardar come la natura e el sapere tradissional i ze stà compagni indispensàbili ´nte la costrussion de nove case e vite.

Tra Erbe e Novi Orisonti el ze, sora de tuto, un invìto a rifletar sul valor de le memòrie, de le pràtiche populari e de la perseveransa umana davanti a le adversità. Ai dessendenti dei emigranti, lasso sto raconto come un riconossimento de la forsa che core ´ntel so sangue e del patrimònio che i porta drento — ‘na stòria de lota, sapere e rinassenssa.

Dr. Piazzetta