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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Maiolini: Os Precursores da Grande Emigração


Eles saíam de casa ao nascer do sol e caminhavam a pé pelas estreitas estradas. Nas costas, carregavam uma caixa sustentada por duas alças de couro. Dentro, guardavam gravuras coloridas: imagens sacras, estampas de paisagens e cartas de baralho. Seguiam rotas intermináveis, ficando fora de casa por longos meses e até anos. Eram os vendedores de imagens que a famosa oficina de impressão Remondini, de Bassano del Grappa, conseguia enviar aos lugares mais distantes: uma proeza editorial extraordinária para aquela época, a mais importante do mundo no ramo.
O ofício de vendedor ambulante era comum na região de Bassano, entre os séculos XVIII e XIX. Milhares de pessoas vendiam as gravuras da Remondini de porta em porta, por vales e cidades, de toda a península e ainda no vasto império austríaco, na França, Suíça, Inglaterra, Dinamarca, Alemanha, Polônia, chegavam até na Rússia, em São Petersburgo e muitas vezes até além. Esses pequenos vendedores ambulantes, já um século antes, foram os que abriram caminho para as futuras ondas de emigrantes do final do século XIX e início do XX, quando milhões de italianos se dirigiram para as terras do além mar, o Novo Mundo.
Algum anos depois aqueles vendedores de estampas e gravuras, que viajavam a pé e vendiam de casa em casa, se transformaram em vendedores de artigos de ceramica, cristal e vidro como copos, garrafas, jarros e vários tipos de artigos de cristal. Ainda continuavam levando as suas mercadorias nas costas, acondicionadas em caixas sustentadas por duas tiras de couro ou em cesto de vime. Agora eram conhecidos por maiolini
Eles também foram numerosos na primeira metade do século XIX, nas áreas montanhosas e nos vales. Tiveram um sucesso passageiro que não durou muito, para eles era um trabalho árduo e arriscado, uma vida errante longe de casa.
Alguns nunca mais voltaram; outros, vítimas de roubos, acabaram desistindo. Mas muitos, no final das contas, pararam onde haviam chegado e abriram uma loja.
Em poucos anos, os primeiros sinais de transformações profundas apareceriam no velho continente. A Europa estava crescendo: construíam-se estradas, túneis, pontes, uma rede ferroviária extraordinária. Para realizar essas grandes obras públicas, centenas de milhares de trabalhadores se deslocaram de um país para outro.
É nesse contexto de movimentos que a emigração italiana dá seus primeiros passos e se consolida. As populações da área de Bassano encontrariam nesses trabalhos uma alternativa à sua extrema pobreza. Partiram de Asiago, de Valstagna, de Fastro, de Crespano, de Pedeobba, de Possagno e outros lugares deixando suas pobres moradas e, pela primeira vez, encontrariam a Europa.
Emigrar se tornaria muito em breve uma profissão. Seria essa profissão que os ajudaria a crescer, a conhecer o mundo. Sua pátria não seria mais apenas a Itália, mas a Europa. Seria o mundo.
Tudo teve início há mais de duzentos anos, com uma caixa nas costas e longas caminhadas, longe de casa. A emigração dos maiolini começou depois da abertura de algumas fábricas de vidro na Val di Genova e na Valsugana: pequenos agricultores e lenhadores abandonaram o antigo ofício para se tornarem vendedores ambulantes.
Muitos escolheram esse trabalho, mas poucos foram aqueles que realmente tiraram proveito da atividade; na volta, as economias tão duramente conquistadas,  frequentemente acabavam nos bares. Mais tarde, uma após a outra, as fábricas de objetos de vidro foram fechando e os maiolini voltaram a ser agricultores e lenhadores.
Foi quando a vida se tornou insuportável, restou àquelas populações apenas a emigração. Porque naquelas terras não havia quase nada. O que restou foi a emigração  que oferecia trabalho a todos. 

segunda-feira, 8 de abril de 2024

A Influência Italiana na Colonização de Santa Catarina




Cerca de 95% dos migrantes italianos que chegaram ao território catarinense originaram-se no norte da Itália, especificamente nas regiões hoje conhecidas como Vêneto, Lombardia, Friuli Veneza Júlia e Trentino Alto Ádige. Entretanto, os primeiros imigrantes italianos que desembarcaram no estado, em 1836, vieram da Sardenha e estabeleceram a colônia de Nova Itália, atualmente conhecida como São João Batista. Contudo, sua chegada foi modesta em número e teve pouco impacto demográfico. Foi somente a partir de 1875 que o fluxo de imigrantes italianos para o estado aumentou consideravelmente. As primeiras colônias italianas foram estabelecidas nesse período, tais como Rio dos Cedros, Rodeio, Ascurra e Apiúna, todas localizadas nas proximidades da colônia alemã de Blumenau, servindo como complemento a esse núcleo germânico. Em 1875, imigrantes do Tirol Italiano fundaram Nova Trento, seguido pela fundação de Porto Franco (atual Botuverá) em 1876. Os italianos que se estabeleceram nessas primeiras colônias eram principalmente oriundos da Lombardia e do Tirol Italiano, que naquela época pertencia à Áustria.
Nos anos subsequentes, várias outras colônias foram estabelecidas, com o sul de Santa Catarina se tornando o principal epicentro da colonização italiana no estado. Nessa região, foram fundadas colônias como Azambuja em 1877, Urussanga em 1878, Criciúma em 1880, Grão-Pará em 1882, Presidente Rocha (atual Treze de Maio) em 1887, além de Nova Veneza, Nova Belluno (hoje Siderópolis) e Nova Treviso (hoje Treviso) em 1891, e Acioli de Vasconcelos (atual Cocal do Sul) em 1892. Os imigrantes do sul do estado eram majoritariamente provenientes do Vêneto, com uma menor representação da Lombardia e de Friul-Veneza Júlia. Eles se dedicaram principalmente à agricultura e à mineração de carvão, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento dessa região. As festas tradicionais, como a festa do vinho e o Ritorno alle origini em Urussanga, são eventos emblemáticos que caracterizam essa colonização no sul do estado.
O fluxo de imigrantes italianos para Santa Catarina cessou em 1895, quando um pequeno número de colonos chegou para estabelecer a comunidade de Rio Jordão, no sul do estado. Esse declínio se deveu em grande parte à guerra civil que eclodiu na Itália com a Revolução Federalista e ao término do contrato que subsidiava a imigração pelos estados.
A partir de 1910, milhares de gaúchos migraram para Santa Catarina, incluindo muitos descendentes de italianos. Esses colonos ítalo-brasileiros contribuíram significativamente para a colonização do Oeste catarinense. Atualmente, Santa Catarina abriga cerca de três milhões de italianos e seus descendentes, representando aproximadamente metade da população do estado. Muito da cultura italiana ainda é preservada nos antigos centros de colonização, especialmente na culinária e na língua.


sexta-feira, 8 de março de 2024

Sob o Sol da Esperança



A história de Rosalia e sua família é um intricado bordado, tecido com os fios da perseverança e da resiliência em meio às vicissitudes da vida. Nascida em uma época tumultuada na Itália, Rosalia enfrentou a perda de seu amado marido, Giacomo, e encontrou refúgio nos braços de sua filha Giuditta e seu genro Donato. A decisão de Donato de emigrar para o Brasil, em busca de oportunidades que se esvaíam nas terras sicilianas, lançou a família em uma jornada transatlântica repleta de desafios e descobertas.
Ao desembarcarem no porto de Santos, a vastidão do Brasil se desdobrou diante deles, uma terra de promessas e incertezas. Seguiram os trilhos de ferro até a região de Ribeirão Preto, onde a imponente plantação de café se estendia como um oceano verde sob o sol tropical. A humilde casa de barro e chão de terra batida onde foram alojados refletia a dura realidade da vida dos imigrantes trabalhadores rurais que foram para São Paulo, mas também carregava consigo a esperança de um futuro melhor.
Enquanto Donato e Giuditta mergulhavam no árduo trabalho da plantação, Rosalia se dedicava à cura e ao cuidado dos que buscavam alívio em suas mãos sábias. Com um conhecimento transmitido por gerações, ela se tornou uma figura venerada entre os colonos, uma luz de esperança em meio à escuridão da adversidade. Seu vínculo com a antiga curandeira escrava, uma octogenária que ainda morava na fazenda, apesar das barreiras linguísticas, enriqueceu ainda mais seu repertório das ervas brasileiras e técnicas curativas.
Enquanto os anos passavam na fazenda, a família mantinha viva a chama da esperança, economizando cada centavo em direção à liberdade tão sonhada. Nas jornadas dominicais até Ribeirão Preto, eles estabeleciam laços com outros imigrantes, compartilhando histórias e informações preciosas sobre o mundo além dos cafezais. Foi através dessas conexões que Rosalia descobriu a oportunidade de adquirir a chácara que se tornaria seu refúgio definitivo.
Com determinação e astúcia, Donato e Giuditta selaram o destino da família, erguendo-se das amarras da fazenda e dando o primeiro passo em direção à independência. Em Ribeirão Preto, cada membro da família encontrou seu lugar: Donato, com sua força e perseverança, ascendendo nas fileiras da ferrovia; Giuditta, com sua habilidade na costura, transformando um simples salão em um império da moda local; e Rosalia, a curandeira sábia e compassiva, que continuou a espalhar sua luz curativa pela comunidade.
Quando Rosalia partiu deste mundo, deixou para trás um legado que ecoaria através das gerações. Sua vida de serviço e dedicação foi imortalizada nas ruas de Ribeirão Preto, onde seu nome é reverenciado até os dias de hoje. Seu túmulo, adornado com flores e memórias, é um testemunho do amor e da gratidão daqueles cujas vidas foram tocadas por sua bondade. Assim, a saga de Rosalia e sua família permanece como um testemunho inspirador da força do espírito humano em face das adversidades.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


domingo, 10 de dezembro de 2023

Tra Due Mondi: Un Viaggio Epico di Sopravvivenza in Brasile


 


Antonio Calzolar, un emiliano di 33 anni originario di Marzabotto (BO), intraprese un viaggio epico nel 1897 quando si imbarcò a Genova verso il Brasile con sua moglie Sofia Ferraro e i loro cinque figli. Accanto a Antonio, c'era suo fratello Lorenzo e la sua famiglia. Dopo un lungo viaggio di quasi due mesi, finalmente sbarcarono a Vitória, nel cuore dello stato brasiliano dell'Espírito Santo.

Da Vitória, presero il treno diretto a Cachoeiro de Itapemirim, una pittoresca cittadina a sud di Vitória. Dopo alcuni giorni trascorsi presso una Hospedaria de Imigrantes, furono assunti per lavorare nella Fazenda Arcobaleno, situata nel comune di Cachoeiro de Itapemirim. La vita lì non era facile; adulti e bambini si trovavano a lavorare duramente in cambio di modesti salari o piccole razioni di cibo, spesso costituite principalmente da farina di mais.

Insoddisfatti di questa dura realtà, i Calzolar presero una decisione coraggiosa: interruppero il loro contratto di lavoro e si trasferirono nel distretto di Castelo, sempre nell'Espírito Santo. Qui vissero per due anni, affrontando nuove sfide e costruendo il loro destino lontano dalle difficoltà della Fazenda Arcobaleno.

A partire dal 1901, la fortuna sorrise loro quando trovarono lavoro nella fazenda Guatambu. Questa fazenda, successivamente acquisita dal governo dell'Espírito Santo, si trasformò in una colonia di immigranti. Le due famiglie Calzolar, finalmente, videro realizzarsi il loro sogno di diventare proprietari di pezzi di terra, una conquista che avevano cercato per generazioni.

Con il passare degli anni, i figli di Antonio si sposarono con altri immigrati italiani o con i loro discendenti, creando legami duraturi che ancoravano la famiglia nelle terre brasiliane. I Calzolar si stabilirono in diverse città dello stato, tra cui Cachoeiro de Itapemirim, Castelo, Venda Nova do Imigrante, Alegre, Marechal Floriano, e persino nella capitale dell'Espírito Santo, Vitória.

La storia dei Calzolar è un racconto di perseveranza, coraggio e successo. Antonio e Sofia Calzolar, ormai ottantenni, si spensero a breve distanza l'uno dall'altro nel 1949, lasciando dietro di loro una discendenza radicata nelle terre che avevano contribuito a plasmare. La loro storia continua a risuonare attraverso le generazioni, un tributo vivente alla forza e alla resilienza di coloro che hanno forgiato un nuovo destino in terre lontane.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





sábado, 21 de outubro de 2023

Raízes Italianas: A Jornada e o Legado dos Imigrantes

Little Italy em New York


O período que abrange os séculos XIX e início do XX se caracterizou por um extraordinário movimento emigratório na Europa. Entre 1800 e 1930, cerca de 40 milhões de europeus tiveram que deixar suas terras natais em busca de uma qualidade de vida melhor, especialmente nas Américas. Essa melhoria de vida, muitas vezes referida como "em busca da cucagna", nada mais era do que um trabalho digno com o qual pudessem sustentar suas famílias.
Até meados do século XIX, a Península Itálica estava fragmentada em diversos reinos, cada um com seus próprios dialetos e traços culturais distintos. A busca por uma unidade nacional italiana, conhecida como o Risorgimento, teve início em 1848 e só foi concretizada em 1871. Nesse ínterim, a Itália era uma nação dividida por profundas disparidades sociais, concentração de renda em algumas poucas regiões, principalmente do norte, onde iniciava um incipiente processo de industrialização, porém o resto do país era totalmente dependente de uma agricultura atrasada, praticada nos mesmos moldes do século anterior e usando os mesmos implementos agrícolas usados pelos seus avós. Essa agricultura não podia competir com os grãos importados de outros países da Europa, e também dos Estados Unidos, que chegavam com preços abaixo dos produzidos no reino. Também uma série de calamidades naturais nos últimos anos, como longas estiagens e enchentes catastróficas, contribuíram para grandes quebras de safras, empobrecendo o homem do campo que se via obrigado a migrar para cidades.
Antes mesmo da unificação italiana, já havia uma emigração modesta de pessoas da região que hoje conhecemos como Itália. Inicialmente, esse movimento era relativamente pequeno e não permanente. Partindo do norte da Itália, um número considerável de italianos iam em busca de melhores condições de trabalho em outros países europeus, nomeadamente a França, Suíça e Alemanha. Eram em sua maioria pessoas do sexo masculino que partiam por conta própria e, após trabalharem por alguns anos nesses países, retornavam para a Itália. Em certas províncias do norte também as mulheres tiveram que buscar um complemento financeiro nos países vizinhos, como é o caso das amas de leite, conhecidas como "balias", as vendedoras ambulantes que levavam suas mercadorias em caixas nas cestos nas costas, percorrendo a pé cada pequena vila, para vender os seus produtos. Eram as chamadas "kromer" nas zonas alpinas de Belluno e na Áustria.
Com a unificação italiana em 1871, a emigração tornou-se um fenômeno social na Itália. Entre 1871 e 1875, aproximadamente 130.000 italianos emigraram. No início da década de 1880, a saída de italianos já alcançava cifras notáveis, configurando um verdadeiro êxodo. Os fatores dessa saída eram vários, sendo principalmente por motivos socioeconômicos, seguido de razões políticas e pessoais. O sonho da propriedade também foi o que impulsionou muitos deles a empreenderem a difícil jornada. Nos primeiros anos, 80% dos emigrantes partiam do norte da Itália. O fenômeno emigratório só chegou ao Sul da Itália no início do século XX, e esse passou a dominar a fonte de saídas.
Nesse ponto, a emigração transoceânica passou a predominar, com os italianos escolhendo três destinos principais: os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil. Inicialmente, o Brasil absorveu a maior parte dos imigrantes italianos nos primeiros anos, sendo superado pela Argentina nos últimos anos do século XIX, enquanto os Estados Unidos se tornaram o maior receptor de italianos no início do século XX.
O governo italiano nada fazia pelos emigrantes, que partiam à própria sorte e muitas vezes caíam em propagandas enganosas de emprego fácil para onde emigravam. A emigração só foi regulamentada em 1888, quando o governo passou a dar apoio àqueles que quisessem emigrar, porém, não lhes prestava nenhuma assistência se algo desse errado. O governo percebeu que a emigração era algo lucrativo, não só para alimentar a criação de companhias de navegação italianas: os emigrantes vendiam tudo o que tinham na Itália antes de partirem e quando já inseridos em outros países, mandavam regularmente dinheiro para os parentes que ficaram. Além disso, o governo estava se livrando de uma grande massa de camponeses e desempregados indesejáveis. A emigração foi uma espécie de válvula de escape que impediu uma grande conflagração social.
A maciça emigração italiana ocorreu até 1914. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o número de emigrantes italianos sofreu um processo de baixa, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Após as duas guerras, a Itália estava destruída e precisava de braços para reerguer o país, fazendo com que a emigração se tornasse pouco expressiva.
Nos Estados Unidos, os italianos começaram a desembarcar em maior número por volta de 1876, atingindo seu auge entre 1910 e 1920. A maioria desses imigrantes era composta por homens originários das zonas rurais da Sicília, que prontamente se adaptaram a novos papéis como trabalhadores urbanos no nordeste dos Estados Unidos, especialmente na região de Nova Iorque. Enfrentando preconceito devido à sua fé católica, sua coloração mais escura, a sua extrema pobreza, os italianos frequentemente se aglomeravam em bairros carentes nas periferias das cidades, onde ocupavam empregos pouco gratificantes. A dificuldade em encontrar trabalho bem remunerado levou muitos a considerar o retorno à Itália. No entanto, mantendo suas raízes culturais, os italianos formaram comunidades vibrantes, estabelecendo bairros inteiros compostos por seus compatriotas, como o icônico Little Italy. A crescente indústria norte-americana demandava mão de obra, e em pouco tempo, a comunidade italiana se tornou uma das mais bem-sucedidas e influentes dos Estados Unidos.
Atraídos pela promessa de terras férteis e oportunidades de emprego, os emigrantes italianos desempenharam um papel crucial na formação da diáspora na Argentina, superando até mesmo os números de imigrantes espanhóis. A maioria desses italianos provinha do sul da Itália, especificamente da Sicília, Campania e Calábria. Eles se estabeleceram principalmente na região urbana de Buenos Aires, enquanto outros escolheram seguiram para colônias agrícolas nas províncias de Santa Fé, Rosário,  Córdoba entre outras. Essa onda de imigração italiana desempenhou um papel vital no desenvolvimento econômico da Argentina, contribuindo para sua diversidade cultural e crescimento.
Um considerável contingente de italianos emigrou em massa para o Brasil no final do século XIX e início do século XX, deixando uma marca duradoura na história do país. Eram, em grande parte, famílias inteiras de camponeses do norte da Itália que foram incentivadas pelo governo brasileiro a se estabelecerem como agricultores no sul do país em grandes colônias agrícolas, primeiramente no Rio Grande do Sul   e depois Paraná e Santa Catarina. Muitos deles migraram para os estados de São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais, contratados pelos grandes fazendeiros, onde desempenharam um papel crucial na indústria cafeeira substituindo a mão de obra escrava.
No Brasil, a emigração italiana se destacou por sua amplitude e impacto duradouro. Famílias inteiras, principalmente do norte da Itália, embarcaram em uma jornada rumo ao Brasil, incentivadas pela promessa de terras férteis e oportunidades no Sul do país. A maior parte desses imigrantes, provenientes de regiões como Vêneto, Lombardia e Trentino, e também do sul, como Sicília, Puglia, Campania, desembarcou no Porto do Rio de Janeiro e no Porto de Santos, buscando uma nova vida nas vastas plantações de café de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e nas colônias recém-criadas no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
Esses italianos, muitos dos quais eram camponeses experientes em suas terras natais, desempenharam um papel vital no crescimento da indústria cafeeira brasileira. Com seu trabalho árduo e dedicação, contribuíram para o desenvolvimento econômico do Brasil, transformando o país em um dos maiores produtores de café do mundo. A migração italiana também deixou uma influência cultural duradoura, como se pode observar na culinária, na arquitetura e em tradições que perduram até os dias de hoje.
Esses imigrantes enfrentaram desafios e dificuldades ao longo de sua jornada, incluindo a adaptação a um novo país, a superação de barreiras linguísticas e o confronto com condições de trabalho muitas vezes desafiadoras. No entanto, sua determinação e resiliência os ajudaram a prosperar e a contribuir significativamente para o Brasil.
A imigração italiana para o Brasil, que alcançou seu auge no início do século XX, deixou um legado profundo no país, enriquecendo sua diversidade étnica e cultural. A influência italiana pode ser vista em diversos aspectos da sociedade brasileira, desde a produção de alimentos até a preservação de tradições e celebrações festivas. A história desses imigrantes italianos é um testemunho da coragem e da determinação daqueles que deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor, e é um tributo à sua contribuição duradoura para a identidade multicultural do Brasil.



quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Carpinteiros da Esperança: O Legado dos Fernetti na Formação do Sul do Brasil

 



Em meio às colinas verdejantes da região sul do Brasil, onde os pinheiros se erguiam como sentinelas silenciosas, viveu uma família cuja história era tecida com habilidade e devoção. Giulio Fernetti, o último filho de uma prole de seis homens e quatro mulheres, era o protagonista dessa saga.
A história dos Fernetti teve início no final do século XIX, quando Giacomo e Augusta, acompanhados por seus três filhos, deixaram a Itália e cruzaram o oceano em busca de novas oportunidades. Aportaram em terras brasileiras em 1896 e, após vários anos na Colônia Dona Isabel, fixaram residência em Veranópolis, onde as raízes dessa família de origem italiana se entrelaçaram com a história do sul do Brasil. Duas das suas filhas eram freiras, um dos filhos, o mais velho era frei capuchinho e um outro padre Carlista.
Giacomo, o patriarca, era um hábil carpinteiro, mestre na arte de construir igrejas majestosas, vastos barracões e moinhos que giravam movidos pela força das águas e, mais tarde, da eletricidade. Com o passar dos anos, Giulio, o filho mais jovem, absorveu essas habilidades com afinco e determinação, tornando-se um carpinteiro exímio, especializado na construção de moinhos coloniais que seriam a força motriz da região.
Aos 25 anos, Giulio casou-se com Anna, o amor de sua vida, e juntos decidiram aventurar-se na rica região ainda em formação de Boa Vista de Erechim. Uma jornada de duas semanas, percorrendo estradas estreitas e sinuosas em lombo  de mulas e uma carroça de duas rodas com a pequena mudança, os conduziu a esse novo horizonte. O pequeno distrito de Floresta, hoje o município de Barão de Cotegipe, foi o local escolhido para estabelecerem raízes e onde Giulio abriu a sua própria carpintaria.
Naquele recanto, Giulio ergueu diversas casas com suas próprias mãos e contribuiu para a conclusão da imponente igreja local. Seus dias eram uma sinfonia de serras, martelos e madeira trabalhada com maestria. Boa Vista de Erechim, ávida por construção, abraçou o carpinteiro com entusiasmo, mantendo-o constantemente ocupado, construindo igrejas e  complexos moinhos em toda a região norte e central do estado.
Os anos se passaram, e Giulio e Anna foram abençoados com seis filhos, quatro meninas e dois meninos, que cresciam em meio ao som das máquinas e à reverência pela tradição familiar. À noite, reuniam-se em torno da mesa, onde as histórias das construções grandiosas e da vida na cidade ganhavam vida através das palavras de Giulio.
A família Fernetti personificava a força do trabalho árduo e a devoção à comunidade. Eles eram os construtores de sonhos, os artesãos que moldaram a paisagem da região e os guardiões da fé. Cada estrutura erguida por Giulio era mais do que um edifício de tijolos e madeira; era um testemunho de sua dedicação, um tributo à sua família e um presente para as gerações futuras.
Hoje, as construções podem ter se tornado monumentos históricos, e os moinhos podem ter sido substituídos por tecnologias mais modernas, mas a memória da família F. perdura, lembrando a todos que, em algum momento do passado, um carpinteiro e sua família moldaram o destino de uma região com suas mãos habilidosas e corações generosos. A história dos F. é a história de um Brasil que cresceu e evoluiu, guiado pelo espírito incansável de seus filhos e filhas.


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A Riqueza das Raízes Italianas: Como a Contribuição dos Imigrantes Moldou a Economia Brasileira




A grande imigração italiana para o Brasil no final do século XIX e meados do século XX teve um impacto significativo na economia brasileira. Os imigrantes italianos ajudaram a moldar a economia do país, contribuindo para setores como agricultura, manufatura e comércio. Além disso, eles tiveram um papel importante na formação do mercado de trabalho brasileiro, fornecendo mão-de-obra para diversas indústrias.
Os italianos se estabeleceram principalmente no sudeste e no sul do Brasil, em estados como São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Eles foram atraídos pelas oportunidades de trabalho oferecidas no país, bem como pela promessa de uma vida melhor. No entanto, eles enfrentaram muitos desafios ao chegar ao Brasil. 
Um dos principais desafios enfrentados pelos imigrantes italianos foi a discriminação. Eles eram frequentemente vistos como estrangeiros e não eram bem-vindos pela população local. Além disso, muitos imigrantes italianos chegaram ao Brasil em condições de pobreza e com poucos recursos. Eles tiveram que trabalhar duro para se estabelecer e construir uma vida nova.
Apesar dos desafios, os imigrantes italianos tiveram um impacto significativo na economia brasileira. Eles foram particularmente importantes para a agricultura, ajudando a transformar esses estados do Brasil em uma das regiões agrícolas mais produtivas do país. Os imigrantes italianos também tiveram um papel importante na manufatura e no comércio, ajudando a desenvolver muitas indústrias importantes no Brasil. Um exemplo de como os imigrantes italianos contribuíram para a economia brasileira é a indústria têxtil. A partir do final do século XIX, muitos imigrantes italianos se estabeleceram em São Paulo e começaram a trabalhar nas fábricas têxteis da região. Eles trouxeram consigo habilidades e conhecimentos. Além disso, os imigrantes italianos ajudaram a construir o sistema ferroviário no Brasil. Muitos imigrantes trabalharam como operários na construção de linhas ferroviárias em todo o país. Eles também ajudaram a operar as ferrovias, trabalhando como maquinistas, condutores e outros funcionários. Os imigrantes italianos também contribuíram para o desenvolvimento da indústria do vinho no Brasil. Muitos imigrantes italianos se estabeleceram na região do Rio Grande do Sul, que é conhecida por sua produção de vinhos. Eles trouxeram consigo técnicas de vinificação e conhecimentos em viticultura, ajudando a transformar a região em uma das principais produtoras de vinho do país.
No entanto, os imigrantes italianos muitas vezes enfrentavam condições de trabalho difíceis. Eles trabalhavam longas horas em condições perigosas e na maioria das vezes recebiam salários baixos. Além disso, eles por vezes enfrentavam discriminação e eram tratados injustamente pelos empregadores donos das terras, acostumados até então a lidar com os pobres escravos. Apesar dos desafios, os imigrantes italianos perseveraram e ajudaram a construir uma comunidade próspera no Brasil. Eles criaram laços fortes uns com os outros e formaram organizações para ajudar a promover seus interesses e proteger seus direitos. Eles também mantiveram suas tradições culturais e transmitiram essas tradições para as gerações futuras. A comunidade italiana no Brasil evoluiu ao longo do tempo. À medida que os imigrantes italianos se estabeleceram no país e se tornaram mais integrados na sociedade brasileira, a comunidade italiana começou a mudar. No entanto, a influência italiana ainda é forte em muitas partes do país, especialmente na região sul. A imigração italiana teve um impacto duradouro na cultura e na sociedade brasileiras. Os imigrantes italianos ajudaram a moldar a cultura e a tradição do país, contribuindo com seus costumes, culinária e arte. Ajudaram também a estabelecer muitas das cidades e comunidades que conhecemos hoje. A imigração italiana para o Brasil foi um momento importante na história do país. Ela ajudou a moldar a cultura, a sociedade e a economia do Brasil, deixando um legado duradouro que ainda é sentido até hoje. A história dos imigrantes italianos no Brasil é uma história de perseverança, trabalho duro e resiliência.









quinta-feira, 10 de agosto de 2023

De Rovigo a Província de São Paulo: A História de uma Família de Emigrantes Italianos - parte 3





A Vida em Mogi Mirim

Domenico finalmente acabou adquirindo seu tão sonhado lote de terra, a sua primeira propriedade na vida, uma chácara bem grande na periferia da cidade de Mogi Mirim. Tiveram muita sorte em encontrar aquele grande terreno, com uma ótima casa ainda nova encima. Na verdade, foi Giuseppina quem primeiro viu a oportunidade de negócio, fazendo amizade com a dona do imóvel, quando em uma de suas visitas semanais a cidade para negociar seus produtos. A velha senhora foi uma de suas primeiras freguesas e sempre comprava alguma coisa. Ficava tempo conversando com ela e daí nasceu uma amizade onde a velha senhora tinha uma afeição especial por Pina. Assim, ficou sabendo que ela era viúva de pouco tempo, seu marido, um comerciante, tinha morrido inesperadamente do coração, segundo o médico. Eles tinham somente um filho vivo no Brasil, um rapaz na casa de dezoito anos que sofria de paralisia cerebral, devido sequelas de traumatismo no parto. Tinham duas outras filhas, mais velhas e ambas casadas. Uma delas, Maria Augusta a primogênita, que também tinha vindo com eles para o Brasil, casou ainda bem nova com um conterrâneo da Calábria e depois de dois anos retornaram para a Itália para, pouco tempo depois, emigrarem novamente, desta vez para a França. Maria Augusta acompanhou o marido, depois deste ter recebido vários chamados de parentes que lá já estavam radicados. Amargurada disse que recebia poucas notícias dela e quase nada mais sabia dos netos. A outra filha, Chiara a segunda na ordem de nascimento, também veio pequena da Itália, se casou no Brasil com um jovem italiano de Verona, na região do Vêneto e logo retornaram para a Itália, passando a morar no município de Thiene, na província de Vicenza, onde seu marido tinha alguns parentes e encontrado um ótimo emprego em uma fábrica. Nenhuma das duas tinha mais interesse em retornar para o Brasil e ela sozinha, com o filho inválido, resolveu também voltar para a Itália, e ir viver com a filha Chiara. Esta era a razão dela estar vendendo a baixo preço a sua querida chácara. Na verdade, foi um negócio de ocasião que a perspicaz Pina soube aproveitar. As inúmeras viagens para negociar seus produtos, as conversas com as suas freguesas, deu à Pina a oportunidade de fazer aflorar um aguçado tino comercial. Os irmãos de Domenico, a mãe Luigia e o tio Giovanni Battista, com suas famílias também deixaram a fazenda e seguiram os mesmos passos, adquirindo lotes de terras na mesma cidade de Mogi que estava crescendo bastante. Somente o tio Francesco resolveu migrar para o Paraná, adquirindo um lote de terra na periferia de Curitiba, pois a sua mulher não suportava mais a vida difícil e de isolamento que levavam no interior de São Paulo. Com o tempo ele e os filhos progrediram bastante abrindo uma grande rede de restaurantes.
Domenico e Giuseppina começaram a plantar todo o tipo de hortaliças, auxiliados pelos filhos e pela mãe de Domenico que morava bem perto deles. Luigia, ainda era uma mulher bem forte para a sua idade, não refugava trabalho, auxiliando Pina na venda dos produtos. O irmão mais novo, muito esperto e hábil nas contas, conseguiu um emprego em um comércio local e estava indo muito bem, pois, apesar da idade já tinha o cargo de gerente e já estava pensando em se casar. Todos os nove filhos foram para escola municipal e as duas garotas mais velhas logo também começaram a trabalhar fora, como funcionárias de uma pequena fábrica.
Com o passar do tempo Domenico e Pina conseguiram fazer uma pequena fortuna e gradualmente foram colocando os nove filhos. Abriram uma casa de comércio em prédio próprio, no centro da cidade, onde se vendia de tudo. Nela trabalhavam todos os seus filhos, que se mostraram muito hábeis negociantes. Em anos posteriores, com o crescimento acelerado de Mogi e algumas cidades vizinhas, como Pirassununga, Piracicaba, Campinas, Rio Claro e Limeira, entre outras, Domenico e Pina expandiram os negócios abrindo novas filiais, sempre sob a gerência de um dos filhos. Agora  tinham em suas mãos um verdadeiro império, que englobava diversos ramos de atividades comerciais, desde lojas de departamentos até grandes supermercados, coisa inimaginável quando deixaram a decadente Itália.


Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


quinta-feira, 27 de julho de 2023

De Rovigo a Província de São Paulo: A História de uma Família de Emigrantes Italianos - parte 2








A Vida na Fazenda 



Domenico era o segundo filho homem de uma família de dez irmãos que moravam na localidade de Rasa, província de Rovigo. Durante algum tempo, na sua juventude, trabalhou como empregado em uma grande plantação de arroz, justamente no local onde conheceu Giuseppina, a sua esposa. O namoro foi bastante rápido e logo resolveram se casar. O matrimônio foi realizado em Villa d’Adige, a pequena localidade onde a família de Pina morava há já várias gerações. Como o pai de Giuseppina havia falecido alguns meses após o casamento, o casal resolveu ficar morando na propriedade da família. Os cunhados eram ainda muito jovens e necessitavam de ajuda. Chegaram mesmo a pensar em se mudar para a cidade de Villa Bartolomea, na província vizinha de Verona, a convite de outros parentes que lá já estavam estabelecidos, mas, para não deixar a família da esposa desamparada, se fixaram na mesma vila onde Pina havia nascido. Era uma localidade muito afastada, pequena e atrasada, formada por poucas famílias, todas muito pobres, que viviam do trabalho nas plantações de arroz como diaristas. Domenico e Pina continuaram trabalhando nessas plantações de arroz da região onde, nos primeiros anos, não faltava serviço. Tiveram seus seis filhos naquela localidade, mas, não viam nenhuma possibilidade de progredir naquele local em que a pobreza só crescia. Devido aos impostos cobrados pelo novo governo, muitas fazendas fecharam e os proprietários emigraram para outros países. O desemprego começou a crescer, chegando a um ponto insuportável. As condições de vida do casal começaram a piorar após a morte do pai de Domenico, Giacomo Risottoni, que sempre os ajudava com o que podia, acometido por uma doença grave que consumiu os recursos de toda a família com médicos e remédios. Foi quando então resolveram emigrar para o Brasil seguindo o exemplo de milhares de outros italianos. Na ocasião, com Domenico também partiram, para o mesmo destino no Brasil, seus dois irmãos: Giuseppe, o mais velho deles, com a esposa Giulia e cinco filhos e o mais novo, que se chamava Antonio, ainda solteiro, acompanhado da mãe Luigia, então viúva com 57 anos. Entre os componentes do grupo de mais cinquenta pessoas também estavam vários primos e dois tios de Domenico, Giovanni Battista e o Francesco, acompanhados das suas esposas. 
Na fazenda Coquinhos, depois do impacto negativo da chegada, quando todos do grupo de imigrantes só pensavam em desistir de tudo e procurar um outro local para viverem, mas precisaram cair na realidade e se adaptar, tal qual dezenas de outros co-nacionais que ali também estavam trabalhando. A fazenda tinha aproximadamente quinhentos empregados, a quase maioria deles eram italianos. Toda aquela região da província de São Paulo, era rica em terras roxas, com relevo, altitude e clima bem definidos, favoráveis à cultura do café. Os colonos contratados recebiam um pagamento fixo pelo cultivo dos pés de café e um pagamento variável pela quantidade de frutos colhidos. Além disso, podiam criar pequenos animais e produzir alimentos para sustento da família na fazenda e vender o excedente. O pagamento de um ano era dividido entre os meses e distribuído no primeiro sábado de cada mês, tornando-o um dia de folga para compras e visitas. Ao chegarem ao Brasil, as famílias vindas da Itália eram relativamente jovens, em plena fase produtiva e reprodutiva, compostas em sua maioria só por casais ou por casal com filhos solteiros e pequenos. Ao contratar o colono, o fazendeiro contratava o trabalho de todos os elementos da família. Na cafeicultura paulista, o termo “colono” e “família colona” tem o mesmo significado. O número de pés de café sob a responsabilidade do colono era estipulado em contrato estabelecido com a fazenda e atribuído conforme o número de membros da família colona aptos ao trabalho. Os termos do contrato geralmente eram mais favoráveis ao fazendeiro, a quem, era permitido aplicar multas e demitir o empregado quando quisesse. A mentalidade dos fazendeiros paulistas era ainda aquela escravagista, em uso a mais de 200 anos e os colonos nem sempre conseguiam tolerar os maus tratos que sofriam. Muitas foram as reclamações enviadas de várias fazendas para o consulado italiano em São Paulo registrando crimes de agressão sofridos pelas famílias de imigrantes. As violências contra as mulheres italianas eram muito frequentes, pois os fazendeiros ainda não estavam acostumados a lidar com pessoas com direitos. Outros abusos eram adulterando pesos e medidas, subestimando a quantia realmente plantada ou colhida pelo trabalhador. Eles confiscavam produtos e, principalmente, usavam multas para limitar suas despesas. Até o motivo mais fútil era o suficiente para deduzir quantias consideráveis do caderno de contas do colono. As multas se tornam cada vez mais frequentes com a queda do preço interno do café. Devido à distância da fazenda até a cidade mais próxima, dependiam de produtos alimentícios que não podiam produzir como farinha, açúcar, sal e se abasteciam no armazém da própria fazenda que os explorava, cobrando  preços mais caros que na cidade. 
A jornada diária de trabalho dos empregados da Fazenda Coquinhos era muito dura, se estendia durante todo o ano do nascer do sol ao anoitecer, sempre sob a vigilância de fiscais de turma, que se reportavam diretamente ao administrador da propriedade. Acordavam às 5 da manhã e às 6h, com o tocar dos sinos da fazenda, partiam para mais um dia de trabalho no cafezal. Eles trabalhavam em média 12 horas por dia, podendo chegar a até 14 horas, não tinham registro em carteira, nem direito a férias ou outros benefícios. A estrutura familiar dos imigrantes se mantinha intocável como era na Itália, onde o pai era o chefe da família, com divisão das tarefas entre cada membro do clã, sendo que o serviço doméstico, o cuidado das crianças, idosos ou inválidos, era reservado para as mulheres da família. Ao pai cabia a palavra final na divisão das tarefas e nas decisões familiares. As mulheres quando grávidas, trabalhavam até a hora do parto, quando de carroça eram levadas para casa, muitas vezes ocorrendo o nascimento da criança no próprio veículo. Muitos bebês nasciam no meio do cafezal, sob a sombra de um cafeeiro e logo era enrolada em panos que a gestante havia reservado. Muitas fazendas tinham a sua capela, onde eram celebradas missas aos domingos, que os colonos podiam comparecer. Outras delas, como no caso onde Domenico e sua família foram parar, só recebia a visita mensal de um padre, que na ocasião fazia casamentos e batizados. O casamento era uma instituição obrigatória para a constituição das famílias dos imigrantes que se casavam muitas vezes somente no religioso e mais tarde faziam a cerimônia civil. A cidade mais próxima ficava a mais de três horas de caminhada e somente lá existia cartório para o devido registro do matrimônio. Através do batismo dos filhos se fortaleciam os laços de amizade entre as diversas famílias de imigrantes. Logo no primeiro ano de estadia na fazenda, Pina voltou a engravidar e deu à luz a um outro menino que Domenico deu o nome de Settimo, por ser o sétimo filho do casal. Por sorte Pina era muito forte e sadia sendo assistida pela sogra Luigia, que também era parteira. As condições sanitárias das casas dos empregados da Fazenda Coquinhos não eram boas. Frequentemente surgiam doenças graves que podiam invalidar um trabalhador e às vezes até matá-lo, como malária, varíola, febre amarela, tracoma e ancilostomose que também estavam presentes em quase todas as fazendas de café. Na fazenda só possuíam atendimento para casos simples de ferimentos e como a fazenda se localizava longe de centros urbanos, nos demais casos necessitavam se deslocar em carroça para obter atendimento médico. Esses eram caros e as visitas domiciliares quando necessárias eram caríssimas, e uma doença de curta duração podia desfazer os ganhos de meses ou mesmo de anos de trabalho. Domenico lembrava muito bem de quando o seu irmão mais novo Antonio, foi picado por uma cobra venenosa e ficou gravemente enfermo, necessitando sua remoção para uma cidade próxima, onde precisou ficar hospitalizado por alguns dias. A vida do rapaz corria sério perigo, inclusive de perder uma perna e o médico chamado para consultá-lo não tinha esperanças de salvá-lo na fazenda e resolveu pela hospitalização. As despesas médicas foram pagas pelo fazendeiro que emprestou o dinheiro para eles para ser devolvido no acerto mensal. Toda a família de Domenico precisou se cotizar para ajudar a pagar a dívida com o dono da fazenda. 
Já tinham se passado seis anos desde quando chegaram na fazenda e agora praticamente não deviam mais nada ao fazendeiro. A família de Domenico também havia crescido no Brasil com o nascimento de mais três filhos, sendo que agora eles eram dez ao todo. Como não havia escola na fazenda e nem próximo dela, era Giovanni Battista, o irmão mais velho de Domenico, que sabia ler e escrever, ainda que precariamente, que tentava suprir esta falta. 
Domenico e a família, algum tempo depois da chegada, percebendo as duras condições de trabalho na fazenda, a vida difícil que levavam e a falta de perspectivas para o futuro, chegaram à conclusão que a emigração não tinha trazido grandes vantagens para eles em termos de progresso: continuavam sob as ordens de um duro patrão, ainda permaneciam pobres e, sobretudo, depois desses anos passados ainda não tinham conseguido um dos principais objetivos que os tinha levado até o Brasil, que era obter a própria terra para cultivar. Durante os anos de trabalho na fazenda conseguiram fazer algumas economias, juntando o que ganhavam com o contrato de trabalho com o café e o que conseguiam obter vendendo o excedente dos produtos agrícolas que plantavam. Giuseppina, com as duas filhas mais velhas e a sogra Luigia eram muito espertas e negociantes, vendiam ovos, pães, doces e bolos que faziam. Uma vez por semana, quando o tempo permitia, iam de carroça até Mogi Mirim, a cidade mais próxima da fazenda, para vender o que produziam. O que produziam era de boa qualidade e chegaram a ter muitas freguesas fixas que faziam encomendas. A ideia de Domenico era adquirir uma pequena chácara na periferia dessa cidade usando as economias guardadas. Deixariam a fazenda assim que conseguissem o terreno que sonhavam. Ele e Pina pensavam muito na educação e no futuro dos filhos. A cidade estava crescendo rapidamente e poderiam conseguir algum emprego no comércio ou em uma pequena fábrica local e os filhos poderiam frequentar uma escola e mais tarde também trabalharem.

Continua 

Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





sexta-feira, 30 de junho de 2023

Desbravadores da Terra: A Lista das Famílias Italianas Pioneiras em Vale Vêneto, RS (1878-1888)


Relação das Famílias Pioneiras que Colonizaram Vale Vêneto vindas da Itália entre 1878 e 1888


BALCONI

BALDISSERA

BASSO

BEVLACQUA

BISOGNIN

BOLZAN

BONFADA

BORANGA

BORDIGNON

BORTOLAZZO

BORTOLUZZI

BRONDANI

CAGLIARI

CANAZZA

CARLOTTO

CASASSOLLA

CERETTA

CHIARINOTTO

CILIATO

COPETTI

CREAZZO

DALMASO

DAL SANTO

DANIEL

DOTTA

DOTTO

DRUZIAN

FERIGOLO

FILIPETTO

FOLETTO

FORGERINI

FORZIN

GIACOMINI

GRIGOLETTO

IOP

LODERO

LOVATTO

MARCHESAN

MARCUZZO

MARIN

MARIO

MELLOTTO

MENEGHEL

MISSAO 

MORO

MISSAN

NOGARA

PASQUATIN

PASQUATINI

PARCIANELLO

RIVETA

RIZZOLATTO

POZZOBON

RIGHI

RORATTO

ROSSI

ROSSO

SARTORI

SBIZIGO

STEFANEL

STROILI

TONDO

TRONCO

VARASCHIN

VENDRUSCULO

VENTURINI

VERNIER

VIGNOTTO

VIZZOTTO

WEBER

ZAGO

ZANINI







terça-feira, 30 de maio de 2023

De Rovigo a Província de São Paulo: A História de uma Família de Emigrantes Italianos



A Chegada

A longa e quase interminável viagem de navio a vapor, que durou mais de quatro semanas, do emigrante Domenico Risottoni e sua família, desde a província de Rovigo para a América do Sul, estava prestes para chegar ao fim. Muito cedo da manhã, com a luz do dia ainda fraca, desde o alto do tombadilho da velha e lenta embarcação, já se podia reconhecer ao longe o contorno mais escuro da costa brasileira, com as características montanhas que circundavam o porto do Rio de Janeiro. Quando se aproximaram do cais, uma dessas grandes pedras chamou muito a atenção de todos: era uma montanha, não muito alta, de forma arredondada, que se sobressaia pela sua inusual forma, no meio de tantas outras de diversas alturas. A exuberante vegetação tropical reinante na região e as longas praias com suas belas curvas e areia muito branca, logo cativaram a todos os passageiros, quase todos eles provenientes da região italiana do Vêneto, no nordeste da península. Quando desembarcaram, o encontro com algumas pessoas de pele escura, também foi uma grande novidade, fato muito comentado entre eles. Sabiam que ainda não era o fim da longa jornada. Depois de três dias abrigados na Hospedaria dos Imigrantes, chegava a hora de prosseguir. Os imigrantes que tinham como destino o Porto de Santos, foram todos embarcados em outro navio, de menor calado, que só fazia viagens ao longo da costa. Não era um trajeto muito longo, e depois de dois dias desembarcaram na cidade de Santos, com mais oito famílias, em um total de 52 pessoas, todos eles da mesma província. Ainda de madrugada se dirigiram à estação ferroviária, embarcando em direção à cidade de Campinas, no interior da Província de São Paulo, onde estava programada a troca de trem. Desde a chegada ao porto até ali, tudo o que eles puderam ver e sentir muito os agradou, especialmente o clima e a pujança daquela rica região. Ao chegarem a estação de Campinas, foram recebidos por dois empregados da fazenda que os tinha contratado, um dos quais falava perfeitamente a língua vêneta e com ajuda deles, após passado o meio-dia partiram novamente em outro trem, até a pequena estação Conselheiro Martin Francisco, um local desolado formado somente por duas ou três casas de madeira, o ponto mais próximo à fazenda de café que o trem podia alcançar. Já era quase cinco horas e todos estavam exaustos de tantas noites mal dormidas e pouca alimentação. No local os esperavam outros funcionários da fazenda, um deles negro, com dois enormes carroções puxados por várias juntas de bois cada um, para levar as crianças, os mais idosos e a bagagem de todo o grupo. Havia outra carroça, mais leve e com grandes rodas, puxada por duas mulas, para levar os funcionários. Informaram que a fazenda ainda ficava um pouco distante e todos precisavam caminhar. Não era uma verdadeira estrada e sim um caminho de sobe e desce, pouco transitado, tortuoso, com pedras soltas, muitos buracos e às vezes inesperados precipícios. Tiveram que atravessar pequenas e estreitas pontes de madeira sobre rios com grande correnteza e alguns precipícios. Já era noite e essa caminhada foi ficando cada vez mais perigosa. Domenico e os demais companheiros começaram a tomar conhecimento da realidade onde haviam se metido. Naquele momento era desejo de todos embarcar no primeiro trem de volta, de irem para outro lugar mais civilizado, mas, infelizmente, não era mais possível, estavam presos a um contrato assinado com o dono da fazenda que impedia tal procedimento. Caminhavam em marcha lenta ao lado dos carroções e alguns levavam lampiões, trazidos pelos funcionários da fazenda, para clarear um pouco a sinuosa estrada. Das matas ao longo do caminho, ouviam estranhos sons que ainda não conheciam e muito medo os incutiam. As mulheres e as crianças choravam amedrontadas com aqueles sons vindos da floresta, a escuridão e o isolamento. Eram aves noturnas, como as corujas, urutaus e bandos de macacos que, assustados com a luz e o barulho da conversa em voz alta do grupo, faziam grande algazarra. 
Giuseppina, a jovem esposa de Domenico, era uma mulher de 31 anos, muito forte e saudável, que já havia tido oito filhos, dois dos quais não sobreviveram ao primeiro ano de vida. Era a filha do meio de um casal de trabalhadores rurais, muito pobres, com doze filhos vivos. Casou-se muito cedo, como era habitual naqueles tempos. Desde os doze anos já trabalhava pesado, empregada como “mondine” nas plantações de arroz na sua vila natal próxima a Badia Polesine e também nos municípios vizinhos. Era um trabalho muito duro. Acordava as quatro da manhã e as cinco já estava na estrada, caminhando acompanhada por outras moças e mulheres de mais idade, em direção a “risaia”, as plantações de arroz nas margens alagadas pelas águas do rio Pó. O trabalho se desenvolvia em duas épocas do ano. Primeiro o preparo dos canteiros na terra que seria alagada e a plantação das mudas, já com água. O segundo momento, alguns meses depois, o da colheita, quando grandes grupos de mulheres e também alguns homens, com água até quase os joelhos arrancavam e amontoavam as plantas. Foi em uma dessas plantações de arroz, em uma vila bem distante da sua casa, onde as mulheres ficavam todas alojadas por dois ou três meses, até o término da colheita, que Pina, assim era o seu apelido, conheceu um rapaz, também empregado na mesma propriedade, que viria mais tarde ser o seu marido. 
Naquela noite escura, exausta, caminhando ao lado do carroção onde estavam dormindo os seus seis filhos, depois de muito chorar com as lembranças e recordações que teimavam aflorar, os seus pensamentos então se voltaram para o que estava fazendo ali perdida no meio do nada, em um país totalmente estranho e até hostil. O medo tomou conta dela. Angustiada pensou como seria agora a sua vida nesta nova terra, no meio dessa floresta cheia de perigos, como conseguiriam criar os filhos. Lembrou também da situação de miséria e até fome que estavam passando naquele Vêneto que não mais reconheciam como sua pátria. Mais guerras, humilhações, desemprego e fome era tudo o que podiam esperar do novo reino há poucos anos criado, daquele novo país que agora era chamado Itália. Os agricultores e os donos de pequenas áreas de terras, que sempre empregavam trabalhadores diaristas, não conseguiam mais suportar os impostos criados e muitos deles deixavam suas propriedades e também iam se aventurar nas cidades maiores ou partiam em emigração para outros países. Pela falta de uma indústria forte as cidades não conseguiam absorver toda essa mão de obra que chegava e os bolsões de pobreza se instalavam ao seu redor. Depois do casamento Pina, quase sempre estava grávida, não podia fazer outra coisa do que cuidar da casa e da criação dos filhos, que vinham quase anualmente, com uma impressionante regularidade. De repente lembrou das duas crianças que não conseguiu criar, mortas ainda bebês quando ela ficou sem leite para amamentar pela desnutrição causada pela falta de uma alimentação melhor para ela, e as lágrimas rolaram intensamente pela sua face. Naquela época, nem eles, nem as suas famílias tinham pelo menos uma vaca e também o dinheiro para comprar o leite. Domenico às vezes arrumava algum serviço como trabalhador braçal. Não eram trabalhos fixos com salários mensais e sim diários, mas o que conseguia ganhar mal dava para alimentar a família. Tanto ela como Domenico muitos dias deixavam de fazer uma das refeições para deixar alguma coisa para os filhos. Lembrou também de quando tomaram a decisão de emigrar para o desconhecido Brasil. Tinha sido em um domingo após a missa, que raramente faltavam. Na pequena praça frente a igreja viram um homem bem-vestido, portando alguns cartazes e gritando para chamar a atenção de todos. Era o representante de uma companhia de navegação com sede na cidade de Gênova, que girava por todos os municípios tentando contratar emigrantes para trabalharem em fazendas de café no Brasil. Descrevia o grande país sul-americano como um verdadeiro El Dorado onde uma pessoa poderia em poucos anos ser dono de sua própria terra. A viagem até o novo local de trabalho também seria paga pelos fazendeiros e pelas autoridades brasileiras. Como condição para ser aceito bastava estar gozando de boa saúde e ir acompanhado pela família. Tanto ela como Domenico acharam que esta seria a grande oportunidade deles deixarem para trás aquela Itália sem futuro, que não tinha condições para lhes dar um trabalho digno para sustentar a família.
Perdida com seus pensamentos, Pina se assustou quando Domenico se aproximou ao seu lado, trazendo uma caneca de barro com água. Por ele ficou sabendo que já estavam próximo do destino e que, se fosse dia, já poderiam ver parte da fazenda.
Quando finalmente chegaram a sede da grande propriedade, foram recebidos pelo administrador que os distribuiu nos seus alojamentos, que nada mais eram do que pequenos casebres de madeira, um ao lado do outro, distribuídos em fila, os quais alguns anos antes serviam de moradias dos escravos da fazenda. 

Continua

Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS