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quarta-feira, 8 de março de 2023

Naufrágios e Epidemias Navios com Emigrantes Italianos

Navio Principessa Mafalda



A partir dos últimos 25 anos do século XIX milhões de empobrecidos italianos tiveram que deixar o seu país em busca de uma vida melhor, nos novos países do outro lado do oceano. 

Assim, os Estados Unidos, Brasil e Argentina se tornaram os destinos mais ambicionados por aqueles emigrantes. Após a segunda guerra mundial, na década de 1950 também a Austrália recebeu grandes contigentes de italianos.

No início da grande emigração italiana a longa travessia do Atlântico foi realizada em condições bastante precárias. Navios antigos de transporte de cargas, alguns deles já prestes a ser aposentados como sucata foram, rapidamente, transformados e navios de passageiros.

As más condições de conservação dos lentos navios e a falta de higiene a bordo eram motivos de grandes epidemias e desastres.

No navio Città di Turin, em novembro de 1905, houve 45 mortes, dos seus 600 passageiros que estavam a bordo, no navio a vapor Matteo Bruzzo, em 1884, morreram 20 pessoas por cólera dos 1.333 passageiros que estavam a bordo; no navio Carlo Raggio, em 1888, ocorreram 18 mortes por fome e em 1894 206 morreram de doença; também em 1888, no navio Cachar, 34 emigrantes morreram de fome e asfixia; no navio Friesland em 1889, 27 pessoas morreram por asfixia e mais de 300 adoeceram; no navio argentino Parà, em 1889, 34 emigrantes morreram de sarampo; no navio Remo, em 1893, 96 morreram de cólera e difteria; no Andrea Doria, em 1894, que levava 1.317 emigrantes, 159 faleceram; no Vincenzo Florio, em 1894, aconteceram 20 mortos.

Em 17 de março de 1891, no naufrágio do navio Utopia, após colidir com um navio de guerra da Inglaterra no porto de Gibraltar, morreram 576 emigrantes italianos que se dirigiam aos Estados Unidos, dos mais de 880 passageiros embarcados; em 4 de julho de 1898, ocorreram 549 mortes na tragédia do navio Borgonha nas costas da Nova Escócia; em 4 de agosto de 1906, no naufrágio do navio Sirio na Espanha, houveram 550 mortes, muitas das quais de italianos.

Em 25 de outubro de 1927 nas costas do Brasil, na altura do Arquipélago de Abrolhos, litoral da Bahia, naufragou o navio a vapor Principessa Mafalda, nome dado em homenagem a segunda filha do Rei Vitor Emanuel III, Mafalda de Savoia. Apesar de ser um navio construído em 1908 era considerado muito rápido, pois fazia o trecho Itália - Argentina em apenas 14 dias. 

Foi um dos piores desastre para os emigrantes italianos. O barco com cerca de 300 tripulantes, transportava cerca de 1.000 passageiros de várias nacionalidades, a grande maioria emigrantes italianos. 

Alguns dos sobreviventes passaram pela Hospedaria de Imigrantes do Brás: 7 húngaros e 36 italianos. As famílias Yori, Rupolo, Petina, Silvino, Massassite, De Rossi, Strufaldi, Forner, Lovato, Panarotti, Puldeghinio, Da Tonia, Beck, Strobel, Piretto e Ban. 

Eram indivíduos que vinham para o Brasil pela primeira vez e outros já acostumados com viagens marítimas, que já tinham morado em São Paulo por algum tempo. Dentre tais pessoas, algumas crianças: Maria Rupolo, de 2 anos e meio; os irmãos Aldo Silvino, de 3 anos e meio e Marcella Silvino de 6 anos; as irmãs Octavia e Maria Petina, de 2 anos e 3 meses respectivamente; os irmãos Ginita (7 anos), Puscheira (6 anos), Rino (4 anos) e Danilo (2 anos) acompanhados da mãe Maria Forner; Augusto, de 3 anos; mais uma Maria e um Eurico, ambos com apenas um ano. Quase trinta por cento dos sobreviventes que passaram pela Hospedaria eram crianças bem pequenas. 



Texto 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS




sexta-feira, 9 de setembro de 2022

A Dramática Epopéia dos Emigrantes Italianos

Emigranti de Arnaldo Ferraguti



No final do século XIX existiam no território italiano aproximadamente trinta agências de emigração e mais de 5 mil subagentes, que se espalhavam percorrendo as mais longínquas vilas de norte ao sul, apregoando as riquezas do Novo Mundo e as facilidades de qualquer um alcançar a tão sonhada "cucagna", convencendo os mais pobres a partirem. As pequenas vilas foram inundadas por folhetos de falsa propaganda e cartas de fictícios emigrantes que já tinham partido contando maravilhas dos lugares onde viviam. 

Esses angariadores de emigrantes, muitos deles conhecidos pela falta de honestidade, estavam a serviço das companhias de navegação italianas e alguns também dos governos estrangeiros  interessados na mão de obra italiana.

A situação desesperadora de penúria que viviam e a raiva acumulada para com os antigos patrões e governo do país, somados com o profundo desejo de propriedade, fizeram 9 milhões de italianos, homens, mulheres e crianças, entre os anos de 1876 e 1920, a atravessarem o grande oceano, em busca de um trabalho que lhes pudesse dar pelo menos um prato de comida diário. 

Enfrentaram com coragem várias semanas de uma longa viagem, precariamente embarcados em velhos e lentos navios, alguns deles verdadeiras sucatas, em busca de melhores condições da vida.

O grande sonho, uma espécie de paraíso terrestre, a terra prometida, exageradamente descrita pelos agentes de viagem era a tão falada América. Para a maioria daqueles pequenos agricultores e artesãos que embarcavam  era a última chance de vencer e não morrer de fome.

Os primeiros destinos foram o Brasil, Argentina e Estados Unidos, que receberam em poucos anos milhões de emigrantes italianos.  

Nas regiões montanhosas do Vêneto, por onde teve início o grande êxodo e nas zonas agrícolas do sul, os trabalhadores rurais com o seu trabalho ganhavam apenas o suficiente para comer uma magra refeição  e pagar os impostos. Qualquer outra dificuldade que porventura surgisse, simplesmente, morriam de fome.

Com a formação do reino da Itália, após o período de unificação, que ficou conhecido como "Risorgimento", as ondas de emigrações aumentaram muito e a classe dominante nada fez para conter o êxodo, ao contrário, foi visto com alívio, uma verdadeira válvula de escape para conter as crescentes tensões sociais que se espalhavam rapidamente por todo o país.


Gli emigranti quadro de Noè Bordignon



Aqueles que emigravam enfrentaram muitas dificuldades para conseguir embarcar e chegar até a terra prometida. Tomada a decisão de abandonar o país, convencidos pelos agentes de viagem, o passo seguinte era se desfazer de algum bem que porventura possuíssem para pagar aos recrutadores, que muitas vezes desapareciam com o dinheiro. 

Agora precisavam chegar ao porto de embarque no dia informado. Dependendo de onde viviam, o porto poderia ser o de Gênova, para os emigrantes do centro-norte da Itália ou o de Nápoles, para os que saíam do sul.

A grande maioria daqueles que embarcavam eram pequenos trabalhadores rurais, mas, com eles emigravam também artesãos, pequenos proprietários de terra e profissionais de inúmeras outras atividades, que seriam de extrema utilidade nas colônias do Novo Mundo.

A viagem, embarcados em precários navios a vapor, através daquele oceano desconhecido podia durar de 21 a 30 dias, dependendo do destino. As condições higiênicas encontradas a bordo eram muito precárias, naqueles primeiros 25 anos anos do início da grande emigração.

Os navios então disponíveis, colocados para o transporte dos emigrantes italianos, eram navios adaptados apressadamente, que antes carregavam carvão ou outras mercadorias em seus grandes porões. Os passageiros, geralmente, sempre eram em número superior ao indicado, alojados naqueles fétidos e mal ventilados porões, dormindo pelo chão ou sobre sujos colchões de palha, em beliches colocados em longas fileiras. 

As famílias eram  separadas: homens e meninos maiores de 10 anos em um compartimento e as mulheres com os filhos menores em outro. Não tinham qualquer privacidade. Não havia água corrente e nem instalações sanitárias nesses grandes salões. Baldes de madeira com tampa, colocados nas extremidades das longas filas de beliches e catres, serviam de latrinas para todos os passageiros. Animais de corte eram alojados em currais e sacrificados durante a travessia para complementar a dieta dos passageiros. A alimentação servida a bordo era muitas vezes insuficiente e de má qualidade.

Devido a essas precárias condições de higiene, epidemias de doenças graves surgiam repentinamente durante a viagem, ceifando a vida daqueles mais fracos: as crianças e os idosos, que eram sepultados no mar, envoltos  em uma sinistra mortalha de pano, costurado com grandes pontos e com uma grande pedra amarrada nos pés, para afundar mais depressa. 

A emigração italiana foi uma oportunidade de ouro para  os interesses dos armadores e das companhias de navegação italianas. Visavam obter a maior vantagem possível com este novo fenômeno social. O lucro estava na frente de tudo, inclusive da saúde e da vida dos novos passageiros. 


Ricordati della mamma quadro de Adolfo Feraguti



Nos 25 últimos anos do século XIX a Itália possuía uma frota de velhos navios a vapor, alguns deles eram ainda movidos a vela, que sempre transportavam, em seus porões, quase que exclusivamente, mercadorias, geralmente, a granel, como o carvão. Aqueles milhões de novos passageiros, que se acotovelavam nos portos para deixar a Itália, trouxeram com o passar dos anos, a modernização da antiquada frota italiana. 

Estes velhos e lentos barcos de mercadorias, alguns deles verdadeiras sucatas,  rapidamente foram transformados em navios para transporte de passageiros, através de uma precária e  quase sempre incompleta adaptação. Eles foram responsáveis pelas inúmeras mortes que aconteciam durante a longa travessia do oceano.

Navios como o Matteo Bruzzo, o Carlo Raggio, o Frisca, o Remo e o Sirio e alguns outros mais, foram responsáveis por milhares de mortes de emigrantes italianos a caminho de uma nova vida no Brasil, Argentina, Uruguai e Estados Unidos. 




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS




domingo, 1 de novembro de 2020

Carta de um Imigrante Italiano no Interior de São Paulo





O imigrante Giuseppe Manzoni, de Feletto, enviou carta, de uma fazenda de São José do Rio Pardo, aos 11 de março de 1889, ao professor da escola elementar de sua cidade natal. Aquele fora um ano agitado no Brasil pelas manifestações anti monárquicas, visando a República. O autor, ao comentar a carta, diz que ela foi expedida de São José do Rio Pardo, um grande centro agrícola, com 24.000 habitantes, cuja metade era formada por italianos.

No início da carta, o imigrante relata, impressionado, os distúrbios e os diversos acontecimentos políticos que ocorriam em São Paulo, visando à proclamação da República. Descreve, também, a revolta irrompida na Hospedaria dos Imigrantes, aproveitando-se da situação política brasileira, provocada pelo tratamento oferecido aos enganados italianos que, depois de quase um mês de viagem de navio, mais 4 horas de trem de Santos a São Paulo, eram jogados em grandes quartos da hospedaria, que comportava até 700 pessoas, onde centenas se desesperavam com o desconforto, com os maus tratos, com a fome, com a mortalidade infantil.

Giuseppe, o missivista, com um certo desprezo, como que assumindo velho preconceito racial, refere-se a seus compatriotas do sul - os napolitanos – residentes em São Paulo, com palavras ríspidas: "bruta gente, bestemiatori, senza religione" ... Talvez fosse a velha rixa entre camponeses do norte e do sul, ou discórdia religiosa e, não, ódio racial, pois os colonos vênetos conviveram fraternalmente com os negros escravos e ex-escravos do Brasil.

Ele comenta a beleza das colinas lisas cobertas de café, os bosques, as estradas não-conservadas, a estrada de ferro, o café, a fartura, a carestia das coisas, as casas da colônia, a carne de porco distribuída aos colonos, a água pura, as distâncias entre a fazenda e a igreja e de S. José a São Paulo, as festas com bailes na casa do patrão, Giovanni De Toffoli, o arrependimento dos imigrantes que deixaram suas terras, a pouca religiosidade, o padre da paróquia.






São José do Rio Pardo, 11 de março de 1889.

Caro professor

Digo-lhe que partimos dia 27 de janeiro da Casa de Imigração, onde morreu meu avô Sisto, um filho de Antonio Barel e uma menina de Antônio Celotto. Digo-lhe, também, que no dia 26 de janeiro, naquela casa, aconteceu uma revolução: jogaram fora, no quintal, o que estava na cozinha: sopa, carne, pão, tudo pela janela. Fugiram todos os empregados, cozinheiros, patrões. Pisaram em tudo, até nos pratos. Esta revolta atemorizou meio mundo.

Telegrafaram. Vieram guardas, avaliadores, militares da cavalaria, que acalmavam os imigrantes, dando-lhes razão, pedindo-lhes paciência, dizendo-lhes que no dia seguinte seria trocado o cozinheiro e que a comida seria melhor. Ninguém ficou ferido. Tudo melhorou e comia-se bem.

No dia 26, estourou uma revolução em São Paulo. Os civis brasileiros esperavam reforço da Casa de Imigração, mas quem tinha família não se manifestou para não assustar mulher e filhos. Uma jovem de 17 anos estava fora da casa e viu, na rua, cortarem a cabeça de um cavalo, de um militar. Assustou-se, morrendo cinco horas depois no hospital. Os militares prenderam poucos, levando-os à prisão; então voltou a calma.

Os italianos napolitanos residentes em São Paulo, com negócios, restaurantes, queriam a República, queriam mandar em tudo: gente bruta, blasfema, sem religião. 

Os brasileiros são bons: a maior parte é negra; todos vivem muito bem: gente alegre, sem preocupações. Sempre, à noite, fazem festa, com baile, na casa do nosso patrão. Ele também gosta de dançar, de cantar, de estar alegre.

Digo-lhe que aqui, na fazenda, seis famílias estão juntas, distribuídas em duas casas, mas já estão fazendo mais quatro, quase terminadas. O patrão, Giovanni De Toffole (não era o dono, deveria ser o administrador), nos dá tudo o que precisamos. Com ele, formamos uma só família. Ele nos paga dois "francos" por dia, com despesas, chuva, sol, para acondicionar o milho.

Aqui no Brasil é preciso colocar o milho com palha no paiol, porque se fosse sem palha não duraria mais que cinco meses. Com palha, ele se mantém durante dois ou três anos.

Aqui tudo é caro; custa para viver. Neste ano a colheita de tudo é abundante. Aqui não é como na Itália: não se sofre a seca; chove toda semana o necessário. A terra é muito fértil, não precisando cultivo. Os bosques são densos, de um tamanho extraordinário.

Os negros que queimam os bosques não arrancam nenhuma árvore, deixando-as, enormes, em pé. Plantam as sementes sem aração e, em cada cova, colocam cinco grãos, e todos brotam, dando uma ou duas espigas em cada pé.

Aqui, agora, estamos carpindo café. Ganha-se pouco porque o mato, no meio do cafezal, tem a altura de um homem, mas se ganha 25 mil florins por mil plantas.

Se o senhor pudesse ver a maravilha que é uma colina de café! Os grãos iguais que caem do pé parecem avelãs.

Todas as plantações são alinhadas, tendo estradas entre elas, que podem passar carros. Tem laranja, limão e outras frutas. Tem fumo para fumar. 




A planta do café tem folhas como as de louro. (...).

Maravilhoso é ver que nos bosques não há animais selvagens, porque não há cavernas; todas as colinas são lisas, belíssimas.

Nós temos todo o conforto: lenha infinita, abundância de água, uma roda que toca um pequeno moinho que passa no terreiro: água boa, patrões bons.

As casas são de madeira, mas muito bem feitas, com quatro quartos, cozinha e forno. Elas são baixas, cobertas de telhas de barro vermelho. Aqui na América todo barro é vermelho.

Todo sábado se mata um porco com mais de cem quilos. A carne é distribuída aos colonos, como, também, a gordura para o tempero. A carne é barata: custa 80 centésimos o quilo, e pernas, cabeça, fígado nada custam.

Digo-lhe que na América as estradas são péssimas. Não se pode imaginar! Tanto assim que para puxar um carro de duas rodas, com peso de mil libras, são necessários quatorze enormes bois. Se houvesse boa vontade custaria pouco consertá-las. As estradas de ferro são estreitas e entram no meio dos bosques. Os trens vão como o vento: correm muito mais que os da Itália. Eu saí de São Paulo às seis da manhã e cheguei às quatro da tarde em São José do Rio Pardo, distância que calculo seja de Conegliano a Gênova.

Muitos imigrantes se arrependeram ao encontrarem-se tão longe da terra natal. Muitos que tinham três filhos ficaram sem nenhum. As mães desesperadas amaldiçoaram a "Merica" e procuraram retornar à Itália, por meio da emigração. Outros tantos não tiveram sorte com as famílias, vendo-se no meio do desolamento. Muitos morreram de paixão. É preciso pensar seriamente antes de empreender a longa viagem, porque facilmente se arruína. Não aconselho ninguém a partir quando não se é chamado por parentes.

Aqui a religiosidade é pouca. Nós estamos longe da igreja da cidade, como de Feletto a Conegliano. Dois ou três de nós vamos às festas, quando o tempo ajuda. Se chove, ninguém vai.

Em São José há um só padre e uma só missa. Depois da missa, a igreja se fecha e ninguém pode mais entrar. Quando o padre vai a algum lugar vizinho, ganhando 50 florins, ele deixa a cidade sem missa, mesmo em dia de festa. Quando morre alguém, precisa-se levá-lo à igreja, pagando-se pela bênção 10 florins. Para limpar um relógio, Luís pagou 10 liras italianas; para fazer um terno, 30; e para arrancar três dentes, 30. Tudo muito caro! (...).

Seu amigo

Manzoni Giuseppe.