Espaço destinado aos temas referentes principalmente ao Vêneto e a sua grande emigração. Iniciada no final do século XIX até a metade do século XX, este movimento durou quase cem anos e envolveu milhões de homens, mulheres e crianças que, naquele período difícil para toda a Itália, precisaram abandonar suas casas, seus familiares, seus amigos e a sua terra natal em busca de uma vida melhor em lugares desconhecidos do outro lado oceano. Contato com o autor luizcpiazzetta@gmail.com
domingo, 12 de março de 2023
Epidemia de Cólera a Bordo do Navio de Imigrantes
sábado, 12 de setembro de 2020
As Condições Sanitárias e as Epidemias a Bordo dos Navios de Emigrantes
Emigrantes no Porto |
Navio super lotado |
A grande emigração italiana, no período compreendido entre os anos de 1876 a 1915, envolveu diretamente mais de 14 milhões de homens, mulheres e crianças, expulsos de suas casas pela fome, desemprego e falta de perspectiva no futuro, muito especialmente, depois da crise agrária surgida após 1870. Esse verdadeiro êxodo é somente comparável aquele da fuga dos hebreus do Egito, contados pela bíblia, despovoou inteiras vilas e pequenas cidades do norte e do sul da Itália. No início as mais atingidas eram apenas as comunidades de montanha que precisaram emigrar, pois o tipo de agricultura que praticavam nesses locais era muito atrasada, dando somente para a subsistência, não suportava mais o crescente aumento populacional, agravados por seguidas frustrações de safras por fenômenos naturais, como avalanches e inundações.
Emigrantes no porto de Gênova |
Depois de 1901, mais de 500.000 italianos deixavam a pátria a cada ano, a maioria deles tendo como destino os Estados Unidos e em sua maioria esse torrente humana era constituída de moradores das regiões ao sul da Itália. Os muitos registros da época nos contam da triste partida de navios levando cada um centenas de pobres camponeses e artesãos.
Epidemia de cólera a bordo |
O abastecimento de água nos precários cargueiros apressadamente transformados navios para passageiros era geralmente mantido em barris que eram enchidos na partida. Caso essa provisão de água fosse contaminada durante a navegação ou, mesmo, se o alimento fosse contaminado durante o preparo, o risco de propagação da uma grave epidemia entre passageiros e tripulantes seria rápido. As condições higiênicas à bordo desses barcos eram muito precárias especialmente pelo fato deles não terem sido construídos para o transporte de seres humanos mas, sim de mercadorias. Animais vivos também eram embarcados, eles serviriam de alimento para os passageiros e tripulação, eles conviviam nos porões, confinados em jaulas construídas para esse fim. Durante a travessia eles seriam sacrificados à bordo, usando a pouca água disponível para a limpeza, a inexistência de meios adequados para a conservação da carne e a precária higiene do pessoal de serviço, sendo assim muito grande a possibilidade de contaminação e o aparecimento de uma epidemia. Geralmente, em um ambiente tão restrito como os estreitos alojamentos, sem instalações sanitárias adequadas, com pouca água para a limpeza e sem suficiente ar circulante, onde as pessoas, principalmente, nos porões da terceira classe dos navios, viviam em estreita promiscuidade, as possibilidades de contágio acabavam se somando.
Os emigrantes no Porto - quadro de Arnaldo Ferragutti |
Passageiros embarcados em navios superlotados |
Nessas longas viagens que levavam os emigrantes não havia somente o perigo de epidemias de cólera, mas também, de febre tifóide, sarampo, difteria e infecções por tuberculose. O navio Carlo Raggio, no ano de 1888, quando em uma das suas viagens para a América do Sul teve 18 de seus passageiros mortos pela fome. Alguns anos depois, em 1894, o mesmo navio contabilizou 206 mortes de passageiros devido principalmente à fome, epidemias de cólera e sarampo. A epidemia desta última doença também foi a causa da morte de 34 passageiros do navio Pará no ano de 1889.
Emigrantes no convés do navio quadro - quadro Oceano, de Arnaldo Ferragutti |
Emigrantes amontoados a bordo |
Oceano - quadro de Arnaldo Ferragutti |
Emigrantes amontados no convés do navio durante a travessia |
Emigrantes a bordo durante uma travessia |
No outono de 1892, o navio Giulio Cesare, recém construído, estava para deixar o porto de Gênova, para a sua primeira viagem ao Brasil com 900 emigrantes a bordo, quando foi impedido de zarpar devido o aparecimento de uma grave intoxicação que acometeu cerca de 40 dos passageiros que já estavam embarcados, logo após terem consumido a primeira refeição. Na investigação médica que se seguiu pela autoridades portuárias concluiu que se tratava de uma intoxicação alimentar causada pela recente soldagem e estanhamento das tigelas usadas naquela refeição.
No final do século XIX o problema da má higienização dos alimentos já se fazia sentir, com o aparecimento frequente de intoxicações alimentares de passageiros e tripulantes. Um regulamento de 1890 já regulava a necessidade de maiores controles com a higienização de alimentos, bebidas e utensílios de cozinha usados nos navios. Infelizmente nesses navios que transportavam emigrantes essas medidas foram transcuradas, como quase tudo que se referia a melhoria da qualidade de vida a bordo.
Alguns anos mais tarde, a mesma empresa de navegação oceânica, se envolveu em outros incidentes semelhantes. Um dos casos foi o do vapor Agordar, com destino ao Brasil, quando, ainda no porto, teve 10 de seus passageiros acometidos por intoxicação alimentar e mais 130 que desistiram da viagem. Ficava assim evidente a incapacidade e a falta de vontade das companhias marítimas em resolverem este grave problema de melhoria da qualidade dos serviços de bordo. Isso tudo para conservarem os seus lucros e manterem o preço dos bilhetes da passagem competitivos, uma vez que os custos dessas melhorias não conseguiriam repassar para os passageiros.
As probabilidades de desenvolverem doenças durante a viagem, como a tuberculose, era muito alta. Dormiam empilhados um encima do outro. Muitos relatos de passageiros, principalmente, aqueles de terceira classe, amontoados nos porões dos navios, testemunham: "Nós, pobres desgraçados descemos ao porão do navio através de um alçapão, Havia uma grande escuridão e logas filas de beliches de madeira onde tos dormíamos juntos: alemães, italianos, poloneses, suecos, franceses. Lá embaixo não tínhamos água nem luz e já no inicio da viagem muitos ficaram mareados e vomitavam. Ficamos presos como ratos em um buraco, agarrados a suportes de cama ou estruturas de ferro para evitar sermos arrastados pelo balanço do navio, principalmente quando ele enfrentava ventos fortes e grandes ondas". Naqueles navios homens, mulheres e meninas ficavam todos na mesma cama, separados apenas por uma ripa, para evitar rolar uns sobre os outros.
Emigrantes no Porto a espera do embarque |
Porto de Santos |
Nas viagens para o Brasil e Argentina, também surgiram epidemias de febre amarela, encontradas em navios dos portos brasileiros e argentinos, muito difícil de diferenciar daqueles sinais e sintomas que apresentavam os passageiros desacostumados ao balanço do navio e os longos períodos no mar. O sarampo também foi uma doença que ocasionou muitas epidemias. Em 1892 um navio norte americano retornando à Gênova, depois de atracar nos portos de Buenos Aires, Montevideo e Rio de Janeiro, teve uma grave epidemia a bordo. Todas as crianças que viajaram na terceira classe foram infectadas, das quais 5 morreram e 32 passageiros foram desembarcados e hospitalizados em Gênova.
Neste artigo podemos aquilatar que as condições sanitárias a bordo eram bastante precárias e não raras vezes aquela esperança de conquistar o desejado bem estar, que os tinha sustentado até ali, poderia se esvanecer diante da realidade que encontravam durante a travessia. Mas, a forte decisão de emigrar era muito maior do que o possível sofrimento que os esperava.
A letra de uma canção entoada a bordo pelo emigrantes italianos com destino ao Brasil dizia:
"Vai ser o que for,
Pior do que está, não será
Vamos tentar nossa sorte.
E já que teremos que morrer, mais cedo ou mais tarde,
Podemos muito bem deixar nossa pele na América como na Europa...
Viva a América! Morte aos Senhores!
Vamos para o Brasil!
Agora caberá aos proprietários trabalharem a terra".
Esse era o espírito dos emigrantes italianos que embarcavam nos navios para cruzar o grande e desconhecido oceano. Todo esse indiscritível sofrimento físico e psicológico não reduziram a onda de migração para o novo mundo.
No segundo decênio do século XX, ao acercasse da I Grande Guerra Mundial ocorreu uma desaceleração do fenômeno migratório. No período entre as duas guerras mundiais a emigração de italianos em busca de trabalho continuou, mas, com um número bem mais reduzido de emigrantes, principalmente, devido às medidas restritivas adotadas pelos países anfitriões e a política anti-imigração imposta pelo fascismo.
Dr. Luiz Carlos Piazzetta
Erechim RS