quinta-feira, 15 de maio de 2025

A Aventura de Lorenzo


 

A Aventura de Lorenzo


Lorenzo nasceu em 1853 em uma vila chamada Schiavonia, no interior do comune de Este, na província de Padova. Desde pequeno, aprendera com o pai o ofício árduo da lavoura, enfrentando os caprichos do clima e a opressão dos impostos que tiravam quase tudo o que conseguiam da terra. Na pracinha local ouvira histórias sobre um novo mundo, uma terra distante onde os campos eram vastos e a oportunidade esperava por aqueles dispostos a trabalhar. O mais importante: o governo imperial brasileiro fornecia gratuitamente as passagens de navio até o Brasil e o transporte até o local da colonia. Também poderia adquirir do governo a bom preço, e em muitas prestações anuais, a tão sonhada terra, ambição de toda a sua família por gerações. Aos vinte e quatro anos, a promessa de uma vida melhor se tornou irresistível.

No inverno de 1877, despediu-se dos pais e irmãos e embarcou em Gênova rumo ao Brasil. O navio estava abarrotado de emigrantes, todos buscando uma nova chance. A viagem durou 23 dias. O mar castigava os passageiros com seu balanço incessante; a comida era escassa e insossa. Água potável racionada e instalações sanitárias sem muita privacidade e insuficientes para tantos passageiros. No primeiro dia, Lorenzo sentiu o estômago revirar e passou horas debruçado sobre as amuradas, mas aos poucos acostumou-se. Sua esposa, Lucia, não teve a mesma sorte e passou grande parte da travessia enjoada e enfraquecida. Em meio a mil e quinhentas almas a bordo, uma criança nasceu e outra faleceu, levada por uma febre cruel.

No dia 1º de março de 1878 desembarcaram finalmente no porto de Rio Grande, após trocarem de navio no porto do Rio de Janeiro, onde apresentaram seus documentos e obtiveram permissão oficial de entrar no Brasil. A cidade era uma confusão de sons e cheiros desconhecidos, um choque para os recém-chegados. Foram mantidos ali por longos doze dias, abrigados precariamente em grandes galpões de madeira bruta que serviam de alojamento, aguardando a ordem de embarque no transporte fluvial em direção ao interior do estado, onde a promessa de terra e trabalho os esperava. Quando enfim partiram, embarcaram em um vapor fluvial e enfrentaram a correnteza por cerca de dez horas. Cruzaram a vasta Lagoa dos Patos e adentraram a foz do rio Caí, avançando por entre florestas cerradas e matas exuberantes que emolduravam o trajeto. Após uma longa jornada rio acima, alcançaram o porto São João, às margens do rio Caí, na cidade de São Sebastião do Caí. Dali, seguiram a pé e em grandes carroças puxadas por bois, atravessando trilhas íngremes e caminhos tortuosos, rumo à Colônia Caxias, acompanhados por alguns funcionários do governo. A recepção foi calorosa, mas a realidade rapidamente se impôs. A terra era fértil, mas bruta, exigindo força e perseverança. Lorenzo recebeu um lote de terra em meio à mata densa. Junto com outros colonos, construiu um barraco com as toras das árvores abatidas para formar uma clareira, coberta com folhas de palmeiras e de outras de folhas largas e começou a desbravar o solo. O trabalho era incessante: grossas árvores precisavam ser derrubadas, raízes arrancadas e o solo preparado com fogo para o plantio. Durante os primeiros meses, viveram com o pouco que lhes davam e com o que conseguiam caçar. Não havia médicos por perto, e uma simples febre poderia significar morte.

Aos poucos, o assentamento prosperou. A colônia foi crescendo, e os italianos começaram a erguer casas de pedra, escolas e uma igreja. Lorenzo, com sua experiência no cultivo, tornou-se um dos primeiros a plantar trigo em grande escala, o que lhe garantiu um rendimento melhor do que muitos outros. A colônia passou a produzir excedente, e os colonos começaram a comercializar seus grãos e mais tarde vinhos com outras cidades próximas e até a capital Porto Alegre, aproveitando o rio Caí para o transporte.

Os anos passaram, e Lorenzo viu seus filhos crescerem falando o talian, a língua italiana falada em todas as regiões de colonização, misturando-se à nova terra sem esquecer as raízes. Quando a Itália mergulhou na guerra, ele fez questão de enviar gratuitamente parte de sua colheita como ajuda aos compatriotas. Feito que mereceu uma homenagem do país com o título de comendador. Embora tivesse encontrado no Brasil uma nova pátria, nunca esqueceu a dor da partida.

Morreu em 1921, aos sessenta e oito anos, respeitado por sua comunidade e reconhecido como um dos pioneiros que ajudaram a construir a próspera Colônia Caxias. Seu nome ecoaria por gerações, não apenas como um lavrador habilidoso, mas como um homem que transformou sacrifício em legado, dor em esperança e uma terra desconhecida em lar.