sábado, 18 de outubro de 2025

A Promessa de Liberdade


 

A Promessa de Liberdade

Caminhos de coragem e esperança

No final do outono de 1876, Giovanni Santaron, natural do pequeno comune de Valstagna, no coração da província de Vicenza, sentiu o peso de séculos de montanhas estreitas e terras insuficientes ficarem para trás. O Adriático já estava distante, e o som constante do Brenta correndo entre as rochas havia sido substituído pelo silêncio profundo das matas brasileiras. Ele chegara, com a esposa e os filhos, após meses de incertezas e mares revoltos, a um pedaço de mundo chamado Campo dei Bogheri, parte da recém-criada colônia de Caxias, no extremo sul do Brasil, província do Rio Grande do Sul.

A paisagem o impressionou desde o primeiro instante. Ondulações verdes se estendiam até onde a vista alcançava, quebradas apenas por árvores de troncos grossos e copas altas, como sentinelas de um reino intocado. O solo, escuro e fértil, prometia abundância a quem soubesse dominá-lo. Os colonos diziam que cento e cinquenta campos de terra poderiam sustentar setenta famílias com folga, e Giovanni, ao percorrer os limites de seu lote, via a promessa materializar-se em cada palmo. Ali, um mês de trabalho duro podia prover alimento para um ano inteiro. Para um homem que conhecera a fome e o frio das encostas alpinas, aquilo soava quase como milagre.

As autoridades imperiais brasileiras haviam cumprido sua palavra: na chegada, receberam víveres suficientes para atravessar os primeiros meses. Restava transformar a mata cerrada em lavouras, mas o tempo jogava a favor. A cada machadada, o cheiro fresco de madeira recém-cortada se misturava ao aroma úmido da terra exposta, e o suor parecia se converter em esperança.

Giovanni sentia a ausência da família deixada na Itália como uma ferida aberta. O pai, já envelhecido, e o irmão Pietro, preso às obrigações da aldeia, não conheciam a liberdade que ele experimentava. Em suas cartas, descrevia o ar puro e a água cristalina que corria em abundância, tão diferente da escassez do vilarejo natal. Repetia que não havia perigos nem no mar nem na terra, que o governo era justo e que, ali, até os velhos rejuvenescendo pareciam reencontrar a força.

No silêncio das noites frias, imaginava a chegada deles. Já se via indo ao porto fluvial com os cavalos para buscá-los, conduzindo-os diretamente ao novo lar, sem o desconforto das casas de imigração. Recomendava que trouxessem ferramentas de ferro, sementes e mudas de videiras, pois sonhava em ver o vale coberto por parreirais como os que conhecera em Vicenza.

Para ele, partir da Itália fora mais que uma decisão econômica: era um ato de libertação. Chamava sua terra natal de "prisão", não por falta de amor, mas pelo peso das limitações impostas por séculos de pobreza e de terras insuficientes. No Brasil, encontrara não apenas espaço e fartura, mas a sensação de que, pela primeira vez, era dono do próprio destino.

Enquanto o inverno se aproximava, Giovanni ergueu a primeira casa de madeira, sólida e simples. No quintal, linhas de milho já despontavam, e entre as árvores, reservava espaço para as primeiras videiras que chegariam com a família. Ele sabia que a vida ali exigiria trabalho árduo, mas já não temia o futuro. Naquele pedaço de terra distante, a promessa de liberdade finalmente tinha raízes.

A construção, feita com troncos cortados na própria mata, exalava o perfume fresco da madeira recém-trabalhada. As paredes ainda guardavam marcas de machado e de serrote, testemunho da força e da persistência aplicadas em cada encaixe. Ao redor, o chão de terra batida começava a tomar forma de quintal, com pequenas clareiras abertas para a horta e um cercado improvisado para as galinhas que pretendia criar.

Nos finais de tarde, quando o sol se inclinava por trás das colinas, a luz dourada se infiltrava entre as frestas da casa, pintando de âmbar o interior simples. Giovanni observava o milho crescer dia após dia, sentindo que aquelas hastes verdes eram mais do que cultivo: eram o sinal concreto de que a dependência dos auxílios iniciais do governo logo ficaria para trás.

No espaço reservado para as videiras, ele já visualizava fileiras ordenadas que, no futuro, dariam sombra nos verões quentes e cachos maduros para o vinho que lembraria as colinas de Vicenza. Essa imagem lhe trazia um conforto silencioso, como se parte da Itália fosse recriada ali, no coração da colônia.

O inverno chegaria breve, trazendo noites frias e neblinas densas que se deitariam sobre os vales. Mas Giovanni sentia-se preparado. A casa lhe oferecia abrigo, a terra começava a responder ao seu esforço e, pela primeira vez em muitos anos, o horizonte não lhe parecia uma barreira, mas uma promessa aberta.

Nas madrugadas claras, quando o orvalho se acumulava como pequenas pérolas sobre as folhas, ele caminhava lentamente pelo terreno, ouvindo apenas o próprio passo sobre a relva úmida. Nessas horas, percebia que a liberdade não era apenas a posse da terra ou a fartura que ela prometia, mas também a ausência do medo constante que o acompanhara na Itália — medo de más colheitas, de impostos sufocantes, de senhores distantes decidindo o destino de famílias inteiras.

Agora, cada amanhecer trazia um sentido novo. Os filhos, brincando no terreiro, aprendiam a medir o tempo pelo crescimento das plantas e pela chegada das estações. A esposa, mesmo cansada, cantava baixinho enquanto cuidava das primeiras ervas da horta. Tudo ainda era frágil, mas tudo também era verdadeiro.

E, assim, no coração do inverno que se anunciava, Giovanni compreendeu que não havia viajado apenas para escapar da miséria: ele havia vindo para plantar um futuro. E esse futuro, tal como as raízes que se aprofundavam sob a terra negra, estava destinado a permanecer.

Nota do Autor

Ao escrever esta história, busquei captar não apenas as palavras de um tempo distante, mas a alma pulsante daqueles que, com coragem e fé, deixaram para trás suas terras natais em busca de uma vida melhor. A saga de Giovanni Santaron — homem simples, mas imenso em sua determinação — é também a história de milhares de italianos que cruzaram oceanos, enfrentaram a incerteza, o medo e o esforço para construir novos lares sob céus desconhecidos.

Para vocês, descendentes dessa herança rica e profunda, ofereço esta narrativa como uma ponte entre passado e presente. Que ela traga à tona o orgulho das raízes que vocês carregam e a consciência do sacrifício silencioso que moldou suas famílias. Que possam sentir, nas palavras, o cheiro da terra recém-arada, o frio das noites no novo mundo e o calor das esperanças que jamais se apagaram.

Esta é uma homenagem aos imigrantes que, mesmo diante das adversidades, encontraram na coragem a força para recomeçar. Que seu legado inspire a cada um de vocês a valorizar o passado, a respeitar a luta daqueles que vieram antes e a construir, com a mesma bravura, os sonhos do amanhã.

Com profunda gratidão e respeito,

Dr. Piazzetta


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