Pintura Os Emigrantes de Raffaelo Gambogi de 1894
Os anos que se seguiram ao Risorgimento, nome dado a unificação italiana, um movimento político militar tumultuoso, que deu origem a formação do novo país chamado de Reino da Itália, foram palco do maior êxodo da história moderna. Segundo alguns autores, como Deliso Villa, em seu livro "Storia dimenticata", só comparável àquele dos judeus em fuga do Egito, descrito pela Bíblia.
A primeira fase dessa grande emigração teve início entre 1876 e durou até o início do século XX, no ano de 1900. Ela teve como causa principal a insustentável situação sócio econômica do novo país, motivada sobretudo pelos inúmeros conflitos que surgiram durante e após os movimentos para a reunificação e também pelo grande atraso da agricultura da Itália em relação a algumas outras nações européias. Para sustentar a formação do novo país, muitos impostos novos foram criados pelo governo os quais atingiram em especial o campo e os trabalhadores mais pobres em todo o reino.
Nesta fase a emigração italiana, nos primeiros anos, seguiu em direção da França e Alemanha, países vizinhos que passavam por um período de grande desenvolvimento industrial. Mais tarde esse movimento se deslocou para o outro lado do oceano, especialmente para a América do Sul, com o Brasil e Argentina, e em menor escala para os Estados Unidos, países esses que receberam em pouco tempo muitos milhares de italianos.
Com esses contínuos movimentos migratórios expontâneos, alguns outros de forma clandestina, cerca de 5 milhões de emigrantes, especialmente do norte da Itália, deixaram o país. Se levarmos em conta que a população da Itália nesse período girava entorno de 30 milhões de habitantes, praticamente 15% da população deixou o país.
No início do século XX, do ano 1900 até 1914 quando teve início a I Grande Guerra Mundial, essa fuga de italianos ainda continuou sempre forte. Nesse período os habitantes das regiões centro e sul da Itália constituíram a maioria dos emigrantes. Fugiam das zonas rurais, expulsos pela fome e diminuição dos postos de trabalho no setor agrícola. Não encontravam alternativas de emprego nas cidades, no ainda pouco desenvolvido parque industrial do país.
A esta segunda fase foi acordado o nome de Grande Emigração e foi em direção, sobretudo, para países fora da Europa, apesar de que a França, Alemanha e Suíça continuassem a ser os destinos europeus preferidos.
Esta fase que durou até a eclosão da primeira grande guerra mundial, viu deixarem a Itália cerca de 9 milhões de homens, mulheres e crianças. Esse número equivalia a um quarto da população total italiana no período.
Terminado o conflito em 1914 até a eclosão da segunda grande guerra em 1939, a emigração italiana sofreu uma forte diminuição, especialmente pelas novas leis criadas pelos países, que normalmente recebiam grandes quantidades de imigrantes. A crise financeira de 24 de outubro de 1929, com a quebra da Bolsa de Valores de New York, influenciou negativamente o mercado mundial, levando a falência de milhares de empresas, também concorreu para a diminuição da emigração italiana.
Também, por último, e não menos importante, a política de restrição e de anti emigração do regime fascista fez a emigração sofrer forte queda. Nessa época o governo italiano pôs em prática uma política de emigração controlada pelo estado, privilegiando migrações internas e de insuspeitos comerciantes e profissionais liberais, que certamente comungavam os ideais fascistas, guiados para países além do oceano, onde já haviam núcleos consolidados de italianos, como forma de propaganda e tentativa de implantação local do regime.
Nessa época opositores do fascismo se refugiavam na França e Alemanha, para onde também se dirigiram aqueles que deixavam o país após a diminuição da emigração não européia.
A emigração italiana em direção à África, incentivada pelo regime fascista, na tentativa de criar um império colonial em países como a Líbia, Tunísia e Eritréia não prosperaram e duraram pouco tempo, mas muitos milhares de italianos, acreditando nas decisões do governo, se deslocaram para esses locais.
No período compreendido entre as duas guerras mundiais, deixaram a Itália mais de 3 milhões de emigrantes.
No período entre 1945 e 1970 novamente a Itália viu crescerem os movimentos migratórios com destinos variados: países da América Latina, Austrália e na Europa para França, Alemanha, Suíça e Bélgica. Nesse período emigraram cerca de 7 milhões de italianos.
No arco de um século a Itália viu deixar o país cerca de 30 milhões de pessoas, sem que os governantes se importassem com o destino de toda essa gente. Ainda citando o amigo escritor Deliso Villa "...quando em uma casa a torneira vaza água por alguns dias é sinal que ninguém fez nada para repará-la, mas, quando ela vaza sem parar, por quase um século, é porque esta água não fazia falta, não era necessária para ninguém."
Os emigrantes italianos muitas vezes foram rotulados em alguns países de acolhida, principalmente aqueles europeus e também nos Estados Unidos, não somente por aqueles cidadãos comuns, mas também pela imprensa e políticos locais, como sendo pertencentes a uma "raça inferior, promíscua, preguiçosa, uma raça de assassinos e mafiosos", os italianos "de pele escura como azeitona" como diziam, suportaram ofensas xenófobas, preconceitos vários, baixos salários e falta de moradias dignas, geralmente, morando em verdadeiros cortiços, em guetos nas periferias das cidades.
Estima-se que hoje existam de 60 a 70 milhões de italianos e seus descendentes espalhados pelo mundo. É na realidade uma outra Itália fora da Itália e isso sempre preocupou bastante a classe política italiana, que procura de todas as maneiras dificultar e restringir ao máximo o reconhecimento da cidadania "juris sanguinis", um direito constitucional de todo o descendente de italianos. As longas filas da cidadania, mantidos por longos anos na espera de um simples reconhecimento, atestam essa descarada prática.
Na realidade existe um medo real não confessável da classe dirigente do país para com os italianos que residem fora da Itália. Esses, por conviverem com outras realidades, possuem uma outra cabeça e, portanto, tem um outro pensamento político, e assim o governo nada faz para priorizar o bom funcionamento dos consulados e cartórios do AIRE em todo o mundo, mantendo-os intencionalmente desatualizados, com funcionários sem interesse algum, lerdos e com poucas excessões pouco gentis, para assim reconhecer o menor número possível de cidadãos. Sabem eles que muita coisa poderia mudar na Itália com o voto maciço desses milhões de co-nacionais espalhados pelo mundo.
É a Itália novamente se comportando como madrasta com aqueles seus cidadãos, que, por sua própria ineficiência, tiveram que abandonar o país em busca de um trabalho que colocasse na mesa um prato de comida.
À partir de 1970 a Itália deixou de ser um país de emigração tornando-se a meta sonhada por milhares de imigrantes que anualmente chegam ao país. Apesar dessa mudança a Itália continua a exportar seus habitantes, para os destinos já conhecidos e para muitos outros novos, na taxa de aproximadamente 50 mil emigrantes ao ano.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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