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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Vida e Obra do Padre Colbacchini no Brasil

“Os mais fracos não emigram, não navegam nos mares, deixando para trás a pátria e a família, os mais medrosos, mas, em geral, aqueles para quem a vida é uma batalha e a alma é forte o suficiente para lutar mesmo em condições mais difíceis”.


Padre Pietro Colbacchini nasceu em Bassano del Grappa, comune da província de Vicenza, na região do Vêneto, em 11 de setembro de 1845. Entrou para a ordem dos jesuítas, em Verona, e no final do ano de 1863 iniciou o noviciado, o qual, por motivos de doença, não viria a concluir. No entanto, essa passagem pela ordem dos jesuítas, a companhia de Jesus, marcou a sua atuação junto aos imigrantes, consolidando vários aspectos da sua personalidade empreendedora, independente e autoritária.  Concluiu seus estudos no seminário diocesano de Vicenza e foi ordenado sacerdote em 19 de dezembro de 1869, com a idade de 23 anos. Trabalhou como pároco até 1883, quando passou a se dedicar exclusivamente como missionário apostólico. Tinha em mente o Brasil, onde milhares de italianos estavam emigrando e necessitavam de sacerdotes. Isso se depreende das suas tentativas de arregimentar outros sacerdotes da diocese de Vicenza para essa missão e na sua carta ao padre Domenico Mantese, então pároco de Poinela: 

"Nel Paranà le colonie sono libere indipendenti. Dietro mio impulso in tutte le colonie stansi costruendo le Chiese; sono composte di italiani quasi tutti della nostra diocesi e delle limitrofe, tutta gente che sente molto della religione e che sofre molto della privazione del sacerdote. [...] Voglia far il favore di interrogare o per iscritto o meglio in persona i seguenti sacerdote che pur so avrebbero disposizioni per la S. opera: D. Antonio Catelan Parroco di Lovertino, D. Pietro Micheli Curato a S. Vito di Bassano, D. Angelo Quarzo pur di Bassano ed altri che conoscete del caso. Il Signore la pagherà di tutto".

"No Paraná as colônias são livres e independentes. Depois do meu impulso se estão construindo igrejas em todas as colônias; são compostas de italianos quase todos da nossa diocese ou de seus limítrofes, gente que sente muito a falta da religião e que sofre muito por estarem sem um sacerdote. [...] Me faça o favor de interrogar ou por escrito ou melhor se pessoalmente os seguintes sacerdotes que também sei teriam disposição para esta santa obra: pe. Antonio Catelan pároco de Lovertino, pe. Pietro Micheli, cura de San Vito di Bassano, pe. Angelo Quarzo também de Bassano e outros se for o caso. O Senhor lhe pagará por tudo".

Carta do Padre Pietro Colbacchini enviada ao Monsenhor Spolverini, internúncio apostólico, representante da Santa Sé no Brasil

"Nel mese di Maggio de 1884 mi ritrovava in Feltre a predicare in quella Cattedrale. Un buon Sacerdote di Campo di Quero, località vicina, venne a mostrarmi diverse lettere che egli aveva ricevuto dai suoi compaesani che si ritrovavano nelle Province di Rio Grande e S. Caterina del Brasile, che lo eccitavano vivamente a portarsi a dar n cui si versavano di perdere la loro fede. Da molti anni io aspirava alla missione italiana nel Brasile, ma da una le difficoltà che prevedeva, mi facevano sospendere di realizzare il mio desiderio, e le continue occupazioni di missioni in Italia mi togli  scuotermi, a togliermi ogni dubbio a decidirmi di andare, ed al più presto". 

"No mês de maio de 1884, eu me encontrava em Feltre, pregando na catedral local. Um bondoso sacerdote de Campo di Quero, localidade vizinha, veio até mim apresentando-me diversas cartas recebidas de seus conterrâneos dispersos nas províncias brasileiras do Rio Grande e de Santa Catarina, os quais lhes pediam insistentemente que fosse até eles para lhes dar o auxílio de seu ministério. Cortaram-me o coração os lamentos que, nessas cartas, faziam sobre o abandono em que jaziam tantos desventurados italianos, e o perigo em que se encontravam de perder a fé. Havia muitos anos que eu aspirava à missão italiana no Brasil, contudo, as dificuldades presentes me levaram a suspender a realização desse projeto, e as contínuas ocupações com missões na Itália me tomavam o tempo e as preocupações. As cartas conseguiram sacudir-me e tirar-me qualquer dúvida, e decidi partir o mais rápido possível". 






O Padre Pietro Colbacchini chegou ao Brasil e se dirigiu ao estado de São Paulo para assumir a assistência religiosa aos imigrantes italianos de uma colônia, no interior, perto de onde hoje está o município de Jundiaí, predominantemente composta de emigrantes procedentes de Mantova. As dificuldades encontradas pelos missionários se relacionavam também ao tipo de colonização. Nessa colônia tentou exercer o seu ministério durante um ano e meio, sem conseguir realizar o seu desejo. No caso das fazendas de café de São Paulo, a assistência religiosa dependia muitas vezes da permissão dos proprietários das fazendas, que não raras vezes colocavam vários empecilhos à presença dos padres. Essas dificuldades encontradas foram destacadas pelo padre Pietro Colbachini em sua primeira experiência na colônia de mantovanos, em Monserrate, perto de Jundiaí. Em carta endereçada ao padre Mantese com data de 28 de fevereiro de 1887, Colbachini sublinhou os maiores problemas enfrentados, que se relacionavam principalmente a ignorância dos colonos, a precariedade dos alojamentos, a alimentação disponível e as dificuldades com os proprietários das fazendas. 
Carta de Colbacchini ao padre Mantese datada de 28 de fevereiro de 1887.

"Passei lá um ano e meio com muito incômodo de minha parte, pois quer com relação ao alojamento quer com relação à alimentação tinha apenas as coisas necessárias, e desvia passar a vida entre essas pessoas rudes e cabeçudas como são os mantovanos. Em relação às colônias de fora (todas elas visitadas por mim de três em três meses) deviam fazer bem à força, com exceção de duas incluídas não sentiam prazer pela minha obra. Vivia numa situação precária que não podia continuar. Não podia constituir uma verdadeira obrigação adequada a necessidade de tantas pessoas porque devia depender do capricho dos patrões, os quais não tinham em sua maior parte outra religião senão a do dinheiro. Gostavam que seus colonos fossem religiosos a fim de que não roubassem, mas por outro lado, viam com desagrado o pouco tempo do trabalho que perdiam para ir à igreja". 

Tendo em vista as dificuldades para implementar seu projeto pastoral no interior da Província de São Paulo, o padre Colbachini solicitou a sua transferência para a Província do Paraná, por já saber que lá seria muito mais favorável aos seus planos do que nas fazendas paulistas. Também para o Paraná tinham imigrado muitos de seus conterrâneos. 

Nos estados do sul do país, como o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, os imigrantes italianos, que ali foram assentados, viviam em condições bem diversas daqueles de São Paulo, o que, por um lado favorecia as atividades missionárias. Como estavam organizados em colônias de pequenos proprietários, em um modelo que muito se assemelhava a organização do mundo rural italiano, seria mais fácil para os sacerdotes organizarem o atendimento espiritual entre os colonos porque não haveria a interferência direta dos fazendeiros e também amenizariam as disputas com o clero local pelo direito de estola.

O Padre Pietro Colbachini ao chegar a Província do Paraná se instalou na Colônia Dantas, hoje o conhecido bairro da Água Verde, na capital Curitiba. Foi hospedado durante os primeiros meses por Antonio Bonato, também natural de Bassano del Grappa.  Depois de algum tempo, no Natal de 1887, passou a morar na nova casa paroquial construída pelos imigrantes italianos do local. A igreja da Água Verde, construída pelo seu incentivo e da qual foi o arquiteto, o mestre de obras e o decorador, foi inaugurada em 29 de junho de 1888 e logo em seguida, por decreto do bispo, foi declarada a sede da colônias italianas. A grande festa da inauguração, que durou três dias, contou com a presença de 2.000 imigrantes italianos, conforme as estimativas do próprio padre Colbacchini em correspondência para o seu superior Monsenhor Scalabrini contando sobre a recente inauguração:

Domingo, portanto, 20 corr., Com uma procissão devota de cerca de 2.000 pessoas, grande parte em uniforme de camisas e mantos, e um grupo de crianças, sendo os homens em 80, e as mulheres em 90, os primeiros em jalecos brancos e manto celeste e crucifixo na mão, o segundo vestido de branco, com véu celeste e guirlandas de flores na cabeça, saímos da velha igreja com as pinturas (muito grandes e belas) da Via Crucis, e fomos para a nova igreja, que é distante 500 metros. Aí, no meio do disparo dos fogos de artifício, procedi à benção simples (...) e à aspersão da água benta interna e externamente, acompanhada pela procissão, com o canto do Magnificat. Depois à benção da cruz e das pinturas, e a ereção canônica da Via Crucis, encerrando a função com um discurso na ocasião. Na segunda-feira, missa pela manhã com discurso, na igreja velha, e à noite a mesma procissão com o transporte da imagem de São José (estátua de Paris, linda , alta 2 metros), que, após a bênção, as vésperas e o sermão, foi colocado em seu nicho acima do altar-mor. Na terça-feira a mesma função para o transporte da bela estátua da Madonna; e na quarta-feira para o de S. Luigi. Quinta-feira, às 9 horas da noite, procissão habitual para o transporte dos SS. Sacramento. A avenida do trajeto era adornada com numerosos arcos de flores de folhas perenes, e iluminada por balões de várias cores; quase todos os que compareceram à procissão (mais de 2.000 pessoas) carregavam uma vela acesa nas mãos; o silêncio, a escuridão, a devoção, a harmonia das canções, os disparos dos fogos de artifício e, sobretudo, ao entrar na igreja, o eco alegre das vozes argentinas de tantos jovens que ressoavam nas altas abóbadas do novo templo, encheu a todos de emoção viva. Depois de um discurso, as matutinas foram cantadas; então outro discurso; então a primeira missa foi cantada".

A igreja foi dedicada ao Sagrado Coração, como era de costume do padre Colbachini, determinado a fazer todo o possível para difundir esta devoção juntamente com a da Eucaristia. 

A presença italiana no Paraná era já significativa na  década de 1870, quando sob a iniciativa do governador Adolpho Lamenha Lins foram criadas diversas colônias governamentais e algumas particulares na capital e região. Com  relação aos italianos, as primeiras experiências de colonização, foram realizadas no litoral, próximo da cidade e porto de Paranaguá. Entretanto, muitas dificuldades de adaptação  dos imigrantes italianos levaram ao abandono dessa empreitada. A insalubridade do clima, a falta de conhecimento e de orientação para superar as doenças tropicais, as diversas pragas da lavoura e, principalmente, a ausência de mercados consumidores próximos para escoar as safras são apenas alguns dos problemas enfrentados. Também, os colonos foram instalados sem a mínima técnica para que pudessem progredir, tanto por parte do governo, quanto da parte das empresas que promoviam e organizavam a colonização. O próprio padre Pietro Colbachini, depois de ter visitado as colônias do litoral e visto o estado deplorável no qual se encontravam seus conterrâneos, começou a fazer campanha contra a instalação de novos imigrantes no litoral paranaense.

Em carta do missionário italiano para os seus superiores, datada de 1892, ele descreveu as precárias condições daqueles colonos que viviam no litoral paranaense, no período de 1875 e 1877. Entre outros tantos problemas, Colbacchini destacava no relatório principalmente as doenças que acometiam os imigrantes causadas pelos insetos. Assim descreveu a situação dos imigrantes que viviam nas Colônias Alexandra (Alessandra) e Nova Itália, ambas no litoral paranaense:

"...Durante o dia os trabalhos eram insuportáveis devido o calor excessivo e por enxames de mosquitos que fazem inchar as partes descobertas das pessoas e produzem fortes incômodos; à noite outra espécie do mesmo rompe o sono e sangra os pobres imigrantes. Entre a carne e a pele as picadas de um outro verme, que assume no seu desenvolvimento a grossura de um feijão, e que vem injetado por uma mosca cor de ouro (berne). Nos pés, especialmente nas extremidades e no calcanhar, coceiras insuportáveis e feridas malcheirosas, produzidas por outro inseto (bicho de pé) que nidifica e incuba, e se desenvolve como uma pequena pulga. As crianças e os velhos são os mais susceptíveis a esta grave enfermidade, que não respeita, todavia, idade e sexo ou condição das pessoas. A isto acrescento as consequências produzidas diretamente pelo clima, isto é, tontura, enfraquecimento dos membros, falta de apetite, desânimo, preguiça e tédio da vida. Esta é a verdadeira condição daqueles que vivem no litoral do Paraná".

Diante do fracasso de instalar colônias no litoral, especialmente as Colônias Alessandra e Nova Itália, o governo investiu na colonização das regiões próximas a capital paranaense que apresentavam condições (climáticas, sanitárias e territoriais) mais favoráveis ao desenvolvimento econômico dos imigrantes, que na sua maioria eram agricultores. É justamente nessas colônias que se deu a atuação do referido sacerdote. Quando Colbachini chegou ao Paraná, após receber vários pedidos dos próprios colonos que desejavam um padre que os atendesse na sua língua, encontrou uma série de dificuldades para regularizar o atendimento espiritual. As longas distâncias entre as colônias que as vezes chegavam a mais de 50 quilômetros, o fato de estar sozinho na missão e também por conta de algumas colônias serem mistas ou estarem em meio à população de origem luso brasileira, estas eram apenas algumas das dificuldades por ele apontadas. 

O padre Colbachini num primeiro momento não conseguiu a autorização para criar uma paróquia com jurisdição só para os imigrantes italianos, assim começou a tratar com a Vigaria Geral Forense do Paraná conseguindo a autorização para criar uma Capelania Curada. Em questões de jurisdição territorial os bispos brasileiros de então evitavam entrar em conflito com seus respectivos párocos porque se tratavam de paróquias com grandes dimensões territoriais, temiam a perda de controle e, sobretudo, os emolumentos vindos das celebrações dos sacramentos (batismos e casamentos), o que levou o Monsenhor Scalabrini a solicitar a intervenção da Santa Sé para regularizar o atendimento religioso entre os imigrantes. Conforme escreveu em seu relatório sobre seus cinco primeiros anos de missão entre os colonos italianos: 

"Minha missão não poderia ser entendida por quem não conhecia outro ministério sacerdotal senão o de casar e batizar, atos que aqui importam em razão do recolhimento de não pouco dinheiro". 

Desde seu estabelecimento em São Paulo,  o padre Colbachini não economizou críticas ao catolicismo brasileiro, bem como a atuação de padres e bispos. Em carta ao seu superior Monsenhor Scalabrini, com data de 10 de março de 1888, quando já havia solicitado a abertura da Capelania ao bispo de São Paulo, podemos perceber o tom de crítica em relação ao clero brasileiro: 

“O Vigário Geral daqui foi promovido à Secretário do Bispo, cargo muito almejado, e veio substituído por outro de que espero saberá o escopo da nossa missão e virá nos auxiliar. Porém não posso fazer muita conta de ajuda daqui, como são todos aqui, não consideram a obra do sacerdote mais que um bom meio para viver. Nem mais, nem menos se pode considerar que os párocos são como empregados governamentais para os livros civis de movimento da população. A missa a rezam quando lhes agradam ou não tem empenho, e quase tudo a fazem em 10 minutos ou pouco mais. Para confessar, nem os moribundos. De 100 que morrem 99 sem sacramentos, na cidade e fora. A propósito, neste momento estou esperando que me venham a pedir assistência a uma moribunda brasileira que mora duas léguas daqui. Dos padres brasileiros nem se vai notificar o caso porque se sabe que nenhum se move.”

As críticas de Colbachini ao clero brasileiro se davam em vários sentidos: a superficialidade teológica, a falta de instrução, o descaso para com os fiéis e também os comportamentos considerados “imorais” de alguns clérigos que mantinham concubinas junto a casa paroquial e não faziam nenhuma questão de esconder seus filhos ilegítimos. Criticava também aqueles padres que toleravam o concubinato entre a população local, pois preferiam aceitar essa condição a abrir mão do pagamento das taxas. Também o fato de permitirem a publicação dos proclamas sem a devida averiguação dos impedimentos de consanguinidade e afinidade. Não raras vezes, escreve o sacerdote, quando tinha jurisdição para atender também os brasileiros, os dispensava do pagamento aqueles que não podiam pagar as taxas paroquiais o que gerava a indignação do clero nativo. Com as suas frequentes queixas e críticas ao clero brasileiro e por seu caráter bastante intransigente, feroz defensor do ultramontanismo, Colbachini passou a atrair diversos inimigos tanto clérigos como leigos. 

Em agosto de 1888, foram enviados ao Paraná dois sacerdotes, Domenico Mantese e Giuseppe Molinari, que não se adaptaram trabalhar com Colbacchini e foram mandados para os Estados Unidos, onde o primeiro veio a falecer logo depois de chegar. Além desses dois sacerdotes, Colbacchini ainda contava com o auxílio do padre Francisco Bonato, sacerdote secular italiano que entre 1887 e 1895 atuou entre os colonos italianos de Timbituva (atual Campo Largo), colônia na qual, alguns parentes seus imigrados haviam ido morar.

Vários foram os conflitos que padre Colbacchini precisou enfrentar para desempenhar o seu trabalho pastoral. Figura controversa comprometido com a defesa da moralização do catolicismo e no combate a determinadas práticas que reinavam na sociedade luso brasileira na qual os imigrantes italianos acabavam por se adequar. De formação ascética (era um jesuíta) Colbachini foi particularmente rígido com relação ao lazer, combateu com veemência as bebedeiras, os bailes, as festas, a frequência às vendas, censurou as vestimentas femininas e combatia a blasfêmia que comumente encontrava entre seus conterrâneos. Também criticou abertamente os liberais, os maçons, protestantes e espíritas e em alguns casos interferiu em questões pessoais ou familiares dos locais onde prestava atendimento. No ano de 1888 quase foi morto na Colônia de Alfredo Chaves (atual município de Colombo) por conta da mediação do padre em uma questão familiar. Uma jovem brasileira de 16 anos teria solicitado sua ajuda contra seu companheiro (um imigrante calabrês) que a teria raptado e a mantinha em um relacionamento forçado havia seis meses. Colbachini teria devolvido a jovem a sua mãe. Quando o homem retornou de suas atividades, não encontrando a jovem e sabendo da intervenção do padre jurou vingança. Oito meses depois o homem tentou cumprir suas ameaças, mas, Colbachini conseguiu escapar e foi à polícia denunciá-lo. Semanas depois novamente o padre é ameaçado e o episódio só chega ao fim com um acordo entre ambos mediante a intervenção do chefe de polícia. No ano seguinte, em Paranaguá, sofreu novas ameaças e um atentado de morte. Desta vez as ameaças vieram de outro sujeito pelo fato do padre ter confessado sua mulher. Em duas ocasiões Colbachini se viu novamente em perigo. Da primeira, sofreu uma agressão física e foi salvo pelos colonos que se encontravam por perto, e da segunda, sofreu ameaças dentro da igreja onde celebrava a missa. Diante do ocorrido informou o delegado de polícia de Paranaguá solicitando escolta durante os dias em que pregava na cidade. As críticas de Colbachini não se limitaram ao clero nativo ou aos costumes e comportamentos da população luso-brasileira, atacou com veemência os italianos de cunho liberal e anarquista que viviam no Paraná, mais especificamente em Curitiba. As batalhas travadas na Itália entre liberais e católicos ultra montanos do período da unificação política também se reproduziam nas áreas de imigração. Em Curitiba, no mesmo contexto que estava sendo implantada a missão escalabriniana, por iniciativa de alguns italianos que viviam na cidade foi criada uma sociedade de beneficência intitulada Giuseppe Garibaldi, com o objetivo de fundar uma escola italiana. Tal iniciativa que tinha por objetivo instruir as crianças ítalo-brasileiras, mas também com conotações nacionalistas, que inclusive recebia ajuda do governo italiano, foi atacada por Colbachini que a acusava de maçônica

Nota-se o confronto entre a visão do Estado italiano que defendia o ideal de italianidade pautada em elementos nacionais e aquela da Igreja que defendia a manutenção das práticas religiosas como fundamental para a preservação da identidade étnica. Tal conflito extremamente polvoroso na Itália pós unificação também fazia eco nas áreas de imigração.

Em carta ao Mons. Spolverini, Internúncio apostólico da Santa Sede no Rio de Janeiro, datada de 24 de Maio 1888, o padre Colbachini escreve sobre os conflitos enfrentados em Curitiba. Sobre as críticas e as ameaças dos liberais italianos residentes na cidade bem como dos anticlericais e maçons. Fala das perseguições que sofria de todos os lados, especialmente do ex-agente consular Ernesto Guita que em discurso público o qualificava como ave noctívaga perigosa a Curitiba. Fala dos vários artigos nos jornais e que ao fim foi imposto à Guaita de suportar a perda do posto oficial que ocupava. Escreveu o padre Colbacchini:

"Aqui e acolá são muitos os me querem morto, ou porque afastou a concubina ou porque avisou a polícia das turbulências que inquietavam certas Colônias. Eu temo só a Deus e prossigo no meu caminho" 

As dificuldades para implementar a missão no Paraná eram muitas vezes associada a presença dos liberais ao qual ele associava a maçonaria. De fato, o final do século XIX assinala um período de crise do catolicismo luso-brasileiro tendo em vista a afirmação da mentalidade liberal, sobretudo, nos centros urbanos, bem como a decadência da sociedade patriarcal escravocrata. Também é um período de crescimento do movimento anticlerical. Tal premissa pode ser encontrada em diversos das cartas de Colbachini como esta escrita ao seu companheiro de missão Francisco Bonato em 10 de maio de 1888:

“Vós dizeis que Curitiba não é uma Zurique protestante, pois eu digo que é bem pior, é uma Nínive ateia e pagã. Em Zurique, a educação do povo, faz que sejam respeitadas as opiniões, aqui a ignorância e a maçonaria acreditam de ter o direito de ridicularizar de tudo e de todos. A Vossa presença não se dirá nada e nem se mostrará sinal de desprezo, mas depois nos círculos e nos negócios se usa como pretexto para ridicularizar o nosso ministério”. 

Os conflitos entre Colbachini e os liberais novamente vem à tona no contexto da Revolução Federalista que entre 1893 e 1894 também atingiu o Paraná. A presença de seus rivais também foi engrossada por conta da vinda de imigrantes portadores das ideias anarquistas oriundos da fracassada experiência da Colônia Cecília. O clima se tornou bastante tenso quando o referido sacerdote passou a discursar nas colônias contra o envolvimento dos imigrantes no conflito, inclusive chegou a facilitar a fuga de 60 imigrantes que já estavam arregimentados. No início de 1894 sofreu perseguições lideradas por alguns italianos hostis a sua presença e ao seu poder de liderança entre os italianos, e que participavam do conflito. Tendo feito oposição rígida à incorporação dos colonos nas tropas do exército, onde já haviam se instalado diversos liberais, Colbachini foi hostilizado fortemente, sendo jurado de morte. 

Em carta ao bispo de Piacenza, Mons. Scalabrini, datada de 28.04.1894, o padre Colbacchini descreveu a situação de perigo pelo qual passou:

"Na noite de 17 de fevereiro por obra de um indigno italiano, banido da Itália, coronel das forças revolucionárias, homem perverso, foram assaltar a minha residência de Água Verde e de Santa Felicidade, no intento de matar-me, porque eu desencorajava os italianos de alistar-se sob as bandeiras de qualquer patife que se era dado a revolução por ter modo de formar uma orda de assassinos. Os primeiros a atirar-se foram 50 italianos anárquicos de Curitiba, gente fugida da justiça italiana e que estava esperando momento para me depreciar e fazer-me as piores coisas. Dois meses tive que viver escondido em bosques pantanosos defendido de gente armada. As buscas dos mercenários para alcançar-me foram contínuas, mas não alcançaram seu fim. Agradeço a Deus de ter-me salvado de tantos riscos e comigo de ter salvado todos estes colonos que não tiveram de sofre quase nenhum dano em oposição das colônias polonesas e mesmo de seus autóctones que sofreram enormes danos".

Das perseguições sofridas no Paraná no período da Revolução Federalista, o sacerdote retorna a sua cidade natal, Bassano del Grappa, na Itália em 1894, onde mesmo a distância continua a influenciar os rumos da atuação scalabriniana na região. De fato, a missão escalabriniana é interrompida temporariamente porque o único sacerdote que permanece atendendo as colônias, padre Francisco Bonato, não chegou a ingressar na Ordem criada pelo bispo de Piacenza. O próprio Colbachini, não era favorável a entrada deste, devido aos desentendimentos que com ele tivera. Em 1895, chegaram os dois novos missionários scalabrianos enviados pelo bispo de Piacenza, padres Francesco Brescianini e Faustino Consoni, sendo que o primeiro passaria a chefiar a organização religiosa, que nesse mesmo ano teve sua sede transferida para o núcleo de Santa Felicidade. A capelania passou a contar com dois centros, um na Água Verde outro em Santa Felicidade e ainda com o padre Francisco Bonato que continuou a trabalhar no atendimento dos colonos de Campo Largo e posteriormente de Colombo. 

Pietro Colbachini permaneceu na Itália até 1896 onde aderiu definitivamente à ordem dos padres missionários. Durante sua permanência na Itália escreve o livro Guida Spirituale per L’Emigrato Italiano nella America, que foi o resultado de um concurso promovido pelo bispo de Piacenza. A obra tinha como objetivo se constituir em um manual de comportamento e conduta moral para os imigrantes no caso de ausência de sacerdotes. No mesmo ano de 1896 retorna ao Brasil, desta vez vai para o Rio Grande do Sul, onde fundou a colônia de Nova Bassano, que posteriormente se transformaria em cidade. Continuou com seu posicionamento rígido e intransigente, o que por sua vez gerou novos atritos. Em 1901 já com sua saúde debilitada vem a falecer em 30 de janeiro de 1901 em Nova Bassano, Rio Grande do Sul.


Resumo XXVII Simpósio Nacional de História 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS