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sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A vida de Carlo Benedetti


 

A vida de Carlo Benedetti

Carlo Benedetti nasceu na vila de Bottonasco, município de Caraglio, uma pequena localidade agrícola na província de Cuneo, no ano de 1893. Os campos áridos da sua infância mal sustentavam as famílias camponesas que ali viviam, e o horizonte parecia sempre fechado, pesado como as montanhas vizinhas. Aos dezessete anos, movido por uma inquietação profunda, convenceu-se de que o destino não poderia limitar-se àquele pedaço de terra ingrata. Cresceu ouvindo falar da América como uma promessa de abundância, e dentro dele germinou a ideia de partir.

A oportunidade surgiu quando um primo distante, Luigi Parodi, regressou brevemente ao Piemonte para visitar parentes. Homem experiente, com trinta anos já passados, prometeu-lhe trabalho nas colinas ou nos vales da Califórnia. A garantia desse parente foi suficiente para que Carlo, mesmo menor de idade, obtivesse o passaporte e embarcasse em outubro de 1910.

A travessia começou no porto de Genova a bordo do transatlântico La Provença. Pela primeira vez Carlo viu o mar aberto, que lhe pareceu infinito. Corajoso pela juventude, não mediu perigos nem incertezas. No navio viajavam centenas de famílias emigrantes, todos pobres, vindos das mais diversas regiões da Europa. Durante os dias, reuniam-se no convés, trocando palavras com outros italianos, ainda que a maioria preferisse permanecer entre os conterrâneos de Caraglio.

A viagem durou dezoito dias, até a chegada a Nova York. Lá, no imponente edifício de recepção de Castle Garden, todos passaram por exame médico rigoroso. Um vizinho de sua terra, de rosto cansado, quase fora barrado: recebeu uma marca de giz na roupa, como se fosse gado, mas conseguiu disfarçar-se e avançar com os demais.

Sem demora, Carlo e os companheiros seguiram de trem rumo à Califórnia. O destino final era San Mateo, nos arredores de São Francisco, onde o trabalho agrícola abundava. As terras eram férteis e generosas: pêssegos, ameixas e uvas cresciam em fileiras intermináveis. Instalaram-se nas vinhas de um grande proprietário, o senhor Miller, cuja fazenda ultrapassava mil hectares. Havia estrangeiros de toda parte: chineses encarregados da cozinha, um capataz iugoslavo, operários alemães e italianos, e dezenas de japoneses contratados para a colheita.

O serviço era duro, mas estável, e rendia trinta escudos por mês. Ainda assim, Carlo buscou oportunidades melhores e encontrou trabalho em uma fábrica de cimento. O salário superava o do campo, mas o corpo pagava o preço. O pó fino impregnava pulmões e roupas, e durante quatro anos suportou aquele ambiente hostil, sustentado pela esperança de poupar o máximo possível.

Foi então que a guerra irrompeu na Europa. Os jornais em língua italiana que circulavam nos bairros de imigrantes anunciaram que os filhos da Itália deviam regressar para defender a pátria. Carlo não hesitou. Embarcou de volta levando consigo o fruto do sacrifício: dez mil liras de economia, conquistadas com a juventude consumida entre vinhedos e fábricas. Enquanto o navio partia em direção ao velho continente, acreditava que aquele não seria o fim do mundo, mas apenas mais um capítulo de uma vida destinada à luta e à resistência.

Quando Carlo Benedetti desembarcou em Gênova, o ar lhe pareceu mais pesado do que lembrava. As ruas, ainda mais miseráveis do que na época da partida, estavam cheias de jovens convocados, de famílias em pranto e de oficiais apressados. A Itália enfrentava não apenas a guerra, mas também as próprias divisões internas.

Carlo, com pouco mais de vinte anos, foi enviado a um regimento do norte. O treinamento era breve, marcado por improviso e por armas insuficientes. A guerra, quando chegou, não se apresentou como aventura heroica, mas como lama, frio e sangue nas encostas íngremes das montanhas do Isonzo. O jovem que atravessara o oceano em busca de futuro agora enfrentava trincheiras onde o tempo se arrastava em silêncio, interrompido apenas pelo rugir da artilharia.

Durante meses sobreviveu a condições que poucos suportariam. A poeira de cimento que impregnara seus pulmões nos Estados Unidos parecia menor diante da fumaça dos obuses. Via homens tombarem ao seu lado sem aviso, e cada noite acreditava que talvez fosse a última.

Quando a guerra terminou, em 1918, Carlo não era mais o mesmo rapaz que partira de Caraglio com sonhos de abundância. Voltou ao Piemonte com a magreza dos que haviam visto a morte de perto, mas também com a firmeza dos sobreviventes. Das dez mil liras que trouxera da América, restava apenas uma parte, consumida por longos anos de incerteza.

Com o fim do conflito, Carlo encontrou a sua terra natal ainda mais empobrecida. Os campos estavam abandonados, e muitas famílias haviam emigrado. Caraglio, antes pequeno mas vivo, tornara-se quase uma aldeia fantasma. Ele mesmo sentiu-se um estrangeiro, incapaz de se reencontrar com as colinas da infância.

A experiência americana voltava-lhe à mente constantemente. Recordava-se das fileiras intermináveis de videiras na Califórnia, do sol dourando os pêssegos e da precisão com que os japoneses colhiam a uva. Recordava também o pó sufocante do cimento, mas até aquele ambiente árduo lhe parecia menos hostil do que a pobreza que reencontrava em casa.

Por um tempo pensou em voltar ao outro lado do Atlântico. Guardava endereços rabiscados em pedaços de papel, contatos de companheiros que haviam permanecido na Califórnia. Mas a guerra lhe roubara não apenas anos, mas também a juventude. A coragem de partir parecia-lhe agora um luxo que já não possuía.

Carlo Benedetti acabou por permanecer no Piemonte. Casou-se com uma jovem viúva da região, herdeira de um pequeno pedaço de terra. Dedicou-se à agricultura, cultivando vinhas modestas, mas sempre narrava aos filhos que, em San Mateo, as videiras eram tão numerosas que se perdia a vista no horizonte.

Aqueles que o ouviam, sobretudo os mais jovens, imaginavam a América como um mundo distante e luminoso. Ele, porém, sabia que também lá a vida exigia sacrifício. Guardava consigo uma convicção silenciosa: a verdadeira herança que podia deixar não era a riqueza acumulada, mas a história de um homem que ousara atravessar oceanos, enfrentar trincheiras e sobreviver a dois mundos.

Quando envelheceu, costumava sentar-se diante das colinas de sua terra e observar o entardecer. Em seu silêncio havia algo de definitivo: a certeza de que vivera mais vidas do que a maioria dos homens de sua aldeia.

Nota do Autor

Os nomes aqui apresentados, incluindo o de Carlo Benedetti, são fictícios. No entanto, a história que sustenta esta narrativa é real. Ela chegou até mim através de relatos preservados por descendentes do protagonista, guardados em arquivos familiares e complementados por registros históricos da época. A escolha de alterar os nomes não diminui a veracidade dos acontecimentos. Pelo contrário: trata-se de um recurso literário que me permitiu reconstruir, com maior liberdade narrativa, a trajetória de um jovem camponês piemontês que ousou cruzar o oceano em busca de futuro, enfrentou o trabalho árduo nas fazendas e fábricas da Califórnia, e foi chamado de volta para lutar nas trincheiras da Grande Guerra. Cada episódio aqui descrito tem raízes em memórias transmitidas entre gerações, documentos de viagem, cartas e testemunhos. O romance apenas entrelaça esses fragmentos em uma linha contínua, procurando dar vida a uma experiência que pertenceu não apenas a um homem, mas a milhares de imigrantes italianos que viveram dilemas semelhantes. Assim, “A Vida de Carlo Benedetti” é mais do que uma história particular: é um retrato coletivo, uma homenagem às vozes que atravessaram oceanos, sobreviveram a guerras e, apesar das perdas, deixaram como legado a coragem de recomeçar.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta