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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Odisséia no Oceano: A Jornada Épica dos Emigrantes Italianos



A palavra emigrar tem um significado preciso, ou seja, abandonar a sua casa, sua vila, mudar-se temporária ou permanentemente para outro lugar após uma viagem mais ou menos longa, principalmente por questões de trabalho, como tem acontecido nos últimos anos com muitos jovens (e não apenas) italianos. No entanto, durante o final do século XIX e ao longo do século XX, muitos navios levaram milhões de italianos em viagens transoceânicas, para as duas Américas, Austrália ou África do Sul. Para fornecer números, entre 1870 e 1970, quase 30 milhões de italianos deixaram o país.

Para poder deixar o país a maioria precisou vender tudo o que possuíam para comprar um bilhete só de ida para um desses destinos. Após fazer o seu passaporte e o da família, nas prefeituras locais, a pessoa realizava todas as outras formalidades junto as agencias de viagens para a compra do bilhete, sem correr o risco de não ser admitida no país para o qual pretendia se mudar. Somente assim ela finalmente podia embarcar para iniciar a longa jornada. As companhias marítimas de navegação forneciam detalhes sobre muitos aspectos relacionados à navegação oceânica e às regras a serem seguidas.
Para aqueles que se dirigiam à América do Norte, as condições climáticas de viagem, especialmente para aqueles que partiam nos meses de inverno, não eram propriamente ideais, pois o frio cortante, o mar agitado e a umidade podiam tornar a viagem transoceânica um verdadeiro inferno, especialmente para pessoas menos acostumadas à vida no mar, como aquelas que vinham das regiões internas da península italiana e talvez nunca tivessem visto o mar, como contaram alguns emigrantes mais velhos que foram para as Américas.

O dia da partida era marcado pela tristeza para muitos, felicidade para poucos, talvez houvesse pessoas que tinham perdido a família e agora eram órfãos. Nos navios que partiam de Gênova, não havia apenas genoveses; havia muitos outros de outras regiões do norte e centro da Itália. Na maioria das linhas de navegação, estava previsto uma parada no porto de Nápoles, onde pegavam passageiros de praticamente toda a Itália meridional. Os navios de passageiros então seguiam em direção ao Estreito de Gibraltar, se fossem para as Américas, ou pelo Canal de Suez, se fossem para Austrália.

Ao subir a bordo, o passageiro precisava arrumar a bagagem, mesmo que modesta em alguns casos. Para isso, existia a sala de bagagens. O problema principal era que os dormitórios a bordo eram, na realidade, espaços apertados. Eles precisavam acomodar o maior número possível de pessoas. Nos dormitórios, eram permitidos apenas um embrulho, um saco ou uma pequena caixa com poucos itens de vestuário e alimentos. Todo o resto: roupas, camisas, pertences pessoais, grandes caixas e baús, tinham que ser fechados na sala de bagagens. Muitas vezes, esta permanecia fechada até a chegada, após semanas no mar. Basicamente, ficavam com as mesmas roupas durante toda a viagem, muitas vezes encharcadas pela chuva, salgadas ou sujas de comida, vômito, urina e fezes. Um verdadeiro tormento! Nos dormitórios tinham que seguir regras específicas, bem descritas no Decreto Real nº 375, de 10 de julho de 1901. Em essência, o que dizia essa norma? Ela listava, por exemplo, as medidas dos beliches, que não deveriam ser inferiores a 180 cm de comprimento por 56 de largura. Além disso, o Decreto Real proibia a presença de beliches perto das salas das caldeiras e da sala de máquinas. Por fim, os dormitórios eram separados entre homens e mulheres para evitar a promiscuidade. A partir dos sete anos, homens e mulheres, bem como crianças, eram separados. Isso se devia em parte a algumas leis dos Estados Unidos, que regulamentavam os fluxos migratórios em Ellis Island; não eram permitidos navios que tivessem, por exemplo, mais de três fileiras de beliches para cada dormitório, apenas dois eram permitidos. Os navios que seguiam para a América do Sul, por muitos anos, deixavam três fileiras de beliches.

Um médico de bordo da época, chamado Teodorico Rosati, escreveu: "A impressão de repugnância que se tem ao descer em um porão onde os emigrantes dormiam é tal que, experimentada uma vez, não se esquece mais!" Rosati continua: "O emigrante se deita vestido e calçado na cama, faz dela um depósito de embrulhos e malas, as crianças deixam ali urina e fezes; a maioria vomita; todos, de uma maneira ou de outra, transformam-no, após alguns dias, em uma cama de cachorro. Ao final da viagem, quando não é trocado, o que acontece muitas vezes, está lá como foi deixado, sujo e cheio de insetos, pronto para receber o novo viajante". A realidade era essa: dormitórios onde centenas de homens e mulheres sujos viviam e dormiam, sem nenhuma possibilidade de se lavar. Se adicionarmos umidade, ambientes pouco arejados, enjoo e pouca iluminação, podemos certamente imaginar as condições difíceis em que essas pessoas eram obrigadas a viajar, tanto homens quanto mulheres, e as crianças. Não é à toa que a maioria dos imigrantes de terceira classe preferia passar a maior parte do dia no convés, para evitar o mau cheiro. No entanto, para aqueles que se mudavam para a América do Norte nos meses deinverno, atravessar o Atlântico não permitia passar muito tempo no convés, sendo atingidos pelo vento gelado e frequentes tempestades.

Mas a vida diária a bordo não envolvia apenas descanso e passeios; era necessário também usar os banheiros para realizar as necessidades naturais e garantir uma higiene mínima. No início do século XX, poucos navios tinham eletricidade a bordo e quase nenhum tinha um sistema de esgoto por pressão. Em 1888, De Amicis escrevia: "Os lugares que deveriam proporcionar limpeza e higiene são na realidade horríveis, e para mil e quinhentos passageiros de terceira classe não há um banheiro." Na segunda classe, as coisas melhoravam bastante, mas era preciso considerar que nos navios da época destinados à emigração, os lugares destinados à segunda classe eram quarenta e para a primeira apenas vinte, em comparação com os mil e quatrocentos passageiros totais, a maioria dos emigrantes estava na terceira classe.

Mesmo em um ambiente restrito das classes mais privilegiadas, as cabines ofereciam algum conforto: um pequeno armário, uma pia, uma porta que podia ser fechada, um quarto relativamente limpo e, acima de tudo, um penico. Em resumo, era possível viajar no verdadeiro sentido da palavra. Os passageiros da primeira e segunda classe tinham acesso aos espaços internos do navio, bem como salas de jantar separadas das outras; podiam comer à mesa com guardanapos e talheres, com uma comida melhor e consideravelmente mais abundante. Aqui está o que o Dr. Rosati escreveu sobre as refeições de terceira classe.

"Agachados no convés, perto das escadas, com o prato entre as pernas e o pedaço de pão entre os pés, comiam a sua refeição como os mendigos às portas dos conventos. É uma humilhação do ponto de vista moral e um perigo do ponto de vista higiênico, porque cada um pode imaginar o que é um convés de um navio sacudido pelo mar, onde todas as imundícies voluntárias e involuntárias dessas populações viajantes são derramadas."

Médicos de bordo como Rosatti, antes de 1895, não eram obrigatórios para viagens com destino ao Oceano Índico ou às Américas, além de Gibraltar e Suez, em suma. Portanto, a presença do médico de bordo tornou-se obrigatória a partir dessa data. Provavelmente, nem mesmo era suficiente, considerando que os navios transatlânticos podiam transportar de 900 a 2400 pessoas. De Amicis escreveu: "E que os higienistas digam o que quiserem, fixando o número necessário de metros cúbicos de ar, a carne humana está amontoada demais, e o fato de que costumava ser pior não justifica."

As condições higiênicas precárias e a multidão favoreciam as doenças, então a presença de um médico de bordo era realmente necessária. Doenças como gastroenterites e bronquites se espalhavam rapidamente e não demoravam a fazer vítimas entre os passageiros mais fracos, como crianças e idosos. O sarampo ceifava muitas vítimas infantis; não eram raros os casos de epidemias de sarampo nos navios, com a obrigação de quarentena para todo o navio. O médico de bordo não tinha os meios necessários para combater essas epidemias, e o Dr. Rosati menciona que muitas vezes o capitão escolhia alguns homens da tripulação, os fazia vestir o jaleco branco com a cruz, improvisando enfermeiros. Em 1884, um navio italiano, com uma epidemia de cólera, foi repelido a tiros no porto de Montevidéu. Em 1905, o Città Di Torino relatou quase cinquenta mortes por tifo, bronquite e sarampo durante a travessia.

Os navios estavam sujeitos à inspeção preliminar, de acordo com o regulamento de saúde marítima, o artigo 59 do Decreto Real de 29 de setembro de 1895. A comissão encarregada deveria verificar a qualidade dos alimentos e bebidas, a quantidade de medicamentos a bordo, as boas condições de saúde da tripulação, a limpeza geral das instalações da tripulação, o número correto de passageiros embarcados e a ventilação adequada em todas as instalações do navio.

Uma figura de bordo muito importante era o comissário. A bordo dos navios, o Comissário Real tinha um papel quase comparável ao do comandante. O comissário também compilava a lista de passaportes, particularmente importante para desembarcar em Ellis Island, nos Estados Unidos. O comissário também cuidava da manutenção da disciplina, acalmando brigas, roubos, violências sexuais nos dormitórios femininos, prendendo portadores de armas de fogo ou aqueles que não possuíam bilhetes - esses não seriam aceitos nos EUA e teriam que pagar pelo retorno à Itália - e, por último, retirava as bebidas alcoólicas que por ventura tenham levado para bordo. Apesar disso, os imigrantes masculinos causavam muitos problemas com o jogo e o porte de armas brancas, como facas e punhais. A bordo do navio mistos a vela e vapor Giava, um episódio do diário de Angelo Tosi de 1887-88 impressiona quem os lê, o referido autor cita vários esfaqueamentos entre elementos de gangues rivais da Calábria. Outro grande problema eram os clandestinos, especialmente aqueles sem passaporte por motivos criminais e ajudados por amigos, na partida, a se esconderem a bordo. O comissário organizava uma equipe especial, comandada por um suboficial, que vasculhava todos os cantos do navio, colocando os criminosos na cela.
Essas viagens marcaram uma epopeia, tanto para os passageiros quanto para as equipes a bordo, considerando que antes de 1890, os navios a vapor não tinham escalas pré-estabelecidas, como veio ocorrer posteriormente. Em essência, de acordo com as necessidades do navio ou até mesmo as condições meteorológicas, a embarcação podia parar em um ou outro porto. Portanto, era essencialmente uma navegação bastante aventureira. As doenças, como vimos, estavam sempre à espreita, também para a equipe da tripulação, sem mencionar os acidentes a bordo. Não era uma vida fácil, e as viagens eram muito difíceis.