sábado, 24 de março de 2018

Barracão de Val de Buia o triste início da Quarta Colônia



Após o êxito alcançado com as três primeiras colônias italianas no Rio Grande do Sul: Conde D´Eu, Dona Isabel e Caxias, o governo da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul passou a criação da Colônia de Silveira Martins, vizinha à cidade de Santa Maria da Boca do Monte, a qual depois veio a ser conhecida como 4º Colônia, por ter sido a quarta a ser criada.
A primeira leva de imigrantes italianos, composta por aproximadamente 100 famílias, chegou a esta colônia por volta da primavera de 1877, ficando hospedados no Barracão de Val de Buia.
Val de Buia, localiza-se no pé da Serra de São Martinho, distante 30 km do Município de Santa Maria da Boca do Monte e entorno de 290 Km da capital Porto Alegre. Os pobres imigrantes tinham saído da Itália com a promessa do governo, que teriam total assistência até quando obtivessem o seu lote de terra. Ao se verem sem recursos e abandonados à própria sorte, em uma terra totalmente desconhecida, cercada por todos os lados por florestas repletas de animais que também não conheciam, podemos hoje aquilatar o arrependimento que eles sentiram. Esse arrependimento era  muito maior nas mulheres que, para se socorrerem, com muita fé, se apegavam a Deus e aos Santos de devoção, quando algum um filho ou outro membro da família adoecia. Estavam sozinhos e não tinham a quem mais recorrer.
A chegada dessa primeira leva coincidiu com a saída às pressas dos imigrantes eslavos que os antecederam – russos e poloneses – os quais abandonavam o local em direção a Porto Alegre, com destino ao Paraná. Esses emigrantes não resistiram às precárias condições do barracão tendo muitas vidas sido ceifadas devido as várias epidemias que ali eclodiram, e assim decidiram abandonar definitivamente as instalações. Logo vieram as levas de italianos e vênetos provenientes de Porto Alegre, os quais subindo o rio Jacuí, desembarcavam em Rio Pardo e, depois de um sem número de sofrimentos, a pé e em carroças de bois, alcançaram o local onde se encontrava o barracão que os devia hospedar temporariamente em Val de Buia, até a demarcação final dos lotes pela Comissão do Governo Imperial. Devido o moroso trabalho dessa comissão de demarcação e a sempre contínua chegada de novos imigrantes, que compunham as demais levas, o número daquela população rapidamente atingiu a cifra de aproximadamente 1000 pessoas, que era a soma das quatro levas, que esperavam a sua colocação nos lotes a eles destinados. O chamado barracão, que devia hospedar os recém-chegados, nada mais era que um pavilhão de grandes proporções, sem divisórias internas, sem privacidade, construído em madeira bruta lascada, coberto por folhas de palmeira, com muitas frestas nas paredes e chão de terra batida. A promiscuidade, a falta de higiene e a péssima alimentação disponível serviram de combustível que fez eclodir no local uma violenta, rápida e letal epidemia de doença infecto-contagiosa, aproximadamente entre os meses de maio e julho de 1878. Em pouco tempo as mortes já se sucediam num ritmo tão rápido que não dava mais tempo para a confecção de caixões que proporcionasse um enterro digno. Os enterros eram feitos com o corpo envolto em lençóis diretamente na terra. Muitas foram as famílias vênetas atingidas, algumas chegando a perder quase todos os seus membros. Acredita-se, de acordo com historiadores, que tenham morrido no local, em poucas semanas, mais de 300 imigrantes.

Segundo uma narrativa de Júlio Lorenzoni, no livro Memórias de um imigrante italiano, podemos hoje aquilatar o que estava se passando com esse grupo pioneiro.
Da boca da picada ao Primeiro Barracão – um breve arrependimento: no dia seguinte entramos no bosque, numa estrada de inferno: buracos e barro onde os pobres animais afundavam até a barriga. Os gritos dos carreteiros para estimulá-los e faze-los atravessar aquelas poças d’água e lama e arrastar as carretas com nossas bagagens, causava-nos uma tristeza enorme. Seguindo-as, vinha a fileira de homens, mulheres, velhos e crianças, procurando escolher o local exato para firmar os pés sem afundar naquele terreno barrento e lodoso. Os homens marchavam com os filhinhos no colo, calças arregaçadas até acima dos joelhos e as mulheres também não podiam evitar de mostrar as pernas, sujas e enlameadas, procurando salvar da sujeira as saias que vestiam. Uns caminhavam de cabeça baixa, taciturnos e tristes, outros gritavam, blasfemavam e maldiziam a hora de terem vindo ao Brasil, enquanto algumas mulheres, silenciosamente, seguiam chorando. Quando Deus quis, isto é, pelas três horas da tarde, desembocamos daquele mato numa linda planície, propriedade do fazendeiro Penna. Paramos aí, novamente, para tomar algum alimento, pois estávamos sem comer desde manhã cedo, para repousar um pouco, enxugar nossas roupas e mesmo porque os animais estavam exaustos, escorrendo suor e embarrados até os chifres. No dia seguinte, às 9 horas mais ou menos, estávamos novamente a caminho, em direção ao barracão, que distava da casa do Sr. Penna, apenas 6 km. No entanto, só às 2 horas da tarde aproximadamente, chegávamos finalmente ao barracão, ponto final do nosso destino!"

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



Nenhum comentário: