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terça-feira, 13 de março de 2018

As Bocas de Leão em Veneza



Ainda hoje podemos vê-las espalhadas em alguns pontos de Veneza, apesar de serem da época da Serenissima Reppublica de Veneza. Podemos encontra-las ainda bem conservadas no Palácio Ducal, nos muros da Igreja de S. Maria delle Visitazione alle Zattere (no sestiere Castello) e na Igreja de Moisés em San Marco. São muito semelhantes às atuais caixas postais. Eram de pedras de mármore na qual estava esculpida a cara de um leão com boca aberta. Era através dessa que as pessoas deviam introduzir a folha de papel com  sua denúncia escrita. Os chefes do bairro ( capi di sestieri) tinham acesso à parte de trás e assim podiam recolher todas as denúncias lá postadas.

Bocca di Leone a Chiesa di San Martino

Depois de um golpe de estado de Baiamonte Tiepolo, ocorrido em 1310 foram construídas as primeiras bocas de leão, ou como eram então conhecidas, simplesmente por bocche, para receber as denúncias secretas, escritas em uma folha de papel que ali seriam inseridas. Essas podiam ser para vários tipos de crimes ou contravenções:  atentados à saúde pública, evasão fiscal, blasfêmia, homossexualismo e especialmente traição e tramas contra o sistema de estado. Algumas dessas denúncias não tinham qualquer cunho de verdade, eram feitas devido a inveja ou ódio de uma pessoa para com outra. Entretanto, em outras ocasiões essas denúncias salvaram a segurança da Sereníssima.





Os membros do temido Consiglio dei Dieci, um grupo de nobres eleitos com a função de zelar pela ordem e segurança do estado, só acolhiam as denúncias anônimas quando estas diziam respeito aos assuntos muito importantes que se referissem a segurança da república, assim mesmo somente depois da decisão ser aprovada por cinco sextos dos seus membros votantes. Não era assim muito fácil, como a princípio se pode pensar, para acusar qualquer pessoa. No ano de 1387 o Consiglio dei Dieci ordenava que as acusações anônimas através de carta, sem a assinatura do acusador e sem testemunhas sobre o assunto relatado, deviam ser queimadas sem dar a mínima conta da acusação. No ano de 1542 foi decretada uma outra lei sobre o uso dessas bocas de leão, a qual estabelecia que as denúncias só seriam aceitas se nelas fossem citados ao menos três testemunhas presentes no fato denunciado. As denúncias mais perigosas eram aquelas que se referiam a traição ou conspirações contra o estado. Neste caso, mesmo sem testemunhas as denúncias eram acolhidas pelo Consiglio dei Dieci que providenciava imediatamente para interrogar o suspeito. Depois de acertadas as medidas começava o seguimento do denunciado com a sua frequente prisão preventiva. O acusado podia ficar encarcerado nas prisões conhecidas com I Piombi (O chumbo) o nos Pozzi, construídas em 1591, por até dez meses esperando a sentença. Essas prisões estavam localizadas no sótão do Palácio Ducal e por serem cobertas por chumbo deram o nome ao local. No verão o calor era escaldante. Por motivos óbvios dificilmente alguém conseguia escapar dessas prisões. Somente um fato é relatado o do famoso Casanova que dali se evadiu na noite entre 31 de outubro e 1 de novembro de 1756, escapando através desse teto de chumbo, contando com alguma ajuda interna. I Pozzi (os poços) no entanto eram muito piores pois sofriam com as variações das marés que ocasionavam alagamentos no seu interior tornando os locais úmidos e insalubres. Naquela época eram normais as torturas com a finalidade de arrancar confissões dos suspeitos. Alguns prisioneiros preferiam confessar por crimes nunca cometidos.
Através desse sistema de denúncias secretas foi possível descobrir muitos crimes que sem ela jamais seriam descobertos a tempo, com graves consequências para a república. Por outro lado é bem possível que muitos acusados e encarcerados seriam inocentes.
O Consiglio dei Dieci entretanto procurava ser escrupuloso na aplicação da lei e investigava bastante para esclarecer os fatos, com clareza e justiça, para não culpar ninguém à base de  suspeitas.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS