sábado, 19 de abril de 2025

Os Ventos de Esperança

 

Os Ventos de Esperança

Em 1892, Giulia Salve se despediu do pequeno vilarejo de Monteferro, na costa da Itália, com o coração dividido entre o medo e a esperança. Com apenas 25 anos, deixou para trás a mãe viúva, Anna, e a irmã mais nova, Lucrezia, que choravam enquanto o vapor La Fortuna partia lentamente do porto de Nápoles em direção às Américas. Giulia sabia que sua decisão de partir era um sacrifício, mas também a única chance de oferecer um futuro melhor para sua família.

O embarque fora marcado por cerimônias emocionantes. Antes de pisar no navio, um padre abençoou os viajantes como se eles estivessem prestes a enfrentar a morte. “É um ato de fé,” dizia ele, distribuindo pequenos crucifixos para os que embarcavam. Giulia guardou o seu no bolso do vestido, segurando-o com força enquanto a terra desaparecia no horizonte.

A bordo, a realidade era um misto de caos e resignação. Giulia compartilhava o convés com suas inseparáveis companheiras, Teresa Marinelli e Antonia Fiori, além de dezenas de outros emigrantes. Eram 23 dias de travessia no oceano, marcados pelo calor sufocante, pelas tempestades e pelo cheiro penetrante do mar. No pequeno espaço que dividiam, não havia privacidade, e cada centímetro de madeira era disputado por pessoas e seus escassos pertences.

Os primeiros dias foram os mais difíceis. O balanço do navio provocava náuseas incessantes, e os enjoos eram tão intensos que muitas vezes nem conseguiam comer o pão duro que recebiam como refeição. As noites, por sua vez, eram povoadas pelo choro de crianças, gemidos de idosos e os rangidos constantes do casco.

No quinto dia, a morte visitou o vapor. Um idoso, já debilitado, não resistiu à febre que o consumia, e um menino de apenas três anos sucumbiu logo em seguida. Giulia jamais esqueceria o som das preces murmuradas enquanto os corpos eram lançados ao mar. “Os peixes farão o enterro,” comentou Teresa, tentando esconder a voz embargada. A cena deixou marcas profundas em todos, e a atmosfera tornou-se ainda mais pesada.

Apesar disso, havia momentos em que a esperança emergia entre as dificuldades. Durante as noites, um violinista napolitano tocava músicas de sua terra, e os passageiros se reuniam para cantar, aprendendo canções argentinas trazidas por aqueles que já conheciam o destino. Giulia, com sua voz doce, era frequentemente chamada para cantar e, por um breve instante, as notas musicais faziam o oceano parecer menos vasto.

Ela escrevia mentalmente cartas para a mãe e a irmã, narrando tudo que vivia. “Mamãe, aqui há um mundo novo, cheio de vozes de todas as partes: poloneses, húngaros, judeus, e nós, italianos, cada um falando sua própria língua, como na Torre de Babel que o padre nos ensinou.”

Enquanto o navio seguia sua rota, Giulia e suas companheiras começaram a formar laços com outros viajantes. Ela se tornou próxima de uma jovem da Puglia chamada Maria e de uma família judaica que estava em busca de segurança na América do Sul. Trocaram histórias, receitas e até algumas palavras de seus idiomas nativos.

Giulia também era uma fonte de força para os outros. Quando o desespero tomava conta, ela incentivava: “Coragem, estamos perto de um novo começo.” Ela sabia que, mesmo com o coração pesado de saudades, o futuro dependia de sua capacidade de resistir.

Quando finalmente avistaram as luzes de Buenos Aires, a emoção foi avassaladora. Giulia sentiu lágrimas rolarem por seu rosto, misturando-se ao vento salgado do mar. Mas ao desembarcar, ela percebeu que os desafios estavam apenas começando.

Nos primeiros dias na nova terra, Giulia e suas amigas enfrentaram o desconhecido. As ruas eram agitadas, com pessoas gritando em línguas que mal entendiam. Encontrar trabalho foi uma tarefa árdua, mas Giulia conseguiu um emprego como costureira em uma fábrica, enquanto Teresa e Antonia se empregaram na lavoura. Juntas, dividiam um pequeno quarto nos arredores da cidade e economizavam cada centavo para enviar notícias e dinheiro para suas famílias na Itália.

A vida na Argentina trouxe uma mistura de dificuldades e pequenas vitórias. Giulia nunca deixava de escrever para a mãe e Lucrezia, descrevendo as peculiaridades do Novo Mundo. “Mamãe, aqui há sol, mas falta o calor do lar. Tenho fé de que um dia nos reencontraremos.”

Nos momentos de folga, Giulia se dedicava a aprender espanhol com seus colegas de trabalho, determinada a se integrar. Ela também começou a participar de encontros na comunidade italiana local, onde conheceu pessoas que haviam passado pelas mesmas provações. Esses encontros não eram apenas um consolo, mas uma oportunidade de trocar experiências e estratégias para prosperar.

Com o passar dos anos, Giulia conseguiu trazer sua mãe e sua irmã para a Argentina, reunindo finalmente a família. O pequeno vilarejo de Monteferro continuava vivo em suas memórias, mas a nova terra tornou-se um símbolo de esperança e resiliência. Giulia tornou-se uma figura importante na comunidade, ajudando outros emigrantes a se adaptarem e a enfrentarem os desafios com coragem e determinação.

Mesmo décadas depois, as noites no convés do La Fortuna continuavam vivas em sua memória, como um lembrete de que, mesmo em meio às adversidades, é possível construir uma nova vida e encontrar um novo lar.