“A higiene e a limpeza estão constantemente em conflito com a especulação. Falta espaço, falta ar."
Assim resumiu as condições sanitárias nos navios que transportaram a emigração italiana.
Os beliches dos emigrantes eram colocados em dois ou três corredores e recebiam ar principalmente pelas escotilhas. A altura mínima dos corredores variava de um metro e sessenta centímetros para o primeiro, partindo do topo, a um metro e noventa centímetros para o segundo. Nos dormitórios dessa maneira montados, as doenças eram frequentes, principalmente as respiratórias.
A promiscuidade facilitava os contágios das doenças transmissíveis. Quanto a falta de regras de higiene mais elementares, podemos lembrar o problema da conservação da água potável que se guardava em caixotes de ferro forrados com cimento. Devido ao constante balanço do navio, o cimento tendia a se esfarelar, turvando a água que, a qual ao entrar em contacto com o ferro oxidado, adquiria uma coloração vermelha e mesmo assim precisava ser consumida pelos emigrantes, por não existirem filtros ou destiladores a bordo.
A alimentação, independentemente da impossibilidade de emigrantes, analfabetos ou de qualquer forma não poderem ter conhecimento completo da legislação alimentar, era preparada a partir de uma série de alternâncias constantes entre dias "gordos" e "magros", dias e dias "café" e algum arroz". Além disso, dependendo da prevalência a bordo de nortistas ou sulistas, eram preparadas refeições à base de arroz ou macarrão. Do ponto de vista dietético, a ração alimentar diária as vezes era suficientemente rica em elementos proteicos e, em muitos casos, superior em quantidade e qualidade ao tipo de dieta habitual do emigrante. Mas, na maioria dos navios predominava a escassez alimentar.
A viagem transoceânica
A partir das estatísticas de saúde do Comissariado Geral de Emigração e dos relatórios anuais elaborados pelos oficiais da marinha italiana, encarregados do serviço de emigração, ambos relativos à morbidade e mortalidade de emigrantes em viagens de ida e volta da América do Norte e do Sul, é possível traçar um quadro da situação sanitária da emigração transoceânica italiana de 1903 a 1925 que, embora tendo em conta os limites da parcialidade e discricionariedade do sistema de detecção, permite estabelecer alguns elementos básicos da dinâmica sanitária do fluxo a que se refere o vasto estudo de caso descrito pelos relatórios e livros de registro. O estado de desorganização dos serviços de saúde para a emigração, tanto terrestre como a bordo, fez com que os quadros estatísticos assumam o caráter de indicadores gerais das dimensões assumidas pelo problema de saúde no contexto da experiência da migração em massa, mas sim, os torna problemáticos a utilização em função do estudo de patologias específicas. De fato, os dados recolhidos pelas estatísticas referem-se às doenças apuradas durante a viagem pelo médico governamental ou pelo comissário itinerante, excluindo assim do inquérito um certo número de emigrantes que por razões diversas, atribuíveis a uma desconfiança generalizada do poder médico ou ao medo de ser rejeitado por doença no país de destino ou hospitalizado depois de repatriado, não exigia cuidados de saúde. Uma parte substancial do fluxo migratório escapou então completamente a qualquer forma de controle sanitário, seja porque embarcou e desembarcou em portos estrangeiros, ou porque viajou em navios sem serviços de saúde, ou porque embarcou em formas semiclandestinas toleradas por muitas empresas de navegação. Parece, pois, evidente que qualquer tentativa de estimar sistematicamente o "problema sanitário" da emigração transoceânica com base nas fontes produzidas a nível oficial pelo serviço de saúde para a emigração apresenta dados amplamente subestimados em relação às reais dimensões assumidas pelo problema da saúde e doença na viagem transoceânica.
Apesar das limitações e da parcialidade da amostragem, as estatísticas de saúde das viagens transoceânicas continuam sendo uma das poucas ferramentas disponíveis para iniciar uma série de reflexões que vinculam o fenômeno da emigração transoceânica com as condições sócio sanitárias das classes populares nos séculos XIX e XX. A análise dos números fornecidos pelas estatísticas para o período 1903 a 1925 mostra claramente a persistência, durante todo o período considerado, de algumas doenças tanto nas viagens de ida como nas viagens de volta das Américas. Mesmo que uma avaliação da definição do fluxo transoceânico em relação à propagação na Itália de patologias de massa (pelagra, malária, tuberculose) não seja incluída na pesquisa, devido à complexidade dos elementos que contribuem para determinar a escolha migratória em áreas do país profundamente diversificadas quanto à estrutura econômicas e sociais, no entanto, não se pode deixar de notar que nas estatísticas de morbidade nas viagens transoceânicas algumas dessas patologias estão maciçamente presentes.
Típico é o caso da malária, que apresenta as maiores taxas nas viagens de ida tanto para a América do Norte quanto para a América do Sul, superada apenas pelo sarampo. Nas viagens para o Sul, o número de pacientes com tracoma e escabiose também é significativo, enquanto na volta o tracoma e a tuberculose prevalecem claramente sobre outras doenças e, mesmo que com taxas mais baixas, parasitoses intestinais completamente ausentes em estatísticas futuras. Nas repatriações do Norte, os números mais elevados são atribuídos à tuberculose pulmonar, doenças mentais e tracoma. Esta última patologia, embora não apresente números particularmente elevados, é mais comum do que nas viagens de ida. As taxas de mortalidade e morbidade nas viagens transoceânicas, embora não alcancem picos muito elevados, são ainda mais elevadas nas viagens de e para a América do Sul, para onde se dirigiram as correntes migratórias com forte prevalência de grupos familiares. Os dados de morbidade constante e alta nas viagens de retorno parecem particularmente significativos para os que retornavam da América do Norte. O fluxo migratório para os Estados Unidos foi, de fato, composto principalmente por pessoas em boas condições físicas e na faixa etária de maior eficiência física, tanto por um processo de autosseleção da força de trabalho que optou por emigrar, quanto pelos rigorosos exames de saúde realizados pelos Estados Unidos para a emigração européia.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS