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quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Os Costumes e o Linguajar dos Gaúchos



O que mais estranhei na minha transferência de Curitiba para Barão de Cotegipe, foram sem dúvida os os costumes e o linguajar que encontrei aqui no Rio Grande do Sul. O modo de falar dos gaúchos era muito diferente de nós curitibanos e eu ainda não conhecia. Lembro que a Curitiba daquela época, e estamos falando do ano de 1969, já tinha uma população de quase quinhentos mil habitantes e a pequena Barão Cotegipe somente uns doze mil, distribuídos em todo município, sendo que na sede eram menos de dez por cento desse total. Quando cheguei na cidade ainda fazia frio e já estávamos no fim do mês de Setembro de 1969. Chovia muito e o minuano teimava em me acordar durante as noites, quando, com força, tentava passar pelas frestas da janela do meu pequeno quarto. Encontrei uma região muito bonita, com um povo acolhedor, mas, muito atrasada em diversos aspectos. Estávamos vivendo em pleno regime militar onde os acontecimentos políticos se sucediam com bastante rapidez, mas, em Cotegipe o tempo parecia não passar. Tudo era muito silencioso, calmo e feito sem pressa, até parecia que eu estava morando em uma grande fazenda. As poucas notícias que acabavam chegando vinham com dois ou até mais dias de atraso, isso quando o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, o mais importante da época, conseguia ser entregue na cidade. As rádios brasileiras tinham bastante dificuldades para chegar até nós, mesmo a Guaíba. Somente à noite podiam ser melhor sintonizadas, sem aquela interferência insuportável ouvidas durante o dia. A televisão ainda iria demorar mais alguns anos para chegar nestas bandas. Mesmo a Rádio Guaíba  de Porto Alegre, era difícil de sintonizar. As emissoras de rádio mais potentes eram as argentinas e também alguma uruguaia, mas, infelizmente, com praticamente nenhuma notícia sobre o Brasil. No mês anterior a minha chegada, para regularizar meu registro junto ao Conselho de Medicina do RS, eu tinha ido pela primeira vez à Porto Alegre e a pujança daquela capital me impressionou positivamente. O movimento que encontrei lá era bem maior que em Curitiba da época. Era uma cidade muito grande, com uma população maior. A quantidade de caminhões e o número de indústrias localizadas entre Canoas e Porto Alegre, itinerário por onde passava o ônibus interestadual, também era muito grande e chamou muito a minha atenção. O município de Barão de Cotegipe foi colonizado principalmente por emigrantes europeus, especialmente italianos, poloneses e alemães. Em muito menor proporção por pessoas de inúmeras outras etnias, como russos, ucranianos, búlgaros e judeus. Cada uma delas deixou a sua marca característica, concorrendo neste caldo multiétnico, no uso e nos costumes, na fala, na cultura e na culinária local e gaúcha. Nos dois ou três primeiros meses na nova terra eu tive alguma dificuldade para compreender certas palavras e expressões usadas pelos meus clientes quando chegavam até o hospital para consulta médica. Precisei me esforçar, pois, nem sempre se podia dizer para eles que o “doutor não os estava entendendo”. As pessoas mais idosas eram na maioria descendentes de imigrantes e não falavam o português. Muitas delas eram nascidas na Europa, outros já brasileiros de primeira ou segunda gerações, mas que tinham sido alfabetizados na língua de procedência e em casa não usavam o português. Simplesmente não sabiam falar português, somente algumas palavras. Que eu não entendesse estas línguas eles até compreendiam bem e, assim, sempre se faziam acompanhar por um filho ou uma filha para servirem de tradutores durante as consultas médicas. Mas, não serem entendidos quando estavam falando o seu "português" não era admissível. A língua falada no Rio Grande do Sul era uma mistura de português, espanhol (castelhano) e inúmeras outras palavras características das etnias que ali se fixaram, sobretudo o talian, uma língua que não é um dialeto italiano, criada no meio das comunidades de imigrantes italianos nas antigas colônias da Serra Gaúcha. Como os imigrantes italianos eram majoritariamente de origem das regiões do Vêneto e Lombardia, eram as palavras de seus dialetos os que mais influenciaram no falar dos habitantes de Cotegipe. Eu, nascido em Curitiba, apesar de descendente de italianos não sabia praticamente nada da língua, mas, rapidamente fui aprendendo de tanto ouvir. Consegui também aprender bastante do polonês, o suficiente para entender um pouco melhor os meus clientes nas consultas. Muitas vezes os mais velhos até perguntavam, com indisfarçável satisfação, se eu era descendente de poloneses. Palavras corriqueiras do dia a dia eram bem diferentes do que eu conhecia. Em poucos meses aprendi rapidamente, não sem dificuldade. O uso sistemático de tomar chimarrão, de sempre receber as visitas com uma cuia nas mãos, também me deixou impressionado. Em Curitiba também o uso do chimarrão era muito difuso, mas, muito menos frequente que aqui do Rio Grande do Sul e sempre reservado somente para algumas situações, mais íntimas. A maneira de fazer o tradicional churrasco, usando somente o sal grosso como tempero, também foi uma das boas surpresas que encontrei. No Paraná e Santa Catarina a carne para o churrasco era quase sempre outro tipo de corte e ficava sempre mergulhada em uma salmoura com tempero antes de assar. Os homens descendentes de poloneses, aqueles mais velhos, a maioria imigrantes, quando vinham para uma consulta médica usavam a melhor roupa que tinham, geralmente, usavam uma camisa branca com um vistoso debrum colorido, sem gola e com uma fileira de dois ou três botões espaçados. Um terno escuro completava a "fatiota".



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


sexta-feira, 30 de junho de 2023

Desbravadores da Terra: A Lista das Famílias Italianas Pioneiras em Vale Vêneto, RS (1878-1888)


Relação das Famílias Pioneiras que Colonizaram Vale Vêneto vindas da Itália entre 1878 e 1888


BALCONI

BALDISSERA

BASSO

BEVLACQUA

BISOGNIN

BOLZAN

BONFADA

BORANGA

BORDIGNON

BORTOLAZZO

BORTOLUZZI

BRONDANI

CAGLIARI

CANAZZA

CARLOTTO

CASASSOLLA

CERETTA

CHIARINOTTO

CILIATO

COPETTI

CREAZZO

DALMASO

DAL SANTO

DANIEL

DOTTA

DOTTO

DRUZIAN

FERIGOLO

FILIPETTO

FOLETTO

FORGERINI

FORZIN

GIACOMINI

GRIGOLETTO

IOP

LODERO

LOVATTO

MARCHESAN

MARCUZZO

MARIN

MARIO

MELLOTTO

MENEGHEL

MISSAO 

MORO

MISSAN

NOGARA

PASQUATIN

PASQUATINI

PARCIANELLO

RIVETA

RIZZOLATTO

POZZOBON

RIGHI

RORATTO

ROSSI

ROSSO

SARTORI

SBIZIGO

STEFANEL

STROILI

TONDO

TRONCO

VARASCHIN

VENDRUSCULO

VENTURINI

VERNIER

VIGNOTTO

VIZZOTTO

WEBER

ZAGO

ZANINI







sábado, 10 de outubro de 2020

O Filó nas Comunidades Italianas do Rio Grande do Sul



O século XIX, principalmente, a partir da sua segunda metade, foi um período muito duro para todas as nações européias, em especial para os vários estados que então coexistiam na península italiana. A queda da Sereníssima República de Veneza, ocorrida no século anterior, e consequente passagem do Vêneto para os domínios da França de Napoleão e logo depois a sua incorporação no Reino Austro Húngaro, as várias guerras para a sua liberação, os conflitos pela unificação da Itália, causaram grande estragos nas regiões do norte da Itália. A pobreza em que já vivia grande parte da população, decorrente sobretudo do desemprego em massa nos campos, agravados pelos vários impostos criados para sustentar a reunificação do Reino da Itália, somados com importantes calamidades climáticas, que aumentaram a frustração das safras, tornaram inviável a vida dos pequenos agricultores e artesãos do norte e nordeste italiano. A solução foi emigrar para outros países para fugir de uma vida sem perspectivas. Por diversos motivos, o Brasil foi um dos países escolhidos para receber esses milhares de italianos. Com eles também vieram os usos e costumes das diversas regiões de origem. 



Um desses costumes, que muito se adaptou nas colônias italianas do Rio Grande do Sul, foi o do filó. Ele consistia num encontro social, uma confraternização, entre parentes, amigos e vizinhos, realizado muitas vezes no paiol, na cozinha, no porão ou mesmo ao ar livre. Depois do jantar, homens, mulheres e crianças iam à casa do vizinho para conversar ou muitas vezes para fazer alguns pequenos trabalhos manuais, como fiar a lã e debulhar o milho. 



O filó era basicamente uma reunião de 2 ou 3 famílias vizinhas, à noite, geralmente aos sábados, para conversar, rezar, dançar, comer e beber. Nas capelas, aos domingos, os homens e as mulheres ficavam separados, mesmo dentro da igreja, homens e meninos maiores de um lado e as mulheres e crianças pequenas do outro. Mas, quando iam no filó, juntavam-se em agradável convivência. 



O filó tratava-se de uma antiga da tradição italiana, comumente encontrada naquelas regiões mais altas, que tinham um inverno mais rigoroso, como as do norte da Itália. Para os imigrantes provenientes do norte da Itália, o filó significava um momento de estar junto, seja para pequenos trabalhos, lazer ou simplesmente a necessidade de se abrigar dentro de casa na temporada de muita neve e intenso frio. 



A palavra filó significa trabalho com linha, na língua vêneta laoro col filo, pois o fiar, nas regiões de montanha, era a atividade principal da família nos dias de inverno usando a roca, um antiquíssimo instrumento. Fazer um filó significava preparar a lã para fazer os fios a serem depois trabalhados e tecer os tecidos. Quando lá na Itália, o filó era realizado juntando-se algumas famílias numa só residência, antes de tudo, com a finalidade de economizar lenha, que era escassa. Todos se ocupavam de alguma maneira, alguns esfiapavam a lã de ovelha fiavam e outros contavam histórias. Normalmente os filós aconteciam com mais frequência nos meses mais frios, onde também o trabalho na lavoura não era tão puxado, e também nesses períodos de inverno, os dias são mais curtos, anoitecendo mais cedo, eles então reuniam a família e iam fazer visitas na casa de vizinhos. 



Na Itália, as aldeias e vilas de proveniência da maioria dos imigrantes que vieram para o nosso estado, ficavam localizadas mais próximas umas das outras. Quando chegaram aqui nos grandes lotes para os quais foram destinados nas colônias, geralmente, os vizinhos não estavam muito próximos, mas, distantes centenas de metros, muitas vezes existindo entre eles trechos de floresta fechada e caminhos de difícil acesso. Esses encontros noturnos também eram tidos como um momento em que os imigrantes se reuniam, para juntos, amenizarem o sofrimento e as saudades causadas pela emigração, o afastamento drástico dos seus familiares, dos seus amigos e de seus costumes. Para diminuir a solidão, nos momentos de depressão, os primeiros imigrantes passaram a se visitar mais freqüentemente e a se auxiliarem mutuamente, até mesmo na construção da casa, na organização da lavoura, da colheita, entre outras. A razão para acontecerem os filós, era antes de tudo a necessidade de conviverem, de confraternizarem, de levarem e saberem notícias da Itália, dos parentes e amigos que lá tinha deixado. Não existia outro meio de comunicação para fora da colônia senão a carta, para se ter notícias. Nos filós havia aquele momento especial em que as cartas recebidas da Itália eram lidas para todos os presentes. 



O filó tinha a sua importância não só pelo seu aspecto social ou cultural, mas também pelo aspecto econômico, uma vez que era uma atividade exercida em horas de lazer, oferecia solução de mão-de-obra gratuita, estimulando o regime de troca, não só dos produtos da terra, como também do próprio trabalho braçal. O filó oportunizou a manutenção e, por vezes, o surgimento do artesanato doméstico, onde as mulheres teciam as rendas de crochê, fiavam e teciam o linho, remendavam a roupa, faziam as tranças, chamadas de dressa, de palha de trigo usadas para confeccionar chapéus, bolsas e pequenos cestos. Os homens e rapazes também jogavam baralho. As famílias iam de uma casa a outra para fazer o filó. Dessa maneira era mais rápido fazerem amizades com os vizinhos e poderiam assim se conhecer melhor. Embora às vezes provenientes de lugares muito diferentes da Itália, todos eles tinham a mesma história, o mesmo destino, a mesma fé e a enorme esperança de encontrar a cucagna. 



Os filós além de fortalecerem os laços de parentesco, ou de amizade, também propiciavam uma saudável forma de lazer para os mais jovens, uma oportunidade de se conhecerem, facilitando o início de um namoro e um provável futuro casamento. Muitos filós eram até mesmo programados para que houvesse o namoro. As famílias eram convidadas, para que acontecesse a aproximação desses jovens e dali surgisse um possível namoro e quem sabe, um futuro casamento. 
Nos dias atuais ainda podemos constatar o costume dos filós, se bem que remodelados, muito diferentes daqueles de tempos atrás, especialmente nas pequenas localidades, nas zonas coloniais mais afastadas, de alguns municípios do Rio Grande do Sul, quando os vizinhos ainda mantêm o costume de se visitarem à noite, para colocar o assunto em dia. Um encontro de pessoas, sejam elas conhecidas ou não, o chamado filó comunitário, realizados geralmente em locais mais espaçosos, como um salão da comunidade  em que toda população local pode participar. O filó surgiu como uma forma de resgate do passados dos nossos imigrantes pioneiros e nele cada família leva um prato de comida típica italiana feita em casa ou uma bebida e todos comem reunidos, relembrando as histórias dos antepassados. Em alguns municípios do Rio Grande do Sul, e também em outros estados do Brasil que viveram o fenômeno da imigração italiana, a administração municipal instituiu uma "Noite do filó", que em alguns casos se tornaram atrações turísticas do local atraindo sempre grande público. 
Nesses filós comunitários se canta, reza-se o terço em "talian" que é a língua veneta-brasileira, em outros se organizam peças de teatro, também nessa língua, e em outros se apresentam também grupos locais de danças típicas italianas. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
   















terça-feira, 6 de março de 2018

Os Imigrantes Italianos e os Vênetos no Rio Grande do Sul

Emigrantes Italianos no Porto de Gênova esperando o embarque


Os Imigrantes Italianos e os Vênetos no RS

 O Rio Grande do Sul foi uma terra disputada pelas coroas da Espanha e Portugal e a expansão da sua população teve o seu início com a chegada do século XVIII. 
Depois de muitos anos de cruentas lutas, a então Província foi delimitada e se deu início a sua colonização de forma sistemática. Assim no ano de 1824 chegaram os imigrantes alemães e mais tarde, cinquenta anos após, em 1875 as primeiras famílas de colonos italianos. 
Tendo obtido bons resultados com as colônias alemãs, no ano de 1875, a Província recebeu do Império as colônias Dona Isabel (que mais tarde se chamou de Bento Gonçalves) e Conde D'Eu (depois chamada de Garibaldi) destinadas a receber imigrantes italianos em geral, sendo que os vênetos eram a grande maioria. 
Depois foram criadas outras colônias: a Colônia Fundos de Nova Palmira, logo depois rebatizada como Colônia Caxias e também a Colônia Silveira Martins
O primeiro grupo de imigrantes italianos chegou no Rio Grande do Sul em 1875 e se estabeleceu na Colônia Nova Palmira, no local chamado Nova Milano (hoje Farroupilha). Neste mesmo ano outros imigrantes italianos em geral e vênetos em particular se estabeleceram nas Colônias Conde D'Eu e Dona Isabel e já em 1877 na Colônia Silveira Martins, vizinho a atual cidade de Santa Maria.
Os imigrantes italianos que vieram para as novas colônias no Rio Grande do Sul proveniam, na sua quase totalidade, do norte da Itália (Vêneto, Lombardia, Trentino Alto Adige, Friuli Venezia Giulia, Piemonte, Emilia Romagna, Toscana, Liguria). Um dado estatístico nos revela que por zona de proveniência: Vênetos 54%, Lombardos 33%, Trentinos 7%, Friulanos 4,5% e os demais 1,5%. Como se pode ver os vênetos e os lombardos constituíram 88% dos imigrantes fixados na Província do Rio Grande do Sul. 
Os imigrantes italianos chamados para substituir mão de obra escrava, com o advento da abolição da escravidão no Brasil, rapidamente, em poucos anos, os territórios à eles destinados para colonização, já estavam inteiramente ocupados, obrigando os que chegavam, e também aos filhos desses pioneiros, a procurar novas terras, mais distantes das primeiras colônias. Assim foram surgindo outras colônias, sempre com a esmagadora predominância numérica dos vênetos: atuais cidades de Alfredo Chaves, Nova Prata, Nova Bassano, Antônio Prado, Guaporé e um pouco mais tarde, Vacaria, Lagoa Vermelha, Cacique Doble, Sananduva e Vale do Rio Uruguai, como Casca, Muçum, Tapejara, Passo Fundo, Getúlio Vargas, Erechim, Severiano de Almeida.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS