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domingo, 7 de maio de 2023

A Grande Emigração Italiana: Aspectos Sócio Econômicos

 

Imigrantes no refeitório da Hospedaria da Ilha das Flores no Rio de Janeiro




O fenômeno migratório italiano tem raízes muito antigas, mas, foi somente a partir da metade do século XIX que se tornou um fenômeno de massa, então jamais visto nos tempos modernos. Segundo o historiador italiano Deliso Villa, uma referência em assuntos sobre a emigração italiana, em seu excelente livro "Storia Dimenticata", compara esse verdadeiro êxodo com aquele antigo dos hebreus fugindo do Egito, descrito na Bíblia. Em praticamente cem anos a partir de 1861 o número de italianos que, por diversas razões, tiveram a necessidade de emigrar ultrapassa os 30 milhões de indivíduos. Se fizermos uma comparação com os números do censo de 2021, que apontou que a população da Itália é de um pouco menos de 60 milhões de indivíduos, estamos falando que no arco de um século este número é igual a metade da sua população atual! Antes desta data era comum a migração temporária, quase sempre de homens desacompanhados - aqui também devemos recordar das balias, assim chamadas as amas de leite, especialmente, devido o seu grande número, provindas da província de Belluno - que se deslocavam temporariamente para buscar trabalho em outras regiões do próprio país e também naqueles vizinhos da Itália, mais ricos e desenvolvidos, que estavam atravessando um período de grande desenvolvimento, como a Alemanha, França e mais tarde a Bélgica. Era um fluxo sazonal, ou seja acompanhava as estações do ano. Quando chegava o inverno nas regiões montanhosas e o trabalho na agricultura naturalmente diminuía, era a hora de partir, levando consigo os seus instrumentos de trabalho. Por outro lado, para os que tinham conhecimento de algum outro ofício, como por exemplo os artesãos, esse fluxo também era percebido em todas as estações do ano e procuravam ganhar a vida em locais mais distantes das suas vilas, chegando a passar alguns meses fora de casa como migrantes, percorrendo a própria Italia, ou mais frequentemente imigrantes temporários em países vizinhos. Pouco antes da primavera os camponeses retornavam para as suas casas trazendo suas economias e recomeçavam a dura lida nos trabalhos rurais. O grande êxodo foi consequência natural de uma série de problemas políticos e sócio econômicos internos da própria Itália mas, também, em decorrência da conjuntura internacional da época. A unificação da Itália, um fenômeno que mexeu com toda a estrutura política e social da península, gravou com mais força aqueles cidadãos mais pobres e desprotegidos da sociedade, os pequenos agricultores e os artesãos. Estes não conseguiram suportar as novas taxas e impostos criados para sustentar o novo reino. O advento da revolução industrial, ao qual a Itália estava sendo rapidamente empurrada, pela competição com países vizinhos, causou desemprego em massa no campo, pois a Itália naquela época era um país essencialmente agrícola, e a maioria dos que perdiam seus empregos não conseguiam mais ser absorvidos por um parque industrial ainda incipiente. A emigração sem dúvida foi uma providencial válvula de escape que evitou uma grande conflagração social, uma sangrenta revolução que estava prestes a acontecer. Por outro lado, além de reduzirem o número de bocas à alimentar, ao emigrarem, esses milhares de italianos contribuíram enormemente com o progresso do país, através das suas constantes remessas de valores para os parentes que ficaram na Itália. Eram recursos financeiros destinados para ajudar a família, mas, também, com maior frequência, como aplicação de capital, para serem usados no pagamento de dívidas por eles anteriormente contraídas, na compra de terras ou na abertura de pequenos negócios, para serem explorados por eles quando retornassem. Essas remessas foram por demais importantes para Itália a ponto que um ministro da época à eles se referiu como "um verdadeiro rio de ouro". Essa fonte de moeda forte movimentou por vários anos a economia italiana, quase desaparecendo totalmente durante o período da primeira Guerra Mundial, para retornar mais tarde, se bem que com menos vigor. Serviram para engrossar o caixa do tesouro nacional e financiar a industrialização do país. No gráfico abaixo podemos ter uma melhor noção dos valores que chegavam em relação ao número de emigrantes que partiam, lembrando que esses dados foram obtidos em planilhas  contábeis das agências bancárias oficiais e dos órgão governamentais. Acredita-se que muito mais remessas foram feitas, talvez mais que o dobro contabilizado, através de outros meios de envio, entre eles os correios ou usando portadores,  parentes ou amigos que retornavam, os quais não podemos  avaliar com exatidão.






Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



segunda-feira, 18 de abril de 2022

As Remessas de Recursos dos Imigrantes Italianos para a Itália

Caxias no início do século XX


Remessas são os rendimentos que os emigrantes enviavam para a Itália em moedas de ouro e vales postais. Eram utilizados para quitar dívidas, elevar o padrão de vida da família e também para pequenos investimentos em terras. Depósitos postais e bancários, compra de títulos remunerados e instrumentos de crédito. Aumento das reservas de ouro italiano, contribuição para os ativos da balança de pagamentos italiana. 

De fato, os emigrantes, durante o seu período de trabalho no exterior, enviaram de  lá grande parte das suas poupanças, tanto para investimento, principalmente em terras, como também para melhorar as condições de vida dos seus entes queridos que permaneceram em casa. Será graças a essas grandes remessas que a emigração italiana representou um importante instrumento para o nascimento do capitalismo e da industrialização italianos, a que a Itália se valeu para seu próprio desenvolvimento econômico. A importância dessas remessas  para impulsionar a incipiente economia italiana, podemos avaliar pelas declarações de um ministro no parlamento do país que se referia a elas como "un vero ruscello d'oro" (um verdadeiro riozinho de ouro). 

Nos últimos anos do século XIX e as primeiras décadas do século XX, as remessas  de valores realizadas pelos milhares de emigrantes italianos espalhados pelo mundo desempenharam um papel fundamental na história econômica italiana, atuando como uma espécie de carta na manga da sua industrialização em particular na fase de decolagem industrial durante a era Giolitti. Este foi um momento muito delicado para um país que chegava atrasado à industrialização e em muitas ocasiões  precisava importar bens de consumo e capitais, mas, por outro lado ainda não conseguia garantir exportações de igual valor, tendo assim um grande déficit na balança de pagamentos. As remessas, enviadas pelos  emigrantes para os seus parentes que permaneceram na Itália, chegaram a cobrir, nesses anos, mais da metade da parte ativa do balanço de pagamentos, o que possibilitava fazer frente à importação de matérias-primas e bens de capital indispensáveis ​​às necessidades cada vez maiores da produção industrial. Por outro lado, as numerosas comunidades de emigrantes italianos no exterior, uma vez transplantadas para os países de destino, abriram ou alargaram as portas dos mercados locais para as exportações italianas, da alimentação aos têxteis. As remessas, embora tenham tido maior importância na fase de decolagem industrial, assumem importância também em outras fases do crescimento econômico caracterizadas por um déficit comercial crescente, como por exemplo nos anos entre 1955 e 1963. Nos primeiros 15 anos do século XX, o montante de remessas vindas das comunidades italianas no exterior excedia a receita anual tributada diretamente pelo Estado italiano. Nesse mesmo período, existia a figura do emigrante temporário, um jovem do sexo masculino de família de pequenos agricultores, deixando uma família em precárias condições econômicas. Esta condição familiar e social determinava uma forte propensão à economizar para ajudar os seus entes queridos que permaneceram na Itália. 


Caxias no final do século XIX


No caso do sul da Itália, já a partir de 1865, quando a fome castigava a muito tempo os seus casebres, os pequenos agricultores das províncias meridionais foram empurrados, em direção à emigração, como um último e desesperado remédio. Os primeiros a emigrarem foram os homens solteiros e os viúvos, depois os pais de família. Nesse tempo eram frequentes os despachos do exterior de vales postais, desde os países onde os que já tinham emigrado estavam assentados, para os membros da família que permaneceram no locais de origem. No começo as remessas chegavam à Itália por vale postal, mas os correios só existiam nas grandes cidades e muitas vezes estavam ausentes nos centros de mineração e das fazendas de café onde os emigrantes italianos tinham sido levados. No caso da emigração italiana para os Estados Unidos,  os funcionários falavam inglês e isso se constituía em um sério obstáculo para pessoas que só falavam seu dialeto de origem. Dos 25 a 30 milhões de dólares que no ano de 1893 o Comitê de Emigração do senado americano acreditava terem sido enviados para a Itália, apenas alguns milhões passaram pelos correios americanos. Para o grosso das remessas, outros canais foram usados: às vezes as notas eram fechadas em envelopes comuns de cartas, mas, principalmente, através de pequenos bancos italianos, muitas vezes nos limites da legalidade. Os abusos e fraudes foram numerosos e foram relatados pelo Departamento do Trabalho e pela imprensa dos Estados Unidos. Muitas vezes, personagens ambíguos que haviam se improvisado como banqueiros recebiam mais de uma comissão, trapaceavam de várias maneiras e às vezes desapareciam com o dinheiro confiado. Em 1894, em Boston, cerca de 4 banqueiros haviam se tornado os protagonistas de grandes golpes, apropriando-se de grandes somas de depósito para serem remetidas à Itália. No entanto, é preciso enfatizar que nem todos os bancos estavam envolvidos em fraudes, havia também os convencionais. Por exemplo, uma agência napolitana de um banco suíço, que recebia anualmente uma média de 30 a 45 milhões de liras, diretamente de suas agências instaladas nos Estados Unidos. Uma lei promulgada em fevereiro de 1901 interveio exatamente para proteger as economias dos emigrantes e facilitar o fluxo de remessas para a Itália. O Banco di Napoli foi encarregado de substituir os chamados "banqueiros italianos" com serviços próprios em todos os centros onde as comunidades italianas estavam presentes, o que reduziu os custos de envio das remessas. A referida lei pretendia proteger os imigrantes e as suas poupanças, mas, também incentivar a chegada de remessas, tão importantes para a economia italiana da época. Um levantamento mais preciso feito nesses anos pelo Banco da Itália mostrou que as remessas no período ultrapassavam em muito 400 milhões por ano, aos quais se deve somar os valores enviados por  vale postal, através de bancos italianos e as remessas que os emigrantes enviaram através de  cartas às suas famílias na Itália, chegando a um total de mais de 500 milhões por ano. Destes, pelo menos 350 milhões foram para as regiões do Sul da Itália, protagonistas da emigração naquele período. 

Essas remessas foram usadas para: 

1- Parar a queda. Não se tratava de tentar melhorar a situação financeira da família, mas de saldar dívidas bloqueando assim a queda social. As dívidas a pagar podem ser as devidas a proprietários ou ainda aquelas contraídas para financiar a emigração, muitas vezes recorrendo a verdadeiros usurários. Só depois disso foi possível tentar sair da situação de subconsumo alimentar.

2- Consolidar o status. Significava pagar impostos em dia e comprar uma casa.

3-  Elevar o status. É uma questão de expandir e diferenciar o consumo de alimentos, comprar gado, ampliar a propriedade comprando terras.

4- Depósitos de remessas em correios, contas correntes ou títulos remunerados; compras de títulos de dívida pública ou depósitos em bancos locais.


Após o nascimento do Reino da Itália, aconteceu o primeiro censo demográfico (1861), segundo o qual os italianos eram mais de 24 milhões. Os primeiros dados relativos à emigração também emergiram das estatísticas nacionais: os italianos residentes no exterior eram 220.000, dos quais cerca de 120.000 na Europa e na África mediterrânea (especialmente Tunísia e Egito) e cerca de 100.000 nas duas Américas. Especificamente, o Anuário Estatístico de 1861 registrou 220.000 italianos residentes no exterior, dos quais 77.000 na França, 14.000 na Suíça, 12.000 no Egito, aproximadamente 6.000 na Tunísia, 100.000 nas duas Américas (47.000 nos Estados Unidos, aproximadamente 18.000 no Brasil e na Argentina), e também foi registrado que, na grande maioria, os emigrantes eram das províncias  do centro-norte.