Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
Espaço destinado aos temas referentes principalmente ao Vêneto e a sua grande emigração. Iniciada no final do século XIX até a metade do século XX, este movimento durou quase cem anos e envolveu milhões de homens, mulheres e crianças que, naquele período difícil para toda a Itália, precisaram abandonar suas casas, seus familiares, seus amigos e a sua terra natal em busca de uma vida melhor em lugares desconhecidos do outro lado oceano. Contato com o autor luizcpiazzetta@gmail.com
O lado sombrio desse trabalho era o alto preço que as mulheres pagavam ao retornarem para as suas casas. Os longos períodos de ausência do seu lar afetavam bastante as relações com os seus próprios filhos, muitas vezes de forma duradoura. Os filhos naturais que ficaram em casa, longe da mãe, muitas vezes sentiam uma sensação de desconfiança e a viam como uma estranha. Por outro lado, os filhos de leite, aqueles pequenos estranhos que ela havia amamentado, se apegavam profundamente à ela, que os alimentou e criou.
No início a vida dessas mulheres não era realmente nada fácil, chegavam à uma grande cidade, muito maior do que a vila que então viviam, alojadas em casa de pessoas desconhecidas com comportamentos e hábitos de vida muito diferentes dos seus. Ao chegarem na nova residência, depois de longas e cansativas viagens, antes de amamentar o bebê à ela confiado, passavam por exames e consultas médicas. Viviam em constante controle dos patrões, que as vigiavam e as proibiam de contatos com outras pessoas além dos da família.
Com o passar do tempo essas relações, geralmente, iam mudando, assim que elas granjeavam a confiança dos patrões e obtinham mais liberdade, permitindo conhecer outros membros da família e seus amigos visitantes. Esse estreito contato com as famílias, com pessoas de maior nível social e cultural contribuiu para que essas amas-de-leite e babás, geralmente sem instrução, quase sempre provenientes da zona rural, a oportunidade de um desenvolvimento cultural.
Mas, ao retornarem para as suas próprias casas, elas traziam com elas uma bagagem de cultura mais sofisticada, resultado da oportunidade que tiveram ao absorverem os hábitos, comportamento e ideias das famílias burguesas com que viveram, os quais contrastavam com aqueles da sociedade rural.
Elas agora passavam a ser olhadas com alguma desconfiança pelos vizinhos, ainda mergulhados na sociedade campesina, pois, retornavam com outros hábitos, tinham os cabelos penteados, a pele bem cuidada, muito branca, sem as características manchas deixadas por horas de trabalho expostas ao sol, usavam adornos, jóias e grampos nos cabelos cuidados, contrastando com o das demais mulheres da localidade.
Os filhos naturais confiados a outras mulheres, alimentados artificialmente geralmente com mamadeira de leite de cabra, as repeliam, não reconhecendo nelas as próprias mães. Em muitos casos ao retornarem não encontravam mais os filhos legítimos, tinham morrido após a partida e a família não as avisava para evitar perderem o leite.
Também eram mal compreendidas pela sociedade campesina, incentivadas pelos proprietários de terras local, que viam nessa atitude de sair de casa para cuidar os filhos dos outros em detrimento dos próprios, como uma forma de ganância por dinheiro, vaidade ou mesmo desejo de aventura. Com esses comentários pejorativos, o que na verdade esses proprietários de terras queriam dizer é que estavam com medo das ideias mais progressistas que elas traziam para as suas vilas, com uma possível desintegração dos modelos éticos tradicionais, motivando no fundo a perda da autoridade e poder que eles tinham com os camponeses.
Na verdade a emigração temporária feminina deu uma forte contribuição para melhorar o padrão de vida das famílias campesinas, impulsionando a pequena propriedade. A experiência de emigração temporária também proporcionou uma mudança na maneira de pensar dessas mulheres, aumentando a sua autoestima e a satisfação própria com a contribuição que deram no desenvolvimento da economia do território nos tempos de crise.
Dr. Luiz Carlos Piazzetta