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terça-feira, 13 de outubro de 2020

Quando os Emigrantes Italianos Morriam no Mar



Durante os anos da grande emigração de italianos, do final do século XIX e início do século XX, diversos foram os naufrágios de passageiros transportando emigrantes, ocorridos durante a longa e perigosa viagem de travessia do Oceano Atlântico, especialmente nas viagens para os países do hemisfério sul, destinadas ao Brasil e Argentina. Para aproveitarem o máximo   aquela verdadeira enxurrada de passageiros que procuravam bilhetes para viajar para o exterior, as diversas companhias de navegação existentes na época, que não estavam preparadas para tanto movimento, colocaram em serviço todo o tipo de embarcações que dispunham, algumas com dezenas de anos de uso no transporte de cabotagem. Quase nenhuma delas possuía  espaço suficiente nos navios para absorver aquela grande quantidade de passageiros. Assim navios já antigos, que antes eram somente empregados para o transporte de mercadorias, alguns deles usados para transportar carvão, foram velozmente adaptados para servirem de transporte de seres humanos. Grandes divisórias de madeira foram construídas nos porões de carga para servirem como uma espécie de grandes quartos, onde seriam abrigados os passageiros. Eram na verdade grandes salões onde eram distribuídas fileiras de beliches que serviriam de camas para os emigrantes. Os navios não possuíam instalações sanitárias e nem água corrente suficientes para todos os passageiros. Os "banheiros" existentes eram simplesmente grandes baldes de madeira, com tampa, colocados nos cantos desses salões, onde os emigrantes deveriam fazer as suas necessidades e também, no caso de vômitos, que na verdade eram muito frequentes pelo contínuo balanço dos navios. Além de precárias essas adaptações não eram suficientes para a quantidade de passageiros que as companhias de navegação colocavam a bordo, a lotação máxima prevista por viagem, estipulada pelas autoridades do  governo italiano, quase sempre era ultrapassada sem maiores explicações, tudo com o intuito de auferirem maiores lucros. Além de muito quentes, o ar nesses porões onde se alojavam os emigrantes, era quase irrespirável pelo cheiro exalado de centenas de seres humanos, mal lavados e confinados por semanas. Para fugir desse ar pestilento muitos emigrantes procuravam subir para o convés a fim de passarem algumas horas mais confortáveis. Enfrentavam o sol, o frio, a chuva e a água do mar que teimava subir até eles nos dias de ventania, mas, pelo menos diziam, respiravam um ar mais puro. Nessa época ainda não havia refrigeração suficiente para a conservação de alimentos para tantos passageiros, era comum os navios transportarem animais vivos, confinados em alguns precários cercados, os quais seriam abatidos durante a viagem, para servirem de alimento. A higiene nesses casos era bastante precária e esse temerário procedimento, fonte de contaminações, que se traduziam na forma de epidemias, como as de graves diarréias e até cólera. 



No ano de 1880 o vapor italiano Ortigia naufragou nas costas da Argentina, depois de abalroar um outro navio mercante. Nesse acidente morreram 149 emigrantes e muitos outros deles viram terminar o sonho de uma nova pátria, com a morte de seus familiares. No ano de 1884 no navio italiano Brazzo que transportava 1.333 emigrantes a bordo, teve um surto de cólera que matou 20 passageiros. Devido essa epidemia o navio foi proibido de atracar, tendo sido repelido a tiros de canhão antes de entrar no porto de Montevidéu, no Uruguai. Em 1888, no navio italiano Carlo Raggio, que transportava 1.851 emigrantes italianos a bordo, durante a travessia 18 passageiros morreram de fome. Se isso não bastasse, neste mesmo navio, alguns anos mais tarde, em 1894, 27 emigrantes morreram de asfixia e mais de 300 outros adoeceram gravemente. No navio Parà, em 1889, ocorreram 34 mortes por uma epidemia de sarampo. Em 1891 foi a vez do navio inglês Utopia, que durante a viagem em mar agitado e com pouca visibilidade, quando ainda se encontrava nas costas de Gibraltar, colidiu com um encouraçado, também de bandeira inglesa, afundando em poucos minutos, matando 576 passageiros, a maioria deles emigrantes italianos. O navio havia saído de Trieste e feito escala em Nápoles, onde embarcaram centenas de imigrantes italianos. A maioria das vítimas era provinha das regiões da Campania, Abruzzo e Calábria. Em 1893, no navio Remo, 96 emigrantes italianos morreram de cólera e difteria. Em 1894, no navio Andrea Doria, dos 1.317 emigrantes, 159 morreram a bordo de várias doenças. No mesmo ano, 20 mortes por várias doenças foram contabilizadas no navio Vincenzo Florio. Em 4 de julho de 1898, um navio a vapor francês, o Bourgogne, após uma colisão, nas costas da Nova Escócia, com o veleiro inglês Cromartyshire, naufragou causando a morte de 549 emigrantes italianos. Mais adiante aconteceu o afundamento do navio Bologna, que também transportava emigrantes italianos. No ano de 1906, devido uma canção dos emigrantes que surgiu logo depois, aconteceu o mais conhecido caso de afundamento de navio. Foi a vez do navio Sírio, que naufragou nas costas da Espanha. Era de propriedade da companhia Navigazione Generale Italiana e tinha zarpado do porto de Gênova no dia 2 de Agosto de 1906 para mais uma viagem transatlântica rumo ao Brasil, Uruguai e Argentina, levando uma grande quantidade de emigrantes italianos. A bordo estavam 1.418 passageiros, na grande maioria emigrantes, que lotavam a terceira classe, com os seus 1.290 lugares, localizada nos porões da embarcação, abaixo da linha d’água. As vítimas chegaram a um total de 500 passageiros e entre eles estava o bispo de São Paulo Don José de Camargo Barros. O navio não estava equipado com hélices duplas nem anteparas estanques, que teriam evitado o acidente. Entre os passageiros sobreviventes do Sirius, estava Felice Serafini que antes de partir, tinha sido fotografado em Arzignano, na província de Vicenza, e deixou uma foto como lembrança, com toda a numerosa família. Na manhã seguinte ao naufrágio, Serafini encontrou dois de seus filhos, enquanto sua esposa, que também estava grávida, e os outros seis filhos do casal morreram afogados, engolidos pelo mar. Mais recentemente, no ano de 1927, a nau capitânia da frota comercial italiana Principessa Mafalda fazia a sua última viagem, pois na volta seria desmontado, tinha zarpado do porto de Gênova no dia 11 de outubro e feito uma primeira escala em Barcelona, como previsto, partindo a seguir para a América do Sul. A maior parte dos passageiros era composta de emigrantes que tinham como destino final a cidade de Buenos Aires No porto do Rio de Janeiro iriam desembarcar 26 passageiros e no porto de Santos desceriam outros 85 emigrantes. Transportava um total de 968 passageiros e 287 tripulantes. Morreram oficialmente 350 passageiros, além de 32 tripulantes, conforme as declarações do regime facista, mas, para a imprensa argentina e brasileira, os emigrantes afogados tinham sido de 657. Como curiosidade, o navio Principessa Mafalda também transportava uma arca com moedas de ouro, no valor de 250.000 liras na época, presente do governo italiano ao argentino em agradecimento por ter acolhido os numerosos emigrantes italianos. A carga provavelmente ainda esteja a dois mil metros de profundidade no porão do navio naufragado. Em 1940, o navio a vapor britânico Arandola Star foi torpedeado pelos alemães e naufragou próximo às costas do Brasil, e assim tragicamente morreram 446 emigrantes italianos. 



A responsabilidade por todas essas tragédias marítimas dos navios que transportavam os emigrantes italianos deveu-se, em muito casos, ao descuido dos armadores e à falta de controle adequado das autoridades competentes italianas. Aqueles emigrantes italianos que se dirigiam principalmente ao sul do Brasil, no final do século XIX aos primeiros anos da década deXX0 do século passado, era formada, na sua grande maioria, por pequenos agricultores, simples diaristas, artesãos e operários braçais, quase sempre analfabetos. A maioria viajava levando baús de madeira e malas de papelão amarradas com barbante e traziam pouca roupa, enfrentaram uma viagem arriscada e perigosa para a época, em direção ao sonho americano, na esperança de uma existência melhor para si e suas famílias. Os descendentes desses pioneiros deveriam divulgar, por todos os meios possíveis a terrível realidade do que foi a emigração italiana, e não deixar morrerem essas páginas tristes da nossa história familiar e coletiva. Nesses relatos, uma atenção especial deveria ser reservada na divulgação do tempo em que os nossos  antepassados  eram escravizados e usados ​​como mão-de-obra descartável nas indústrias americanas, nas plantações do Brasil e da Argentina, muitas vezes enganados e mal pagos pelos exploradores de plantão. É importante que os nossos descendentes possam conhecer o terrível destino de muitos italianos vendidos a bordéis e crianças vendidas a pedófilos em serviço. Nas fotos antigas dos emigrantes podemos perceber como eram tratados nos navios, amontoados como animais para o abate, onde o fedor do suor de centenas de pessoas mal lavadas amontadas, de fezes, vômito e fumaça que tornava irrespirável o ar dos porões. Devido às precárias condições de higiene, inúmeras mortes por epidemias de cólera, tuberculose, sarampo, difteria, por asfixia, fome, aconteceram a bordo dos navios durante cada travessia.  


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS