Durante os anos da grande emigração de italianos, do final do século XIX e início do século XX, diversos foram os naufrágios de passageiros transportando emigrantes, ocorridos durante a longa e perigosa viagem de travessia do Oceano Atlântico, especialmente nas viagens para os países do hemisfério sul, destinadas ao Brasil e Argentina. Para aproveitarem o máximo aquela verdadeira enxurrada de passageiros que procuravam bilhetes para viajar para o exterior, as diversas companhias de navegação existentes na época, que não estavam preparadas para tanto movimento, colocaram em serviço todo o tipo de embarcações que dispunham, algumas com dezenas de anos de uso no transporte de cabotagem. Quase nenhuma delas possuía espaço suficiente nos navios para absorver aquela grande quantidade de passageiros. Assim navios já antigos, que antes eram somente empregados para o transporte de mercadorias, alguns deles usados para transportar carvão, foram velozmente adaptados para servirem de transporte de seres humanos. Grandes divisórias de madeira foram construídas nos porões de carga para servirem como uma espécie de grandes quartos, onde seriam abrigados os passageiros. Eram na verdade grandes salões onde eram distribuídas fileiras de beliches que serviriam de camas para os emigrantes. Os navios não possuíam instalações sanitárias e nem água corrente suficientes para todos os passageiros. Os "banheiros" existentes eram simplesmente grandes baldes de madeira, com tampa, colocados nos cantos desses salões, onde os emigrantes deveriam fazer as suas necessidades e também, no caso de vômitos, que na verdade eram muito frequentes pelo contínuo balanço dos navios. Além de precárias essas adaptações não eram suficientes para a quantidade de passageiros que as companhias de navegação colocavam a bordo, a lotação máxima prevista por viagem, estipulada pelas autoridades do governo italiano, quase sempre era ultrapassada sem maiores explicações, tudo com o intuito de auferirem maiores lucros. Além de muito quentes, o ar nesses porões onde se alojavam os emigrantes, era quase irrespirável pelo cheiro exalado de centenas de seres humanos, mal lavados e confinados por semanas. Para fugir desse ar pestilento muitos emigrantes procuravam subir para o convés a fim de passarem algumas horas mais confortáveis. Enfrentavam o sol, o frio, a chuva e a água do mar que teimava subir até eles nos dias de ventania, mas, pelo menos diziam, respiravam um ar mais puro. Nessa época ainda não havia refrigeração suficiente para a conservação de alimentos para tantos passageiros, era comum os navios transportarem animais vivos, confinados em alguns precários cercados, os quais seriam abatidos durante a viagem, para servirem de alimento. A higiene nesses casos era bastante precária e esse temerário procedimento, fonte de contaminações, que se traduziam na forma de epidemias, como as de graves diarréias e até cólera.
A responsabilidade por todas essas tragédias marítimas dos navios que transportavam os emigrantes italianos deveu-se, em muito casos, ao descuido dos armadores e à falta de controle adequado das autoridades competentes italianas. Aqueles emigrantes italianos que se dirigiam principalmente ao sul do Brasil, no final do século XIX aos primeiros anos da década deXX0 do século passado, era formada, na sua grande maioria, por pequenos agricultores, simples diaristas, artesãos e operários braçais, quase sempre analfabetos. A maioria viajava levando baús de madeira e malas de papelão amarradas com barbante e traziam pouca roupa, enfrentaram uma viagem arriscada e perigosa para a época, em direção ao sonho americano, na esperança de uma existência melhor para si e suas famílias. Os descendentes desses pioneiros deveriam divulgar, por todos os meios possíveis a terrível realidade do que foi a emigração italiana, e não deixar morrerem essas páginas tristes da nossa história familiar e coletiva. Nesses relatos, uma atenção especial deveria ser reservada na divulgação do tempo em que os nossos antepassados eram escravizados e usados como mão-de-obra descartável nas indústrias americanas, nas plantações do Brasil e da Argentina, muitas vezes enganados e mal pagos pelos exploradores de plantão. É importante que os nossos descendentes possam conhecer o terrível destino de muitos italianos vendidos a bordéis e crianças vendidas a pedófilos em serviço. Nas fotos antigas dos emigrantes podemos perceber como eram tratados nos navios, amontoados como animais para o abate, onde o fedor do suor de centenas de pessoas mal lavadas amontadas, de fezes, vômito e fumaça que tornava irrespirável o ar dos porões. Devido às precárias condições de higiene, inúmeras mortes por epidemias de cólera, tuberculose, sarampo, difteria, por asfixia, fome, aconteceram a bordo dos navios durante cada travessia.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS