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segunda-feira, 6 de junho de 2022

O Trabalho das Crianças Italianas e a Emigração


 


Devido a fome causada pelas precárias condições econômicas na Itália do século XIX, milhares de crianças foram obrigadas a trabalhar arduamente, em condições de semiescravidão, em diversos países da Europa, na época mais ricos e desenvolvidos.

Essas difíceis condições de trabalho causavam  inúmeras doenças, incapacidades e mortes naqueles jovens trabalhadores, em uma época em que o trabalho infantil não era reconhecido e não existia ainda uma legislação de proteção, o que só se tornaria realidade em 1924 com a Declaração dos Direitos da Criança. 

Entre quase todas as profissões exercidas pelos emigrantes italianos, nos variados trabalhos então existentes, podia-se sempre encontrar a presença de crianças pequenas que ajudavam  o profissional nos trabalhos ou na arrecadação de dinheiro.  





Em algumas áreas da Itália era muito comum o aluguel dos próprios filhos, para vizinhos ou conhecidos, que os levavam consigo e os usavam para mendicância ou auxiliares de jogo em terras distantes, mesmo em outros países.

Essa prática de exploração infantil se agravou bastante após a unificação da Itália, devido ao empobrecimento de grandes áreas do país.   

Muitas crianças e adolescentes, fugindo do trabalho árduo do campo, se juntavam a jogadores profissionais migrantes, músicos, artistas de rua ou a vendedores ambulantes, saiam de casa e passavam a obedecer a um mestre ou chefe e a enfrentar com ele a dura vida de andarilho e sem teto.

Esses jovens ficavam expostos a maus tratos e espancamentos, sendo que, principalmente as meninas, eram submetidas à violência sexual e acabavam em casas de prostituição.

Uma das primeiras atividades regulares que explorava a mão de obra infantil na Itália, foi a dos fabricantes de figurinhas, estampas e estatuetas. Essas crianças ficavam vagueando pelas ruas das cidades italianas, oferecendo os seus produtos, carregando um grande cesto com as estatuetas, até completarem a quota diária  estabelecida pelo patrão. 





Uma outra atividade muito difusa, que também explorava a mão de obra infantil, era a dos limpadores de chaminés, um trabalho muito arriscado, pois os pequenos deviam se esgueirar dentro das altas chaminés. Se tratava quase sempre de crianças muito jovens, recrutadas com idade de oito anos, pois elas deviam ser bem magras e ágeis, para conseguirem passar pelo estreito espaço das chaminés.  Além do frio e da fome, sofriam de maus tratos, do cansaço pelas longas horas de difícil trabalho e das sequelas de ferimentos, nem sempre curados. 

As minas de enxofre da Sicília foram palco de uma outra forma de exploração infantil, os chamados "carusi"   que eram alugados para o trabalho no interior das minas onde eram submetidos a trabalhos exaustivos e danosos a sua saúde. 





Com o início da grande emigração, nos últimos 25 anos do século XIX, foram também mudando as atividades que passaram a exercer os pequenos trabalhadores italianos. Aquelas crianças que vendiam figurinhas, estampas ou acompanhavam os jogadores profissionais, passaram a vender sorvetes, castanhas ou a trabalhar como engraxates nas grandes cidades européias, principalmente da Inglaterra, França e Alemanha. 

No final do século XIX e início do XX, ainda por falta de uma legislação adequada na Itália, um número grande de meninos partiram para o exterior, emigrando sozinhos ou acompanhados pelos pais ou parentes, passando a trabalhar como auxiliares de afiadores de facas, sapateiros, fabricantes e arrumadores de cadeiras.





Muitos desses meninos emigraram como amoladores de facas, sapateiros, fabricantes de guarda-chuvas ou cadeiras, mas o trabalho infantil estava se deslocando cada vez mais em direção à indústria, entrando em um mercado de trabalho infantil europeu que se alimentava do atraso da legislação italiana.

Somente em 1873 foi apresentada no senado italiano um projeto de lei para a proteção das crianças trabalhadoras, a qual só se tornou lei em 1886, quando passou a valer a proibição das industrias contratarem menores de nove anos de idade. Esta lei foi melhorada em 1909, quando este limite foi ampliado para doze anos.

Também até os primeiros anos do século XX o ensino básico terminava aos dez anos de idade com a conclusão da terceira série do primário, enquanto em países europeus, mais desenvolvidos e com um ensino mais rígido, esta obrigatoriedade era estendida até treze ou quatorze anos, com a conclusão da sexta série e o trabalho infantil só era permitido após a conclusão do ciclo básico de ensino.

O mercado de trabalho internacional era bastante duro para os pequenos imigrantes, oferecendo trabalhos cansativos e quase sempre muito danosos à saúde dos pequenos trabalhadores. 

As indústrias nos países que acolheram a emigração italiana, protegidos por uma  fiscalização complacente, não tinham escrúpulos em empregar menores abaixo dos limites de idade. 

Alegando um atraso da indústria nacional, não teve a Itália a capacidade de proteger os seus menores trabalhadores no seu próprio território e muito menos no exterior. 

A ignorância, a conivência e a tolerância das autoridades italianas de fronteira e dos funcionários ferroviários, facilitou muito a expatriação e a exploração dos pequenos trabalhadores.

Um fato pouco conhecido é o das crianças italianas que trabalhavam em fábricas de vidro  francesas e que só vieram à tona em 1900, no início do século XX, após a divulgação do relatório do cônsul de Lyon. Os fatos narrados por Ugo Cafiero, diplomata, no ano seguinte, após uma investigação, Fanciulli italiani nelle vitrerie francese, escancarou os horrores por que passavam os pequenos trabalhadores italianos nas fábricas de vidro da França.





Eram crianças muito pobres, principalmente do sul da Itália, sacrificadas pelos próprios pais, forçadas e manipuladas pelos seus próprios concidadãos, levadas através dos Alpes para soprar turfa de vidro incandescente, nas fábricas francesas e belgas, em troca de algumas liras pagas às suas famílias. 





Engabelados pelos traficantes de escravos, quase sempre italianos que vivem na França e visitavam periodicamente as pequenas localidades, para aliciar novas crianças. Iludidos com as promessas de uma vida melhor  e de  riquezas, em confronto com a miséria em que viviam, os pais e até as próprias crianças eram enganadas e se dispunham a partir na aventura. 

Foi a divulgação do julgamento do processo de Vozza que trouxe luz a mais detalhes dos horrores ocorridos com as crianças italianas, vítimas inconscientes de um sistema capitalista emergente que não tinha escrúpulos em sacrificar suas vidas em nome do lucro.