quarta-feira, 31 de maio de 2023

Reescrevendo as Regras: O Impacto das Mulheres Migrantes em uma Sociedade Patriarcal



Apesar das emigrações italianas dos séculos XIX e XX terem se caracterizado por uma predominância masculina, longe está que as mulheres não tenham sido afetadas pelo fenômeno e dele participado ativamente em primeira pessoa. Muitas foram aquelas que sozinhas viajaram, trabalharam e lutaram para sustentar as suas famílias. Aquelas que ficaram, trabalhavam duro nas suas casas, nas pequenas propriedades rurais, Outras, mais aventureiras, devido a situação de penúria que se encontravam em suas casas se viram compelidas a partir em migração para ganhar o pão para a família. Ambas, cada uma na sua realidade e capacidade, desempenharam dignamente o seu papel, não ficando devendo nada aos homens. 
Pode-se até pensar hoje em dia que a situação das mulheres que não migravam e ficavam com os serviços da casa, não precisando expor enfrentando perigosas viagens em países desconhecidos, seria muito mais fácil. O objetivo da mulher era ter muitos filhos, necessários para ajudar nos serviços da roça. Devemos lembrar que a mulher no século XIX não tinham o mesmo conhecimento e liberdade das mulheres do século XXI. Naquela época, a grande maioria das mulheres era totalmente dependente do marido, sozinha não sabia nem ir até a prefeitura local resolver qualquer problema relativos a propriedade ou aos negócios. As mulheres tinham em geral muitos filhos e envelhecia precocemente e adoecia com mais frequência devido sobretudo a falta de higiene. Com a idade de cinquenta anos uma mulher já estava bastante envelhecida e sem a energia que hoje facilmente podemos constatar. Se o marido precisava emigrar a mulher ficava com todos os serviços difíceis e sozinha tinha que criar os filhos, cuidar dos animais domésticos, cultivar o campo, fazer as tarefas domésticas de uma casa e negociar o resultado das safras. 
Por outro lado, algumas mulheres eram possuidoras de um tipo de força, de coragem e decidem elas mesmo partir em busca de trabalho. Como faziam muitos homens, eram vendedoras ambulantes que, percorriam sozinhas grandes distâncias, muitas vezes atravessando a fronteira de outros países, alcançado países como a Suíça, a França e o império Austro-Húngaro, procurando vender as suas mercadorias. Partiam na primavera carregando uma caixa nas costas, cheia de objetos para vender percorrendo a pé por longas distâncias, para retornarem no outono. Com o tempo aprenderam a também se deslocar de trem, muitas vezes em grupo. Também sua presença era vista na Bélgica, fazendo um trabalho pesado nas minas de carvão, trabalhando na descarga dos carrinhos de material retirados dos túneis pelos homens mineiros.
Um outro tipo de migração sazonal praticado por mulheres e meninas, as conhecidas regionalmente por ciòde e ciodete, respectivamente que partiam da província de Belluno na primavera dirigindo-se a pé para o Trentino e Tirol, para trabalharem nos cuidados com animais, serviços no campo e nas casas como auxiliares.
Uma outra atividade feminina a partir do final do século XIX e que também exigia migrações internas ou até mesmo emigração temporárias, também a mais conhecida, é a de ama de leite ou seca. São as chamadas “balie”, as mulheres que substituem outras mães, geralmente de famílias ricas, que não podem ou não querem amamentar seus próprios filhos. Uma profissão que necessitava de um certificado atestando constituição robusta, que tivesse dado a luz recentemente e que estava gozando de ótima saúde. Necessitavam deixar seus próprios filhos aos cuidados de outras mulheres da família, quase sempre alimentados com leite de vaca ou cabra, para ir cuidar de bebês de outras famílias desconhecidas, muitas vezes fora do país. O impacto psicológico a que estavam sujeitas essas mulheres era enorme, criando um sentimento de culpa por ter de deixar o próprio filho e de dedicar a outro. Durante os meses em que estava fora de casa podia acontecer que seu próprio filho viesse a falecer por alguma doença ou mesmo pela falta de leite materno. As suas famílias então, normalmente, não avisavam aquela pobre mãe para não perder o seu leite e, por consequência, o dinheiro que ganharia. Quando voltava para casa, saudosa e contente com o salário conseguido com os seus trabalhos, recebia a triste notícia da morte do seu bebê. Realmente um quadro muito triste, mas, que foi a realidade vivida por tantas dessas mulheres. As amas secas cuidavam dos filhos de outras mulheres mas, não precisavam amamentar. A província de Belluno foi um dos lugares onde essa atividade prosperou por muito tempo, até meados do século XX, e suas mulheres eram bastante disputadas pelas classes aristocráticas do centro da Itália e de outros países europeus.
Já no século XX a presença de mulheres provenientes de Belluno eram cada vez mais encontradas como emigrantes trabalhando em atividades comerciais ou nas indústrias têxteis da Suiça. 




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

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