A Chegada
A longa e quase interminável viagem de navio a vapor, que durou mais de quatro semanas, do emigrante Domenico Risottoni e sua família, desde a província de Rovigo para a América do Sul, estava prestes para chegar ao fim. Muito cedo da manhã, com a luz do dia ainda fraca, desde o alto do tombadilho da velha e lenta embarcação, já se podia reconhecer ao longe o contorno mais escuro da costa brasileira, com as características montanhas que circundavam o porto do Rio de Janeiro. Quando se aproximaram do cais, uma dessas grandes pedras chamou muito a atenção de todos: era uma montanha, não muito alta, de forma arredondada, que se sobressaia pela sua inusual forma, no meio de tantas outras de diversas alturas. A exuberante vegetação tropical reinante na região e as longas praias com suas belas curvas e areia muito branca, logo cativaram a todos os passageiros, quase todos eles provenientes da região italiana do Vêneto, no nordeste da península. Quando desembarcaram, o encontro com algumas pessoas de pele escura, também foi uma grande novidade, fato muito comentado entre eles. Sabiam que ainda não era o fim da longa jornada. Depois de três dias abrigados na Hospedaria dos Imigrantes, chegava a hora de prosseguir. Os imigrantes que tinham como destino o Porto de Santos, foram todos embarcados em outro navio, de menor calado, que só fazia viagens ao longo da costa. Não era um trajeto muito longo, e depois de dois dias desembarcaram na cidade de Santos, com mais oito famílias, em um total de 52 pessoas, todos eles da mesma província. Ainda de madrugada se dirigiram à estação ferroviária, embarcando em direção à cidade de Campinas, no interior da Província de São Paulo, onde estava programada a troca de trem. Desde a chegada ao porto até ali, tudo o que eles puderam ver e sentir muito os agradou, especialmente o clima e a pujança daquela rica região. Ao chegarem a estação de Campinas, foram recebidos por dois empregados da fazenda que os tinha contratado, um dos quais falava perfeitamente a língua vêneta e com ajuda deles, após passado o meio-dia partiram novamente em outro trem, até a pequena estação Conselheiro Martin Francisco, um local desolado formado somente por duas ou três casas de madeira, o ponto mais próximo à fazenda de café que o trem podia alcançar. Já era quase cinco horas e todos estavam exaustos de tantas noites mal dormidas e pouca alimentação. No local os esperavam outros funcionários da fazenda, um deles negro, com dois enormes carroções puxados por várias juntas de bois cada um, para levar as crianças, os mais idosos e a bagagem de todo o grupo. Havia outra carroça, mais leve e com grandes rodas, puxada por duas mulas, para levar os funcionários. Informaram que a fazenda ainda ficava um pouco distante e todos precisavam caminhar. Não era uma verdadeira estrada e sim um caminho de sobe e desce, pouco transitado, tortuoso, com pedras soltas, muitos buracos e às vezes inesperados precipícios. Tiveram que atravessar pequenas e estreitas pontes de madeira sobre rios com grande correnteza e alguns precipícios. Já era noite e essa caminhada foi ficando cada vez mais perigosa. Domenico e os demais companheiros começaram a tomar conhecimento da realidade onde haviam se metido. Naquele momento era desejo de todos embarcar no primeiro trem de volta, de irem para outro lugar mais civilizado, mas, infelizmente, não era mais possível, estavam presos a um contrato assinado com o dono da fazenda que impedia tal procedimento. Caminhavam em marcha lenta ao lado dos carroções e alguns levavam lampiões, trazidos pelos funcionários da fazenda, para clarear um pouco a sinuosa estrada. Das matas ao longo do caminho, ouviam estranhos sons que ainda não conheciam e muito medo os incutiam. As mulheres e as crianças choravam amedrontadas com aqueles sons vindos da floresta, a escuridão e o isolamento. Eram aves noturnas, como as corujas, urutaus e bandos de macacos que, assustados com a luz e o barulho da conversa em voz alta do grupo, faziam grande algazarra.
Giuseppina, a jovem esposa de Domenico, era uma mulher de 31 anos, muito forte e saudável, que já havia tido oito filhos, dois dos quais não sobreviveram ao primeiro ano de vida. Era a filha do meio de um casal de trabalhadores rurais, muito pobres, com doze filhos vivos. Casou-se muito cedo, como era habitual naqueles tempos. Desde os doze anos já trabalhava pesado, empregada como “mondine” nas plantações de arroz na sua vila natal próxima a Badia Polesine e também nos municípios vizinhos. Era um trabalho muito duro. Acordava as quatro da manhã e as cinco já estava na estrada, caminhando acompanhada por outras moças e mulheres de mais idade, em direção a “risaia”, as plantações de arroz nas margens alagadas pelas águas do rio Pó. O trabalho se desenvolvia em duas épocas do ano. Primeiro o preparo dos canteiros na terra que seria alagada e a plantação das mudas, já com água. O segundo momento, alguns meses depois, o da colheita, quando grandes grupos de mulheres e também alguns homens, com água até quase os joelhos arrancavam e amontoavam as plantas. Foi em uma dessas plantações de arroz, em uma vila bem distante da sua casa, onde as mulheres ficavam todas alojadas por dois ou três meses, até o término da colheita, que Pina, assim era o seu apelido, conheceu um rapaz, também empregado na mesma propriedade, que viria mais tarde ser o seu marido.
Naquela noite escura, exausta, caminhando ao lado do carroção onde estavam dormindo os seus seis filhos, depois de muito chorar com as lembranças e recordações que teimavam aflorar, os seus pensamentos então se voltaram para o que estava fazendo ali perdida no meio do nada, em um país totalmente estranho e até hostil. O medo tomou conta dela. Angustiada pensou como seria agora a sua vida nesta nova terra, no meio dessa floresta cheia de perigos, como conseguiriam criar os filhos. Lembrou também da situação de miséria e até fome que estavam passando naquele Vêneto que não mais reconheciam como sua pátria. Mais guerras, humilhações, desemprego e fome era tudo o que podiam esperar do novo reino há poucos anos criado, daquele novo país que agora era chamado Itália. Os agricultores e os donos de pequenas áreas de terras, que sempre empregavam trabalhadores diaristas, não conseguiam mais suportar os impostos criados e muitos deles deixavam suas propriedades e também iam se aventurar nas cidades maiores ou partiam em emigração para outros países. Pela falta de uma indústria forte as cidades não conseguiam absorver toda essa mão de obra que chegava e os bolsões de pobreza se instalavam ao seu redor. Depois do casamento Pina, quase sempre estava grávida, não podia fazer outra coisa do que cuidar da casa e da criação dos filhos, que vinham quase anualmente, com uma impressionante regularidade. De repente lembrou das duas crianças que não conseguiu criar, mortas ainda bebês quando ela ficou sem leite para amamentar pela desnutrição causada pela falta de uma alimentação melhor para ela, e as lágrimas rolaram intensamente pela sua face. Naquela época, nem eles, nem as suas famílias tinham pelo menos uma vaca e também o dinheiro para comprar o leite. Domenico às vezes arrumava algum serviço como trabalhador braçal. Não eram trabalhos fixos com salários mensais e sim diários, mas o que conseguia ganhar mal dava para alimentar a família. Tanto ela como Domenico muitos dias deixavam de fazer uma das refeições para deixar alguma coisa para os filhos. Lembrou também de quando tomaram a decisão de emigrar para o desconhecido Brasil. Tinha sido em um domingo após a missa, que raramente faltavam. Na pequena praça frente a igreja viram um homem bem-vestido, portando alguns cartazes e gritando para chamar a atenção de todos. Era o representante de uma companhia de navegação com sede na cidade de Gênova, que girava por todos os municípios tentando contratar emigrantes para trabalharem em fazendas de café no Brasil. Descrevia o grande país sul-americano como um verdadeiro El Dorado onde uma pessoa poderia em poucos anos ser dono de sua própria terra. A viagem até o novo local de trabalho também seria paga pelos fazendeiros e pelas autoridades brasileiras. Como condição para ser aceito bastava estar gozando de boa saúde e ir acompanhado pela família. Tanto ela como Domenico acharam que esta seria a grande oportunidade deles deixarem para trás aquela Itália sem futuro, que não tinha condições para lhes dar um trabalho digno para sustentar a família.
Perdida com seus pensamentos, Pina se assustou quando Domenico se aproximou ao seu lado, trazendo uma caneca de barro com água. Por ele ficou sabendo que já estavam próximo do destino e que, se fosse dia, já poderiam ver parte da fazenda.
Quando finalmente chegaram a sede da grande propriedade, foram recebidos pelo administrador que os distribuiu nos seus alojamentos, que nada mais eram do que pequenos casebres de madeira, um ao lado do outro, distribuídos em fila, os quais alguns anos antes serviam de moradias dos escravos da fazenda.
Continua
Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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