domingo, 8 de abril de 2018

Os Barcos da Morte que Transportaram os Emigrantes Italianos para a América



A travessia do Atlântico era realizada em condições muito precárias, em velhos navios com mais de vinte anos de uso, sempre transportando mercadorias. Eram verdadeiras carroças do mar. No início da grande emigração, mais frequentemente, antes de 1866 ainda eram usados veleiros. No início da corrida para América a maioria já era de navios cargueiros à vapor. Esses tinham o seu interior rapidamente adaptados, para poder abrigar passageiros, com a colocação de catres para dormirem sem a menor privacidade. As companhias de navegação italianas não podiam perder tempo para auferir grandes lucros, explorando aquele novo filão, provocado pela emigração maciça de italianos. Grandes lucros nos ombros dos pobres e indefesos emigrantes, descurando do conforto mínimo, da higiene e da adequada manutenção desses barcos.
Esses navios partiam sobrecarregados de emigrantes, embarcados em número muito maior do que as instalações à bordo permitiam. Essas reformas feitas às pressas, no próprio porto, eram muito básicas, não muito mais do que a construção de catres para os emigrantes deitarem, sendo que mesmo no seu interior não permitiam qualquer privacidade. À bordo não havia instalações sanitárias adequadas e o ar, naqueles porões sem ventilação, era fétido e sufocante, a ponto de surgirem muitos casos de asfixia durante a longa viagem. Os emigrantes ainda precisavam conviver com uma grande quantidade de animais vivos embarcados engaiolados, que seriam depois, gradativamente, abatidos e carneados no próprio convés à frente de todos, durante a travessia. 
A higiene à bordo por ser muito precária, onde as necessidades fisiológicas eram feitas em baldes que depois despejados no mar, logo dava lugar para as epidemias à bordo, que ceifavam a vida de centenas de pessoas, geralmente os mais debilitados, velhos e as crianças. Para horror dos familiares os corpos eram jogados ao mar, apenas enrolados em um lençol. Este episódio marcou profundamente a vida dos nossos antepassados e ainda hoje é lembrado pelos seus descendentes como o mais significativo de toda a travessia.
Era comum faltar comida para todos o que provocava desnutrição e redução da imunidade, que colaborava para o aparecimento de doenças. Uma grande quantidade de pessoas de diversas idades mantidas amontoadas, confinadas em ambientes com pouca circulação de ar, se alimentando precariamente, submetidos a uma higiene também precária, sem instalações sanitárias adequadas e falta de banho regular, faziam desses navios verdadeiras armadilhas flutuantes prontas para adoecer aqueles menos resistentes.
Quando enfim os navios chegavam ao seu destino, frequentemente, parte da “carga” que levava chegava muito doente ou mesmo já sem vida.
Alguns dados a seguir, em registros encontrados no museu da emigração italiana, podem nos dar uma ideia do quadro de horror vivido pelos nossos avós e bisavós nesses navios. Esses dados abaixo também podem esclarecer a razão da denominação de “navios da morte” como eram conhecidos.
No ano de 1905 no navio “Città di Torino”, houveram 45 óbitos, de um total 600 passageiros embarcados. 
No navio “Matteo Brazzo”, no ano de 1884 houveram 20 mortos por cólera, de um total de 1.333 embarcados. Esse navio, por ter casos de cólera à bordo, foi repelido a tiros de canhões, no porto de Montevideo, pelo temor da transmissão da doença. Imaginem um barco, repleto de passageiros amontoados, sem instalações sanitárias adequadas, onde se usava como latrina um balde ou uma lata, no momento que se iniciava uma epidemia de cólera! Lembramos que o cólera é uma doença muito transmissível onde não haja higiene das mãos e do corpo. Imaginem a cena dantesca quando várias centenas de passageiros acometidos ao mesmo tempo de diarreia intensa, fétida, sanguinolenta e vômitos incoercíveis  e tudo isso sem latrinas suficientes! É um cena de horror. 
O navio “Cachar”, em 1888 teve 34 mortos por fome e asfixia. 
O “Frisia”, no ano de 1889, teve 27 mortes devido asfixia e mais de 300 passageiros doentes. 
No “Pará”, também no mesmo ano de 1889, surgiram 38 casos de sarampo. 
O navio “Remo”, no ano de 1893, teve 96 mortos por cólera e difteria. 
No “Andrea Doria”, em 1894, teve 159 mortos de um total de 1.317 emigrantes. No “Vicenzo Florio” , também no ano de 1894, aconteceram 20 mortes. 



Nem sempre o problema da perda de vidas era devido às precárias condições de higiene à bordo daqueles navios. Muitas vezes, provavelmente, devido ao longo tempo de uso e a deficiente manutenção dessas embarcações criaram condições para muitos naufrágios, levando à morte milhares de emigrantes que embarcavam dias antes sonhando com uma vida melhor. 
Relatos de inúmeros naufrágios ocorridos durante o período do grande êxodo italiano, que causaram milhares de mortes de emigrantes, podem nos dar uma ideia do que ocorria nos velhos navios das companhias italianas de navegação. 
No ano de 1891, nas costas da Líbia, frente ao porto de Gibraltar, o navio “Utopia” naufragou e causou a morte de 576 passageiros, todos emigrantes provenientes do sul da Itália. 
O mesmo aconteceu com “Bourgogne”, no ano de 1898, perto da Nova Escócia, onde morreram 549 emigrantes, muitos dos quais de origem italiana. 
O naufrágio do navio “Sirio”, é um dos mais lembrados na memória dos descendentes de italianos que vieram para o Brasil, muito provavelmente, pela triste canção dedicada a esse naufrágio, cantada ainda hoje pelos grupos folclóricos de canto na Itália e no Brasil. Naufragou nas costas da Espanha em 1906, levando à morte 550 emigrantes. Entre os mortos desse desastre estava o bispo de São Paulo. 
Um outro naufrágio, também muito lembrado foi o do navio “Principessa Mafalda”, que tinha sido até então o mais famoso barco de passageiros da frota mercante italiana. Com mais de vinte anos de uso e sem uma manutenção adequada nos últimos anos. O naufrágio foi no ano de 1927, nas costas brasileiras, entre o litoral da Bahia e Rio de Janeiro, quando fazia a sua última viagem transoceânica antes de ser definitivamente aposentado e desmantelado. Oficialmente foram 600 mortes, de um total de 1.259 passageiros embarcados, a grande maioria composta por emigrantes italianos do Piemonte, Ligúria e do Vêneto. Como nessa época a Itália estava sob o regime fascista, tentaram inicialmente minimizar o número total de vítimas, dizendo que era entorno de 300, mas, depois confirmaram 600, que na realidade foram 658 passageiros que perderam a vida. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

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