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sexta-feira, 11 de agosto de 2023

A Pobreza e a Fome: Dois dos Principais Motivos para a Emigração Italiana




 

As razões por trás da emigração italiana: fatores econômicos, políticos e sociais que levaram muitos italianos a deixarem sua terra natal em busca de novas oportunidades no Brasil. 

A emigração italiana foi um fenômeno bastante significativo que ocorreu nos últimos 25 anos do século XIX e início do XX. Como um verdadeiro êxodo dos tempos modernos, milhões de italianos, homens, mulheres e crianças deixaram sua terra natal em busca de novas oportunidades em países estrangeiros, incluindo o Brasil. 
As razões por trás da emigração italiana, que levaram toda essa gente a abandonar o seu país, foram diversas e complexas, envolvendo fatores econômicos, políticos e sociais. 
Uma das principais causas para que acontecesse a emigração italiana foi a pobreza e a falta de oportunidades econômicas na Itália. O país enfrentou muitos desafios econômicos ao longo do século XIX, incluindo a quebra de safras, calamidades naturais, aluviões nas zonas de montanha e enchentes nas planícies, irregularidade do clima com períodos prolongados de estiagem seguidos por enchentes catastróficas nas planícies, desemprego no campo, baixa remuneração pelo trabalho dos trabalhadores agrícolas, descontentamento pelos baixos salários nas fábricas, aumento de impostos e da inflação. 
A escassez de terras cultiváveis para todos e a má distribuição de recursos naturais também foram fatores que contribuíram decisivamente para estimular essa multidão para a emigração. Muitos italianos simplesmente não tinham a oportunidade de cultivar suas próprias terras e sustentar suas famílias. As terras agricultáveis eram de propriedade particular, muitas vezes de pequenos proprietários rurais que contratavam mão de obra ou permitiam que outros cultivassem as suas terras em regime de "mezzadria", uma forma de meeiro, ou seja uma grande parte do que era colhido devia ser entregue ao dono da propriedade. Isso descontentava aqueles pequenos trabalhadores rurais, cujas famílias  por séculos nunca tinham sido proprietários da terra onde trabalhavam. Ansiavam por serem donos da sua terra, de não precisarem mais dividir a safra com o senhor da propriedade. 
A emigração também foi impulsionada por fatores políticos e sociais. A Itália desde meados do século XVIII passou por um período de invasões estrangeiras, por diversas guerras de libertação e um processo turbulento de unificação do país no século XIX, o que aumentou as tensões sociais e instabilidade política, que causaram o aumento do empobrecimento da população e a fuga do campo. 
A unificação da Itália também levou à formação de um estado centralizador, concentrando poder e recursos em algumas regiões do norte italiano, como por exemplo o Piemonte. As regiões mais pobres, tais como o Vêneto e diversas províncias das regiões meridionais do país, muitas vezes foram deixadas para trás. 
A emigração também foi influenciada por questões religiosas. Muitos italianos, especialmente os do norte, como os do Vêneto e províncias do sul do país, eram católicos e sentiam-se marginalizados pelo estado italiano secular. Com a unificação e criação do novo país, as terras de propriedade do Vaticano, que correspondiam praticamente a quase todo o centro da Itália, saíram da esfera política da igreja passando para o novo reino.
A instabilidade política também foi um fator importante na emigração italiana. O país enfrentou muitos conflitos internos ao longo do século XIX, como as três guerras de libertação que além de criarem prejuízos e instabilidade social, durante anos fizeram com que uma grande parte da juventude fosse convocada para o serviço militar obrigatório, retirando os preciosos braços dos serviços do campo. 
As tensões sociais e políticas foram exacerbadas pela fome e doenças, que assolaram a Itália durante o século XIX, sobretudo a região do Vêneto onde a pelagra, uma doença carencial, era endêmica pela má alimentação da sua população. A falta de infraestrutura e serviços públicos eficazes também contribuiu para a pobreza e a desigualdade. Com a unificação foi criado o reino da Itália, porém ainda não havia um sentimento de nacionalidade, ou seja, para o país ainda faltava muito para de fato ser uma nação. Quando o movimento migratório tomou corpo, a Itália existia como país somente há alguns poucos anos e o povo ainda não se sentia italiano, poucos se expressavam na língua oficial do novo país.
A emigração italiana para o Brasil começou no final do século XIX e início do século XX. Muitos italianos foram atraídos pelas oportunidades econômicas que o rico Brasil Império oferecia, incluindo a possibilidade de trabalhar na agricultura, e poder se tornar proprietário da terra que cultivavam. Era o coroamento do antigo sonho da propriedade acalentada pela maioria daqueles pobres agricultores. Isso foi a realidade para os que optaram em emigrar para as recém inauguradas colônias italianas do Rio Grande do Sul e um pouco mais tarde para o Paraná e Santa Catarina.  Também se fascinaram pelo clima tropical e pela promessa de uma vida melhor na América, como então era chamado o Brasil. 
A emigração italiana para o Brasil também foi influenciada pela política do governo brasileiro de importar mão de obra  estrangeira para trabalhar na agricultura e na incipiente indústria nacional, principalmente devido a abolição da escravidão e consequente diminuição da mão de obra barata. 
O governo brasileiro viu a emigração italiana como uma forma de estimular o desenvolvimento econômico do país, preencher os vazios demográficos do sul e atrair novos investimentos. 
A emigração italiana para o Brasil foi impulsionada principalmente por italianos das regiões norte e nordeste, incluindo Piemonte, Lombardia e Veneto, mas, em grande número, também do sul da Itália, incluindo a Sicília, a Calábria e a Campania, locais que contribuíram com a maioria dos imigrantes. 
Os italianos que emigraram para o Brasil por diversas vezes tiveram que enfrentar muitos desafios, desde a decisão de emigrar, a longa travessia do desconhecido oceano e os primeiros anos na nova pátria, muitas vezes, como no Rio Grande do Sul, reunidos em colônias situadas no meio de extensas florestas, longe de qualquer conforto da civilização. A maioria desses imigrantes não falava português e nem italiano, somente os seus dialetos regionais e tiveram que aprender uma nova língua para se comunicar e se adaptar à vida no país. No Rio grande do Sul chegaram literalmente a criar uma nova língua para se comunicar entre eles - o talian. Os primeiros imigrantes não conheciam ainda a língua italiana, baseada no dialeto toscano, do centro do país, e só falavam os seus dialetos que muitas vezes eram bastante diferentes entre si. Quando aqui chegaram os primeiros imigrantes "italianos" a Itália como país existia há bem poucos anos e a nova língua era praticamente desconhecida. Com a unificação e criação do reino da Itália, estava formado o país Itália, mas, ainda não tinham sido criados os italianos. Não havia então um sentimento nacional de cidadania.
Os italianos que emigraram para o Brasil sem contratos previamente assinados também enfrentaram dificuldades na obtenção de trabalho e na adaptação às novas condições de trabalho. A maioria dos que se dirigiram para os estados do centro do país trabalhava em condições precárias nas plantações de café e algodão, em menor número na incipiente indústria têxtil em São Paulo. Os que foram designados para povoar as novas colônias criadas no sul do país tiveram que lutar contra a adversidade e o isolamento. Essas colônias no Rio Grande do Sul estavam localizadas distantes de centros povoadas, escondidas no meio da densa floresta sem estradas. 
A emigração italiana também teve um impacto significativo na Itália. A perda de mão de obra nos campos e a saída de trabalhadores jovens deixaram a Itália em uma posição difícil, mas, por outro lado, a emigração  também permitiu o desenvolvimento do país com as remessas de dinheiro que os emigrantes mandavam do exterior. Com a diminuição significativa do número de bocas para alimentar, as famílias começaram a ter melhores condições de vida.
A emigração italiana também teve um impacto na sociedade italiana. Muitas comunidades ficaram desfalcadas, com a perda de membros importantes e influentes. 
No Brasil a imigração italiana também teve um impacto importante na cultura e na sociedade brasileira. A chegada de milhares de italianos trouxe novas tradições, costumes e alimentos para o Brasil, com o tempo a culinária italiana se tornou popular em todo o país. 
A imigração italiana também levou à formação de comunidades italianas no Brasil, que muitas vezes se estabeleceram em áreas rurais e urbanas. Essas comunidades ajudaram os imigrantes a se adaptarem à vida no Brasil e a preservar sua cultura e tradições. 
A emigração italiana para os Estados Unidos foi impulsionada principalmente por razões econômicas, enquanto a emigração para a Argentina foi influenciada pela disponibilidade de terras para cultivo e pela falta de restrições à imigração. 
A emigração italiana para o Brasil atingiu seu pico na década de 1910, quando cerca de 1,5 milhão de italianos emigraram para o país e continuou até a década de 1970, embora em números muito menores e teve um impacto duradouro no país, tanto em termos de cultura quanto de desenvolvimento econômico. 
A presença italiana no Brasil é evidente em muitas áreas, incluindo a arquitetura, a culinária, a música e a arte. 
Hoje milhões de brasileiros têm ascendência italiana e mantêm ainda fortes laços com suas raízes italianas. 
A emigração italiana para o Brasil foi um exemplo da busca de novas oportunidades por parte dos imigrantes, apesar dos muitos desafios e dificuldades que enfrentaram. 
Ela também é um lembrete da importância da imigração para o desenvolvimento econômico, cultural e social de um país.

Dissertação
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



terça-feira, 19 de julho de 2022

A Fome no Vêneto do Século XIX

 

O homem e seu cão de Antonio Rocca




Já se sofria de fome na região do Vêneto desde muito tempo. Estava espalhada especialmente pela zona rural, onde o pequeno agricultor trabalhava muito mas, não tinha o suficiente para comer. A alimentação era precária, de má qualidade, pobre no fornecimento dos nutrientes necessários à vida diária.

O Vêneto já havia conhecido uma história de esplendor e fartura durante a República Sereníssima de Veneza. Apesar dela já estar em fase de decadência no final do século XVIII, foi somente após a invasão e tomada de todo o Vêneto por Napoleão, em 1766, que a região passou a decair mais rapidamente, culminando nos anos que se seguiram a unificação da Itália.

O preço para a construção do novo país, com as novas taxas criadas,  recaiu principalmente nas costas dos mais pobres, entre eles os pequenos agricultores que constituíam a maioria da população. 

Durante o século XIX, especialmente nos seus cinquenta anos finais, nas zonas rurais do Vêneto, a maioria das numerosas famílias dos pequenos agricultores e dos pobres trabalhadores diaristas, que se contavam em milhares, comiam praticamente somente o milho, na forma de farinha moída e cozida em água fervente, muitas vezes sem sal. 





Poenta brustolà


Era a tradicional a polenta, uma refeição muitas vezes ingerida sem qualquer acompanhamento, a não ser algumas ervas e verduras. Comiam polenta pela manhã no desjejum, no almoço, apenas um intervalo durante a jornada de trabalho, e no jantar, quando, exaustos retornavam para as suas casas.

Essa dieta precária foi a causa da chamada doença dos "três D's" muito generalizada em todo o Vêneto, conhecida cientificamente como pelagra. Os 3 D's representavam as letras iniciais dos nomes dos sinais e sintomas das três fases conhecidas desta grave doença: dermatite, diarréia e demência.

Essa doença ainda fazia vítimas em meados do século seguinte, já próximo da II Grande Guerra e para termos uma ideia, nos dias atuais, mesmo em países muito pobres, assolados por guerras, catástrofes naturais ou frequentes convulsões sociais, não encontramos casos de pelagra.

A pelagra é fruto de uma fome crônica causada por uma alimentação inadequada, estoicamente suportada por muito tempo. 


Interior de uma pobre casa típica no Vêneto antigo 



O vinho, mais que uma bebida, era um alimento de verdade, e muito consumido pelos vênetos, causando uma outra praga representada pelo alcoolismo. O seu consumo nas zonas agrícolas do Vêneto eram muito superiores da média.

Quando na segunda metade do século XIX os parreirais italianos foram acometidos pela doença da filoxera, com a perda de quase todas as plantações de uva, causou uma catástrofe na economia regional e também na nutrição da população. 

A Itália depois da unificação era um país atrasado, pobre em relação à maioria dos países europeus, com um parque industrial muito reduzido e que não dava conta de absorver o excesso de mão de obra representado pelos milhares de desempregados do campo que procuravam trabalho nas cidades.

Até a época da grande emigração, que teve início por volta de 1875, a Itália era um país com uma economia essencialmente agrícola, mas, muito atrasada em relação a outros países. 

O campo era trabalhado nos mesmos moldes medievais, usando os mesmos instrumentos de trabalho do século anterior e onde a mecanização era privilégio de algumas poucas regiões. 

Com a emigração, em poucos anos milhares de pessoas deixaram o Vêneto aliviando assim a pressão social e o número de bocas a serem alimentadas. Além disso, passados os primeiros anos na terra de adoção, as regulares remessas de recursos, transferidas por aqueles que partiram, para os seus familiares que ficaram na Itália, possibilitou uma melhoria das condições de vida em todo o país. 



Dr. Luiz Carlos Piazzetta
Erechim RS